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Um mestre da economia brasileira: Ignácio Rangel

A master of the Brazilian economy: Ignácio Rangel

RESUMO

Ignácio Rangel pode ser o analista mais original do desenvolvimento econômico brasileiro. Sua contribuição foi feita especialmente nas décadas de 1950 e 1960. Influenciado por Keynes e Marx, ele adota um método histórico e dialético. Ele foi o primeiro economista brasileiro a introduzir os longos ciclos de Kondratieff na análise da economia brasileira. Em sua análise do Brasil, ele sempre enfatizou seu caráter duplo e dinâmico, onde os longos ciclos e o processo de mudança das principais classes sociais presidem o processo de acumulação em novos setores da economia, transferindo recursos do setor com capacidade ociosa. Sua principal contribuição, no entanto, foi na teoria da inflação. Ele criticou as visões monetarista e estruturalista da inflação e mostrou o caráter endógeno da oferta de moeda de maneira pioneira. Já em 1978, ele percebeu a crise financeira do estado e, apesar de sua posição de esquerda, propôs a privatização dos serviços públicos.

PALAVRAS-CHAVE:
História do pensamento econômico; Rangel

ABSTRACT

Ignácio Rangel may be the more original analyst of the Brazilian economic development. His contribution was made particularly in the 1950s and 1960s. Influenced by Keynes and Marx, he adopts a historical and dialectical method. He was the first Brazilian economist to introduce the Kondratieff’ long cycles in the analysis of the Brazilian economy. ln his analysis of Brazil, he always stressed its dual and dynamic character, where the long cycles and changing process of leading social classes presides the process of accumulation in new sectors of the economy, transferring resources from the sector with idle capacity. His major contribution, however, was in inflation theory. He criticized the monetarist and the structuralist views of inflation and showed the endogenous character of the money supply in a pioneering way. As early as 1978 he realized the financial crisis of the state and, in spite of his left leaning position, proposed the privatization of public utilities.

KEYWORDS:
History of economic thought; Rangel

1. INTRODUÇÃO

Ignácio Rangel é provavelmente o mais original analista do desenvolvimento econômico brasileiro. Apenas Celso Furtado tem uma contribuição comparável na análise da dinâmica de nossa economia. Formado em direito, autodidata em economia, intelectual sempre preocupado com a prática, com a transformação do mundo em que vive, seu pensamento nem sempre segue as normas disciplinadas da academia. Trata-se, entretanto, de um pensamento poderoso e profundamente engajado com o desenvolvimento nacional. No exterior provavelmente Rangel nunca será conhecido, embora pelo menos uma de suas contribuições tenha valor universal: a tese da moeda endógena. Rangel é antes de mais nada um economista nacional, formado nos anos 50 na escola nacionalista do ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros - e na escola estruturalista da Cepal - Comissão Econômica para a América Latina. É um pensador profundamente influenciado por Marx, Schumpeter e Keynes, que soube integrar de maneira muito pessoal. É um economista que sempre se distinguiu pelo pioneirismo, pela criatividade, pelo pensamento independente. Nos anos 60, por exemplo, vigorava ainda entre os economistas estruturalistas a interpretação estagnacionista apoiada na análise do esgotamento do modelo de substituição de importações. Como registra Conceição Tavares, “um dos poucos economistas brasileiros de meu conhecimento que não participava dessa visão era Ignácio Rangel, ao qual devo as mais importantes intuições sobre a natureza do problema central da acumulação naquele período de transição ( ... ) Assim mesmo, relendo-o hoje, verifico que meu modesto ensaio não faz jus à imaginação e vigor criativo de Rangel” (1972TAVARES, Maria da Conceição (1972). Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro. Rio de Janeiro: Zahar.; p. 18). Essa imaginação criadora é uma característica fundamental de seu pensamento. Poucos cientistas sociais estudaram a economia brasileira de maneira tão inovadora quanto Ignácio Rangel. Alia-se a essa imaginação a ousadia de afirmar e a capacidade analítica de sustentar a validade das propostas inovadoras.

Não obstante seu valor, na segunda metade dos anos 60 e na primeira metade dos 70 a obra de Rangel havia sido relegada, por circunstâncias políticas e pessoais, a um certo ostracismo, evidenciado na falta de reedição de seus livros já esgotados. Seu clássico A Inflação Brasileira, por exemplo, que tivera duas edições esgotadas no mesmo ano de 1963, levou quinze anos para receber a terceira1 1 Os economistas oficiais que dirigiram a economia do Brasil de 1964 a 1984, por exemplo, jamais reconheceram em público valor ao pensamento de Rangel. Lembro-me que, em 1964, seu livro ora reeditado era criticado em um seminário do professor Delfim Netto, do qual participei. E, no entanto, assim que assumiu o Ministério da Fazenda (em 1967), a primeira coisa que fez foi, seguindo a orientação de Rangel, diagnosticar a inflação brasileira como de custos, afrouxar os controles de crédito, permitir um aumento moderado dos salários, e passar a controlar os preços através do CIP.” (Bresser-Pereira, 1978: 9). Como o ajuste fiscal fora completado entre 1964 e 1967, os resultados em termos de redução da inflação e retomada do desenvolvimento foram imediatos. . A partir de 1978, intensifica-se um processo de reavaliação de suas contribuições para o pensamento econômico brasileiro com os textos de Cardim de Carvalho (1978CARDIM DE CARVALHO, Fernando (1978). Agricultura e Questão Agrária no Pensamento Econômico Brasileiro -1950/1970. Campinas: Departamento de Economia da Unicamp (dissertação de mestrado).), Bresser-Pereira (1978BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1978). “Prefácio” à 3ª edição de A Inflação Brasileira de Ignácio Rangel. São Paulo: Brasiliense, 1978.), Wilson Cano (1979CANO, Wilson (1979). “Prefácio” de Ciclo, Tecnologia e Crescimento (coletânea de ensaios). São Paulo: Editora Hucitec, 1980. Escrito em 1979.), Davidoff Cruz (1980DAVIDOFF CRUZ, Paulo (1980). Ignácio Rangel, um Pioneiro: o Debate Econômico do Início dos Anos 60. Campinas: Unicamp, 1980. Tese de doutorado.), Leite Soares (1981LEITE SOARES, Paulo Presgrave (1981). Quatro Interpretações sobre a Crise dos Anos 60. São Paulo: Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (dissertação de mestrado).), Mantega (1984MANTEGA, Guido (1984). A Economia Política Brasileira. São Paulo e Petrópolis: Livraria e Editora Polis e Editora Vozes.), Bielchowsky (1985BIELCHOWSKY, R. (1985). O Pensamento Econômico Brasileiro - O Ciclo Ideológico Desenvolvimentista. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1988. Tese de doutorado perante a Universidade de Leicester, 1985.), Castro e Bielchowsky (1987CASTRO, M. H. e R. Bielchowsky (1987). “Contribuições de Ignácio Rangel ao pensamento econômico brasileiro”. In Ignácio Rangel (1987a).), entre outros. No bojo desse processo e no reconhecimento de ter sido ele um dos fundadores do pensamento econômico brasileiro, quando em 1980 foi criada a Revista de Economia Política, Ignácio Rangel foi considerado um de seus patronos, ao lado de Caio Prado Jr. e Celso Furtado.

Também o próprio Rangel, após graves problemas de saúde2 2 “Felizmente, o cardiologista que, em 1965, prognosticou-me, na sequência de um enfarte, uma vida muito breve, estava equivocado, porque hoje ainda aqui estou, com uma sobrevida razoavelmente saudável e laboriosa ... Eis que a história, nada menos, brindou-me com outro régio presente: o prazer de conhecer e de conviver com a geração que se supunha perdida por efeito do golpe de Estado de 1964. Muitos deles me desvanecem apresentando-se como meus discípulos e estão atentos ao que digo e escrevo. Estou tendo, pois, a alegria de conhecer o julgamento dos meus pósteros, sem ter-me dado o trabalho e desprazer de morrer.” (Rangel, 1987: 7) , volta nos anos 70 a sua produção laboriosa e original, com a inteligência e o vigor que lhe são característicos. Assim, a quase “conspiração do silêncio” imperante em torno de sua obra por alguns anos, deu lugar a um entusiasmo que frutificou em novos trabalhos transformados em livros, bem como na reedição de outros já esgotados.

Neste artigo, que objetiva fazer apenas alguns registros sobre o pensamento de Rangel, temos cinco seções, além desta introdução e dos comentários finais: primeiro, um perfil biobibliográfico; na seção 3, sua metodologia, bem como a perspectiva cíclica; na seção 4, sua teorização sobre o ciclo longo, e na seguinte, sobre a dualidade, os dois instrumentos fundamentais que utilizou em sua análise da economia brasileira; finalmente, na seção 6, a abordagem de Rangel sobre os problemas da inflação da economia brasileira, a partir da sua visão sobre a capacidade ociosa e os ciclos decenais ou de Juglar. Em todo o texto procuramos recorrer, sempre que possível, às palavras do próprio autor.

2. DADOS BIOBIBLIOGRÁFICOS

Ignácio de Mourão Rangel nasceu a 20 de fevereiro de 1914 em Mirador, no estado do Maranhão. Sendo seu bisavô, seu avô e seu pai juízes de direito, também foi educado para essa carreira. Desde a década de 1920, Rangel lia muito e de tudo. Seu pai, José Lucas Mourão Rangel, era um magistrado esclarecido, sempre em oposição ao governo. Em consequência, era nomeado para comarcas pequenas onde, muitas vezes, não havia escola. Isso fez dele o preceptor de seus filhos. A tradição familiar de Rangel, sua personalidade, bem como suas leituras influenciam-no a pegar em armas com apenas dezesseis anos para ajudar a derrubar o governo federal.

Ainda no início dos anos 30 começa a ler Marx. A partir de então, torna-se militante do Partido Comunista Brasileiro e participa da tentativa de tomada de poder em 1935. Derrotado, foi preso em São Luís e enviado ao Rio de Janeiro, onde fica por dois anos. No período de prisão, cria com companheiros de presídio um sistema de utilização de livros de fora para o funcionamento de treze “cursos”, entre os quais sociologia, matemática e economia. Libertado em 1937, fica, no entanto, proibido de se afastar da cidade de São Luís.

Em abril de 1945, os jornais do Maranhão publicam o programa da 1ª. Conclap - Conferência das Classes Produtoras, que seria realizada em Teresópolis, Rio de Janeiro. Rangel, além de escrever dois trabalhos para a conferência, é chamado para chefiar a assessoria da Associação Comercial do Maranhão, que representaria esse estado no evento. A participação no evento das classes produtoras em Teresópolis faz o chefe de polícia de São Luís lhe fornecer uma nova carteira de identidade e permitir, enfim, a saída de Rangel do Maranhão. Do Rio de Janeiro escreve à mulher discutindo a possibilidade de não voltar a São Luís, recebendo dela encorajamento para começar uma nova fase de sua vida na então Capital Federal. Rangel começa a trabalhar no Rio de Janeiro como tradutor de novelas policiais e, em seguida, também como tradutor, para a agência de notícias Reuters. Seus trabalhos de tradução eram sempre de meio expediente. O outro meio expediente era em sua casa. Quando calculava que as despesas mensais estavam cobertas, parava com as traduções para estudar economia em tempo integral, até o final do mês (1991REGO, José Márcio, org. (1991). Revisão da Crise: Metodologia e Retórica na História do Pensamento Econômico. São Paulo: Editora Bienal ., p. 52). Em 1947 recebe, em um domingo, a visita de um amigo e lhe mostra alguns artigos sobre economia que escrevia somente para sistematizar as ideias. Cinco deles são selecionados e vendidos por esse amigo à Associação Comercial do Rio de Janeiro. A partir dessa primeira remuneração que recebe como economista, inicia uma intensa produção de artigos para publicação.

Em 1950, Rangel é apresentado a Rômulo de Almeida, que chefiava a assessoria da Confederação Nacional da Indústria e passa a trabalhar com ele. Em 1952, dada a qualidade de seu trabalho e o interesse despertado pelos inúmeros artigos publicados por Rangel a partir de 1947, seu nome foi sugerido por Rômulo de Almeida ao então presidente Vargas, que o convida para sua assessoria. Assim, Rangel passa a fazer parte, em 1952, do seleto e coeso grupo de assessores de Vargas, muito prestigiado pelo presidente. Nessa assessoria, entre inúmeras tarefas, colabora na elaboração do projeto da Petrobrás e da Eletrobrás.

Em 1953, além de trabalhar intensamente na assessoria de Vargas, Rangel escreve seu primeiro livro, A Dualidade Básica da Economia Brasileira, publicado em 1957. Guerreiro Ramos, um dos mais importantes sociólogos brasileiros, antevendo a importância de Rangel nas ciências sociais do Brasil, registra em seu prefácio ao livro que este “é um marco na história das ideias do nosso país” (1957RANGEL, Ignácio M. (1957). “Desenvolvimento e projeto”. Revista da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais, nº 9, 1957.: 11). O grande sociólogo, que nesta época estava escrevendo um dos textos fundamentais da sociologia brasileira (A Redução SociológicaGUERREIRO RAMOS, Alberto (1958). A Redução Sociológica. Rio de Janeiro: Iseb - Instituto Superior de Estudos Brasileiros .), fora companheiro de Rangel no lbesp - Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política, que em 1955 se transformara no Iseb - Instituto Brasileiro de Estudos Econômicos e Sociais. Nesses dois institutos um grupo de intelectuais, entre os quais se salientavam, além do economista Rangel e do sociólogo Guerreiro Ramos, os cientistas políticos Hélio Jaguaribe e Cândido Mendes de Almeida, o historiador Nelson Werneck Sodré (pertencente ao Partido Comunista) e os filósofos Álvaro Vieira Pinto e Roland Corbisier, haviam desenvolvido um pensamento poderoso e original sobre a evolução econômica, política e social do Brasil, transformando-se, juntamente com Celso Furtado, que teve uma rápida passagem pelo Iseb, nos principais analistas e ideólogos do projeto nacional de industrialização que então se desenrolava no país. Rangel, como o mais importante economista do grupo, tinha um papel fundamental nesse processo. Por outro lado, conjuntamente com outros técnicos, prestava sua contribuição ao governo, ajudando a formular e administrar o projeto nacional em curso. Provavelmente pensando nisto, ao mesmo tempo que assinalava sua admiração por Rangel, Guerreiro Ramos afirma: “No domínio das ciências sociais tivemos um pensamento nacional em primeiro lugar graças à contribuição dos economistas. Só posteriormente a nossa sociologia tomou, não sem lutas, o caminho já escolhido pelos nossos economistas ... O público, mesmo especializado, não está informado sobre as verdadeiras proporções da transformação por que estão passando, na prática, a economia e a sociologia no Brasil. O que em forma impressa ultrapassa o âmbito dos serviços técnicos dá, apenas, pálida ideia do teor da efetiva produção de profissionais eminentes pela contribuição que vêm prestando à ciência social brasileira, no exercício de funções técnicas. A importância das tarefas que desempenham, provada na prestação efetiva de serviços absorventes, não lhes deixa tempo para realizar uma carreira de escritores. Tudo parecia concorrer para que Ignácio Rangel, também absorvido por tarefas concretas, fosse impedido de cumprir sua missão de escritor. Esse ano, porém, publica três livros. O aparecimento dessas obras estenderá, a ciclos mais amplos, a influência que seu autor vem exercendo em quadros restritos e profissionais” (1957RANGEL, Ignácio M. (1957). “Desenvolvimento e projeto”. Revista da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais, nº 9, 1957.: 9).

Após redigir sua tese da dualidade, em 1954 Rangel vai para o Chile, onde fica oito meses realizando um curso de pós-graduação patrocinado pela Cepal, findo o qual escreve a monografia El Desarrollo Económico en Brasil. Em 1955 ingressa no BNDE, onde posteriormente chega a chefe do Departamento Econômico. Realiza dois trabalhos inspirados pelos problemas que a análise de projetos no Departamento Econômico do BNDE suscitou, que dão origem ao longo artigo “Desenvolvimento e Projeto” e ao livro Elementos de Economia do Projetamento (1960RANGEL, Ignácio M. (1958). Elementos de Economia do Projetamento. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1960. Curso ministrado em 1958. Reeditado por Editora Bienal, 1987.). Um apanhado da monografia escrita no Chile em 1954 encontra-se em Introdução ao Desenvolvimento Econômico BrasileiroRANGEL, Ignácio M. (1954). Introdução ao Desenvolvimento Econômico Brasileiro. Salvador: Livraria Progresso Editora. Escrito em 1954. Reeditado pela Editora Bienal, 1990..

Rangel publica em 1961 Apontamentos para o 2º. Plano de MetasRANGEL, Ignácio M. (1961a). Apontamentos para o 2º. Plano de Metas. Recife: Conselho de Desenvolvimento de Pernambuco, 1961. Republicado como capítulos 1 a 5 de Ignácio Rangel (1980).. Fazendo parte, no período em que já se encontrava no BNDE, do Conselho de Desenvolvimento da Presidência da República, publica, no âmbito desse organismo, o texto A Questão Agrária Brasileira (1961bRANGEL, Ignácio M. (1961b). A questão agrária brasileira. Rio de Janeiro: Presidência da República, Conselho de Desenvolvimento. Obra divulgada pelo Conselho de Desenvolvimento de Pernambuco, 1962.). Em 1963 publica o clássico A Inflação Brasileira. Em 1964, após a saída de Carvalho Pinto, é convidado pelo presidente João Goulart para ser ministro da Fazenda, convite que não aceita (1991RANGEL, Ignácio M. (1991). Um Fio de Prosa Autobiográfica com Ignácio Rangel. São Luís: Universidade Federal do Maranhão, Instituto de Pesquisa Econômica e Social e Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado.: 58). O golpe de Estado de 1964 o atinge profundamente. Em 1965, Rangel é acometido de um enfarte e se licencia do BNDE. Retoma a produção de textos só em 1968. Volta ao BNDE, aliás, em condições especiais, porque os médicos nunca lhe deram alta. Aposenta-se em 1976, mas continua a dar consultoria ao Banco até a véspera do governo Collor. Publicou ainda três coleções de ensaios - Recursos Ociosos e Política Econômica (1980), Ciclo, Tecnologia e Crescimento (1982) e Economia Brasileira Contemporânea (1987RANGEL, Ignácio M. (1985b). “A presente problemática da economia brasileira”. Boletim do Ierj (Instituto dos Economistas do Rio de Janeiro), n. 31, março, 1985. Republicado em Ignácio Rangel (1987a).) - e uma análise da economia brasileira no período autoritário: Economia, Milagre e Antimilagre (1985RANGEL, Ignácio M. (1985a). Economia, Milagre e Anti-Milagre. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.). No início dos anos 90 a Universidade do Maranhão publica uma entrevista biográfica de Rangel, iniciando a publicação sistemática de suas obras (1991RANGEL, Ignácio M. (1991). Um Fio de Prosa Autobiográfica com Ignácio Rangel. São Luís: Universidade Federal do Maranhão, Instituto de Pesquisa Econômica e Social e Serviço de Imprensa e Obras Gráficas do Estado.). Para breve está prevista a publicação de um livro, Do Ponto de Vista Nacional, com os artigos que escreveu para a coluna diária com esse título, que manteve no jornal Última Hora do Rio de Janeiro entre 1960 e 1961 (1993RANGEL, Ignácio M. (1993). Do Ponto de Vista Nacional (coletânea de artigos no jornal Última Hora, Rio de Janeiro, 1960-1961). São Paulo: Editora Bienal (no prelo).). A partir dos anos 80 publicou diversos artigos na Revista de Economia Política e tornou-se colaborador assíduo da Folha de S. Paulo.

3. METODOLOGIA

O método utilizado por Rangel para analisar a economia brasileira sempre foi essencialmente histórico. Sua origem marxista é evidente. Mas Rangel usa Marx com absoluta liberdade. O materialismo histórico e dialético é uma arma heurística poderosa, quando utilizada não como uma receita pronta, mas como um verdadeiro instrumento de pensamento. Guerreiro Ramos, no prefácio já citado, afirma o caráter histórico do método de Rangel, mas observa que, diferentemente da maioria dos cientistas sociais que utilizaram esse método para analisar a sociedade e a história brasileiras, Rangel não se deixa levar por uma postura ideológica romântica em relação à burguesia, não aplica o método mecanicamente através da simples transposição das fases históricas ocorridas na Europa que Marx estudou, não se esquece jamais das especificidades da economia brasileira. Nesses termos, “adotando o método histórico, conserva, no entanto, uma posição de severo objetivismo, isto é, não sucumbe à tentação de invectivar os fatos. E porque domina o emprego desse método, não se submete a conclusões pré-fabricadas e procura pensar o processo brasileiro diretamente, induzindo, dos fatos que examina em primeira mão, as observações que formula” (Guerreiro Ramos; 1957GUERREIRO RAMOS, Alberto (1957). “Apresentação” ao livro A Dualidade Básica da Economia Brasileira de Ignácio Rangel. Rio de Janeiro: Iseb - Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1957.: 10).

Para Rangel é necessário não apenas analisar a realidade econômica como um processo histórico, mas também entender a ciência econômica como uma ciência histórica por excelência, obrigada, portanto, a uma permanente mudança e atualização à medida que os processos históricos evoluem. Utilizando categorias kantianas, Rangel afirma que a ciência econômica está submetida a um processo evolutivo duplo: o fenomenal (“como representação, como ideia da coisa, como coisa para nós no sentido kantiano”) e o nomenal (“como objeto, coisa representada, coisa em si”). No primeiro processo, “cada nova teoria surge como resultado de uma representação da realidade transcendente, a qual, implicitamente, permaneceria sempre igual a si mesma. Assim, por exemplo, a análise smithiana seria, em comparação com a fisiocrática, apenas uma representação mais perfeita, que considera certas facetas que Quesnay e seus amigos haviam deixado na sombra, por ignorância ou inadvertência” (1957RANGEL, Ignácio M. (1957). “Desenvolvimento e projeto”. Revista da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais, nº 9, 1957.: 66).

Destaca Rangel que, ao se admitir que cada nova teoria incorpora o que havia de definitivo nas anteriores, “poderíamos limitar nosso estudos apenas à teoria mais recente, ao dernier cri dos arraiais da ciência econômica ... As discrepâncias entre a teoria mais recente e as anteriores seriam apenas expressão do que nas primitivas havia de errôneo. Tornou-se moda, por exemplo, falar no erro dos clássicos, no erro dos fisiocratas, para designar essas discrepâncias” (1957RANGEL, Ignácio M. (1957). “Desenvolvimento e projeto”. Revista da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais, nº 9, 1957.: 67). Nesse ponto, está chamando a atenção para a noção de “fronteira do conhecimento”, segundo a qual a história passada da ciência que resultou em seu estado atual não precisaria ser revisitada, pois suas contribuições positivas já estão incorporadas ao estado atual da ciência. A “noção de fronteira”, conforme observa criticamente Arida, torna a história do pensamento econômico desnecessária do ponto de vista do progresso da teoria, pois, “se todas as contribuições positivas do passado se encontram assimiladas ao estado presente da teoria, a história do pensamento converte-se em uma história de erros e antecipações. Erros quando a doutrina que se presumira verdadeira no passado afasta-se substantivamente daquela que integra o estado atual da teoria” (1984ARIDA, Pérsio (1984). “A histórica do pensamento econômico como teoria e retórica”. In José Márcio Rego, org. (1991). Publicado originalmente como texto para discussão da PUC do Rio de Janeiro, 1984.: 6).

Coerente com seu método, Rangel defende uma atitude mais respeitosa para com o que os antigos pensaram, ao mesmo tempo que está claro o caráter historicamente condicionado de seu pensamento. “Esse pensamento ... continha uma espécie de verdade que não passou às teorias mais recentes pelo simples fato de que refletia uma realidade que deixou de existir, que se transformou, por seu próprio impulso interno, noutra realidade”. (1957RANGEL, Ignácio M. (1957). “Desenvolvimento e projeto”. Revista da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais, nº 9, 1957.: 67). Por isso, não apenas a estratégia de leitura dos textos da história do pensamento desvinculada de seu contexto original de formulação prejudica a apreensão de seu significado, mas também cabe aos economistas atuais fazer repensar permanentemente a teoria econômica a partir dos fenômenos históricos novos que estão permanentemente transformando a realidade econômica.

Para Rangel, o bom desenvolvimento da teoria econômica deve ser feito simultaneamente nas duas fontes, familiarizando-se tanto com o estudo atual da ciência quanto com os clássicos do passado. O objetivo, entretanto, é sempre compreender a realidade concreta ou histórica da economia brasileira. Para isso a ciência econômica desenvolvida no exterior é essencial, mas, de acordo com um dos princípios básicos que o grupo do ISEB defendeu, mas que hoje parece crescentemente esquecido, essa ciência deve estar sendo sempre submetida à nossa crítica, em função de nossa realidade, para que possa ser significativa ao invés de alienada. “Não se trata de abandonar a ciência econômica estrangeira - antiga ou contemporânea, ‘radical’ ou ‘conservadora’ - ou de demoli-la, para, sobre seus escombros, erigir uma ciência autóctone, mas, ao contrário, de salientar um aspecto próprio da nossa economia ... pela investigação sistemática das nossas ‘peculiaridades’” (1953RANGEL, Ignácio M. (1953). A Dualidade Básica da Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Iseb- Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1957. Escrito em 1953.: 15).

Em sua postura metodológica “eclética”, Rangel registra que “devemos estar preparados para usar alternadamente o instrumental marxista, o keynesiano, o neoclássico, o clássico e até o fisiocrático, segundo as circunstâncias. Podemos aperfeiçoar esses instrumentos, reformular os princípios, pelo emprego da moderna tecnologia, no que esta for aplicável, mas não podemos excluir in limine nenhum deles. Todos nos serão úteis no trabalho prático” (1957RANGEL, Ignácio M. (1957). “Desenvolvimento e projeto”. Revista da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Minas Gerais, nº 9, 1957.: 69).

Do instrumental marxista, Rangel utiliza, além do método histórico, o método dialético. Rangel vê o desenvolvimento econômico, sobre o qual concentrou todo o seu esforço intelectual, como um processo marcado por conflitos - conflitos de tendências e contratendências, de interesses em choque, de movimentos cíclicos, de dualidades - que trazem sempre embutidos sua própria síntese: a retomada do desenvolvimento depois de uma crise cíclica, a inflação como mecanismo de defesa diante da existência de recursos ociosos, a reversão do ciclo econômico a partir da transferência de recursos dos setores nos quais eles se tornaram ociosos devido ao excesso de investimentos para os setores nos quais não existem oportunidades para a acumulação, o surgimento de uma nova formação social dominante a partir da superação da dualidade anterior.

A dialética faz parte intrínseca da forma de pensar de Rangel. As relações entre as variáveis não são meramente de causa e efeito, como pretende a lógica formal, mas relações muito mais complexas de interdependência, que as consequências muitas vezes se transformam em causas, obrigando o analista a se aproximar do problema sob muitos ângulos ao mesmo tempo para poder compreendê-lo. Rangel adota essa postura metodológica automaticamente, à medida que pensa e escreve. Em certos casos, porém, fará alusão expressa a ela, como neste em que examina o processo inflacionário: “A inflação brasileira é um fenômeno extremamente complexo, cuja significação profunda não se deixa surpreender logo ao primeiro exame. Ao contrário, ao primeiro exame, o que podemos obter são algumas determinações ilusórias. A essência da inflação brasileira somente se revela a um exame muito mais profundo, depois de desfeitas várias ilusões que nos dão toda a aparência de verdade. Por isso, pedimos ao leitor que suspenda o seu juízo e siga até o fim o raciocínio aqui exposto. É que a análise empírica, com a ajuda da simples lógica formal, revelou-se insuficiente, tendo sido necessário recorrer ao método dialético. Para dar ao leitor um fio de Ariadne, que o ajude a não se extraviar, daremos, nesta introdução, uma descrição dogmática de todo o processo, antecipando assim as conclusões. Trata-se de um movimento de ida e volta do espírito, desde o fenômeno, isto é, do concreto sensível, imediatamente apreensível através das informações disponíveis, até a essência, que não se descobre ao primeiro exame; e desta, de novo, ao fenômeno. Somente depois de concluído esse segundo movimento é que o problema se revelará com toda a clareza. Não creia o leitor que tenhamos chegado arbitrariamente, ou ao acaso, a esta metodologia. E que esta alusão ao método dialético não tenha o efeito de desanimar o leitor. A dialética não é meio de complicar as coisas, mas, ao contrário, de simplificá-las. Complexo é o problema em consideração” (1963RANGEL, Ignácio M. (1963). A Inflação Brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. Reeditada pela Editora Brasiliense (1978) e pela Editora Bienal (1986).: 3).

Assim, as teorizações de Rangel decorreram de uma original e livre utilização do método marxista com elementos das teorias econômicas de Smith, Schumpeter e Keynes, produzindo uma obra que corresponde a um original ensaio de adaptação da teoria da história do pensamento econômico à análise da realidade brasileira, na busca de entender-se a especificidade das leis de formação histórica e de funcionamento da economia brasileira. Para Rangel, a especificidade dessa formação “não quer dizer que a economia que estudamos em livros estrangeiros e adotamos em nossas escolas não seja científica. Significa que, afora a técnica de tratamento dos fenômenos econômicos - que é algo que progride sempre e constitui um fundo comum - tudo muda na ciência econômica ao mudar a realidade estudada” (1953RANGEL, Ignácio M. (1953). A Dualidade Básica da Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Iseb- Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1957. Escrito em 1953.: 25-26).

4. CICLO LONGO

A concepção do desenvolvimento econômico e político do Brasil de Rangel está apoiada em duas ideias-chave: os ciclos longos e a “dualidade básica”. Os ciclos longos de Kondratieff3 3 Para uma discussão teórica sobre os ciclos longos de Kondratieff, v., no Brasil, Bresser-Pereira (1986b). A literatura sobre o tema desenvolveu-se extraordinariamente nos últimos anos, provavelmente a partir do fato de que a desaceleração das economias desenvolvidas, ocorrida a partir do início dos anos 70, confirmou as previsões embutidas na teoria de Kondratieff. Para uma análise atualizada e razoavelmente completa do assunto ver Solomou (1990). são centrais em sua análise da evolução histórica de nossa economia e sociedade: “O relacionamento que faço das vicissitudes de nossa história nacional com as ondas longas, cuja simples existência não é aceita mansamente, faz-me sentir um pouco como Heidrich Schliemann quando resolveu levar a sério a Ilíada, na busca da localização exata de Tróia, valorizando, assim, um documento que muitos consideravam uma tessitura de mitos. Assim, comecei por levar a sério a teoria das ondas longas, buscando com ela compaginar nossa própria história nacional. E não duvido de que os estudos aprofundados, de outros pesquisadores, não apenas confirmarão minhas hipóteses, como lançarão nova luz sobre aquela teoria, fazendo progredir a ciência” (1982RANGEL, Ignácio M. (1982). Ciclo, Tecnologia e Crescimento (coleção de ensaios). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. As citações com a data 1982 referem-se ao Prefácio de Rangel a este livro.: 11).

Rangel aprendeu a teoria dos ciclos longos de Kondratieff lendo Business Cycles de Schumpeter e o próprio texto de Kondratieff publicado em espanhol pela Revista de Occidente4 4 V. Rangel (1981b), onde examina a dinâmica dos ciclos de Kondratieff. . Para Rangel, o processo de desenvolvimento é eminentemente cíclico, regido por ondas de inovação tecnológica e pelo processo de acumulação de capital. Ele assinala insistentemente que esse processo cíclico independe da vontade humana e, portanto, da política e do planejamento. É um processo contraditório através do qual a inovação tecnológica, cuja dinâmica explica o ciclo longo, está em permanente conflito com os capitais existentes que são por ela depreciados. A massa de recursos acumulados funciona como um fator de resistência ao progresso tecnológico, “devendo ser buscada aí a causação mais profunda das flutuações econômicas”. A reversão cíclica ocorre porque, “a certa altura, em seguida a um período de intensa renovação do capital fixo, passam a preponderar as forças propendentes para a preservação dos capitais recém-criados, e a capacidade instalada encontra os limites do mercado” (1981bRANGEL, Ignácio M. (1981b). “O Brasil na fase ‘b’ do 4º. Kondratieff”. In Ignácio M. Rangel (1982). Artigo apresentado no 33º. Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, São Paulo, julho, 1981.: 21).

Rangel utilizou intensamente a teoria dos ciclos longos para compreender o processo de desenvolvimento brasileiro. O paralelismo que traça entre as vicissitudes de nossa história econômica e política e os ciclos longos é sugestivo5 5 1º. ciclo longo: fase “a”: 1870-1815; fase “b”: 1815-1847; 2º ciclo longo: fase “a”: 1847 -1873; fase “b”: 1873-1896; 3º ciclo longo: fase “a”: 1896-1920; fase “b”: 1920-1948; 4º ciclo longo: fase “a”: 1948-1973; fase “b”: 1973- (?) . As fases “b” dos ciclos, quando a economia se desacelera, embora mantendo taxas positivas de crescimento, é sempre identificada com mudanças marcantes na história brasileira. Com efeito, “na fase ‘b’ do 1º. Kondratieff, tivemos a Independência; a ‘b’ do 2º deu-nos a Abolição-República; quanto à revolução de 30, que enquadraria institucionalmente a industrialização, foi, segundo todas as aparências, um incidente da fase ‘b’ do 3o. Kondratieff” (1981BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1981). “A Inflação no Capitalismo de Estado (e a experiência brasileira recente)”. Revista de Economia Política, 1 (2), abril, 1981. Republicada em Bresser-Pereira e Nakano (1984).: 19).

No Brasil, ou seja, em uma economia periférica, as fases ‘b’ ou recessivas dos ciclos longos “manifestam-se primordialmente pelo relativo estrangulamento do comércio exterior e piorando os termos de intercâmbio” (1981BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1981). “A Inflação no Capitalismo de Estado (e a experiência brasileira recente)”. Revista de Economia Política, 1 (2), abril, 1981. Republicada em Bresser-Pereira e Nakano (1984).: 19). Como essa fase ocorre de forma sustentada por todo um quartel de século, as economias periféricas têm tempo para se ajustar à nova situação. “No caso brasileiro, a economia tem encontrado sempre meios e modos de ajustar-se ativamente à conjuntura implícita no ciclo longo. Em especial, confrontada com o fechamento do mercado externo para os nossos produtos resultante da conjuntura declinante dos países cêntricos, temos reagido por uma forma qualquer de substituições de importações, ajustada ao nível de desenvolvimento de nossas forças produtivas e ao estado das nossas relações de produção” (1981BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1981). “A Inflação no Capitalismo de Estado (e a experiência brasileira recente)”. Revista de Economia Política, 1 (2), abril, 1981. Republicada em Bresser-Pereira e Nakano (1984).: 19).

Daí resultar que nosso desenvolvimento econômico “dista muito de ser limitado às fases ‘a’ ou ascendentes dos ciclos longos. Nossa economia, confrontada com movimentos duradouros de fluxo e refluxo, em suas relações com o centro dinâmico universal, encontra meios decrescer ‘para fora’, expandindo a produção exportável, ou, ‘para dentro’, promovendo uma forma qualquer de substituições de importações” (1981BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1981). “A Inflação no Capitalismo de Estado (e a experiência brasileira recente)”. Revista de Economia Política, 1 (2), abril, 1981. Republicada em Bresser-Pereira e Nakano (1984).: 20).

Ignácio Rangel não utilizou a teoria dos ciclos longos apenas para compreender o Brasil. Em 1972, quando o país vivia seu “milagre” econômico e na economia mundial o primeiro choque do petróleo ainda não ocorrera, Rangel, que após o enfarte estava desaparecido, surpreendeu a todos quando previu a crise mundial a partir da dinâmica de Kondratieff.6 6 Esse artigo foi apresentado em São Paulo, em julho de 1972, no congresso anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Entre outros, estavam na reunião, Antônio Barros de Castro, Francisco de Oliveira e Paul Singer. O artigo foi publicado no ano seguinte em Estudos CEBRAP. Ele observa que em 1913 se esgota a expansão do terceiro Kondratieff e começa um período depressivo, durante o qual se acumulavam precondições científicas para um novo ciclo de inovações tecnológicas. Essa fase recessiva dura até 1938, quando tem início uma nova onda de expansão que atravessa a Segunda Guerra Mundial e o período de intensa reconstrução. Entretanto, observa Rangel, temos, “depois de 1963, período caracterizado por crescentes sintomas de que a ‘reconstrução ampliada’ do II pós-guerra foi chegando ao fim nas áreas decisivas do ‘centro dinâmico’. Noutros termos, acumulam-se os indícios de que entramos numa era semelhante à que se seguiu a 1913 ... “ (1972RANGEL, Ignácio M. (1973). “Perspectivas econômicas brasileiras para a próxima década”. Estudos Cebrap, n 4, abril, 1973. Artigo apresentado na 24ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, São Paulo, julho, 1972.: 116). Durante os anos 60 já começavam a se definir as condições para a reversão cíclica, a qual, entretanto, só se consumaria em 1973, quando começa a fase “b” do quarto Kondratieff. Em um artigo posterior Rangel reconheceu o fato. Equivocou-se, entretanto, em relação à sua repercussão sobre a economia brasileira. Ao afirmar que “a ideia de que a fase ‘b’ do ciclo longo signifique, necessariamente, para os países periféricos, uma queda do dividendo nacional, ou mesmo uma desaceleração do seu crescimento, deve ser liminarmente descartada” (1981BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1981). “A Inflação no Capitalismo de Estado (e a experiência brasileira recente)”. Revista de Economia Política, 1 (2), abril, 1981. Republicada em Bresser-Pereira e Nakano (1984).: 34), Rangel supunha que poderia novamente reproduzir-se a expansão que ocorrera na fase recessiva do terceiro Kondratieff, quando isso, de fato, já não podia ocorrer, uma vez que o modelo de substituição de importações se esgotara.

5. A DUALIDADE BÁSICA

O segundo instrumento teórico que Ignácio Rangel utilizou para compreender o desenvolvimento brasileiro foi a teoria da “dualidade básica”, que ele próprio considera sua principal contribuição ao entendimento do Brasil. Apesar de ter escrito a tese da dualidade básica da economia brasileira em 1953, a tese já era uma ideia desenvolvida em seu pensamento pelo menos desde 1937, quando contava apenas 23 anos. Foi sua intuição básica, que o acompanharia pelo resto da vida. É Rangel quem registra: “Lembro-me de ter lido algures (em Schumpeter, provavelmente) que os economistas que deixaram sua marca na história de nossa ciência já tinham, aos 25 anos, concebido o vigamento-mestre do seu ideário, mas seriam necessários tantos anos quantos lhes tocasse ainda viver - e nem sempre com êxito - para precisar e dar forma inteligível para os outros, a essas ideias. Sem pretender deixar a tal marca na história do pensamento econômico - coisa pouco provável para quem teve minhas condições para trabalhar e a língua portuguesa na qual escrever-, deixo consignado aqui que era mais que um adolescente quando, em 1935-37, coube-me o privilégio de conviver, em diversas prisões da ditadura de então, com alguns dos melhores homens que o Brasil havia produzido. As ideias que então germinaram em meu espírito teriam longa trajetória a desenvolver, mas são as mesmas ideias, essas que estou agora tentando passar ... Outros homens, como Ahumada, Guerreiro Ramos, J. Soares Pereira, os colegas do ISEB e do BNDE deixaram sua contribuição, mas as ideias são as mesmas, nascidas no isolamento ou nas discussões intermináveis nas prisões da ditadura” (1982RANGEL, Ignácio M. (1982). Ciclo, Tecnologia e Crescimento (coleção de ensaios). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. As citações com a data 1982 referem-se ao Prefácio de Rangel a este livro.: 10).

Bielchowsky havia registrado que a leitura de sua obra completa “dá a impressão de que Rangel considerou, num certo ponto de sua vida, que se deixara guiar idealisticamente na juventude por uma transposição mecânica de teses revolucionárias estranhas à realidade brasileira. B que, daí para a frente, sua grande obsessão passou a ser o entendimento dessa realidade através de análises que recusavam o uso de teorias importadas sem a devida adaptação às condições históricas específicas do país” (1988: 248). Bielchowsky tem razão, mas como não teve acesso à produção jornalística de Rangel nos anos 60, não pôde transformar sua impressão em certeza, a partir do que explicitou o próprio Rangel: “Em 1935, depois de devorar o que encontrei de Marx e Engels, abandonei a faculdade para fazer revolução agrária. No alto sertão maranhense, soube achar o caminho do coração dos camponeses espoliados, organizei-os para a resistência contra a capangada do latifúndio, mas vim ter à Frei Caneca para um longo estágio (sic), porque alguma coisa não estava certa no meu sistema de pensamento. Quis saber onde estava o erro. Aprofundei a teoria catedrática e profana, estudei a experiência alheia e nacional, e tanto bisbilhotei as causas, que, de jurista que devia ter sido, virei economista. Preocupado com as peculiaridades da história do Brasil, que fazem com que as coisas que estão certas alhures se tornem erradas aqui, resumi todas as meditações na teoria da dualidade básica. De posse desse instrumento, não apenas julgo haver explicado meus erros de juventude como ter encontrado a chave para muitíssimos outros problemas” (1960RANGEL, Ignácio M. (1960a). “Recursos ociosos na economia nacional”. “Introdução” de Recursos Ociosos e Política Econômica (1980). Aula inaugural do curso regular do Iseb - Instituto Superior de Estudos Brasileiros. Publicado originalmente em Digesto Econômico 17(57), janeiro, 1960 e em Iseb, Textos Brasileiros em Economia. Rio de Janeiro: Iseb, 1960.).

No prefácio a seu livro A Inflação Brasileira, registra Rangel a importância da dualidade básica para o seu pensamento: “A classificação das ciências de Comte-De Greef, dialetizada por meu professor de Introdução à Ciência do Direito, mostrou-me a conexão entre o direito e a economia. Descobrir o fundo econômico de nossas leis passou a ser o meu objetivo central. As dificuldades iniciais só serviram para acirrar-me o interesse, e a Dualidade Básica da Economia Brasileira estava no desfecho lógico dessas cogitações. O leitor vai encontrar aqui (em A Inflação Brasileira) uma aplicação concreta da teoria da dualidade. Sem esta, não poderemos entender o Brasil: seu direito, sua economia e sua política. O Brasil é uma dualidade e, se não o estudarmos assim, há de parecer-nos uma construção caótica, sem nexos internos estabelecidos e, sobretudo, sem história” (1978RANGEL, Ignácio (1978). “Posfácio”, in 3ª edição de A Inflação Brasileira , São Paulo: Brasiliense, 1978.: 12).

A teoria histórica da dualidade de Rangel analisa a contradição essencial que colocou em movimento a história do país. A explicação dialética sobre o desenvolvimento oriundo da teoria da dualidade de Rangel, como vimos no trecho do autor anteriormente citado, não é apenas uma explicação sobre a dinâmica da esfera econômica. É uma teoria que abarca também outras esferas da realidade social, concebida como uma totalidade histórico-estrutural, que tenta dar conta da especificidade da economia e da sociedade brasileira, que possui um setor capitalista e outro pré-capitalista.

Para Rangel, que se municiou do instrumental metodológico marxista, não se trata apenas de verificar que uma economia como a nossa apresenta características correspondentes a várias etapas do desenvolvimento histórico da economia mundial. O que é necessário para Rangel é “investigar atentamente como agem umas sobre as outras as leis correspondentes a essas diferentes etapas” (1953RANGEL, Ignácio M. (1953). A Dualidade Básica da Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Iseb- Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1957. Escrito em 1953.: 24). Marx já havia registrado que uma formação social jamais desaparece antes que estejam desenvolvidas todas as forças produtivas que possa conter, e as relações de produção novas e superiores não tomam seu lugar antes que as condições materiais de existência dessas relações tenham sido instaladas no próprio seio da velha sociedade. Nesses termos, durante muito tempo coexistem relações de produção diferentes. Rangel utilizou com grande criatividade essa ideia básica de Marx. Para ele, diferentes economias ou diferentes relações de produção que coexistem na economia brasileira “não se justapõem mecanicamente, ao contrário, agem umas sobre as outras, acham-se em conflito, a ver qual imporá sua dinâmica específica ao sistema. Noutros termos, estão em unidade dialética, unidade de contrários” (1953RANGEL, Ignácio M. (1953). A Dualidade Básica da Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Iseb- Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1957. Escrito em 1953.: 26).

Segundo Rangel, “a história do Brasil não retrata fielmente a história universal, especialmente a europeia, porque nossa evolução não é autônoma, não é produto exclusivo de suas forças internas” (1953RANGEL, Ignácio M. (1953). A Dualidade Básica da Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Iseb- Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1957. Escrito em 1953.: 29). Sua novidade analítica consiste em afirmar a coexistência dual de relações de produção historicamente defasadas em relação às relações de produção existentes na Europa. A dualidade aparece na existência de dois “polos”: um polo interno, outro externo. No polo interno situam-se, internamente, as relações de produção dominantes e a correspondente classe dominante, que ele chama de “sócio maior”. No polo externo situam-se, internamente, as relações de produção emergentes e o correspondente sócio menor, que na dualidade seguinte se transformará no sócio maior. A dualidade, porém, aparece também no fato de que, tanto no polo interno quanto no externo, há um “lado externo” correspondente às relações de produção vigentes nos países centrais. Tais relações estão sempre adiantadas em relação às vigentes no Brasil, assinalando o caráter dependente do desenvolvimento brasileiro. Nossa dinâmica histórica se distingue, portanto, dos casos clássicos porque os processos sociais, econômicos e políticos não decorrem apenas da interação entre desenvolvimento das forças produtivas e relações de produção internas ao país, mas também da evolução das relações que este mantém com as economias centrais. Conforme observa Rangel: “Embora seja mais fácil surpreender o fato da dualidade no estudo de um instituto particular do que na economia nacional como um todo, é evidente que a sua origem se encontra nas relações externas. Desenvolvendo-se como economia complementar ou periférica, o Brasil deve ajustar-se a uma economia externa diferente da sua, de tal sorte que é, ele próprio, uma dualidade. Os termos dessa dualidade se alteram e desde logo podemos assinalar que mudam muito mais rapidamente no interior do que no exterior, o que significa estarmos queimando etapas. Nos primeiros quatro séculos de nossa história, vencemos um caminho correspondente a, pelo menos, quatro milênios da história europeia. A rigor, nossa história acompanha pari passu a história do capitalismo mundial, fazendo eco a suas vicissitudes. O mercantilismo nos descobriu, o industrialismo nos deu a independência, e o capitalismo financeiro, a república” (1953RANGEL, Ignácio M. (1953). A Dualidade Básica da Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Iseb- Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1957. Escrito em 1953.:37).

A dualidade está em toda parte na economia e na sociedade brasileira. Está na fazenda de escravos que é mercantil e escravista, está no latifúndio pós-Abolição, que é mercantil e feudal (porque dominado pelo instituto jurídico da enfiteuse e pelo princípio feudal de que nenhuma terra deixará de ter senhor), está na fábrica capitalista que enfrenta um mercado de insumos e um mercado para seus produtos ainda mercantil ou mesmo pré-capitalista. A partir daí, Rangel define “a lei da dualidade”: o problema está em “examinar quais as relações dominantes dentro e fora de cada unidade da economia, ou seja, de pôr em evidência as duas economias dominantes-porque cada uma delas, em seu próprio campo, é dominante. A isso proponho que se chame dualidade básica da economia brasileira. A dualidade é a lei fundamental da economia brasileira. Podemos formulá-la nos seguintes termos: a economia brasileira se rege basicamente por duas ordens de leis tendenciais que imperam respectivamente no campo das relações internas de produção e no das relações externas de produção” (1953RANGEL, Ignácio M. (1953). A Dualidade Básica da Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Iseb- Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1957. Escrito em 1953.: 32).

Para ele, a contrapartida política da dinâmica da dualidade reflete-se nos pactos de poder que se formam em torno do Estado, pois “o Estado brasileiro não pode senão refletir a dualidade básica da economia e da sociedade” (1962RANGEL, Ignácio M. (1962). “A dinâmica da dualidade brasileira”. Revista Brasileira de Ciências Sociais 2(2), julho, 1962.: 220).

Rangel analisa a história econômica e política do Brasil a partir do século XIX como uma sucessão de dualidades, que correspondem a fases de declínio e expansão de ciclos de Kondratieff. Resumimos essas dualidades no Quadro 1. O início de cada uma corresponde ao início da fase “b” dos sucessivos ciclos longos de Kondratieff. E correspondem também a um fato político dominante: a Independência, na primeira dualidade; a Abolição e a República, na segunda; a Revolução de 1930, na terceira. Em cada dualidade temos um “polo interno”, que passaremos a chamar de polo principal, e um “polo externo”, que chamaremos de polo secundário, já que as expressões usadas por Rangel provocam uma confusão com as relações externas ou do “lado externo” existentes em cada polo.

Quadro 1
AS DUALIDADES DE RANGEL

De uma forma até certo ponto mecânica, mas muito instigante, a relação de produção dominante no polo secundário corresponde à relação de produção dominante no lado externo do polo principal e se transformará na relação de produção dominante no polo principal da dualidade seguinte. Em relação aos “sócios” ocorre o mesmo processo. O sócio menor de uma dualidade se transformará no sócio maior da seguinte.

Na primeira dualidade (1815-1870), a relação de produção principal ou interna é o escravismo. A fazenda de escravos, entretanto, é essencialmente dualista. Externamente, ou secundariamente, é mercantil. A burguesia mercantil nacional, que se afirma com a Independência, é o sócio menor que, na segunda dualidade (1870-1920), será o sócio maior. Essa dualidade é caracterizada pelo que Rangel chama de “latifúndio feudal”. Está muito claro para ele, entretanto, que “o latifúndio brasileiro não é idêntico ao feudalismo medieval europeu ou asiático” (1953RANGEL, Ignácio M. (1953). A Dualidade Básica da Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Iseb- Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1957. Escrito em 1953.: 26). O “agregado” do latifúndio brasileiro, entretanto, lembra o servo feudal. A Revolução de 30 é para ele um momento decisivo da história do país. Marca a fase recessiva da terceira dualidade (1920-1973). Esta começa com a transformação do sócio menor da segunda dualidade no novo sócio maior: os fazendeiros-latifundiários. Estes “fazendeiros-latifundiários” não são precipuamente os cafeicultores, mas o que Rangel chamou, muito sugestivamente, de “latifúndio substituidor de importações”, representado pelos pecuaristas do Sul (Getúlio Vargas) e por latifundiários do Norte-Nordeste, que irão se aliar à burguesia industrial nascente para comandar a revolução industrial brasileira a partir de 1930.7 7 Rangel observa que a Revolução de 1930 chefiada por Getúlio Vargas foi produto de um movimento à frente do qual “encontravam-se-como hoje sabemos e como poucos o suspeitávamos então- duas forças muito díspares, mas idênticas num ponto, a saber: o latifúndio substituidor de importações (principalmente gaúcho) e a indústria substituidora de importações (principalmente paulista)” (1980: 47, grifos do autor). Na quarta dualidade, finalmente, o sócio menor da terceira (a burguesia industrial) transforma-se no sócio maior.

Nem sempre Rangel é claro em sua análise. Na terceira dualidade, referida apenas no texto de 1981, afirma que a relação de produção dominante no polo interno é ainda feudal, como já era na segunda dualidade. Houve aqui provavelmente um erro, uma repetição. Devíamos ter aqui o capital mercantil como relação dominante e os latifundiários-fazendeiros, que eram o sócio menor na dualidade anterior, surgem agora como sócio maior. No Quadro 1, adotamos esse partido. A quarta dualidade está, naturalmente, muito indefinida. Em toda a análise, uma ausência é marcante: a tecnoburocracia. Em nenhum momento Rangel reconhece a importância extraordinária que a burocracia civil e militar, pública e privada, vem assumindo em todo o mundo, inclusive no Brasil. Os intelectuais a serviço do Estado, como Rangel, são tecnoburocratas, mas têm uma enorme dificuldade em reconhecer a transformação desse estamento em uma verdadeira classe social. Entretanto, apesar das restrições que cada um de nós possa ter, não há dúvida de que a teoria da dualidade básica de Rangel nos permite uma compreensão muito melhor da dinâmica histórica da economia brasileira, combinando de maneira extremamente esclarecedora e original seu caráter cíclico, dependente e dual.

6. CAPACIDADE OCIOSA, INFLAÇÃO E CICLOS DE JUGLAR

Desde o início de suas reflexões sobre economia, já havia Rangel percebido que a natureza de um dos problemas centrais de nosso processo de acumulação era a necessidade de transferir excedentes dos setores atrasados ou pouco dinâmicos para os de maior potencial de expansão. Suas ideias originais sobre inflação e superinvestimento estavam intimamente vinculadas ao que denominou “dialética da capacidade ociosa”. Em suas palavras: “Meu interesse pelo problema dos recursos ociosos é coevo dos primeiros movimentos de minha consciência no sentido da problemática econômica, a um tempo em que o estudo do direito eram ainda o meu destino evidente” (1980bRANGEL, Ignácio M. (1980b). Recursos Ociosos e Política Econômica (coletânea de ensaios). São Paulo: Editora Hucitec .; “Prefácio”). Sua experiência no comércio e na indústria, bem como a rica experiência adquirida na análise de projetos no BNDE, firmaram-lhe a opinião que os recursos ociosos na economia brasileira eram um fenômeno a ser analisado. “Era preciso descobri-los e descobrir os meios de pô-los em evidência ( ... ) não era coisa irrelevante que fôssemos tomando consciência da existência de um potencial ocioso (1980bRANGEL, Ignácio M. (1980b). Recursos Ociosos e Política Econômica (coletânea de ensaios). São Paulo: Editora Hucitec .; “Prefácio”).

Rangel preocupava-se com um caminho alternativo de alavancagem da acumulação capitalista que não o da compressão salarial ou o do endividamento externo: “A tomada de consciência do potencial ocioso era a esperança de um terceiro caminho, como alternativa ao comprometimento da soberania nacional e ao esfomeamento dos trabalhadores” (1980bRANGEL, Ignácio M. (1980b). Recursos Ociosos e Política Econômica (coletânea de ensaios). São Paulo: Editora Hucitec .; “Prefácio”). Assim, sua aula inaugural do curso regular do ISEB, pronunciada em 1960 no Rio de Janeiro, é quase um “manifesto político” exemplificador dessa preocupação.8 8 “Recursos ociosos na economia nacional” (1960).

Essas reflexões iriam orientar seus estudos sobre a inflação brasileira: “Ao aplicar-me ao estudo da inflação, encontrei o campo tomado por duas correntes aparentemente inconciliáveis: o “monetarismo” e o “estruturalismo”. Antes me havia ocupado especialmente dos aspectos reais do processo econômico ... Foi assim que cheguei à percepção dos problemas suscitados pela acumulação da capacidade ociosa, antes de perceber a significação monetária desses problemas ... Ao aprofundar a matéria, surpreendeu-me a superficialidade com a qual as duas correntes em pugna a tratavam ... A pedra de toque para avaliar essas duas teorias é a capacidade ociosa. As duas escolas a negam, aberta ou sub-repticiamente. Embora a acumulação de capacidade ociosa seja um fato empiricamente demonstrado, as duas correntes estudam a emissão como o ato inicial de um processo conducente à expansão da demanda global do sistema. Ergo, se houvesse capacidade ociosa em condições de ser utilizada - e, sem isso, deixai-me que acrescente, não há capacidade ociosa-, essa expansão da demanda global conduziria a uma expansão da renda, e não a uma elevação dos preços” (1963RANGEL, Ignácio M. (1963). A Inflação Brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. Reeditada pela Editora Brasiliense (1978) e pela Editora Bienal (1986).: 13).

Para Rangel, os monetaristas confundem causa com efeito. Não percebem que é a “variação autônoma do nível de preços (que pode resultar da variação dos preços de alguns produtos não compensada pela variação, em sentido inverso, dos preços dos demais) que leva o governo, passivamente, a emitir moeda” (1963RANGEL, Ignácio M. (1963). A Inflação Brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. Reeditada pela Editora Brasiliense (1978) e pela Editora Bienal (1986).: 7-11). Assim, de forma pioneira, estabelece as bases da teoria endógena da oferta de moeda. Outros autores, como Wicksel, Schumpeter e Keynes, já haviam feito alusões ao fenômeno9 9 V., a respeito, a resenha de Merkin (1982). Nesse texto fica claro que até 1963 só havia sugestões, jamais uma explicação clara do caráter endógeno da moeda, que hoje é uma ideia essencial não apenas para o pensamento estruturalista sobre a inflação, mas também para o pós-keynesiano. Mas foi Rangel quem primeiro desenvolveu de forma clara a ideia. Foi este fato que levou um dos autores deste trabalho a afirmar que, com A Inflação Brasileira define-se o segundo momento paradigmático da teoria neo-estruturalista da inflação inercial. O primeiro havia sido definido anteriormente por Noyola (1956) e Sunkel (1957), que fundam a perspectiva estruturalista da inflação. E o terceiro surge no início dos anos 80, quando a teoria da inflação autônoma ou inercial é definitivamente desenvolvida10 10 V. Bresser-Pereira (1986b). .

A oferta de moeda é, portanto, endógena ou passiva para Rangel. Os estruturalistas, por sua vez, embora compreendendo o caráter endógeno da inflação, atribuem-na à inelasticidade da oferta, imaginando, como os monetaristas, que a inflação seja de demanda. Ora, conforme ensina Rangel, o que existe no país é uma insuficiência crônica de demanda, dada a má distribuição da renda. Essa má distribuição ou alta taxa de exploração deriva, em primeiro lugar, da estrutura agrária baseada no latifúndio e no desemprego da mão-de-obra. O problema se agrava com a expulsão dos agricultores do campo à medida que a agricultura se moderniza. Não bastasse isso, a industrialização desencadeada em 1930, ao se basear na substituição de importações, permitirá que a industrialização tenha êxito sem prévia mudança da estrutura agrária. A alta taxa de exploração causada por esses fatores implica uma baixa propensão a consumir. A consequência é a capacidade ociosa em setores da economia - capacidade ociosa essa que monetaristas e estruturalistas não conseguiam detectar, dada sua teoria de inflação baseada no excesso de demanda. Os estruturalistas, entretanto, estavam corretos quando afirmavam que a inflação era endógena ao sistema econômico. De fato, para Rangel a inflação tem origem no bojo da economia. É o resultado de um duplo processo. De um lado, as grandes empresas, a começar por aquelas que controlam a comercialização de produtos agrícolas, organizam-se em forma de oligopsônio­oligopólio e passam a aumentar seus preços autonomamente, como uma forma de defender seus lucros da insuficiência da demanda. O processo começa no setor agrícola, mas estende-se para a grande indústria e para os serviços públicos. Nesse sentido, a inflação surge como um mecanismo de defesa da economia. Ela é principalmente administrada ou de custos, e não de demanda.

De outro lado, a inflação é uma forma através da qual a economia não entra em uma crise maior, apesar da insuficiência da demanda. Dada a baixa propensão a consumir, a demanda agregada é compensada por uma elevada taxa de imobilizações. Para se defender contra a desvalorização da moeda e aproveitar-se de taxas negativas de juros, as empresas e os indivíduos imobilizam o mais possível, e, assim, mantêm o nível de demanda agregada e a taxa de lucros. Nesse processo, o papel do governo, emitindo para fazer frente aos aumentos administrados de preços e a consequente diminuição da quantidade real de moeda, é óbvio. Emitindo, o governo cobre seu próprio déficit causado pelos aumentos autônomos de preços e por sua incapacidade política de aumentar a carga tributária. Por outro lado, novamente faz a inflação funcionar como mecanismo de defesa da economia.

Essa análise de Rangel, que vem a público em 1963, densa, inovadora e dialética, era uma análise de quem estava profundamente engajado no processo político da época e se preocupava com a crise em que a economia brasileira estava imersa. O diagnóstico de então, de uma inflação basicamente relacionada com a estrutura da distribuição de renda, sua verificação de que a inflação era de custos ou administrada e não de demanda, e que como um todo era um mecanismo de defesa da economia em face de seus próprios desequilíbrios, inovaram radicalmente o pensamento econômico brasileiro.

Entretanto Rangel já percebia que esse “mecanismo de defesa” era circunstancial. Ele não estava fazendo a apologia da inflação. Sua luta era pela liquidação de equívocos sobre o processo inflacionário de então. Essa análise pioneira e isolada levou a que seu livro fosse “à época, intensamente criticado, tanto pela esquerda quanto pela direita. Diria melhor: talvez tenha sido um dos mais incompreendidos trabalhos sobre economia brasileira, dado que, se bem me lembro, a maioria de seus críticos não passou da superficialidade” (Cano, 1980, VII). Em um parágrafo de seu livro, entretanto, Rangel delineia o limite da funcionalidade da inflação e antecipa a ocorrência de um fenômeno que em 1963 era desconhecido e ainda não fora batizado com o nome de “estagflação”, Afirma Rangel: “A inflação também nos preocupa, mas por outro motivo, por um motivo pragmático: porque, por muito eficaz que seja, esse instrumento por muitos que sejam os serviços que já nos prestou, ele tem limitações e, precisamente porque é útil, não devemos abusar dele, para não destruí-lo. Com efeito, a inflação tem o poder de converter, em certa medida, aquilo que poderia ser um declínio da atividade do sistema econômico, num movimento relativamente inócuo de alta de preços. Mas, notemos bem, em certa medida. Para além, teremos, simultaneamente, a inflação galopante que destrói o próprio instrumento, e a depressão econômica” (1963RANGEL, Ignácio M. (1963). A Inflação Brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. Reeditada pela Editora Brasiliense (1978) e pela Editora Bienal (1986).: 83, grifos do autor).

Para Rangel, a economia brasileira apresenta ciclos breves (decenais) regulares. É exatamente a partir da análise de nossos ciclos breves que Rangel irá tirar elementos para a compreensão do processo inflacionário (e recessivo) dos anos 80. “Os ciclos breves - também apelidados de Juglar-Marx ou, na classificação de Schumpeter, de ciclos médios - têm uma duração variável, aceita como de sete a onze anos. Mas é de notar que nossos ciclos breves, companheiros de nossa industrialização substitutiva de importações, cobrem lapsos muito regulares, de dez anos: entre os anos finais de cada decênio, e do subsequente” (1992RANGEL, Ignácio M. (1992). “As crises gerais”. Revista de Economia Política, 12(2) abril, 1992.: 6). Para ele, o conteúdo de cada um desses ciclos tem sido a implantação de sucessivos grupos de atividades, isto é, dos setores em que é possível dividir o sistema econômico brasileiro: “começando pela indústria leve e empreendendo, depois, a indústria pesada e os serviços de infraestrutura. Em resumo, ao concluir-se a fase ‘a’ de cada um de nossos ciclos endógenos, somos confrontados com dois ‘setores’; um, dotado de excesso de capacidade produtiva e, outro, retardatário, em relação ao sistema como um todo” (1992RANGEL, Ignácio M. (1992). “As crises gerais”. Revista de Economia Política, 12(2) abril, 1992.: 6).

Nem todas as flutuações econômicas têm caráter cíclico, mas a fase “a” do ciclo breve dos anos 60 coincidiu com a etapa final da fase ascendente do ciclo longo. Para Rangel, não é improvável que esse fator tenha gravitado sobre nosso ciclo breve, retardando por alguns anos a passagem da fase “a” para a fase “b” (o “milagre” de 1968-74). Assim, a fase “b” ou recessiva de nosso ciclo endógeno dos anos 70 foi não apenas mais curta, como mais amena. Entretanto, como é sabido, a situação inverteu-se violentamente no início dos anos 80. Teve início a fase recessiva do ciclo breve endógeno, e isso nas condições da persistência da fase recessiva do ciclo longo, que é exógeno, do ponto de vista brasileiro. Dificilmente poderemos encontrar em nossa história um período tão depressivo como 1980-83.

A partir desta recessão e com base em sua visão mais geral da inflação como um mecanismo de defesa da economia, Rangel, em 1985, formula de forma precisa uma ideia que já vinha desenvolvendo há muito: a “curva de Rangel”. Rangel nega a teoria universalmente aceita, embutida na curva de Philips, segundo a qual a inflação se acelera nos períodos de prosperidade e excesso de demanda. Pelo contrário, segundo ele: “Há pelo menos um quartel de século, a inflação integra a síndrome da recessão, isto é, surge ou se exacerba quando a economia se desaquece e, inversamente, desaparece ou, pelo menos, tem sua intensidade reduzida quando a economia se aquece. Não há, portanto, nenhum trade-off a fazer, porque o combate à inflação é inseparável do combate à recessão” (1985cRANGEL, Ignácio M. (1985c). “Recessão, inflação e dívida externa”. Revista de Economia Política , 5(3), julho, 1985.: 5). Para substanciar sua hipótese, Rangel constrói duas curvas de médias trienais móveis com dados de 1958 a 1983. Uma curva apresenta a produção industrial; a outra, a inflação. Verifica-se por essa curva uma quase perfeita assimetria: quando a produção industrial cresce, a inflação se desacelera, e vice-versa (1985cRANGEL, Ignácio M. (1985c). “Recessão, inflação e dívida externa”. Revista de Economia Política , 5(3), julho, 1985.: 6).

Rangel pergunta o porquê desta “elegante e esdrúxula assimetria”. Sua resposta: “ ... trata-se de saber o porquê dessa supostamente esdrúxula correlação entre os índices de preços e os indicadores de conjuntura ... Para isso não temos ainda respostas tão claras e contundentes, mas, pelo mesmo como primeira hipótese de trabalho, podemos alinhar dois fatos relevantes: (a) como vem insistindo Bresser-Pereira, a economia acha-se fortemente oligopolizada, o que permite uma medida considerável de administração de preços. O oligopólio, como se sabe, é um monopólio em potencial, desde que os oligopolistas se entendam entre si; (b) como venho propondo eu próprio para completar essa explicação, podem criar-se condições tais que induzam o oligopolista-oligopsonista a usar seu novel poder de administração dos preços em escala macroeconômica, e não por simples má-fé, mas porque as condições gerais de operação do sistema a isso o impelem. Com efeito, se escasseiam oportunidades de investimento - fato típico das fases recessivas dos ciclos -, o empresariado, no comando de excesso de capacidade, pode desinteressar-se da formação das chamadas ‘sobras de caixa’ tanto mais quanto a mesma inflação que penaliza a preferência da liquidez já acumulada pode induzir a manobras no sentido de evitar a acumulação da mesma liquidez, limitando sua produção. Esse é o elo que faltava para explicar o processo de exacerbação da inflação nos períodos recessivos (quando a demanda é mínima) e não nos períodos ascendentes (quando a demanda é máxima)” (1985cRANGEL, Ignácio M. (1985c). “Recessão, inflação e dívida externa”. Revista de Economia Política , 5(3), julho, 1985.).

A mesma explicação pode ser apresentada de outra forma mais geral: a inflação, à medida que é um mecanismo de defesa da economia, é também um sintoma da crise. Por isto, quando esta se agrava, a inflação se acelera. Quando a economia volta a crescer, a inflação se desacelera. Em certos casos, no curto prazo, a inflação pode ser de demanda e se acelerar devido à prosperidade ou ao excesso de demanda. Mas este é, por definição, um fenômeno de curto prazo, enquanto a curva de Rangel é um fenômeno de longo prazo. Como a moeda é endógena, também a inflação é endógena na visão dele.

Tal crença na endogeneidade da inflação e sua relação assimétrica com os movimentos cíclicos da economia o levou a não compreender a importância da teoria da inflação inercial. Não compreendeu que essa teoria, que vê também a inflação como um processo autônomo da demanda, é perfeitamente compatível com sua própria teoria da inflação. A teoria da inflação inercial está baseada na distinção entre os fatores aceleradores e os fatores mantenedores da inflação.11 11 A minha (de Bresser-Pereira) visão da inflação foi sempre fortemente influenciada por Rangel. Em um artigo de 1980, “A inflação no capitalismo de Estado”, no qual pela primeira vez formulei a ideia da inflação inercial, minha explicação para a inflação era ainda essencialmente rangeliana. Entretanto, no artigo de 1983, com Nakano, distinguimos com clareza os fatores aceleradores dos mantenedores da inflação. Rangel, seguindo a tradição de todos os economistas que precederam essa teoria, não faz a distinção. Torna-se, assim, difícil para ele admitir que a indexação formal e principalmente informal da economia mantenha a inflação em um determinado patamar independentemente dos fatores cíclicos que a estão acelerando ou desacelerando. Por outro lado, e nesse caso com mais razão, para ele é inteiramente inaceitável que o processo inflacionário, que sem dúvida se acha profundamente inserido no processo cíclico da economia, possa ser eliminado com um simples choque, como algumas visões mais vulgares da teoria da inflação inercial sugeriam. Quase indignado, afirma Rangel logo após o fracasso do Plano Cruzado: “Alguns mestres explicavam que, para acabar com a inflação - e resolver assim todos os nossos problemas -, bastaria que acabássemos com as variações dos preços relativos. Outros mestres, igualmente eminentes, diziam que a inflação surgira como uma espécie de “Deus ex-machina”, podendo ser mandada embora não menos miraculosamente, visto não ter nenhuma causação profunda, persistindo por simples inércia” (1987bRANGEL, Ignácio M. (1987b). “A componente inercial”. In Ignácio M. Rangel (1987a). Publicado originalmente na Folha de S. Paulo, 21/1/1987.: 124).

7. CONCLUSÃO

Poderíamos continuar a analisar muito mais longamente a obra de Ignácio Rangel, cuja riqueza é inesgotável.12 12 Conforme observou recentemente José Arthur Giannotti em uma entrevista: “Quanto mais nós estudamos os clássicos, maior é a nossa angústia diante das coisas que nos escapam por entre os dedos” (Veja, 14/10/1992, p. 95). Esperamos, entretanto, ter deixado claro como o notável mestre, adotando um método histórico e dialético, crítico e original, usa com liberdade os instrumentos da teoria econômica, particularmente da teoria dos ciclos, de sua própria teoria da dualidade, para explicar o processo de desenvolvimento do Brasil e seus mecanismos de defesa, particularmente a inflação.

Em toda a sua análise, Rangel é de um lado pioneiro, pronto sempre a inovar, de outro nunca se esquece de sua missão de intelectual engajado no processo de desenvolvimento brasileiro. Todo o seu pensamento está voltado para a ação prática, para a política econômica. Por isso, nesta conclusão queremos nos referir brevemente ao tema que nos últimos catorze anos vem dominando sua visão do Brasil.

Rangel, de forma absolutamente pioneira, percebeu em 1978, quando escreveu o Posfácio da terceira edição de A Inflação Brasileira, que o Estado brasileiro estava entrando em uma profunda crise, ao mesmo tempo que se esgotava a possibilidade de financiamento externo. Segundo ele: “Temporariamente, o influxo de recursos externos e o crescimento dos recursos fiscais (e parafiscais), permitiram fazer alguma coisa para promover a expansão dessas atividades, mas é claro que esse tempo passou, porque os recursos externos começaram a escassear, o mesmo acontecendo com os recursos fiscais, dado que o sistema exator começa a não funcionar tão bem como antes” (1978RANGEL, Ignácio (1978). “Posfácio”, in 3ª edição de A Inflação Brasileira , São Paulo: Brasiliense, 1978.: 135-136). Por outro lado, o setor privado esgotara ciclicamente suas oportunidades de investimento, dispondo de recursos ociosos, enquanto na área dos serviços públicos continuava a existir uma imensa deficiência de investimentos. Dessa forma, não obstante suas origens de esquerda, Rangel não tem qualquer dúvida em propor a privatização, que para ele permitiria a retomada do desenvolvimento, o início de um novo ciclo expansivo. Para isso, entretanto, seria necessário montar um mecanismo financeiro que permitisse transferir as poupanças privadas para o financiamento dos investimentos públicos. A concessão de serviços públicos, que no início dos anos 90 se tornou a ordem do dia da economia brasileira, conjuntamente com a privatização, é a solução antevista por Rangel já em 1978. Sua extraordinária argúcia e inventividade mais uma vez se comprovavam.

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  • TAVARES, Maria da Conceição (1972). Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro Rio de Janeiro: Zahar.
  • 1
    Os economistas oficiais que dirigiram a economia do Brasil de 1964 a 1984, por exemplo, jamais reconheceram em público valor ao pensamento de Rangel. Lembro-me que, em 1964, seu livro ora reeditado era criticado em um seminário do professor Delfim Netto, do qual participei. E, no entanto, assim que assumiu o Ministério da Fazenda (em 1967), a primeira coisa que fez foi, seguindo a orientação de Rangel, diagnosticar a inflação brasileira como de custos, afrouxar os controles de crédito, permitir um aumento moderado dos salários, e passar a controlar os preços através do CIP.” (Bresser-Pereira, 1978BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1978). “Prefácio” à 3ª edição de A Inflação Brasileira de Ignácio Rangel. São Paulo: Brasiliense, 1978.: 9). Como o ajuste fiscal fora completado entre 1964 e 1967, os resultados em termos de redução da inflação e retomada do desenvolvimento foram imediatos.
  • 2
    “Felizmente, o cardiologista que, em 1965, prognosticou-me, na sequência de um enfarte, uma vida muito breve, estava equivocado, porque hoje ainda aqui estou, com uma sobrevida razoavelmente saudável e laboriosa ... Eis que a história, nada menos, brindou-me com outro régio presente: o prazer de conhecer e de conviver com a geração que se supunha perdida por efeito do golpe de Estado de 1964. Muitos deles me desvanecem apresentando-se como meus discípulos e estão atentos ao que digo e escrevo. Estou tendo, pois, a alegria de conhecer o julgamento dos meus pósteros, sem ter-me dado o trabalho e desprazer de morrer.” (Rangel, 1987RANGEL, Ignácio M. (1987a). Economia Brasileira Contemporânea (coletânea de ensaios). São Paulo: Editora Bienal.: 7)
  • 3
    Para uma discussão teórica sobre os ciclos longos de Kondratieff, v., no Brasil, Bresser-Pereira (1986bBRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1986b). “Inflação Inercial e Plano Cruzado”. Revista de Economia Política 6(3), julho, 1986.). A literatura sobre o tema desenvolveu-se extraordinariamente nos últimos anos, provavelmente a partir do fato de que a desaceleração das economias desenvolvidas, ocorrida a partir do início dos anos 70, confirmou as previsões embutidas na teoria de Kondratieff. Para uma análise atualizada e razoavelmente completa do assunto ver Solomou (1990SOLOMOU, Solomos (1990). Phases of Economic Growth - 1850-1973.Cambridge: Cambridge University Press.).
  • 4
    V. Rangel (1981bRANGEL, Ignácio M. (1981b). “O Brasil na fase ‘b’ do 4º. Kondratieff”. In Ignácio M. Rangel (1982). Artigo apresentado no 33º. Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, São Paulo, julho, 1981.), onde examina a dinâmica dos ciclos de Kondratieff.
  • 5
    1º. ciclo longo: fase “a”: 1870-1815; fase “b”: 1815-1847; 2º ciclo longo: fase “a”: 1847 -1873; fase “b”: 1873-1896; 3º ciclo longo: fase “a”: 1896-1920; fase “b”: 1920-1948; 4º ciclo longo: fase “a”: 1948-1973; fase “b”: 1973- (?)
  • 6
    Esse artigo foi apresentado em São Paulo, em julho de 1972, no congresso anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Entre outros, estavam na reunião, Antônio Barros de Castro, Francisco de Oliveira e Paul Singer. O artigo foi publicado no ano seguinte em Estudos CEBRAP.
  • 7
    Rangel observa que a Revolução de 1930 chefiada por Getúlio Vargas foi produto de um movimento à frente do qual “encontravam-se-como hoje sabemos e como poucos o suspeitávamos então- duas forças muito díspares, mas idênticas num ponto, a saber: o latifúndio substituidor de importações (principalmente gaúcho) e a indústria substituidora de importações (principalmente paulista)” (1980RANGEL, Ignácio M. (1980a). “Revisitando a ‘questão nacional’”. Encontros com a Civilização Brasileira, n 27, 1980.: 47, grifos do autor).
  • 8
    “Recursos ociosos na economia nacional” (1960RANGEL, Ignácio M. (1960b). “Depoimento sobre a questão agrária”. In Ignácio Rangel (1992). Publicado originalmente em Última Hora, Rio de Janeiro, 26.12.1960.).
  • 9
    V., a respeito, a resenha de Merkin (1982MERKIN, Gerald (1982). “Towards a theory of the German inflation”. In Feldman, Holtfreisch, Ritter and Witt, orgs. (1982) The German Inflation. Berlin: Walter de Guyter. Republicado em José M. Rego, org. Inflação Inercial, Teorias sobre Inflação e o Plano Cruzado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.). Nesse texto fica claro que até 1963 só havia sugestões, jamais uma explicação clara do caráter endógeno da moeda, que hoje é uma ideia essencial não apenas para o pensamento estruturalista sobre a inflação, mas também para o pós-keynesiano.
  • 10
    V. Bresser-Pereira (1986bBRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos (1986b). “Inflação Inercial e Plano Cruzado”. Revista de Economia Política 6(3), julho, 1986.).
  • 11
    A minha (de Bresser-Pereira) visão da inflação foi sempre fortemente influenciada por Rangel. Em um artigo de 1980, “A inflação no capitalismo de Estado”, no qual pela primeira vez formulei a ideia da inflação inercial, minha explicação para a inflação era ainda essencialmente rangeliana. Entretanto, no artigo de 1983, com Nakano, distinguimos com clareza os fatores aceleradores dos mantenedores da inflação.
  • 12
    Conforme observou recentemente José Arthur Giannotti em uma entrevista: “Quanto mais nós estudamos os clássicos, maior é a nossa angústia diante das coisas que nos escapam por entre os dedos” (Veja, 14/10/1992, p. 95).
  • 13
    JEL Classification: B22; B24; B31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1993
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