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O Plano Real e a agricultura brasileira: perspectivas

The Real Plan and the Brazilian agriculture: perspectives

RESUMO

Este artigo analisa os efeitos das políticas macroeconômicas do Plano Real na agricultura e discute as novas perspectivas abertas após a forte desvalorização de nossa moeda em janeiro de 1999. A agricultura brasileira foi severamente afetada pela combinação de altas taxas de juros - taxa de câmbio supervalorizada. Além disso, teve que enfrentar os problemas de redução excessiva das tarifas de importação, de importações financiadas e de baixas taxas de crescimento econômico nos últimos anos. Algumas mudanças favoráveis no comércio internacional compensaram, pelo menos parcialmente, o problema da supervalorização da moeda. O Brasil sempre foi reconhecido como tendo uma forte vantagem comparativa na agricultura. A desvalorização ocorrida, a partir de janeiro de 1999, abre melhores perspectivas para o país explorar sua competitividade nos mercados internacionais.

PALAVRAS-CHAVE:
Plano Real; planos de estabilização; agricultura; crescimento econômico

ABSTRACT

This paper reviews the effects of Plano Real’s macroeconomic policies on agriculture and discusses the new perspectives open after the strong devaluation of our currency in January 1999. Brazilian agriculture was severely affected by the combination of high interest rates - overvalued exchange rate. In addition, it has had to face the problems of excessive reduction in import tariffs, of financed imports and of low economic growth rates in recent years. Some favorable changes in international trade offset, at least partially, the problem of currency overvaluation. Brazil has always been recognized as having a strong comparative advantage in agriculture. The devaluation which occurred, beginning in January 1999, opens better perspectives for the country to exploit its competitiveness in international markets.

KEYWORDS:
Real Plan; stabilization programs; agriculture; economic growth

O Plano Real completou quatro anos no dia 1º de julho de 1998. Muita coisa mudou no Brasil nesse período. O inegável sucesso do plano econômico foi no contexto inflacionário. Nossa taxa de inflação foi, em 1998, semelhante à dos países desenvolvidos, cerca de 2% no ano na média dos vários índices (IGP-DI, IGP-M e INPC), um resultado extraordinário considerando o pouco tempo transcorrido do programa de estabilização. A despeito disso e do bom encaminhamento de algumas reformas econômicas, o plano ainda não pode ser considerado como inteiramente consolidado, principalmente com as turbulências ocorridas no início deste ano. Ao contrário, existem razões para sérias preocupações. A taxa de crescimento do PIB é declinante a partir de 1995, foi bastante baixa em 1998 e deverá ser negativa em 1999. Permanecem ainda dois grandes problemas, dados pelos elevados déficits em transações correntes e o público, problemas que se tornaram explícitos com a crise econômica no início deste ano. Quais são as perspectivas da agricultura nesse contexto? É essa a principal questão que procuraremos responder neste artigo.

ANOS 90 E PLANO REAL: AS VARIÁVEIS CONTRA E A FAVOR

Vejamos, resumidamente, as principais variáveis que tiveram efeitos favoráveis e desfavoráveis na alocação dos recursos na agricultura brasileira nos anos 90 e, especialmente, após a introdução do Plano Real.1 1 Uma análise mais detalhada dessas variáveis encontra-se em Homem de Melo (1998a). Iniciemos pelos desfavoráveis:

  1. Elevadas taxas de juros reais, a chamada “âncora” monetária do Plano Real; de acordo com o economista Lauro V. Faria da Fundação Getúlio Vargas, entre 1994- 98, a taxa de juros básica real no Brasil alcançou a média de 20,2% ao ano, comparativamente a 6,8% na Argentina, 8,3 % na Colômbia, 6,8% no Chile e 1,5% no Peru (Gazeta Mercantil, 12 de agosto de 1998, p. A-6); com a crise enfrentada pelo Brasil ao início de 1999, a taxa básica do Banco Central foi elevada a mais de 30% ao ano;

  2. Forte valorização da taxa de câmbio real, a chamada “âncora” cambial do mesmo plano. A maior desvalorização perante o dólar a partir de 1996 foi prejudicada pelas desvalorizações de várias outras moedas relativamente à moeda norte­americana; essa forte valorização, inclusive, prejudicou a inserção do Brasil no MERCOSUL, em função da zeragem das tarifas de importação; isto é, o Brasil tornou-se um grande importador de produtos agrícolas dos outros três países.

  3. Excessivas reduções (em vários casos) das tarifas de importação de produtos agrícolas, o algodão e o leite talvez sendo os melhores exemplos, caracterizando uma incorreta política comercial. Em nosso entendimento, essa incorreta política comercial deve-se à desconsideração das práticas protecionistas de parte dos países industrializados, práticas que deprimem os preços de equilíbrio no mercado internacional.2 2 Veja Goldin et al. (1993).

  4. Importações financiadas de produtos agrícolas, com ganhos financeiros às empresas importadoras resultando do diferencial de taxa de juros (interna e externa, decorrente da “âncora” monetária). Algodão, leite e trigo foram os mais afetados; no início de 1998 o governo passou a restringir as importações financiadas de leite e derivados. No caso do algodão, uma mesma tentativa, através da Medida Provisória nº 1.569/97, foi contornada pelos importadores, pois 80% das importações passaram a ser feitas com prazo de pagamento superior a 360 dias.3 3 Veja Gonçalves & Souza (1998). A evolução da cotonicultura brasileira tem sido influenciada por outras variáveis: sementes melhoradas na região Centro-Oeste, a comercialização favorecida pelo governo nessa região através do Prêmio de Escoamento da Produção (PEP) e o declínio da relação câmbio-salário (favorecendo a importação de sofisticadas máquinas colheitadeiras). Neste último caso, a valorização cambial foi agravada pelo aumento do salário real no início do programa de estabilização.

  5. Reduzido crescimento da demanda interna de produtos agrícolas, como resultado das taxas declinantes de crescimento da economia. Em 1998, o crescimento do PIB ficou abaixo de 1%, o que indica declínio per capita; proteínas animais, frutas, legumes e verduras são os produtos mais prejudicados (via efeito-renda). Em 1994, o crescimento do PIB foi de 5,7%. Considerando-se Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela, o nosso país tem as mais baixas estimativas de crescimento do PIB em 1998 e 1999, de acordo com estudo do banco JP Morgan (Gazeta Mercantil Latino-Americana, 20-26 de julho de 1998). Para este ano de 1999, a grande maioria das estimativas é de declínio do PIB (algumas são de forte declínio, -3,5%).

Os principais efeitos negativos desse conjunto de variáveis foram sobre os preços recebidos pelos produtores, sobre o valor da produção, sobre o custo do crédito agrícola (efeito TR até sua extinção em abril de 19954 4 As elevadas taxas de juros no mercado financeiro tendem a reduzir os valores disponíveis do crédito agrícola. Isso ocorre pelo mecanismo de equalização de taxas e pelo valor fixo, para isso destinado, no orçamento da União. ) e sobre o valor do endividamento acumulado de anos anteriores. Dívida e capacidade de pagamento andaram em sentidos opostos, criando um sério problema. Desemprego e quedas do preço da terra também ocorreram. De outro lado, por um efeito simétrico, as exportações agrícolas foram beneficiadas pelo mesmo diferencial de taxas de juros (ganhos financeiros via ACCs - Adiantamentos de Contratos de Câmbio). Desse modo, a “âncora” monetária (juros internos elevados) e a consequente arbitragem financeira tiveram um impacto diferenciado entre produtos, beneficiando os de exportação e prejudicando os de importação. Duas categorias de produtos, deste modo, passaram a coexistir em nossa agricultura, puramente em função do tipo de política macroeconômica implementado em 1994 e que se prolonga até o início de 1999. Evidentemente, é preciso considerar que a valorização cambial atuou em sentido contrário a esse efeito favorável dos juros.

O quadro acima descrito seria, tudo o mais constante, de acentuada perda de rentabilidade nas atividades agrícolas. Uma parte da queda do preço da terra pode ter sido causada por isso, enquanto uma outra parte pode ser atribuída ao desaparecimento da inflação e do caráter de reserva de valor para o ativo terra em anos anteriores a 1994, caracterizados como de elevadas taxas de inflação.

Entretanto, um outro conjunto de variáveis teve um impacto favorável nos anos 90. Em resumo, elas foram as seguintes:

  1. Melhoria das cotações internacionais de produtos agrícolas, principalmente a partir de 1994, beneficiando soja, café, cacau, açúcar, algodão e carnes. Comparando-se 1997 com 1992, houve um aumento de 46,6% no índice de preços em dólares por nós estimado (incluindo soja, café, suco de laranja, milho e algodão); a evolução do índice de preços internacionais durante 1989-97 está mostrada no gráfico 1. Em 1997, por exemplo, o setor agroindustrial teve o maior saldo comercial de todos os tempos, chegando a US$ 13,7 bilhões.5 5 ‘Veja os dados da balança comercial do setor agroindustrial levantados pelos professor Marcos S. Jank da ESALQ/USP. Esses dados não foram publicados, mas nos foram cedidos em uma série histórica. Soja e café tiveram preços excepcionais naquele ano, principalmente em função do quadro de escassez de oferta mundial.

  2. Reduções dos preços reais de insumos agrícolas, principalmente nos casos de fertilizantes, defensivos e medicamentos. A abertura comercial, com menores tarifas de importação, e a valorização da taxa de câmbio, causaram essas reduções; entre 1989 e 1994 o IPP (Índice de Preços Pagos - Agroanalysis) teve urna redução real de 25,8%. Entre 1994 e 1997 houve um pequeno aumento real desse índice, mas causado pelos preços de serviços e trabalho; fertilizantes e defensivos continuaram com diminuições reais; adicionalmente, novas e melhores máquinas agrícolas tornaram-se disponíveis, inclusive pela abertura comercial; essas mudanças em preços reais e relativos, e na disponibilidade de insumos estimularam utilizações mais intensivas, com favorável efeito na produtividade do setor e, consequentemente, causando menores custos de produção e melhoria da nossa competitividade externa.

  3. Aumento expressivo do índice de produtividade da terra. Em parte isso foi causado pelas reduções dos preços de insumos, porém, mais importante, resultou da geração de inovações tecnológicas pelos setores público e privado, pela abertura comercial e pela busca pelos agricultores, em uma situação de “estresse”, de uma melhor alocação de recursos.6 6 O argumento de que o “estresse” é importante para motivar mudança técnica, no caso da valorização cambial na economia agrícola norte-americana, foi desenvolvido por Schuh (1974). Este autor argumenta que o “estresse”, uma situação de lucros declinantes ou negativos, é uma poderosa indução da atividade de inovação

  4. Modificações de políticas econômica e agrícola. A principal, certamente, foi a Lei Kandir, isto é, a isenção do ICMS nas exportações agrícolas a partir de 1997. Essa medida, muito importante, teve um caráter mais ativo, corrigindo uma séria distorção do passado, pelo menos desde a Constituição de 1967. Esta permitia a incidência do ICMS nas exportações de produtos primários e semi-manufaturados, e não na de manufaturados. Ela correspondeu a uma desvalorização cambial máxima da ordem de 15%, mas incidindo apenas para os produtos de exportação, o que foi uma limitação importante. Soja, café, cacau, açúcar, fumo, laranja e carnes foram os produtos mais beneficiados. No caso da soja, o benefício maior foi para grãos e menos para farelo e óleo, pois o ICMS destes era menor que 13%. Destaque também merece ser dado aos novos instrumentos de comercialização (PEP - Prêmio de Escoamento da Produção, Contratos de Opções - e CPR - Cédula do Produtor Rural). As duas medidas de securitização também foram positivas, mas, em boa parte, simplesmente, atenuaram problemas causados pelo próprio Plano Real, em função das “âncoras” monetária e cambial. O RECOOP (Programa de Revitalização das Cooperativas de Produção Agropecuária), em parte, pelo menos, também está nessa categoria de atenuação de problemas previamente criados. A impressão que fica é: problemas sérios foram causados pela política macroeconômica do Plano Real e depois foram atenuados por outras medidas de natureza pontuais. De outro lado, o PRONAF (Programa Nacional de Apoio à Agricultura Familiar) é um programa inovador e muito importante em seu suporte à agricultura familiar. Em nosso entendimento, a maior falha da política agrícola em seu sentido mais estrito foi o quase abandono da política de estoques reguladores para produtos domésticos, principalmente milho, arroz e feijão, entendida como uma bem formulada (e implementada) política de preços mínimos e de preços de liberação de estoques, levando a uma menor instabilidade (entre meses e anos) de preços aos produtores e consumidores, através dos instrumentos EGFs (Empréstimos do Governo Federal) e AGFs (Aquisições do Governo Federal). Os novos instrumentos de comercialização, acima mencionados, não substituem perfeitamente essa política. O Brasil inicia 1999 com poucos estoques de milho, arroz e feijão. Os estoques de milho são de safras velhas e estão mal distribuídos. Grandes aumentos de preços de feijão e arroz já ocorreram em 1998. Uma maior instabilidade dos preços deverá ocorrer daqui em diante, aumentando o risco dos produtores.7 7 Ver Newbery & Stiglitz (1982) e Homem de Melo (1986). Grandes ausentes na política agrícola, em seu sentido mais amplo, foram as questões tributária e comercial (tarifas compensatórias), a primeira envolvendo os impostos sobre insumos e produtos agrícolas no mercado interno.

Gráfico 1
Evolução do índice de preços internacionais de produtos agrícolas brasileiros, 1989-97

Esses quatro pontos favoráveis (parcial na política agrícola) trabalharam a favor da rentabilidade agrícola. Isto se deu pelo aumento dos preços recebidos e pela redução de custos de produção. De outro lado, as privatizações de nosso sistema ferroviário, as mudanças do portuário e os investimentos do programa Brasil em Ação deverão levar, a médio prazo, a reduções no custo de comercialização, o que favorecerá a rentabilidade na produção agrícola.

OS RESULTADOS EM NOSSAS PRODUÇÕES VEGETAL E ANIMAL

Em função dos objetivos previamente definidos, vamos concentrar nossa análise sobre os impactos das variáveis favoráveis e desfavoráveis acima descritas nas produções vegetal e animal nesta década. As consequências em termos de emprego, comércio exterior, renda e sua distribuição, entre outros, ficarão para futuras oportunidades e outros estudos. Todas elas, contudo, são muito importantes para o entendimento das transformações recentes da economia brasileira.

O gráfico 2 mostra as evoluções de três variáveis no período 1989-97 (índices): a) produção vegetal total (19 produtos)8 8 Os produtos considerados foram: soja, arroz, milho, algodão, feijão, café, laranja, batata, amendoim, cacau, cana-de-açúcar, fumo, mamona, mandioca, sisal, tomate, trigo, uva e cebola, com dados do IBGE. , base 1987-89; b) produção vegetal total per capita, base 1987-89; e c) produtividade da terra, base 1989. Em resumo, tivemos o seguinte. Houve um pequeno crescimento (ponta-a-ponta), de 10,7%, na produção vegetal total entre o triênio 1987-89 e 1997. Entre 1994 e 1997 o crescimento foi de apenas 3,7%. Na medida per capita, entretanto, todos os anos mostraram declínios em relação ao triênio-base 1987-89. Na comparação mais recente, ocorreu um declínio de 1,2% entre 1994 e 1997, ambos os resultados sendo bastante negativos. Por outro lado, o grande destaque foi o crescimento de 19,5% na produtividade da terra entre 1989 e 1997, evidenciando o esforço para a competitividade dos produtores brasileiros em um ambiente de adversidade econômica. Esse favorável indicador estatístico pode, entretanto, estar superestimado pela eliminação de produtores menos eficientes. A maneira como a economia ajustou­se a esse modesto desempenho agrícola foi através de maiores importações.9 9 Ver Homem de Melo (1998).

Gráfico 2
Evolução dos índices de produção vegetal total, per capita e da produtividade da terra no Brasil, 1989/97 (1989=100)

No lado da produção animal, o resultado foi algo mais favorável, como o mostrado a seguir para o índice da produção total per capita durante 1993-97 (dados de IBGE, Agroanalysis e Safras e Mercado, nossa elaboração):

1993 ............................................................................... 100,0 1994 ............................................................................... 103,2 1995 ............................................................................... 117,0 1996 ............................................................................... 117,8 1997 ............................................................................... 119,6 1998 (est.) ............................................................................... 118,6

Os aumentos das produções de carne de frango, leite e carne bovina em 1995 foram expressivos. O efeito-renda, positivo nos dois primeiros anos do Plano Real10 10 Em 1994 o PIB cresceu 5,7%, em 1995, 4,2%. Nos anos seguintes, o crescimento caiu bastante: 2,76% em 1996, 3% em 1997 e, em 1998, a estimativa é inferior a 1%. , inclusive com a eliminação do imposto inflacionário, e a fase do ciclo da pecuária contribuíram para esses aumentos. Entretanto, nota-se um esgotamento do crescimento animal per capita a partir de 1996 e um provável declínio em 1998. Isso indica que a produção vegetal foi mais prejudicada que a animal, mas que esta já está dando claros sinais dos mesmos problemas que aquela. O bastante modesto crescimento da economia em 1998 e provável declínio em 1999 limitarão o aumento da demanda interna dos produtos animais, sabidamente produtos com elevadas elasticidades­renda. A demanda externa, por sua vez, foi e está sendo prejudicada pela crise dos países “emergentes” e pela valorização de nossa moeda perante a cesta de nossos parceiros comerciais, sendo a carne de frango o produto mais afetado. Nos primeiros seis meses de 1998 o valor das exportações de carne de frango caiu 24%, (SECEX). No balanço, o desempenho da agropecuária foi pouco expressivo, ainda que melhor no lado animal, mas certamente bem abaixo de seu potencial de crescimento. A inclusão dos dados de 1998 no lado vegetal não deverá modificar esse resultado, apesar do aumento previsto para a produção física de café, em muito influenciado pelo seu padrão bienal (ainda que os preços recebidos tenham sido menores).

MUDANÇAS RECENTES EM VARIÁVEIS E PERSPECTIVAS

A questão que resulta da conclusão acima, de um desempenho produtivo bastante modesto, é sobre as perspectivas para os próximos anos. Vejamos, principalmente, a situação das variáveis que tiveram efeitos favoráveis nos anos 90. Em primeiro lugar, vejamos a situação da economia mundial, particularmente abalada a partir da crise asiática em meados de 1997 e, posteriormente, pela da Rússia e do próprio Brasil em 1998.

As principais mudanças na economia mundial são as seguintes11 11 Ver, para uma análise mais detalhada, Homem de Melo (1998b). a) menor crescimento, conforme previsão do Fundo Monetário Internacional em 1998 (3,1%) e de apenas 2,2% em 1999; b) valorização do dólar norte-americano; c) aumentos das produções mundiais de soja, café, açúcar, milho e arroz; d) aumentos dos estoques mundiais de vários produtos. Essas mudanças, evidentemente, deveriam causar menores preços em dólares. Comparando-se as médias dos preços em dólares de 1997 e de 1998, tivemos as seguintes variações (nossa elaboração, com base nas Bolsas de Chicago, New York e APA - Associação Paulista de Avicultura):

Café .................................................................. -29,1% Soja .................................................................. -20,6% Açúcar .................................................................. -22,3% Cacau .................................................................. 3,4% Algodão .................................................................. -4,9% Suco de Laranja .................................................................. 37,1% Trigo .................................................................. -20,1% Milho .................................................................. -14,7% Carne de Frango (9 meses) .................................................................. -11,3%

Em resumo, essas mudanças foram, em sua grande maioria, bastante desfavoráveis ao Brasil em 1998. Algum alívio para os preços internos ocorreu pela desvalorização de nossa moeda em relação ao dólar norte-americano, em 8,2% no ano (dezembro a dezembro). Em parte, pelo menos, os níveis de preços internacionais nos próximos anos dependerão do desempenho da economia mundial. Neste contexto, a questão ainda não inteiramente definida é: está a economia mundial iniciando um período de menores taxas de crescimento? Isto é, menores e declinantes, ano a ano? Até quando?

Em segundo lugar, vejamos a evolução recente dos preços de insumos. Comparando-se os meses de outubro de 1997 e 1998, tivemos as seguintes variações:

Sementes ................................................... 7,6% Fertilizantes ................................................... 0,7% Agrotóxicos ................................................... 5,7% Serviços ................................................... 1,7% Combustíveis ................................................... 2,5% Mão-de-Obra ................................................... 3,9% IPP - Preços Pagos ................................................... 3,4% IPR - Preços Recebidos ................................................... 5,9% IGP-DI ................................................... 2,4%

Os dados acima indicam uma situação bem tranquila para os preços de insumos nos últimos doze meses (até outubro de 1998). Apenas agrotóxicos e sementes tiveram um mais significativo aumento de preços reais. Todos, exceto sementes, ficaram abaixo do IPR (Índice de Preços Recebidos). É possível que ainda ocorra uma tentativa de repasse do aumento da TEC (Tarifa Externa Comum), de três pontos percentuais, ocorrido ao final de 1997. Não há, de outro lado, maiores indicações de aumentos de preços internacionais dos insumos transacionáveis. Entretanto, em conclusão, não parece haver maior probabilidade de reduções adicionais dos preços reais de insumos agrícolas, isto é, além das já ocorridas. Desse modo, essa fonte de aumento de produtividade e de reduções de custos estaria praticamente esgotada. O fato novo, ao início de 1999, foi a forte desvalorização de nossa moeda, evento que, ao longo do tempo, provocará aumentos dos preços de insumos com componentes importados (comercializáveis).

Em terceiro lugar, está a própria questão da produtividade. Como vimos, o índice de produtividade da terra evoluiu positivamente durante 1989-97. Essa é uma variável de difícil previsão para os próximos anos, dada sua natural instabilidade. Entretanto, a situação razoavelmente boa da EMBRAPA (em termos de seus objetivos como instituição pública de pesquisa agropecuária), a abertura comercial (principalmente no caso de máquinas agrícolas), o dinamismo do setor privado, a introdução da Lei de Proteção a Cultivares e uma maior demanda por inovações pelos produtores, permitem um maior otimismo a médio prazo .

Em quarto lugar, temos as possíveis reduções nos custos de comercialização de nossa produção agropecuária, levando a maiores preços aos produtores e, consequentemente, maior rentabilidade. Nesse contexto, os destaques vão para os investimentos públicos e privados, para as privatizações dos sistemas rodoviário (a cobrança de pedágios traz alguma preocupação) e ferroviário, para as mudanças no sistema portuário e para o programa Brasil em Ação. Neste último, os destaques são: a) hidrovia do Rio Madeira (já em operação); b) hidrovias Rio das Mortes­Araguaia-Tocantins-Ferrovias Norte-Sul e Carajás-Porto de São Luis; c) hidrovias Teles Pires-Tapajós-Porto de Santarém; d) ligação ferroviária Unaí-Pirapora-Porto de Tubarão; e) sistema ferroviário FERRO NORTE-Cuiabá-Porto de Santos; e f) hidrovia Tietê-Paraná, trecho sul do rio Paraná. Essas são obras importantes em termos de seus efeitos na agropecuária, beneficiando, principalmente, soja, milho e pecuária de corte. Elas abrem, a médio prazo, novas possibilidades, em especial na região Centro-Norte. Seu alcance, todavia, como a Lei Kandir, é parcial, entre produtos e regiões. Isso não diminui seus méritos, mas por outro lado é preciso enfatizar as limitações de seus impactos.

Outras mudanças ou possibilidades de mudanças poderiam ser mencionadas. Entre elas, a reforma tributária e a redução do protecionismo no comércio agrícola com a reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio) a partir de 1999. Entretanto, ainda que possíveis, elas nos parecem um pouco mais distantes. Seus efeitos positivos em nossa agropecuária, entretanto, seriam bastante expressivos.

COMENTÁRIOS FINAIS

O desaparecimento dos efeitos de algumas variáveis que foram favoráveis à agricultura nos últimos anos, como analisado, combinado aos efeitos limitados entre produtos, regiões e mais a médio prazo dos investimentos em infraestrutura, jogam um enorme peso, para o futuro agrícola, na solução do problema juros-câmbio do Plano Real. Os crescimentos da demanda interna e das exportações/importações dependerão disso. Esse será o grande desafio macroeconômico à frente. Nas sensatas palavras de Luiz Antonio Pinazza, gerente de negócios da AGROCERES, “a agricultura brasileira mostra assustadora perda de vitalidade em seu ritmo de atividade e não goza de uma imagem positiva nos centros urbanos, onde vive a maioria da população. Esse quadro terá de ser revertido, mas pouco se nota alguém à procura do caminho estratégico para tal. Paira muita indecisão e incerteza no setor” (Folha de S. Paulo, 17/06/98, pp. 1-3). Seria lamentável que a agricultura continuasse com uma taxa de crescimento bem abaixo de sua potencialidade, caracterizando um desperdício econômico. Nosso país sempre foi reconhecido por sua extraordinária vocação agrícola. O início de 1999, com a forte desvalorização de nossa moeda, abre melhores perspectivas para a exploração dessa vocação. Isso porque a rentabilidade agrícola, especialmente dos produtos internacionalmente comercializáveis, será melhorada. Resta, todavia, o problema dos elevados juros e de suas implicações econômicas desfavoráveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 1
    Uma análise mais detalhada dessas variáveis encontra-se em Homem de Melo (1998aHOMEM DE MELO, F (1998a) “A Agricultura Brasileira nos Anos 90: O Real e o Futuro”. Economia Aplicada, 2 (1), pp. 163-82.).
  • 2
    Veja Goldin et al. (1993GOLDIN, I. et al. (1993) Trade Liberalisation: Global Economic Implications. Paris, OECD e Banco Mundial.).
  • 3
    Veja Gonçalves & Souza (1998GONÇALVES, J. S. & S. A. M. (1998) “Estrutura Atropelando a Conjuntura: Os Problemas da Comercialização do Algodão Brasileiro na Safra 1997-98”. Informações Econômicas, 28 (5), pp. 49-53.). A evolução da cotonicultura brasileira tem sido influenciada por outras variáveis: sementes melhoradas na região Centro-Oeste, a comercialização favorecida pelo governo nessa região através do Prêmio de Escoamento da Produção (PEP) e o declínio da relação câmbio-salário (favorecendo a importação de sofisticadas máquinas colheitadeiras). Neste último caso, a valorização cambial foi agravada pelo aumento do salário real no início do programa de estabilização.
  • 4
    As elevadas taxas de juros no mercado financeiro tendem a reduzir os valores disponíveis do crédito agrícola. Isso ocorre pelo mecanismo de equalização de taxas e pelo valor fixo, para isso destinado, no orçamento da União.
  • 5
    ‘Veja os dados da balança comercial do setor agroindustrial levantados pelos professor Marcos S. Jank da ESALQ/USP. Esses dados não foram publicados, mas nos foram cedidos em uma série histórica.
  • 6
    O argumento de que o “estresse” é importante para motivar mudança técnica, no caso da valorização cambial na economia agrícola norte-americana, foi desenvolvido por Schuh (1974SCHUCH, G. E. (1974) “The Exchange Rate and US. Agriculture”, American Journal of Agricultural Economics, February, pp. 1-13.). Este autor argumenta que o “estresse”, uma situação de lucros declinantes ou negativos, é uma poderosa indução da atividade de inovação
  • 7
    Ver Newbery & Stiglitz (1982NEWBERY, D. M. & J. E. STIGLITZ. (1982) “Risk Aversion, Supply Response and the Optimality of Random Prices: a Diagrammatic Analysis”. The Quarterly Journal of Economics, 97 (1), pp. 1-26.) e Homem de Melo (1986HOMEM DE MELO, F. (1986) “Estabilização de Preços: Exportáveis vs Domésticos”. São Paulo: IPE/USP, série Relatórios de Pesquisa.).
  • 8
    Os produtos considerados foram: soja, arroz, milho, algodão, feijão, café, laranja, batata, amendoim, cacau, cana-de-açúcar, fumo, mamona, mandioca, sisal, tomate, trigo, uva e cebola, com dados do IBGE.
  • 9
    Ver Homem de Melo (1998HOMEM DE MELO, F (1998a) “A Agricultura Brasileira nos Anos 90: O Real e o Futuro”. Economia Aplicada, 2 (1), pp. 163-82.).
  • 10
    Em 1994 o PIB cresceu 5,7%, em 1995, 4,2%. Nos anos seguintes, o crescimento caiu bastante: 2,76% em 1996, 3% em 1997 e, em 1998, a estimativa é inferior a 1%.
  • 11
    Ver, para uma análise mais detalhada, Homem de Melo (1998bHOMEM DE MELO, F (1998b) “Mercado Agrícola Internacional: Mudanças a Vista?”, Informações FIPE, ago.).
  • 13
    JEL Classification: Q14; Q17; E42.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1999
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