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Uma revisão da crise na ciência econômica (keynesianismo x monetarismo)*

A review of the crisis in economics (Keynesianism versus monetarism)

RESUMO

Este artigo revisa os diferentes elementos que sugerem a existência de uma crise na ciência econômica. Em particular, examina-se a possibilidade ou impossibilidade de coexistência de diferentes paradigmas em Economia; é possível a síntese de diferentes paradigmas? porque sim ou porque não? Além disso, é revisada a recente discussão metodológica relacionada a falta de relevância e falta de explicação da Realidade dos atuais modelos teóricos formais e esotéricos; a teoria formal moderna está mais interessada em otimizar do que em explicar. Como chegamos a esse estado de coisas e o que fazer a respeito. A América Latina enfrenta problemas econômicos urgentes, portanto, a relevância deve ser o foco principal da maioria das pesquisas econômicas.

PALAVRAS-CHAVE:
Keynesianismo; monetarismo; história do pensamento econômico; metodologia econômica

ABSTRACT

This paper reviews the different elements suggesting the existence of a crisis in the economic science. In particular it is examined the possibility or impossibility of coexistence of different paradigms in Economics; is it possible the synthesis of different paradigms? why yes or why no? Also, it is reviewed the recent rnethodology discussion related to the lack of relevance and lack of explanation of Reality of present formal and esoteric theoretic models; modern formal theory is more interested in optimizing than in explaining. How did we arrive to this state of affairs and what to do about it. Latin America faces urgent economic problems, therefore relevance should be the main focus of most economic research.

KEYWORDS:
Keynesianism; monetarism; history of economic thought; economic methodology

Nesta última década, os países têm enfrentado uma variada gama de problemas econômicos. Aparentemente, soluções diversas foram experimentadas e ainda vários desses problemas não foram resolvidos, mesmo quando soluções diametralmente opostas foram empregadas. A este respeito, surgem várias perguntas. Como é possível que frente a um mesmo problema haja economistas que sugiram soluções diferentes e, às vezes, exatamente opostas e, como se explica o fato de que os distintos tipos de soluções fracassem? (Thurow, 1983). Por outra parte, como é possível que haja ocasiões em que inclusive não exista coincidência de opiniões diante do diagnóstico de um problema? No caso chileno, um bom exemplo sobre isto é a discussão que prevaleceu no segundo semestre de 1981 em que, enquanto alguns economistas acreditavam que era necessário fazer desvalorização para enfrentar o enorme déficit da conta corrente, outros economistas acreditavam que se devia revalorizar, porquanto a balança de pagamento se apresentava superavitária; por sua vez, as autoridades econômicas acreditavam que se devia manter o câmbio constante para não alterar o valor do “lastro” nominal do modelo econômico.

Em medicina, é factível constatar a descoberta de vacinas ou antídotos que preveem ou curam determinadas enfermidades e, uma vez que se disponha de tais vacinas ou antídotos, as enfermidades em questão deixam de constituir um problema e, muitas delas desaparecem. Não é possível observar algo similar no caso da ciência econômica. Um bom exemplo disto é o fenômeno da inflação. Há distintas teorias sobre a inflação. Os monetaristas creem que a inflação é um fenômeno essencialmente monetário e, em consequência, se se controla a quantidade de dinheiro, é possível sua eliminação. Os keynesianos sustentam que a inflação é produto da existência de um excesso de demanda agregada e que através de políticas fiscais seria possível reduzir tal excesso de demanda agregada e, assim, reduzir a inflação. Os neokeynesianos creem que a inflação é consequência de pressões de custos que geram um espiral que se retroalimenta fazendo subir os preços dos bens e fatores produtivos; uma política de rendas que consiga controlar simultaneamente os aumentos de todos os preços, eliminaria a inflação. Os neomonetaristas creem que a inflação é gerada pelas expectativas inflacionárias que os agentes econômicos possuem; se se consegue afetar tais expectativas, poder-se-ia acabar com o fenômeno inflacionário. Em síntese, cada uma destas teorias tem sido aplicada e, entretanto, o fenômeno inflacionário não foi erradicado, isto é, ainda não se sabe como eliminar a inflação. É interessante observar que o Plano Austral argentino (junho de 1985) é realmente uma combinação destas quatro teorias. Contudo, se bem que tal programa estabilizador tenha tido êxito em reduzir uma quase hiperinflação, não se podia afirmar que não haveria inflação (ainda que moderada) na evolução futura da economia argentina.

Na década de 70, nas economias dos países desenvolvidos e em desenvolvimento surgiu um novo fenômeno econômico, a estagflação, isto é, a coexistência de níveis altos de inflação e desemprego. Este fenômeno não tem explicação no marco econômico existente e, em consequência, se desconhece qual seria o pacote de políticas econômicas requerido para sua erradicação. Com efeito, nos distintos enfoques da teoria econômica convencional, um alto nível de desemprego gera pressões anti-inflacionárias; logo, como é possível que coexistam simultaneamente e de maneira persistente uma taxa alta de desemprego e uma alta taxa de inflação? Por outra parte, para reduzir a inflação tradicionalmente se sugere o uso de políticas que diminuam o nível da atividade econômica, mas, em troca, para diminuir o desemprego, se sugere o contrário, isto é, políticas reativadoras; assim, que tipo de políticas ter-se-ia que aplicar para erradicar a estagflação?

Em síntese, há ocasiões em que os economistas discordam na identificação do problema de uma determinada situação; quando coincidem no diagnóstico do problema, discordam quanto às possíveis soluções e quando as distintas soluções sugeridas são aplicadas, o problema não fica resolvido; por último, existem hoje em dia, problemas econômicos para os quais não se tem claro o modo de abordá-los, seja teórica ou praticamente.

A existência de discrepâncias ou de fenômenos não resolvidos é condição necessária, mas não suficiente para gerar a crise de uma ciência. Discrepâncias em economia sempre existiram, mas, nem por isto, falou-se na existência de uma crise na teoria econômica. Por outro lado, deve-se observar que a medicina ainda não tem, nem a explicação nem a solução do câncer e, entretanto, ninguém propõe que haja uma crise na ciência médica; logo, por que seria diferente o impacto gerado por um fenômeno novo como a estagflação sobre a teoria econômica? Isto é, não seria lógico inferir que a teoria econômica está em crise porque não pode resolver os fenômenos existentes hoje em dia (Hutchison, 1977). Todas as disciplinas enfrentam problemas não resolvidos; ainda não temos conhecimento completo de nada; mas, tudo isto não é motivo para propor que haja uma crise do conhecimento humano, ou desconhecer o fato elementar de que, hoje em dia, sabemos mais que ontem.

A verdade é que, até bem pouco tempo atrás, os economistas estavam muito orgulhosos e eram muito otimistas com relação ao potencial científico de sua disciplina; criam em sua capacidade analítica para resolver questões importantes e confiavam na solidez de seu instrumental teórico e empírico. De fato, “a Economia era a Rainha das Ciências Sociais’’, posto que era a única que possuía uma metodologia precisa e objetiva capaz de produzir conclusões úteis e resultados empíricos; para isto se dispunha de um procedimento racional e objetivo como o método lógico­positivista que permitia extrair conclusões e resultados; além disto, contava-se com o teste empírico que permitia remover qualquer discrepância (Klamer, 1983). Por último, os economistas, de modo semelhante aos dentistas, quando se dedicam à sua profissão, isto é, ao analisar um fenômeno econômico, se desprendem de seus valores subjetivos e de seus pré-julgamentos ideológicos; se um dentista faz isto quando da extração de um pré-molar, por que um economista não pode fazer o mesmo?

Mas essa visão idílica tem mudado. Durante um longo tempo tem se travado um debate permanente entre distintos economistas, particularmente entre keynesianos e monetaristas. Os testes empíricos não têm sido capazes de solucionar tal debate; mais ainda, há questões puramente teórico-lógicas não resolvidas. O tom do debate adquiriu certa paixão, revelando um compromisso emocional e subjetivo dos participantes; isto é, os participantes estão previamente comprometidos com uma determinada posição ou ponto de vista, e tendem a utilizar preferencialmente aqueles argumentos que respaldam sua proposição inicial. Há economistas, particularmente a nível latino-americano, que são muito céticos e pouco acreditam em tudo o que fazem os economistas de outras posturas, pois estes seriam sempre tendenciosos e possuiriam intenções políticas ocultas. Esta situação leva aos seguintes resultados extremos: 1) Acreditar que não é possível haver objetividade na análise econômica; tudo seria ideologia; 2) Não haveria possibilidade de comunicação entre economistas de diferentes escolas1 1 Solow caracteriza o debate moderno entre neomonetaristas e neokeynesianos da seguinte maneira. Neomonetarista: “Ontem fiz uma viagem a Nova Iorque”. Resposta neokeynesiana: “Ah, que bom! Eu não”. Fim do diálogo (ver Klamer, p. 251). (Hutchison, 1977; Thurow, 1983; Klamer, 1984).

O que se disse anteriormente não se observa só no debate contingente. Na literatura convencional, se observa reiteradamente a nível teórico um debate apaixonado e paralisante; tudo tem sido criticado e tudo tem sido questionado; tem havido vários economistas que se lançaram em um verdadeiro trabalho de demolição de tudo o que é proposto pela postura contrária. Hoje em dia, na disciplina econômica se dispõe de argumentos abundantes, convincentes e suficientes para refutar teórica e empiricamente distintas proposições, hipóteses, procedimentos metodológicos, inferências e conclusões das mais diversas teorias.

Há mais de 50 anos, coexistem na teoria econômica dois paradigmas, o keynesianismo e o monetarismo, que desfrutam o predomínio da ciência econômica. Durante um longo tempo, pensou-se que era possível a síntese ou a coexistência de ambos os paradigmas; hoje em dia, há economistas que chegaram à conclusão de que ambos os paradigmas são irreconciliáveis; mais ainda, há aqueles que creem que a existência de um deles evite aparentemente o progresso do outro. É isto o que teria sido gerado por esta operação teórica de demolição da postura contrária, a qual produziu uma grande erosão no instrumental analítico, metodológico e empírico do qual se orgulhavam os economistas.

Há duas consequências lamentáveis geradas por este questionamento demolidor, e que são elementos indicativos da existência de uma crise na ciência econômica; com efeito, quando está sendo questionado tudo o que existe, isto possibilita o seguinte: 1) Qualquer hipótese ou teoria, por mais despropositada que seja, tende a ocupar o vazio, ou melhor, a ser colocada no mesmo nível que as teorias existentes. Do mesmo modo como surgem as “modas” e os “bruxos”. Nos últimos 25 anos apareceram numerosos modelos ou teorias que estiveram muito em moda em economia e que, hoje em dia, já foram esquecidos, ou melhor, reduzidos à sua justa dimensão: modelos de crescimento tipo turnpike, modelos setoriais duais, modelos de “queda brusca de emprego” (job search), modelos macroeconométricos, teoria do capital humano, teorias da dependência, enfoque monetário da balança de pagamentos, etc. Exemplos de “bruxos” há tanto na economia latino-americana como na norte-americana; em certos casos, houve “bruxos” que utilizaram os aumentos descontrolados da quantidade de dinheiro como o mecanismo para aumentar a riqueza de um país, e em outros casos, houve “bruxos” que implementaram reduções de impostos (nos grupos de rendas elevadas) como o mecanismo para eliminar o déficit fiscal; 2) Outro fenômeno observado é o surgimento do fanatismo religioso; em tempos de dúvida, há aqueles que se aferram totalmente a um paradigma e têm completa fé nele; o paradigma em questão se transforma em uma espécie de Revelação Divina ou de Verdade Absoluta, e então, qualquer discrepância que surja entre a teoria e a realidade, leva a que seja esta última, a que tem que ser modificada. Um bom exemplo disto, constituem-se os “Chicago boys” chilenos que manejaram a política econômica durante a década de 70.

Em síntese, há concordância entre os economistas de que existe uma crise na ciência econômica; mas, no que não há concordância é na identificação da origem e da natureza da crise.2 2 A este respeito, ver os diferentes artigos sobre “A crise na teoria econômica” publicadas em The Public Interest, 1980. Cada economista vê a crise no outro paradigma; para os monetaristas é a teoria macroeconômica (keynesiana) a que está em crise. Em troca, para os keynesianos, é a teoria microeconômica (neoclássica) a que está em crise. Há problemas econômicos sem solução; há falhas e fracassos da política econômica porque esta nem sempre resolve os problemas existentes; coexistem na disciplina econômica paradigmas que aparentemente são irreconciliáveis e cujo debate é, às vezes, paralisante:3 3 Nordhaus (1984) sugere que é vital a reconciliação entre keynesianos e monetaristas para que não sejam os “bruxos” os únicos economistas do futuro. propaga-se o desconcerto entre os economistas e surgem os “bruxos” e os fanático-religiosos. Tudo isto configura a sensação da existência de uma crise profunda na ciência econômica. Diante disto, cabem duas atitudes diferentes: uma postura niilista em que se conclui que nada serve na teoria econômica, não há nada resgatável, e o que maximizaria a função de bem-estar pessoal seria uma mudança de profissão. Uma posição alternativa seria a de um exame global sobre o porquê de estar sucedendo isto, examinar a validade deste questionamento e tratar de detectar a origem da crise; isto implica revisar quais são realmente as pretensões e possibilidades da ciência econômica, e quais são as vantagens e limitações da metodologia utilizada. Esta última é a postura que se adotará neste trabalho.

A COEXISTÊNCIA DE PARADIGMAS DISTINTOS

Uma rápida olhada ao status da teoria econômica revela a coexistência de diferentes paradigmas. Com efeito, durante aproximadamente 50 anos coexistiram os paradigmas neoclássico e keynesiano; e assim, se nas segundas e terças-feiras, os estudantes de economia aprendiam teoria microeconômica (neoclássica), nas quartas e quintas-feiras aprendiam teoria macroeconômica (keynesiana). Mas não havia nenhum dia da semana em que fosse ensinada a síntese da micro e da macroeconomia. Segundo muitos economistas, a razão disto é muito simples: não existiria tal síntese e é bastante complicado ou impossível construir uma.

Por outro lado, houve na ciência econômica uma série de polêmicas que jamais foram dirimidas. A controvérsia do capital durou mais de 20 anos e nenhuma das partes conseguiu convencer a outra; o debate entre keynesianos e monetaristas leva já 50 anos, e as discrepâncias têm aumentado em vez de diminuir. Estas discrepâncias entre os paradigmas monetarista e keynesiano abarcam todo o espectro da análise econômica;4 4 Para uma revisão da literatura sobre as discrepâncias metodológicas entre keynesianos e monetaristas, ver Meller (1986). a identificação do problema econômico central; o aparelhamento teórico; as pressuposições básicas e o tipo de suposições; a metodologia de análise; a percepção global do sistema econômico capitalista; as conclusões e, em consequência, as implicações de política econômica.

Há diversas indagações que surgem em torno do fato de que existam vários paradigmas. Há que prosseguir buscando a síntese entre os distintos paradigmas? É possível uma posição eclética que selecione aqueles elementos em que cada paradigma tem vantagens comparativas? Podem coexistir paradigmas diferentes simultaneamente e que inconvenientes ou vantagens envolvem tal coexistência? Se fosse necessário que permanecesse só um dos tais paradigmas, qual seria o critério de seleção? Por que o teste empírico é incapaz de eliminar por completo um desses paradigmas diferentes? Estas são algumas das indagações que serão examinadas em seguida.

O fato de que haja polêmicas não resolvidas e discrepâncias persistentes leva J. Robinson (1973) a perguntar: como é possível que discussões sobre questões puramente lógicas hajam durado tanto tempo e não tenham sido esclarecidas?

Dada a persistência do debate e a observação de que as diferentes partes envolvidas não conseguem chegar a um acordo começa a surgir uma dúvida de fundo. O que é que dificulta esse acordo? Dado o elevado nível intelectual daqueles que tomam parte em tais polêmicas, não é possível pensar que não compreendam as questões que estão no fundo da discussão. O que parece suceder é que cada participante tem uma visão distinta da realidade e, em consequência, uma maneira diferente de abordar os fenômenos (econômicos). Para referir-se a isto, Boulding (1966) utiliza-se do conceito de “imagem”, que constituiria o elemento cognitivo que cada indivíduo tem em seu cérebro. Estas “imagens” definem o que um indivíduo vê ou não vê, o verdadeiro e o falso; aquelas coisas que um indivíduo não vê ou que considera falsas não são o produto da perversidade de tal indivíduo, e sim, a consequência de não possuir internamente a “imagem” de tais coisas. E, às vezes, o problema consiste “não em que não se saiba algo, mas em que o que se sabe simplesmente não corresponde ao que é” (Boulding, 1966, p. 1).

Esta descrição da “imagem” cognitiva de Boulding equivale à noção de “paradigma’’ de Kuhn (1970); Kuhn utiliza o conceito de paradigma para questionar o enfoque tradicional sobre o progresso científico. Segundo o enfoque tradicional, a Ciência está em um estado de evolução contínua, gradual e linear; segundo Kuhn, a Ciência está em status quo permanente, o progresso científico é descontínuo, e este só se produz quando um paradigma existente é substituído por outro sem que haja nenhuma conexão entre ambos os paradigmas. O exemplo clássico da proposição de Kuhn é o da astronomia ptolomaica e sua substituição pela astronomia de Copérnico e Galileu; outro exemplo é o da substituição da física clássica de Newton pela física de Einstein.5 5 Sobre estes temas metodológicos ver Kuhn (1970), Hutchison (1977), Blaug (1980), McClosKey (1983) e as referências bibliográficas que ali se encontram.

A substituição de um paradigma por outro é o que Kuhn denomina “revolução” científica. O tempo que leva a substituição de um paradigma por outro não é curto; o paradigma de Copérnico demorou 150 anos para substituir ao de Ptolomeu; a revolução Newtoniana em física levou 50 anos e sua substituição pela física relativística e quântica de Einstein demorou muito neste século XX; ainda hoje em dia há quem questione a revolução darwiniana do século XIX. O uso da terminologia “revolução” keynesiana e “contrarrevolução” monetarista coincide com a noção implícita de Kuhn sobre “revolução” científica; por outro lado, a coexistência de 50 anos destes dois paradigmas (monetarista e keynesiano) estaria dentro da norma habitual de duração da substituição de um paradigma por outro.6 6 Há quem creia que já tenha havido duzentos anos de predomínio do paradigma do equilíbrio e que os próximos duzentos anos serão provavelmente de predomínio do paradigma do desequilíbrio.

Cada cientista supõe implícita ou explicitamente que o paradigma no qual desenvolve seu trabalho é válido ou correto; este lhe dá o marco de referência e a justificação para o que crê, o que faz e o que diz. Mas, além disto, Kuhn sustenta que a definição do que seja progresso científico está especificada dentro do paradigma; isto é, cada paradigma tem autodefinida a metodologia e os critérios de avaliação do que é um processo ou um avanço (Eichner, 1983).

Logo, as discrepâncias existentes entre paradigmas não podem ser resolvidas racionalmente. Isto se deve por que cada paradigma: 1) estabelece critérios distintos para avaliar a validade de um paradigma; 2) estabelece metodologias distintas para construir teoria; 3) estabelece maneiras distintas de ver a realidade. Em consequência, não existe um critério objetivo para definir o progresso entre distintos paradigmas; a opção entre paradigmas diferentes não corresponde a um critério racional; o consenso só pode ser alcançado por vias não racionais (ou meta-racionais), porquanto há distintas racionalidades envolvidas. O ranking entre paradigmas requer uma perspectiva divina (Hausman, 1985; Eichner, 1983).

Isto explicaria por que, na ciência econômica, não se dispõe de um procedimento padrão para eliminar teorias à semelhança do que se observa nas ciências naturais; as teorias econômicas nunca morrem, e sempre ressurgem das cinzas (J. Robinson, 1962). Os paradigmas só podem definir as verdades, o limite do que é discutível, a hierarquia das aplicações e a metodologia dos procedimentos válidos apenas dentro de si mesmos, mas não entre paradigmas.

Hipóteses, modelos e teorias são os mecanismos que uma ciência utiliza para identificar e explicar os fenômenos da realidade. É importante ter um marco teórico para poder avaliar as diferentes alternativas possíveis para enfrentar um determinado problema econômico. O objetivo principal que cumpre tal marco teórico não está na identificação da melhor política econômica possível ou na previsão correta da evolução dos fenômenos econômicos, mas em proporcionar um local de encontro para que a discussão possa se realizar; sem tal contexto, a discussão se torna caótica (Hahn, 1982). O ideal seria que o conjunto das diferentes teorias econômicas existentes constituíssem um sistema consistente, mas isto é factível?

Schumpeter sustentava que o modelo de equilíbrio geral walrasiano seria a Carta Magna da economia, isto é, proporcionaria o ·marco geral para toda a análise econômica. Por outra parte, Hicks e Samuelson manejam uma representação centrada na especificação de um princípio geral de abstração que supostamente unifica toda a análise econômica. Hicks (1939) mostra a utilidade que cumpre o princípio da racionalidade do comportamento dos agentes na análise econômica e na tomada de decisões. Por sua parte, Samuelson (1947) ilustra como é possível todo problema econômico ser reduzido a um problema de otimização com restrições. Desta forma, a Economia se orienta ao estudo do comportamento dos agentes racionais que têm que resolver problemas de otimização condicionada; assim, a técnica de otimização passa a ser o único procedimento válido para fazer avançar o conhecimento econômico. Uma hipótese, ou teoria, que não tenha agentes racionais que estão otimizando algo, não seria qualificada como hipótese ou teoria econômica, porque não estaria utilizando os princípios econômicos fundamentais.

É importante ter um sistema teórico global corrente que permita a confrontação de hipóteses discrepantes e que haja princípios fundamentais que constituam a fonte básica de derivações de hipóteses e teorias que permitam analisar os fenômenos existentes (Blaug, 1980; Hahn, 1982). Mas o que acontece é que há economistas que questionam a validade e inclusive a utilidade do modelo de equilíbrio geral walrasiano. Por outro lado, por que somente em economia seriam válidas aquelas teorias e hipóteses que utilizam agentes racionais otimizadores?

É assim que surgem duas posições extremas com respeito à impossibilidade de coexistência de paradigmas distintos na ciência econômica. Há muitos economistas que creem que é preferível a alternativa de analisar um fenômeno e elaborar proposições apoiando-se em um marco teórico existente (modelo de equilíbrio geral walrasiano e princípio fundamental de otimização) à alternativa de não ter nada; alguma coisa, o que existe, é melhor que nada. Se bem que haja um certo consenso em que o marco teórico existente é insatisfatório e que talvez não seja totalmente correto é, entretanto, o que há de melhor disponível; alguma coisa é preferível a nada, e se se elimina o que se tem, que alternativa resta? (Koopmans, 1957; Hahn, 1982).

Esta é a velha estória sobre onde buscar a chave perdida e do porquê de ser a teoria econômica como é. Uma pessoa encontra certa noite um bêbado procurando a chave de sua casa sob um farol iluminado. Depois de ajudá-lo infrutiferamente por um longo tempo, pergunta ao bêbado: “Está certo de que perdeu a chave por aqui?”. A resposta foi: “A verdade é que a perdi na varanda da frente”. Em seguida, a pergunta óbvia é: “E por que a está procurando aqui?”. “Ah?!, porque aqui tem luz”. É óbvio que não se vai encontrar a chave sob o farol com luz, mas, como procurar no lado escuro? Se para analisar uma determinada situação econômica não se utiliza um marco teórico sério, cai-se em poder de slogans, e estes passam a ser aquilo que determina o que se faz; isto é justamente, o que acontece quando se diz que “o capitalismo é a causa de todos os males”, ou “o aumento da quantidade de dinheiro é a única causa da inflação” (Hahn, 1982, p. 341).

Por outro lado, Kaldor (1972) considera que sem um ato de demolição do marco conceituai tradicional, é totalmente impossível ter algum progresso na ciência econômica, porquanto já seria aparentemente óbvio que o modelo teórico de Walras-Arrow-Debreu não conduz a parte alguma. O paradigma econômico tradicional não aceita mudanças de enfoque na sua origem e, por isto, sempre se refutam as críticas para realizar mudanças; só se aceita aquilo que está de acordo com o estabelecido. Segundo alguns, “a teoria econômica tradicional transformou-se em um sistema fechado de ideias, parecendo mais uma religião que uma ciência” (Eichner, 1983, p. xiii). O marco teórico tradicional está sempre formulando as mesmas perguntas, sempre modela a realidade da mesma forma e sempre busca soluções da mesma maneira. As grandes soluções para os problemas existentes no mundo real são mais factíveis de serem encontradas por aqueles que estão fora do paradigma teórico tradicional; isto pode ocorrer porque alguém transforma em variável central uma variável que era ignorada ou inverte uma relação de casualidade ou torna exógena, uma variável endógena, e isto é algo que não ocorre a quem está sempre ocupado em observar as coisas da mesma maneira (Hicks, 1983a).

Então, não é possível a coexistência de dois paradigmas? Durante um período de cerca de 50 anos prevaleceu em economia a síntese neoclássica-keynesiana; mas, parece que por muito brilhante que seja uma postura eclética, esta não consegue transformar-se em um paradigma alternativo e acaba recebendo críticas de todos os lados. Assim, parece que a resposta mais simples para a pergunta anterior seria negativa; o exemplo da astronomia geocêntrica e heliocêntrica ilustra isto, quer dizer, ou é a Terra ou é o Sol, o centro do sistema solar, mas a média dos dois, não pode sê-lo.

Entretanto, hoje em dia na maioria das disciplinas que constituem as Ciências Sociais (Antropologia, Sociologia, História, Psicologia, Ciências Políticas) observa-se a coexistência de paradigmas distintos e de distintos enfoques e o diálogo e debate interativo entre essas visões distintas fazem “avançar” cada um dos enfoques (Kuttrer, 1985). Há várias diferenças entre as Ciências Naturais e Sociais; uma delas é que o objeto de análise das Ciências Sociais é multidimensional e cada hipótese ou teoria da explicação dos fenômenos sociais geralmente privilegia aspectos distintos, seja da sociedade ou dos seres humanos. Assim, por isto não causa estranheza esta coexistência de paradigmas nas Ciências Sociais; inclusive, é possível que para a melhor compreensão de um fenômeno particular seja pertinente utilizar paradigmas diferentes mesmo quando não exista a síntese de tais paradigmas.

Na ciência econômica, a coexistência dos paradigmas monetarista e keynesiano, não tem sido por acaso frutífera? Não se tem hoje em dia, um maior conhecimento em relação às vantagens e limitações de cada política econômica, os custos e benefícios de alternativas e instrumentos distintos? Do ponto de vista da política econômica, os recentes programas estabilizadores da Argentina, Brasil e Peru, isto é, Plano Austral, Plano Cruzado e Plano Inti, respectivamente, são um excelente exemplo prático da possibilidade, conveniência e eficácia de combinar políticas econômicas sugeridas por paradigmas diferentes.

Como diz Hicks (1983a, p. 5) “não há, ou não pode haver uma teoria econômica que explique tudo, todo o tempo”. As teorias têm sido criadas para entender e resolver problemas específicos e com o passar do tempo requerem modificações para que sejam úteis para resolver os novos problemas que vão surgindo. Os fenômenos que a ciência econômica estuda mudam permanentemente, e mudam de tal maneira que nunca nada se repete igualmente. Assim, quando se tem um mundo que muda permanentemente, aqueles princípios que podem parecer fundamentais hoje, podem ser que sejam inúteis amanhã; exemplo disto, abundam na Física, Química, Biologia e Astronomia.

Em síntese, há muitos economistas que pensam (Keynes, Hicks, J. Robinsons, entre outros) que a ciência econômica não proporciona um set de conclusões a respeito do que fazer em cada situação; a Economia não é um receituário de políticas econômicas como se estas fossem receitas de cozinha; por exemplo, não existe um programa anti-inflacionário válido para qualquer circunstância que seja equivalente ao de uma receita de como fazer uma empada.

Hicks (1983b) assinala que a Economia é mais um método que uma doutrina; a Teoria Econômica não fornece um conjunto de rígidas conclusões que podem ser imediatamente implementadas. Ao contrário, a Economia não é um sistema unificado e coerente de ideias e sim, uma coleção de teorias e modelos; além disso, não é possível combinar todas as hipóteses, teorias e modelos e derivá-las de um “supermodelo geral” porquanto as distintas teorias utilizam pressupostos que são incompatíveis entre si; em síntese, a Economia é uma espécie de catálogo (Shacker, 1964).

Em outras palavras, a ciência econômica é simplesmente uma caixa de instrumentos, em que cada um deles serve para coisas diferentes, há vários que servem para as mesmas coisas, há alguns que servem simultaneamente para vários propósitos e, há alguns que não servem para nada; é o critério do economista que avalia qual é ou quais são os instrumentos mais adequados para analisar uma determinada situação.

A DISCUSSÃO METODOLÓGICA

As questões metodológicas constituem um tema muito polêmico na disciplina econômica do século XIX. Este tipo de tema praticamente desaparece da literatura no período pós-1936, em que quase todo o debate econômico gira em tomo de problemas de política econômica. Existe hoje em dia um notável aumento no interesse por questões metodológicas; sobre este tema desde 1975 têm aparecido vários livros e numerosos artigos.7 7 Para referências bibliográficas ver Hutchison (1977), Blaug (1980), McCloskey (1983), Hausman (1985). A que se deve, então, este ressurgimento do interesse por questões metodológicas? Isto, em geral, sucede quando o avanço da ciência se paralisa; começa, então, uma revisão e um reexame dos elementos básicos e da forma de fazer ciência. Surge, assim, o tema da metodologia.

A metodologia cumpre dois papéis muito importantes; é o estilo de como fazer ciência e é o mecanismo de fazer progredir a ciência. De uma ciência em particular não só se aprende o conhecimento e as mensagens que esta proporciona, mas também o estilo; um indivíduo somente domina uma ciência quando domina seu estilo ou sua metodologia (Wiles, 1979).8 8 No seu trabalho diário, os indivíduos aplicam a metodologia ou estilo da ciência. E por isto que refutam as críticas à metodologia, pois é isto que sabem fazer; e, se o instrumental não serve, implica que sua profissão não tem significado. É por isto também, que se sentem muito contentes quando fazem “extensões criativas” com o mesmo instrumental, pois prova quão poderoso é o instrumental que dominam (Wiles, 1979).

Um dos focos de discussão metodológica na década de 50 com relação às teorias econômicas centrava-se nos pressupostos básicos com que se inicia a análise econômica. De onde surgem os pressupostos básicos? Enquanto alguns economistas creem que estes pressupostos básicos “são verdades evidentes por si mesmas”, para Hicks o uso de pressupostos básicos iniciais que a teoria econômica postula “se assemelha notavelmente ao procedimento de um mágico que tira coelhos de uma cartola”.9 9 Para estas referências e citações, ver Koopmans (l957), 2º. ensaío. Para Friedman (1953), esta discussão sobre a origem dos pressupostos básicos é irrelevante, postulando abertamente contra a ideia de verificar uma teoria com base na veracidade dos pressupostos iniciais; segundo Friedman, o que importa em uma teoria são as conclusões, e se o teste empírico comprova tais conclusões, então toda a teoria é válida. Em síntese, para Friedman, no que se refere a pressupostos, qualquer coisa serve (anytring goes), pois o que interessa são as conclusões. Koopmans (1957) refuta esta posição, posto que as conclusões de um modelo dependem crucialmente dos pressupostos iniciais; logo, como é possível extrapolar para o mundo real conclusões obtidas a partir de pressupostos irreais?10 10 Uma revisão desta discussão encontra-se em Meller (1978).

Na década de 70, a discussão metodológica começa a centrar-se no tipo de explicação que proporciona, particularmente, o modelo de equilíbrio geral de Walras-Arrow-Debreu. Neste sentido, é possível distinguir dois tópicos que estão muito relacionados entre si: explicação lógica versus explicação científica (Kaldor, 1972) e explicação versus otimização (Eichner, 1983).

O modelo teórico de equilíbrio geral de Arrow-Debreu não tenciona explicar como se determinam os preços em uma economia específica do mundo real. O propósito central de tal modelo é encontrar o número mínimo de “pressupostos básicos” que são necessários para “descobrir” um vetor de preços de equilíbrio que tenha as características de: existência, unidade, estabilidade e otimização (paretiana). A mecânica deste exercício tem sido orientada para achar um set de normas e teoremas que sejam logicamente deriváveis do conjunto de premissas básicas que foram especificadas de maneira muito precisa. Parte muito importante da investigação teórica dos últimos 40 anos tem sido orientada para refinar esta análise tratando de reduzir cada vez mais o número de passos usados na derivação lógica. O que nunca foi feito é verificar empiricamente o que se faz, e pior ainda, examinar se toda esta estrutura teórica tem alguma relevância ou poder explicativo dos fenômenos do mundo real. Em síntese, o que se tem é um raciocínio puramente lógico, totalmente desvinculado de qualquer tentativa de explicação dos fenômenos da realidade (Kaldor, 1972).

A teoria microeconômica neoclássica e, em geral, a análise econômica ortodoxa tradicional estão mais preocupadas com o problema da otimização que com o da explicação; interessa otimizar e não explicar. Este enfoque analítico ortodoxo está fundamentalmente orientado para encontrar as condições de primeira ordem ou de marginalidade que devem ser cumpridas para otimizar o uso dos recursos existentes em diversos tipos de situações. Isto transformou a teoria econômica na “ciência das decisões ótimas”, implicando uma importante mudança de ênfase, porquanto o que interessaria seria ter regras claras e precisas para tomar decisões racionalmente, postergando a tentativa de entender e explicar um fenômeno (Eichner, 1983).

A redução da análise econômica à solução de um problema de otimização sujeito a restrições facilita o uso do instrumental econômico, mas a introdução deste instrumental teve sérios custos e distorções. De fato, a matematização da análise econômica conduz ao absurdo a que chegou, de serem a lógica e os imperativos da matemática o que condiciona e orienta o avanço da teoria econômica, em vez de serem os requerimentos do grau de compreensão e explicação que se vai adquirindo dos fenômenos do mundo real. A ênfase na técnica pela técnica é uma anomalia a que conduz o excessivo formalismo e tecnicismo matemático, em que o afã explicativo é totalmente omitido da análise; o fenômeno econômico analisado não interessa tanto, as derivações matemáticas interessam relativamente mais. Na literatura anterior a 1940, as derivações matemáticas eram relegadas a notas de rodapé ou aos apêndices; com Samuelson (1947) inicia-se a era em que as matemáticas ocupam o lugar central da exposição; isto se pode apreciar pelo espaço relativo que ocupa a discussão sobre a motivação e relevância de um problema econômico analisado nas mais prestigiosas e distintas revistas especializadas de hoje em dia, e o espaço dedicado às derivações matemáticas.

Em resumo, a objeção metodológica da década de 70 não é ao uso de modelos formais ou à utilização de instrumental matemático, mas ao processo de formalização da análise econômica que elimina o propósito (de toda teoria), que deveria ser a explicação dos fenômenos reais.

Atualmente tem surgido um questionamento ao uso do método científico na ciência econômica (McCloskey, 1983). O método científico é um amálgama de positivismo, lógica, operacionalismo e raciocínio hipotético-dedutivo. A ideia básica seria que todo o conhecimento científico pode ser elaborado utilizando-se como modelo a física do século XIX combinada com a lógica cartesiana. A lógica cartesiana é, supostamente, o único mecanismo válido para raciocinar bem; assim, tudo aquilo que tenha sido derivado sem que tenha sido utilizada a lógica cartesiana tem pouca credibilidade. Por outra parte, o dogma cartesiano estabelece que somente o que é isento de dúvidas é verdadeiro. Em consequência, o progresso científico somente é possível se se aplica rigorosamente o método científico (McCloskey, 1983).

Em síntese, o método científico estabeleceria que para fazer teoria econômica requer-se raciocínio objetivo, testes quantificáveis e eliminação de juízos éticos. No método científico, o teste empírico cumpre um papel crucial para verificar a validade ou falsidade de uma teoria; poder-se-ia dizer, além disso, que somente aquilo que é verificável empiricamente adquire a qualidade de teoria científica.

O problema central que a ciência econômica tem com relação a este método científico é que este simplesmente não tem sido utilizado (McCloskey, 1983). Com efeito, a teoria neoclássica marginalista surge no século XIX e se impõe, sem que tenha havido uma verificação empírica dela; inclusive, hoje em dia, provar econometricamente o tipo de tendências que possuem as curvas de demanda e oferta de um bem qualquer não é um problema trivial. A teoria keynesiana também surge e se impõe antes de que se verifique empiricamente sua validade. Há que recordar que a econometria começa a desenvolver-se na década de 40. Ou seja, o avanço notável da teoria econômica foi anterior ao desenvolvimento do empiricismo econômico. Em resumo, se se houvesse aplicado estritamente o critério empiricista do método científico-lógico à ciência econômica, ter-se-ia paralisado o avanço do conhecimento econômico.11 11 Ver os argumentos a favor do uso da retórica que McCloskey (1983) proporciona como o elevamento central para o surgimento e predomínio de uma nova teoria.

Por outro lado, se somente aquela teoria que é verificável empiricamente pode ser qualificada como científica, então, que sentido têm proposições teóricas que não são factíveis de serem verificadas empiricamente? As razões de Arrow, Debreu etc., para a análise do equilíbrio geral, são teorias ou não? (Hausman, 1985).

Ainda mais, nenhuma controvérsia importante em teoria econômica tem sido resolvida empiricamente (independentemente do rigor do teste empírico); e nisto concordam J. Robinson (1962) e M. Friedman (1974). Além disso, existe um alto grau de arbitrariedade com relação à interpretação do que se observa na realidade; enquanto para um keynesiano uma taxa de desempenho de 15% é desocupação involuntária, para um monetarista seria desocupação voluntária.

Em síntese, pensou-se inicialmente que a econometria poderia resolver muitas das discussões teóricas; hoje em dia já se sabe que não será assim.

Os modelos econômicos abstratos e de elevada sofisticação matemática usados hoje em dia na ciência econômica tratam de ser uma réplica dos modelos usados nas Ciências Naturais; mas há aqueles que creem que é difícil (para não dizer impossível) representar algebricamente o comportamento humano (Kristol, 1980; Deane, 1983).

Então, por que se chegou a este grau de formalismo? A resposta teria que ser buscada no século XIX; naquela época, a discussão ideológica paralisava o avanço da ciência econômica. Em um dado momento, face à separação entre economia positiva e normativa e a possibilidade de poder isolar-se a explicação do comportamento dos agentes econômicos em um sistema de mercados, pensou-se que era algo factível de se fazer separar as implicações éticas ou ideológicas de tal análise. E este foi um dos êxitos da escola histórico-empiricista. Mas uma das consequências imediatas disto foi uma grande redução da área de interesse e de análise da ciência econômica convencional; esta concentrou-se fundamentalmente em examinar o funcionamento de um sistema de mercados competitivos e o comportamento de agentes racionais.

Assim, a direção tomada pela análise econômica foi a de evitar a anterior e paralisante discussão metodológica. E mais ainda, a discussão sobre a ciência econômica saiu das páginas dos jornais para circunscrever-se e isolar-se nas páginas das revistas especializadas; lentamente deixaram-se de discutir questões ideológicas e polêmicas para centrar-se na discussão de questões teóricas e abstratas sem relevância prática. E isto, obviamente, muda o tom da discussão. Todos podem opinar de maneira diferente sobre a qualidade ou relevância de um argumento, mas pode acontecer de ser impossível obter um consenso; mas sobre os passos de uma derivação matemática é fácil chegar-se a um acordo; porquanto não há problemas em identificar-se possíveis erros (Deane, 1983).

Hoje em dia, os modelos abstratos abundam na economia. Assim sendo, ante a objeção de que um determinado modelo teórico utilizado, por exemplo o modelo perfeitamente competitivo com pleno emprego, não reflete o que se observa na realidade, a resposta tradicional é que é uma sobre simplificação que só se faz com o propósito de facilitar e permitir o uso e aplicação do instrumental básico. Assim, uma vez pronto este modelo, ir-se-á relaxando alguns dos pressupostos iniciais e introduzindo-se complexidades maiores do mundo real. Mas a verdade é que se os sucessivos modelos passam a ser mais elaborados, estes retêm a estrutura e implicações do modelo básico inicial. Em seguida, a evolução que se observa é uma espécie de sofisticação cada vez maior do modelo inicial de seus derivados, até que se chega a uma espécie de fascinação com o instrumental matemático formal; a estas alturas, já nada faz recordar quais eram as perguntas econômicas básicas que originaram a análise (Kuttner, 1985). E, assim, a teoria se move na direção de resolver puzzles que surgem da aplicação do instrumental matemático formal; tais puzzles têm um interesse puramente lógico-abstrato (Blaug, 1980).

Deste modo é que se chega à situação atual em que a teoria econômica moderna se tornou demasiado abstrata e esotérica e, fundamentalmente orientada à resolução de puzzles lógicos, ao invés de contribuir para a compreensão dos fenômenos econômicos. O método científico direcionou a ciência econômica para a busca do rigor lógico em vez de buscar o aumento do conhecimento e do saber. Privilegiou-se mais o rigor analítico que o rigor como explicação da realidade (McCloskey, 1983; Eichner, 1983).

Em síntese, os modelos econômicos modernos estão quase plenos de pura matemática; todos partem de pressupostos plausíveis, mas totalmente arbitrários e, a partir de extensas (ou curtas) derivações lógico-matemáticas se chega a conclusões teóricas muito precisas, mas irrelevantes (Phelps Brown, 1977; Leontief, 1982). O resultado é que jamais se teve antes um estoque tão grande de modelos teórico-formais que foram tão pouco conclusivos do ponto de vista de sua relevância. E esse processo é contínuo, gerando mais e mais modelos teórico-formais, os quais vão deixando obsoletos os antigos, e isto se deve não porque os novos sejam melhores, mas simplesmente porque são novos (Leontief, 1971).

Há um problema de fundo que explica parte importante da irrelevância destes modelos teóricos e desta forma de fazer teoria econômica; o uso de pressupostos irrelevantes, só pode produzir resultados irrelevantes; como observa Tobin, a colocação de que é irrelevante o realismo dos pressupostos iniciais é um procedimento metodológico que trouxe muito dano à teoria econômica; “o realismo dos pressupostos tem muita importância e negar isto implica em inibir o desenvolvimento da teoria econômica’’.12 12 Citado em Klamer (1984), p. 246

O aparato econômico-formal moderno produz uma distorção dupla. Por uma parte, criou-se uma geração de “bárbaros ilustrados” brilhantes no uso de formalismos esotéricos, mas totalmente ignorantes do que acontece na vida econômica do mundo real (Kuttner, 1985). Assim é que chega a acontecer que existam economistas que opinem e decidam sobre o que fazer com a saúde ou a educação de um país sem ter inclusive uma noção vaga do que é ainda que o papel que desempenha a saúde ou a educação em uma sociedade moderna, e sem sequer entrar em contato com os profissionais especialistas do ramo; no todo, tudo é questão de dispor das curvas de oferta e demanda destes bens e serviços, e a intersecção destas determinará a quantidade de saúde ou educação que convém produzir para a sociedade e o preço que terá de ser cobrado e pago por isto. Para que se teria que ler, conversar ou informar-se sobre o que é a saúde ou a educação? Não interessa e não é necessário porque o ponto de intersecção da oferta e demanda determina tudo sem que requeira informação adicional.

Na realidade, a análise econômico-formal moderna constitui uma descrição parcial e às vezes superficial de uma grande variedade de tópicos. E o que está subjacente é uma crença muito popular entre os economistas da superioridade do raciocínio abstrato e lógico. Do ponto de vista propagandístico da “profissão”, enquanto os estudantes restringem suas leituras a um set de coisas que utilizam a mesma técnica, isto lhes dará a impressão de que estão adquirindo um instrumental poderosíssimo que lhes serve para resolver qualquer problema (Deane, 1983).

A outra distorção que o aparato econômico-formal moderno gera é que há numerosos economistas que destinam uma grande parte de seus esforços a estes jogos e puzzles de natureza puramente lógico-abstrata; afora isto, também se exige dos estudantes que empreguem grande parte de seu aprendizado no domínio de distintos tipos de modelos e técnicas esotéricas, o que não só envolve um gasto de tempo e energia, mas contribui para enviesar sua formação de interesses. Assim é que o ensino da ciência econômica moderna passou a ser análogo ao ensino do latim; somente se ensina para que quem aprenda volte a ensinar o mesmo para a futura geração (Hutchison, 1977; Blaug, 1980). Esta é uma aplicação prática da lei de Say, porque grande parte do que se ensina tem pouca relevância ou utilidade.

O resultado disto é uma má alocação de recursos de economistas, posto que grande parte destes se dedicam a estudar e a analisar problemas irrelevantes enquanto os problemas urgentes do mundo real não são abordados ou somente são discutidos na hora do café, entrelaçados com a discussão da última partida de futebol. Mas, se são os economistas aqueles que têm vantagens comparativas para analisar os fenômenos econômicos, então por que tais problemas estão sendo analisados e resolvidos primordialmente por políticos e jornalistas? Onde estão os economistas que estão estudando como reduzir o desemprego, como pode crescer um país que enfrenta uma severa restrição de divisas, que fazer para aumentar as exportações, qual é a alternativa de ajuste à do FMI (Fundo Monetário Internacional) etc.? Obviamente, são os economistas que têm vantagens comparativas para analisar estas perguntas. Logo, por que estes não estão direcionados a respondê-las?

O que a sociedade quer são soluções ou respostas para os problemas econômicos que a afetam. Modelos esotérico-formais sobre questões puramente lógico-abstratas, ou respostas que observem que “o fenômeno em questão é muito complexo”, não servem e não respondem a tal inquietude. Na América Latina, as restrições institucionais e políticas desempenham particularmente um papel crucial nos distintos problemas; logo, ter-se-ia que incluí-las na análise. Isto conduz inevitavelmente a questões que são menos factíveis de serem analisadas com um rigor formal, mas que são cruciais para a sociedade em que se está vivendo. A este respeito, volta a surgir o problema dos pressupostos iniciais. Para determinar quais são os pressupostos mais pertinentes de serem utilizados na análise, torna-se necessário ter-se um nível de compreensão da realidade em que se vive. Toda atividade econômica vai depender do contexto na qual se encontra: instituições sociais, costumes, crenças e atitudes; o resultado de tal atividade dependerá obviamente da mescla destes ingredientes (Solow, 1985). Logo, para a formulação de hipóteses mais realistas e pertinentes, é necessário prestar muita atenção ao contexto histórico e institucional que circunscreve o problema econômico que se vai analisar.

Por outro lado, para entender por que duas empresas similares, de uma mesma indústria e de igual tamanho, mas uma delas localizada em Taiwan e a outra no Chile, possuem um comportamento exportador tão diferente, a resposta não se encontra nos modelos teórico-formais de análise do comportamento da empresa perfeitamente competitiva, mas em estudos que examinem e comparem em ambos os países, as características das empresas, a maneira de ser de empresários e trabalhadores e as relações entre ambos, o papel desempenhado pelo governo etc.; isto implica estudos de casos e análises do tipo histórico. A objeção dos “formalistas” a este tipo de estudos, é que estes proporcionam exclusivamente relatos breves e têm pouco conteúdo analítico. Entretanto, o estudo de casos e a análise histórico-institucional proporcionam uma perspectiva que se perde no trabalho analítico formal. Em outras palavras, ambos os tipos de análise são complementares e não antagônicos; a análise lógico-abstrata para ser relevante tem que combinar-se com a observação casuísta (Phelps Brown, 1972).

Em resumo, o que se requer da ciência econômica, hoje em dia, são teorias e hipóteses que tenham utilidade prática; que resolvam problemas reais e fenômenos econômicos existentes e relevantes (Hicks, 1983a). Deveria sempre haver espaço, como em toda ciência, para fazer trabalhos acadêmicos puros, mas, particularmente, hoje em dia, na América Latina, há urgência em resolver problemas com rapidez. Há que se ser seletivo e há que se preservar a soberania do investigador; mas, há que se ter presente o que é ou não é uma má alocação de recursos de economistas.

ALGUMAS SUGESTÕES CONSTRUTIVAS

Parece paradoxal que neste século XX, em que tem havido um considerável aperfeiçoamento dos meios de comunicação, revistas especializadas que chegam a todas as partes, numerosos seminários e conferências para agrupar economistas de diversos lugares, mobilidade e fluxo permanente de economistas em todas as direções, sistematização e homogeneização do vocabulário, refinamento e precisão na análise, haja notavelmente mais discrepâncias na ciência econômica que as que existiam no século XIX (Shackle, 1966).

Por isso, é natural que surjam dúvidas existenciais profundas, porquanto se existe tal grau de discrepâncias entre os economistas que não chegam a um acordo nem do diagnóstico, nem do papel e uso da evidência empírica, nem na eficácia do instrumental econômico e nem nas soluções para os problemas econômicos existentes, então o que é que ensina a ciência econômica? O que é que sabe realmente um economista? Do que ele pode estar seguro? (Thurow, 1983).

Discrepâncias existem em todas as ciências e estas permitem captar os pontos fortes e débeis das diferentes teorias e hipóteses; nas Ciências Naturais tais discrepâncias são solucionadas através da verificação empírica. O problema de fundo com a ciência econômica não é que não se possa fazer experimentos de laboratório a nível de um país; o caso chileno da década de 70 foi um experimento deste tipo. O problema de fundo radica-se realmente no fato de que a ciência econômica não é como as Ciências Naturais; o objeto de análise da Economia são os agentes econômicos, isto é, a sociedade e os seres humanos, e esta e estes interatuam, não são imutáveis, aprendem, experimentam retrocessos, evoluem, e permanentemente mudam seu padrão de comportamento. Em consequência, nunca será possível desenvolver o teste empírico perfeito de uma hipótese ou teoria econômica; sempre haverá alguma variável das que estão no ceteris paribus mudando de valor.

Logo, o que se depreende do exposto anteriormente, é que se se observa na ciência econômica uma discrepância entre a teoria e a realidade, não é possível descartar de maneira concludente a teoria; esta impossibilidade de eliminar definitivamente hipóteses ou teorias é o que muitos creem que seja um dos problemas mais sérios das Ciências Sociais em geral, e da Economia em particular (J. Robinson, 1962); neste sentido, haveria uma grande admiração e inveja com relação ao que se observa por exemplo na Astronomia em que a teoria ptolomaica foi definitivamente eliminada como hipótese explicativa do movimento dos corpos celestes.

Sempre haverá, inevitavelmente, discrepâncias, entre uma teoria econômica e a realidade; se bem que esta seja uma dificuldade que as Ciências Sociais em geral tenham que aprender a sublevar, há um problema que é realmente mais grave e que se observa em um determinado tipo de economistas. O maior problema da Economia não é que exista tanta discrepância entre a teoria e a realidade, ou que haja tanta discrepância entre os economistas, ou que se saiba tão pouco do mundo real e de sua evolução futura, mas que haja economistas que creem que sabem tudo, não têm dúvidas de nada e arrastam a sociedade e todo um país em uma direção determinada (Thurow, 1983). Com efeito, não há pior ignorância que aquela de não saber os limites do conhecimento que cada um tem; provavelmente, examinar as dimensões do que se sabe e do que não se sabe, contribua sobremaneira para reduzir o nível de descontentamento existente em relação ao estado atual da crise da ciência econômica (Hutchison, 1977; Blaug, 1980; McClosKey, 1983).

A ciência econômica é criticada por sua pouca capacidade preditiva. A este respeito, observa-se que as predições de diversos tipos de modelos, sejam teóricos ou econométricos, são geralmente pouco confiáveis, ou melhor, simplesmente más, e que há numerosas ocasiões em que nem sequer acertam o sinal de variação de uma variável; poder-se-ia observar, inclusive, que tais predições não são feitas de modo melhor que aquelas que poderiam ser feitas com uma moeda ou com um par de dados. A partir disto, tende-se a inferir que se a capacidade preditiva é nula, então o que falta é a capacidade explicativa.

Não é difícil refutar o questionamento anterior. As predições dos modelos são boas quando o futuro é uma mera repetição do passado; as predições falham quando o futuro muda de modo significativo com relação ao passado. Por outra parte, o uso permanente de uma moeda ou de um par de dados, se bem que possa proporcionar predições, não permite incrementar o conhecimento dos fenômenos econômicos; em troca, o uso de modelos que vão sendo revisados e corrigidos para evitar os erros que se cometem, é um mecanismo útil para aumentar o conhecimento. Entretanto, há que se ter presente que certos tipos de fenômenos econômicos são simplesmente imprevisíveis; mas, isto não é motivo para inferir que estes não sejam explicáveis. Uma analogia pertinente neste caso seria o que sucede com a sismologia. Um tremor, e/ou a intensidade deste, não é previsível ex ante; mas ex post, a sismologia tem hipóteses explicativas com respeito ao que tenha causado tal tremor. Com base nisto, a engenharia antissísmica permite desenhar estruturas que minimizem o impacto destrutivo de um tremor. Algo similar poderia dizer-se da ciência econômica com relação a certas hipóteses e teorias; estas podem explicar um fenômeno econômico, mas não podem predizê-lo; além disso, podem sugerir a adoção de certas medidas para neutralizar o eventual efeito negativo que tal fenômeno pudesse ocasionar.

Outro tipo de questionamento está relacionado à reduzida capacidade que a ciência econômica tem para resolver ou para controlar um determinado fenômeno econômico. Uma analogia pertinente neste caso seria a Astronomia. A Astronomia pode descrever, explicar e predizer a rotação e o movimento do cometa Halley, mas é totalmente incapaz de controlar a órbita deste cometa para fazê-lo passar mais vezes e mais perto a fim de estudá-lo melhor; em resumo, a Astronomia explica hoje em dia acertadamente as regulações dos corpos celestes, mas não é capaz de controlar o movimento de nenhum deles.

A ciência econômica permite identificar e descrever os fenômenos econômicos existentes; além disso, possibilita detectar e analisar as alternativas existentes. Tudo isto é crucial para a tomada de decisões. Em resumo, a ciência econômica proporciona um instrumental que permite entender, avaliar e apreciar o meio que nos rodeia. Como se observou anteriormente, em relação aos problemas não resolvidos existe, às vezes, uma certa similaridade com o que sucede na medicina ante o câncer; não se pode dizer que a medicina moderna não serve para nada porque ainda não encontrou a forma de curar o câncer e porque há gente que continua morrendo desta enfermidade.

A crise que a ciência econômica atravessa pode se dever, em parte, a uma subestimação das limitações naturais que esta disciplina enfrenta. O poder de predição e de controle dos fenômenos econômicos é restrito; isto se deve, em grande medida, às interrelações dos fenômenos sociais, econômicos e políticos, em que muitas das variáveis que às vezes determinam o resultado final de um fenômeno econômico, estão fora da esfera econômica. Em consequência, essa dicotomia que tem caracterizado a análise econômica nos últimos cem anos, em que os fenômenos econômicos têm sido examinados isoladamente dos fenômenos sociais não econômicos, os quais são mantidos fixos no ceteris paribus, já não seria tão útil e relevante hoje em dia; é fato que tal enfoque dicotômico permitiu um grande avanço, ordenamento, sistematização e clareza da compreensão dos problemas econômicos, mas na sociedade moderna a interdependência e interação entre os fenômenos econômicos e sociais parece ter-se incrementado e se tornado bastante mais complexa. Logo, para certo tipo de problemas econômicos, resulta crucial incluir na análise considerações e variáveis que estão fora da esfera puramente econômica; mas, isto não é algo trivial de se fazer. Eis aqui um desafio intelectual que requer ser abordado.

Além disso, deve-se reiterar que não existe uma verdade econômica que seja a resposta única para todos os fenômenos econômicos prevalecentes em cada situação histórica ou política. Enfatizar as limitações que tem o conhecimento econômico provavelmente seja o papel central de um professor de Economia hoje em dia, particularmente depois desta recente “experiência acadêmica e empírica” dos “Chicago boys” chilenos; isto é mais importante que gastar o tempo sugerindo que a Economia é uma ciência tão exata, tão precisa, tão objetiva e tão “científica” como a Física (Hutchison, 1977; Hausman, 1985). Inclusive, é importante assinalar também, ainda que pareça contraditório e debilitante, as dúvidas existentes com relação ao impacto de uma determinada política econômica, em que, por exemplo, uma teoria sugere que se deva incrementar a taxa de juro e outra teoria sugere que se faça o contrário. O fato de que tudo isto suceda, isto é, as limitações e imprecisões do conhecimento econômico e a incerteza e inefetividade da política econômica, não é culpa dos economistas; simplesmente deve-se ao nível em que está o conhecimento econômico (Shackle, 1964; Hahn, 1982). Mas, é preferível estar consciente em relação à atitude daqueles economistas “religiosos” que têm uma certeza total com relação a tudo e que têm a solução única para cada problema.

Resumindo, no mundo real há numerosos problemas econômicos cuja solução é necessário buscar; isto significa um grande trabalho a ser desempenhado pelos economistas.13 13 Como diz Phelps Brow (1972), do ponto de vista intelectual, pior seria que tudo já estivesse resolvido e que a função de um economista se restringisse tão-somente a repetir o que se sabe; que aborrecido seria, não!? Posto que existam problemas econômicos, isto requer que haja economistas que se dediquem a buscar suas soluções porquanto são eles que têm vantagens comparativas para isto. O papel dos economistas não deveria ser o de tratar de demonstrar em menos linhas, e de uma maneira mais elegante, o modo de solucionar um problema irrelevante e sim, dada a magnitude e gravidade dos problemas existentes, iniciar a busca de soluções alternativas, ainda que somente sejam tentativas para problemas relevantes (Boulding, 1966; Hicks, 1983). Para isto, os economistas têm o instrumental e as vantagens relativas no conhecimento; falta orientar tudo isto na direção correta. O conhecimento é um processo que se retroalimenta e, por isto, é importante dirigir os esforços e a atenção na direção adequada, examinando problemas econômicos reais e relevantes.

Por último, há que se evitar as distorções produzidas pelo formalismo puro para que não surjam economistas tróficos do tipo “bárbaros ilustrados” sem critérios. Na realidade, o critério é o ingrediente central requerido para a aplicação do instrumental econômico e para avaliar o impacto das políticas econômicas em uma determinada situação. Do ponto de vista pedagógico é bastante difícil inculcar-se critério às pessoas; é muito mais fácil ensinar uma técnica. Mas, como se ensina a ser criterioso? Como se ensina a pensar ou a raciocinar para encontrar soluções para problemas relevantes?

A este respeito Darwin assinala o seguinte:14 14 Citado em Phelps Brown (1972). Como é que uma pessoa descobre algo? Há indivíduos muito espertos que nunca estabelecem nada original. Parece que para isto, o que se requer é criar um hábito de encontrar as causas e as explicações do que se vê. Isto requer uma observação aguda que nos vá pressionando para aumentar nosso conhecimento para assim, eventualmente, conseguir explicar o que se observa.

Algo similar observa-se na maneira de pensar de Keynes. Neste sentido, uma das características centrais de Keynes (e, provavelmente, de boa parte dos economistas ingleses) é que está permanentemente propondo soluções para os diferentes problemas econômicos; cada vez que enfrenta um problema, Keynes estabelece 2, 3 ou 4 planos diferentes. A atitude de Keynes está totalmente voltada para buscar uma solução e, é nesta busca que se detecta as insuficiências teóricas que tem a ciência econômica para entender totalmente o problema em questão. E isto é o que o levou a inventar, eventualmente, a Macroeconomia.

É pertinente concluir este artigo com as características que segundo Keynes tem que ter um economista (citado em Heilbroner, 1972, p. 277-8). “O estudo de Economia não parece requerer atributos muito especiais. Não é o acaso considerado um tópico relativamente simples quando comparado com disciplinas mais elevadas como a Filosofia ou a Ciência pura? Um tópico simples que muito poucos dominam! Este paradoxo provavelmente se explica pelo fato de que o verdadeiro economista tem que possuir uma rara combinação de qualidades. Tem que ter algo de matemático, historiador, político e filósofo. Tem que entender símbolos, mas expressar com palavras. Tem que observar o particular através do geral, e combinar o abstrato e o concreto em um mesmo pensamento. Tem que estudar o presente à luz do passado para saber o que fazer no futuro. Nenhuma parte da natureza humana ou da sociedade pode ficar completamente fora de seu campo de atenção. Tem que ser intencionado e objetivo simultaneamente; tão puro e incorruptível como um artista, mas, às vezes, tão pragmático como um político.’’

* O autor agradece os comentários feitos por Roberto Zahler, Arístides Torche, Oscar Muãoz, René Corvazar e colegas do CIEPLAN sobre uma versão preliminar deste trabalho, porém o autor é o único responsável pelo conteúdo deste artigo. Traduzido por Marina Brasil Rocha.

  • 1
    Solow caracteriza o debate moderno entre neomonetaristas e neokeynesianos da seguinte maneira. Neomonetarista: “Ontem fiz uma viagem a Nova Iorque”. Resposta neokeynesiana: “Ah, que bom! Eu não”. Fim do diálogo (ver Klamer, p. 251).
  • 2
    A este respeito, ver os diferentes artigos sobre “A crise na teoria econômica” publicadas em The Public Interest, 1980.
  • 3
    Nordhaus (1984) sugere que é vital a reconciliação entre keynesianos e monetaristas para que não sejam os “bruxos” os únicos economistas do futuro.
  • 4
    Para uma revisão da literatura sobre as discrepâncias metodológicas entre keynesianos e monetaristas, ver Meller (1986).
  • 5
    Sobre estes temas metodológicos ver Kuhn (1970), Hutchison (1977), Blaug (1980), McClosKey (1983) e as referências bibliográficas que ali se encontram.
  • 6
    Há quem creia que já tenha havido duzentos anos de predomínio do paradigma do equilíbrio e que os próximos duzentos anos serão provavelmente de predomínio do paradigma do desequilíbrio.
  • 7
    Para referências bibliográficas ver Hutchison (1977), Blaug (1980), McCloskey (1983), Hausman (1985).
  • 8
    No seu trabalho diário, os indivíduos aplicam a metodologia ou estilo da ciência. E por isto que refutam as críticas à metodologia, pois é isto que sabem fazer; e, se o instrumental não serve, implica que sua profissão não tem significado. É por isto também, que se sentem muito contentes quando fazem “extensões criativas” com o mesmo instrumental, pois prova quão poderoso é o instrumental que dominam (Wiles, 1979).
  • 9
    Para estas referências e citações, ver Koopmans (l957), 2º. ensaío.
  • 10
    Uma revisão desta discussão encontra-se em Meller (1978).
  • 11
    Ver os argumentos a favor do uso da retórica que McCloskey (1983) proporciona como o elevamento central para o surgimento e predomínio de uma nova teoria.
  • 12
    Citado em Klamer (1984), p. 246
  • 13
    Como diz Phelps Brow (1972), do ponto de vista intelectual, pior seria que tudo já estivesse resolvido e que a função de um economista se restringisse tão-somente a repetir o que se sabe; que aborrecido seria, não!?
  • 14
    Citado em Phelps Brown (1972).
  • 15
    JEL Classification: B22; B41.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1987
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