Acessibilidade / Reportar erro

A distribuição da renda no Brasil em 1985, 1986 e 1987

Income distribution in Brazil: 1985, 1986, and 1987

RESUMO

Este artigo experimenta inconsistências na visão dominante de que em 1987 houve uma melhoria significativa nos salários dos trabalhadores. Usando dados da PNAD e considerando a variação real do salário-mínimo, mostramos que, dependendo do deflator, a desigualdade e a pobreza podem ser maiores ou menores em 1987 do que em 1985.

PALAVRAS-CHAVE:
Distribuição de renda; desigualdade; pobreza

ABSTRACT

This piece tries inconsistencies in the mainstream view that in 1987 there was a significant improvement in workers’ wages. Using data from PNAD and considering the real variation of the minimum wage we show that depending on the deflator, inequality and poverty could be either higher or lower in 1987 than in 1985.

KEYWORDS:
Income distribution; inequality; poverty

Resultados preliminares da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1987 têm sido interpretados erroneamente. A revista VEJA, de 2 de novembro de 1988, contém uma reportagem intitulada “Um retrato melhor”, onde se afirma, comentando a PNAD de 1987, que “a pesquisa revela ter havido uma forte melhoria na distribuição de renda dos trabalhadores entre 1986 e o ano passado. Caiu o número de pessoas que ganhavam menos de um salário-mínimo e aumentou bastante o número das que ganhavam acima disso”.

O erro consiste, essencialmente, em comparar o número ou a proporção de pessoas em estratos delimitados em função do salário-mínimo, - sem levar em consideração a variação do valor real do salário-mínimo (SM), denominado piso nacional de salário a partir de setembro de 1987.

As últimas PNADs retratam a distribuição de renda em setembro do respectivo ano. Em setembro de 1986 o salário-mínimo era 804 cruzados, passando para 2.400 cruzados em setembro de 1987. Considerando o índice de custo de vida do DIEESE, verifica-se que o valor real do salário-mínimo sofre uma redução de 33,6% entre setembro de 1986 e setembro de 1987. Se for utilizado o INPC a redução do valor real é de 22,2%. De qualquer maneira a redução é tão grande que não faz sentido comparar, nos dois anos, porcentagens de pessoas em estratos delimitados com base no salário-mínimo ou piso salarial vigente em cada período, como é feito na reportagem mencionada.

Pode-se verificar, comparando os resultados preliminares da PNAD de 1987 com a PNAD de 1986, que em setembro de 1987 a distribuição da renda tinha média menor e desigualdade maior.

Tendo em vista o caráter excepcional da situação em setembro de 1986, dentro do pequeno período em que os efeitos do Plano Cruzado foram benéficos para a distribuição de renda, vamos apresentar aqui, para comparação, informações sobre a distribuição da renda de acordo com as PNADs de 1985 e 1986 e os resultados preliminares da PNAD de 1987, examinando a distribuição da renda na população economicamente ativa (PEA).

A Tabela 1 (ver página seguinte) mostra a evolução, nos três anos, da proporção da PEA sem rendimento e dos valores reais do rendimento médio e do rendimento mediano da PEA com rendimento.1 1 O fato de o rendimento médio da PEA total com rendimento ser mais de duas vezes maior do que o rendimento mediano é um indicador da forte assimetria da distribuição. Quase 3/4 dessa população recebem menos do que o rendimento médio. São considerados, alternativamente, dois deflatores: o índice de custo de vida do DIEESE, referente a São Paulo, e o INPC. Entre setembro de 1985 e setembro de 1987 o índice do DIEESE cresceu 921% e o INPC cresceu apenas 689%. Dessa maneira, os valores reais crescem mais ou diminuem menos quando se usa o INPC como deflator.

Tabela 1:
Evolução da proporção de pessoas economicamente ativas sem rendimento e do valor real do rendimento médio (m) e do rendimento mediano (D) das pessoas economicamente ativas com rendimento, no Brasil, de acordo com as PNADs de 1985, 1986 e 1987, em cruzados de setembro de 1987.

Adotando o índice do DIEESE como deflator, o rendimento médio da PEA (excluindo os sem rendimento) cresce 26,9% de setembro de 1985 a setembro de 1986, mas diminui 33,3% no ano seguinte. O rendimento mediano cresce 30,4% no primeiro ano e depois cai 33,9%. Tanto o rendimento médio como o rendimento mediano são, em setembro de 1987, menores do que em setembro de 1985. As variações relativas são semelhantes para a PEA com domicílio urbano. No caso da PEA com domicílio rural há uma redução mais drástica (de 40%) dos rendimentos médio e mediano de 1986 para 1987.

Adotando o INPC como deflator, o rendimento médio da PEA com rendimento cresce 40,l% de setembro de 1985 a setembro de 1986, e diminui 21,8% no ano seguinte. O rendimento mediano cresce 43,9% no primeiro ano e depois cai 22,5%. Agora os rendimentos médio e mediano são, em setembro de 1987, maiores do que em setembro de 1985.

Qualquer que seja o deflator utilizado, constata-se um crescimento acentuado das medidas de tendência central da distribuição no primeiro ano e uma queda, também acentuada, no segundo ano do período analisado. Se as pessoas economicamente ativas sem rendimento forem incluídas no cálculo, essas variações no valor das medidas de tendência central serão ainda mais acentuadas, pois a proporção de pessoas sem rendimento é menor em setembro de 1986.

A Tabela 2 mostra a evolução da desigualdade da distribuição da renda na PEA com rendimento.2 2 Cabe lembrar que o rendimento declarado nas PNADs subestima o rendimento real, e que o grau de subdeclaração é maior no caso dos rendimentos mais altos. Dessa maneira, tanto o rendimento médio como o grau de desigualdade está subestimado. O índice de Gini e a porcentagem da renda recebida pelos 50% mais pobres (50-) sugerem que entre setembro de 1985 e setembro de 1986 houve um ligeiro decréscimo na desigualdade. Por outro lado, o índice de Theil indica um pequeno aumento na desigualdade, mais nítido no caso da PEA com domicílio urbano. Assim, embora os dados mostrem um efeito notório do “Plano Cruzado” sobre os rendimentos médios, não há indicações de um efeito significativo sobre a desigualdade da distribuição de renda. De qualquer maneira, os efeitos benéficos do Plano Cruzado foram efêmeros. De 1986 para 1987 o rendimento médio cai acentuadamente (ver Tabela 1) e a desigualdade da distribuição aumenta. Tanto para a PEA total como para a PEA urbana a desigualdade em 1987 é maior do que em 1985.

Tabela 2:
Evolução da desigualdade da distribuição da renda entre pessoas economicamente ativas com rendimento, no Brasil, de acordo com as PNADs de 1985, 1986 e 1987: índice de Gini (G), índice de Theil (T), porcentagem da renda recebida pelos 50% mais pobres (50- ), pelos 10% mais ricos (10+) e pelos 5% mais ricos (5+ ).

Para analisar a evolução da pobreza absoluta de acordo com as PNADs de 1985, 1986 e 1987 é necessário fixar a “linha de pobreza”. A medida de pobreza adotada é a proporção de pobres, isto é, a proporção de pessoas com rendimento igual ou inferior à linha de pobreza. Foram utilizadas, alternativamente, duas linhas de pobreza: o salário mínimo de setembro de 1986 (o maior, em termos reais) ou o piso salarial de setembro de 1987 (o menor, em valor real). Em ambos os casos é necessário calcular, para os outros dois anos, valores correntes que sejam, em termos reais, iguais à linha de pobreza adotada, e interpolar esses valores na distribuição, para estimar a proporção de pobres. O cálculo dos valores correntes foi feito considerando, alternativamente, dois deflatores: o índice de custo de vida do DIEESE ou o INPC. Os resultados obtidos estão na Tabela 3.

tabela 3:
Evolução da proporção de pobres entre as pessoas economicamente ativas com rendimento, no Brasil, de acordo com as PNADs de 1985, 1986 e 1987, para duas linhas de pobreza constantes em termos reais, usando como deflator, alternativamente, o índice de custo de vida do DIEESE ou o INPC.

Observa-se que a proporção de pobres diminui bastante entre 1985 e 1986, mas aumenta acentuadamente entre 1986 e 1987. Esses eram resultados esperados, tendo em vista as variações observadas nas medidas de tendência central e à relativa estabilidade da desigualdade da distribuição.

O resultado da comparação 85-87 depende do deflator utilizado. Adotando o índice de custo de vida do DIEESE, a proporção de. pobres em 1987 é maior do que em 1985, porém, adotando o INPC, a proporção de pobres em 1987 é um pouco menor do que em 1985.

  • 1
    O fato de o rendimento médio da PEA total com rendimento ser mais de duas vezes maior do que o rendimento mediano é um indicador da forte assimetria da distribuição. Quase 3/4 dessa população recebem menos do que o rendimento médio.
  • 2
    Cabe lembrar que o rendimento declarado nas PNADs subestima o rendimento real, e que o grau de subdeclaração é maior no caso dos rendimentos mais altos. Dessa maneira, tanto o rendimento médio como o grau de desigualdade está subestimado.
  • 3
    Essa distribuição está especialmente sujeita a críticas. Um jovem que recebe uma mesada do pai e um chefe de família com rendimento igual não deveriam, obviamente, ser classificados da mesma maneira, como ocorre nessa distribuição.
  • 4
    JEL Classification: J31; I32.

APÊNDICE

Como informação complementar, são apresentados alguns resultados relativos à distribuição das famílias de acordo com o rendimento familiar e à distribuição da renda entre as pessoas de 10 anos ou mais.

As PNADs fornecem o número de famílias em 6 estratos de rendimento familiar cujos limites inferiores são 0, l, 2, 5, 10 e 20 salários mínimos, além do número de famílias sem rendimento e do número de famílias sem declaração de rendimento. Como os dados publicados não incluem os rendimentos médios por estrato, eles foram fixados, por comparação com outras distribuições, em 0,60, 1,50, 3,38, 7,1, 14 e 40 salários mínimos. Os resultados obtidos estão nas Tabelas 4 e 5. Nesse caso as medidas de tendência central e de desigualdade da distribuição foram calculadas incluindo as famílias sem rendimento (1,5% das famílias com declaração de rendimento em 1985 e 1986, e 1,8% em 1987).

Tabela 4:
Evolução do valor real do rendimento familiar médio (m) e do rendimento familiar mediano (D), no Brasil, de acordo com as PNADs de 1985, 1986 e 1987, em cruzados de setembro de 1987.

Tabela 5:
Evolução da desigualdade da distribuição da renda entre famílias, no Brasil, de acordo com as PNADs de 1985, 1986 e 1987: índice de Gini (G), índice de Theil (T), porcentagem da renda recebida pelos 50% mais pobres (50-), pelos 10% mais ricos (10+) e pelos 5% mais ricos (5+).

A Tabela 4 mostra que as medidas de tendência central (média e mediana) têm um crescimento substancial de 1985 para 1986, mas diminuem acentuadamente no ano seguinte. A Tabela 5 mostra que a desigualdade da distribuição é relativamente estável. A desigualdade diminui ligeiramente de 1985 para 1986, mas em 1987 é maior do que em 1985. Esses resultados são todos coerentes com o que foi observado ao analisarmos a distribuição da renda entre pessoas economicamente ativas.

Os resultados referentes à distribuição da renda entre as pessoas de 10 anos ou mais com rendimento3 3 Essa distribuição está especialmente sujeita a críticas. Um jovem que recebe uma mesada do pai e um chefe de família com rendimento igual não deveriam, obviamente, ser classificados da mesma maneira, como ocorre nessa distribuição. estão nas Tabelas 6 e 7. Esses resultados são, em linhas gerais, coerentes com os apresentados anteriormente.

Tabela 6:
Evolução da proporção de pessoas de 10 anos ou mais sem rendimento e do valor real do rendimento médio (m) e do rendimento mediano (D) das pessoas de 10 anos ou mais com rendimento, no Brasil, de acordo com as PNADs de 1985, 1986 e 1987, em cruzados de setembro de 1987.

Tabela 7:
Evolução da desigualdade da distribuição da renda entre pessoas de 10 anos ou mais com rendimento, no Brasil, de acordo com as PNADs de 1985, 1986 e 1987: índice de Gini (G), índice de Theil (T), porcentagem da renda recebida pelos 50% mais pobres (50-), pelos 10% mais ricos (10+) e pelos 5% mais ricos (+).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1989
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br