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Do desenvolvimentismo clássico e da macroeconomia pós-keynesiana ao novo desenvolvimentismo

RESUMO

O novo desenvolvimentismo foi uma resposta à incapacidade do desenvolvimentismo clássico e da macroeconomia pós-Keynesiana em liderar os países de renda média para retomar o crescimento. O novo desenvolvimentismo nasceu nos anos 2000 para explicar por que os países latino-americanos pararam de crescer nos anos 80, enquanto os países do Leste Asiático continuaram a se recuperar. Este artigo compara o novo desenvolvimentismo com o desenvolvimentismo clássico, que não tinha uma macroeconomia, e com a economia pós-keynesiana, cuja macroeconomia não é dedicada aos países em desenvolvimento. E mostra que seguir o exemplo do Leste Asiático não é suficiente política industrial, é também necessária uma política macroeconômica que defina os cinco preços macroeconômicos direito, rejeita o crescimento com a política de poupança externa e mantém as contas macroeconômicas equilibradas.

Palavras-chave:
Desenvolvimentismo clássico; macroeconomia pós-Keynesiana; países do leste asiáticos; países da América Latina

ABSTRACT

New developmentalism was a response to the inability of classical developmentalism and post-Keynesian macroeconomics in leading middle-income countries to resume growth. New developmentalism was born in the 2000s to explain why Latin American countries stopped growing in the 1980s, while East Asian countries continued to catch up. This paper compares new developmentalism with classical developmentalism, which didn’t have a macroeconomics, and with post-Keynesian economics, whose macroeconomics is not devoted to developing countries. And shows that to follow the East Asian example is not enough industrial policy, it is also necessary a macroeconomic policy that sets the five macroeconomic prices right, rejects the growth with foreign savings policy, and keeps the macroeconomic accounts balanced.

KEYWORDS:
Classical developmentalism; post-Keynesian macroeconomics; East Asian countries; Latin American countries

As escolas econômicas históricas são sempre um reflexo das respectivas épocas e uma crítica de teorias concorrentes. Constroem teorias ou modelos que explicam como funcionam os sistemas econômicos reais e oferecem políticas para superar obstáculos e atingir objetivos econômicos - essencialmente, o de atingir o crescimento com estabilidade e a redução da desigualdade econômica. A escola clássica de economia política, por exemplo, refletia a experiência de crescimento dos primeiros países industrializados (Inglaterra, Bélgica e França), a formação de seus estados-nação e suas revoluções industriais, e criticava o mercantilismo. A economia política marxista era uma análise do capitalismo e uma crítica aos economistas clássicos que a precederam; a macroeconomia keynesiana foi uma resposta à Grande Depressão da década de 1930 e uma crítica à economia neoclássica voltada para a oferta. Essas escolas de pensamento procuraram generalizar a partir das regularidades e tendências históricas observadas e determinar permanentemente se correspondiam ou não à realidade, ao passo que as escolas neoclássica e austríaca adotam o método hipotético-dedutivo e, embora o neguem, não estão de fato preocupadas com ter ou não a teoria correspondência com a realidade porque seu critério para a verdade não é a adequação à realidade, mas aquele próprio das ciências metodológicas: a consistência lógica interna.1 1 Os economistas neoclássicos naturalmente negam esse fato enquanto se dedicam a testes econométricos, mas o fato é que quando as pesquisas e a instabilidade intrínseca do sistema capitalista falsificam seus modelos, eles afirmam que rejeitar a teoria logicamente coerente seria um “falsificacionismo ingênuo” (Popper 1934), e ficam com ela. Neste artigo, discutirei apenas as três escolas históricas modernas do desenvolvimento econômico, que também refletem as épocas respectivas. O desenvolvimentismo clássico refletia as condições e os desafios com que deparavam os países subdesenvolvidos após a Segunda Guerra Mundial; o novo institucionalismo é uma tentativa de fornecer à escola neoclássica uma explicação histórica do crescimento; e o novo desenvolvimentismo é uma teoria baseada nas experiências bem-sucedidas de crescimento de países de renda média, em especial do Brasil nos anos 1970 e da Ásia Oriental.

A teoria econômica está necessariamente enraizada na experiência histórica do desenvolvimento capitalista. No século 18, a humanidade inventou o progresso. Com o Iluminismo, as revoluções constitucionais da Inglaterra, dos Estados Unidos e da França, e a Revolução Industrial na Inglaterra, a história deixou de ser encarada como uma sucessão de civilizações ou impérios que ascendiam, atingiam a hegemonia e depois decaíam; e passou a ser vista como um processo de avanço no longo prazo do conhecimento, da razão e do bem-estar material. No século 19, enquanto o desenvolvimento científico confirmava as esperanças no progresso da razão, o socialismo e a teoria histórica de Marx abriram espaço para a possibilidade de uma sociedade justa. Na primeira metade do século 20, duas guerras mundiais sangrentas e a ascensão do fascismo na Itália e na Alemanha puseram fim a essa visão otimista da história. Mas ela renasceu depois da Segunda Guerra Mundial com a ideia de desenvolvimento econômico. Enquanto o progresso era a utopia dos filósofos e o socialismo era a dos intelectuais revolucionários, o desenvolvimento econômico era o projeto de economistas - não dos neoclássicos, que dominam a profissão desde o fim do século 19 (com uma interrupção keynesiana entre as décadas de 1940 e 1970), mas a dos heterodoxos (marxistas, schumpeterianos, institucionalistas históricos e keynesianos), que desenvolveram uma escola de pensamento inteiramente dedicada ao desenvolvimento econômico, a “economia do desenvolvimento”, ao mesmo tempo em que criticavam a economia neoclássica. Na América Latina, a economia do desenvolvimento veio a ser conhecida como “estruturalismo”. Dada a excessiva generalidade dos dois nomes, irei adotar, em vez deles, a expressão “desenvolvimentismo clássico”. Na década de 1990, alguns economistas neoclássicos, insatisfeitos com uma explicação histórica do crescimento, criaram a própria teoria histórica, o “novo institucionalismo”. Finalmente, nos anos 2000, começou a ser formulado o “novo desenvolvimentismo”.

A economia ou, para tomar seu nome original, a economia política, é a ciência dos sistemas econômicos reais sob coordenação do mercado e do Estado; é a ciência dos preços; é uma ciência histórica que estuda o crescimento, a distribuição de renda e riqueza e a estabilidade ou instabilidade dos sistemas econômicos nacionais e sua relação com o sistema econômico mundial. Mas essa definição deixou de ser consenso quando, no fim do século 19, a escola neoclássica tornou-se dominante e passou a ser um corpo de conhecimento abstrato, hipotético-dedutivo sem compromisso verdadeiro com a realidade. Foi então que o nome da ciência foi alterado de economia política para economia. Se, ao mudar o nome da disciplina, os economistas neoclássicos também tivessem alterado a sua natureza, se tivessem definido ser a economia não a ciência substantiva do sistema econômico, mas a ciência metodológica da eficiência e da tomada de decisões eficientes - seria um desdobramento interessante da economia política, cujos pilares seriam a microeconomia marshalliana e a teoria dos jogos. Nesse caso, a economia permaneceria uma ciência histórica que não partiria do equilíbrio geral e abandonaria uma premissa simplificadora atrás da outra até chegar ao mercado real, mas partiria de um mercado mais realista. Mas não: ao adotar o critério da eficiência, quiseram que a economia substituísse a economia política no papel de ciência dos sistemas econômicos. O resultado não podia ser outro que não um castelo hipotético construído no ar, uma teoria baseada no equilíbrio geral e nas expectativas racionais cujo principal objetivo é o de legitimar ideologicamente o sistema de mercado e o liberalismo econômico.

A economia neoclássica e o liberalismo econômico enfrentaram uma grande crise com o crash da Bolsa de Valores de Nova York em e a Grande Depressão da década de 1930, abrindo caminho para a revolução macroeconômica keynesiana, a partir da década de 1930, e para o desenvolvimentismo clássico, a partir da década de 1940. Com essas contribuições, a economia retornou à história e à realidade. E a formulação de políticas econômicas - as políticas macroeconômicas de curto prazo e as políticas de desenvolvimento de longo prazo - se transforaram em instrumentos práticos e vigorosos para a consecução da estabilidade e do crescimento econômicos. Ainda assim, na década de 1980, a economia neoclássica - agora dotada de uma macroeconomia das expectativas racionais - novamente voltou ao mainstream. Hoje, podemos dividir o pensamento econômico em duas tradições econômicas amplas, a teoria econômica heterodoxa e a ortodoxa. Na primeira temos as teoria econômicas pós=-keynesiana, marxista, desenvolvimentista clássica, schumpeteriana, regulacionista francesa, institucionalista clássica, e novo-desenvolvimentista. Na tradição ortodoxa estão as teorias econômicas neoclássica, austríaca e novo-institucionalista. O que distingue as duas orientações teóricas? Marc Lavoie (2014Lavoie, Marc (2014) Post-Keynesian Economics: New Foundations, London: Edward Elgar.: 12) propõem cinco critérios que distinguem a heterodoxia da ortodoxia: realismo x instrumentalismo, agente satisfatório x agente otimizador, holismo x individualismo atomista, produção e crescimento x alocação e escassez, e mercados regulados x livres. É uma boa distinção, mas deixa de levar em conta o critério metodológico que considero fundamental: enquanto a teoria econômica heterodoxa usa, essencialmente, um método histórico-dedutivo e quando usa silogismos econômicos, os torna condicionais, a teoria econômica ortodoxa usa basicamente o método hipotético dedutivo reduzido a silogismos econômicos; por isso, o critério para a verdade da tradição ortodoxa é a consistência lógica, ao passo que o da tradição heterodoxa é a consistência com a realidade.2 2 Sobre a oposição entre o método histórico e o hipotético-dedutivo e sobre a distinção entre modelos históricos e silogismos econômicos, ver Bresser-Pereira (2009; 2017).

Neste artigo meu interesse é no longo prazo, em crescimento econômico com estabilidade financeira e econômica, proteção do meio ambiente e redução da desigualdade. Discutirei quatro teorias, baseadas em modelos históricos e não em silogismos econômicos: desenvolvimentismo clássico, novo institucionalismo, desenvolvimentismo pós-Keynesiano e novo desenvolvimentismo.3 3 Há outras teorias econômicas históricas, especialmente a economia política marxista, a escola histórica alemã, o institucionalismo americano e a escola schumpeteriana. Neste livro, usarei, também, suas contribuições.

DESENVOLVIMENTISMO CLÁSSICO

O desenvolvimentismo clássico foi desenvolvido entre as décadas de 1940 e 1960 por economistas como Rosenstein-Rodan, Arthur Lewis, Raúl Prebisch, Gunnar Myrdal, Hans Singer, Michael Kalecki, Albert Hirschman e Celso Furtado. Esse arcabouço teórico teve como centro de irradiação Santiago do Chile, onde está sediada, desde 1948, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) das Nações Unidas, e, por esse motivo, é frequentemente chamado de “estruturalismo cepalino”. Desenvolvimentismo clássico é um bom nome porque a expressão “desenvolvimentismo” se aplica a um fenômeno histórico real - a forma de organização econômica e política do capitalismo alternativa ao liberalismo econômico - que caracterizou as revoluções industriais de todos os países desde a primeira industrialização, a da Grã-Bretanha. O desenvolvimentismo clássico e o novo desenvolvimentismo são teorias que procuram compreender o fenômeno real do crescimento econômico, que foi acelerado e levou ao catching up quando o desenvolvimentismo era a fora de organização do capitalismo. Como o desenvolvimentismo clássico e o novo desenvolvimentismo são teorias que adotam uma abordagem histórica, é natural que correspondam a essa forma de organização do capitalismo. Historicamente, o desenvolvimentismo foi a forma padrão assumida pelo capitalismo quando cada país realizou sua revolução industrial e se tornou capitalista. Isso vale para os países centrais de desenvolvimento original, como a Inglaterra e a França, para os países centrais tardios, como Alemanha e Estados Unidos, e para países periféricos que estiveram sob domínio dos países industriais, como Índia, Japão e Brasil.4 4 A Índia era colônia do Reino Unido; o Japão foi uma quase colônia dos Estados Unidos entre 1854 e 1868, quando ocorreu a restauração Meiji; e o Brasil foi uma colônia informal dos países centrais desde sua independência formal (1822) até a Revolução de 1930.

Assim como a macroeconomia keynesiana, o desenvolvimentismo clássico era crítico em relação à teoria econômica neoclássica.5 5 Na verdade, Keynes não distingue na Teoria Geral entre a economia clássica e a neoclássica, uma vez que as duas operam pelo lado da oferta, tendo como premissa a lei de Say, segundo a qual a oferta cria a própria demanda. Sua principal contribuição para a teoria econômica foi afirmar que o crescimento econômico é a industrialização, ou “transformação estrutural”, ou, como hoje prefiro dizer, sofisticação produtiva. Isso se explica por uma série de argumentos: Primeiro, a industrialização foi a condição histórica para todos os países que se desenvolveram. Para se transformarem em sociedades modernas, ou capitalistas, e aumentar a produtividade do trabalho e elevar os padrões de vida, as sociedades tradicionais se transformaram em nações, que formaram estados-nação e se industrializaram.6 6 A teoria da dependência, que discutirei no capítulo @@, procurava desqualificar a dupla natureza dos países em desenvolvimento antes da conclusão de sua revolução capitalista com o argumento de que as sociedades em desenvolvimento nasciam capitalistas. Isso faz pouco sentido. Isto que parece óbvio - ao olharmos para a história e vermos que nenhum país se desenvolveu ou realizou a revolução capitalista sem se industrializar - era e continua a ser rejeitado pela economia neoclássica não-histórica, para a qual, dados os fatores e dotações de oferta e a lei das vantagens competitivas, o mercado irá decidir a rota ideal para o país. No artigo seminal do estruturalismo latino-americano, Raúl Prebisch (1949Prebisch, Raúl (1949 [1950]) The Economic Development of Latin America and its Principal Problems, New York: United Nations, Dept. of Economic Affairs. Original Spanish publication, 1949.: 2) afirmou que “a industrialização não é um fim em si, mas o principal meio de que dispõem os países [periféricos] para conquistar uma parcela dos benefícios do progresso técnico e para elevar progressivamente os padrões de vida das massas”.7 7 Ele reafirmaria essa posição mais tarde (1959: 251): “a industrialização é uma parte inescapável do processo de mudança que acompanha um aumento gradual da renda per capita.” Hans Singer (1950Singer, Hans (1950) “The distribution of gains between investing and borrowing countries”, American Economic Review 40, May 1950; 473-85.: 476), por outro lado, tratou da importância das externalidades positivas presentes na industrialização: “A contribuição mais importante de uma indústria não é seu produto imediato (...) e nem mesmo seus efeitos sobre outras indústrias e benefícios sociais imediatos (...), mas talvez, principalmente, seu efeito sobre o nível geral de educação, capacitação, modos de vida, inventividade, hábitos, reserva tecnológica, criação de novas demandas e etc.”.

Em segundo lugar, no processo de crescimento, ou de aumento da produtividade, a transferência de trabalho da agricultura para a indústria representa um papel central. O aumento de produtividade em um país pode se dar na própria indústria, ou na transferência de mão-de-obra do setor primário para o secundário. Admitindo que a mão-de-obra seja capaz de aprender rapidamente novas habilidades, o segundo método será mais relevante para países em desenvolvimento. No setor industrial, a sofisticação produtiva, o valor agregado per capita, e os salários correspondentes (três variáveis intimamente relacionadas) são mais elevados do que na agricultura e na pecuária. Em países ricos, próximos da fronteira tecnológica, o último método é o mais relevante e foi provavelmente por isso que Kaldor destacou o papel dos retornos crescentes de escala. Mas, em países em desenvolvimento, a transferência de mão-de-obra para atividades mais sofisticadas é o método mais simples e eficaz de aumento da produtividade. Arthur Lewis (1954Lewis, Arthur W. (1954) “Economic development with unlimited supply of labor”, The Manchester School 22 (2): 139-191.), em seu artigo clássico sobre crescimento com oferta ilimitada de trabalho, reconheceu esse fato. Argumentou que a transferência de trabalho a partir do baixo valor agregado per capital no setor tradicional da economia beneficiou o setor industrial nascente porque o salário adicional que os industriais estavam dispostos a pagar aos seus trabalhadores era inferior ao aumento correlato da produtividade. Assim, os lucros seriam maiores e o setor industrial seria lucrativo o bastante para acumular capital e crescer.

Em terceiro lugar, como apontaram Raúl Prebisch (1949Prebisch, Raúl (1949 [1950]) The Economic Development of Latin America and its Principal Problems, New York: United Nations, Dept. of Economic Affairs. Original Spanish publication, 1949.) e Hans Singer, o aumento de produtividade no setor industrial dos países ricos não se transmite plenamente para a queda de preços que também beneficiaria os países não produtores de bens industrializados, como presume a economia neoclássica, mas leva a um aumento direto dos salários em países ricos. Os autores argumentaram que, enquanto os trabalhadores desses países são organizados e capazes de reter seus ganhos de produtividade, os do setor primário em países em desenvolvimento não o são, o que produz uma tendência de deterioração dos termos de troca dos países em desenvolvimento. Muitas pesquisas confirmaram essa tese; algumas rejeitaram a deterioração dos termos de troca de países em desenvolvimento, mas nenhuma demonstrou sua melhora - e é isso que a economia neoclássica prevê, dado que a produtividade aumentou historicamente muito mais rapidamente no setor industrial d que nos primários. Todos os aumentos de produtividade resultariam em queda de preços (beneficiando a todos, internamente e no exterior), não em um aumento dos salários nos países ricos; mas foi isto que aconteceu porque a mobilidade da força de trabalho suposta pela teoria econômica neoclássica não existe.

Em quarto lugar, os países em desenvolvimento exportadores de bens primários deparam com uma “restrição externa” que nasce de duas elasticidades-renda perversas: enquanto a elasticidade-renda das importações dos países em desenvolvimento que exportam bens primários é maior do que um, a elasticidade-renda das importações de bens primários pelos países ricos é menor do que um. Os economistas derivam desse simples fato, tão claramente definido por Raúl Prebisch, as mais enganosas consequências: primeiro, o modelo dos “gaps gêmeos”, o gap de poupança e o gap do dólar, e a conclusão de que os países em desenvolvimento deveriam crescer com deficits em conta-corrente e endividamento externo, usando “poupança externa”; segundo, o entendimento da restrição externa como “fonte estrutura de vulnerabilidade externa” que levaria os países em desenvolvimento quase inevitavelmente a crises cíclicas. Nenhuma dessas duas conclusões se segue das duas elasticidades perversas. A única conclusão que podemos legitimamente extrair dessa restrição é que os países em desenvolvimento precisam se industrializar para superar essa desvantagem quanto ao crescimento. Sim, os países em desenvolvimento enfrentam escassez de dólares, mas a saída não está na dívida denominada em moeda estrangeira; sim, eles passam por crises cíclicas, mas sua causa não está na restrição externa, mas na falsa crença em que um país pode crescer usando o capital dos outros - está na ignorância que o capital o capital se faz em casa.

O desenvolvimentismo clássico não contava com uma macroeconomia. Sua “teoria estrutural da inflação” tinha alcance limitado, uma vez que os países são capazes de superar gargalos do sistema produtivo e a produção se torna sensível aos preços. Na prática, o desenvolvimentismo clássico adotava a macroeconomia pós-keynesiana, essencialmente a ideia de que a política fiscal deve ser anticíclica. Mas isso não significava ser favorável aos gastos irresponsáveis ou populismo fiscal, como acontece com os keynesianos ou desenvolvimentistas vulgares, para quem todos os problemas têm uma solução simples, a de aumentar os gastos, da mesma forma que os ortodoxos liberais adotam sempre a mesma receita de política econômica: gastar menos, praticar a austeridade, fazer ajuste fiscal permanente. O desenvolvimentismo clássico defendia a responsabilidade fiscal. No Brasil, o Plano Trienal de 1963 de Celso Furtado foi um bom exemplo desse enfoque.

O desenvolvimentismo clássico defende uma intervenção moderada mas estratégica do Estado na economia, não só porque há setores não-competitivos nas economias nacionais até mesmo de países desenvolvidos, mas também porque a poupança privada é insuficiente e os mercados dos países pré-industriais são pouco desenvolvidos, pouco regulados e insuficientemente garantidos pelo Estado. O Estado deve ser um agente econômico proativo, seja como instituição normativa que regula toda a sociedade, como se dá com o ordenamento jurídico e as políticas públicas que visam à consistência com os objetivos políticos da nação, seja como instituição organizacional que não só faz aplicar a lei como também regula a moeda nacional, impõe tributos, executa políticas públicas, define a distribuição do orçamento entre gastos correntes e investimento e toma decisões de governo. Para a escola neoclássica, a única coisa que o Estado deve fazer para o país crescer é garantir a propriedade e os contratos, e a manutenção do equilíbrio de suas contas, ao passo que o desenvolvimentismo clássico tem como essencial para o desenvolvimento a construção de um Estado desenvolvimentista capaz que execute as políticas de desenvolvimento corretas. Isso quer dizer que não basta contar com um Estado capaz e dotado de legitimidade política, contas sólidas e uma burocracia pública bem estruturada; seu governo deve ser competente em termos políticos e técnicos. Formuladores incompetentes de políticas liberais podem produzir maus resultados; o resultado de políticas desenvolvimentistas incompetentes pode ser ainda pior.

A estratégia básica de desenvolvimento adotada pelo desenvolvimentismo clássico ficou conhecida como modelo de substituição de importações. Partindo da premissa de que crescimento significa industrialização, isso envolvia o estabelecimento de elevadas tarifas sobre bens manufaturados que se justificavam com o argumento da indústria nascente. Dada a limitação dos mercados internos e as grandes economias de escala, o desenvolvimentismo clássico reconhecia que o alcance do modelo de substituição de importações seria reduzido, a menos que o país fosse grande. Ainda assim, os economistas desenvolvimentistas não consideravam a possibilidade de exportação de bens manufaturados. Em vez disso, propunham a integração regional para aumentar o porte dos mercados internos. Como os países mantinham altas tarifas de importação sobre produtos manufaturados além do tempo em que seria razoável considerar suas indústrias como “nascentes”, a ortodoxia liberal via nessa prática mero “protecionismo”, e o desenvolvimentismo clássico não tinha resposta para essa crítica. Ainda assim, quando discutirmos o novo desenvolvimentismo, veremos que essas tarifas (e, portanto, o modelo de substituição de importações) não eram protecionistas, mas apenas uma forma intuitiva de neutralização da doença holandesa em relação ao mercado interno, uma forma de compensar a desvantagem competitiva representada pela doença e, assim, garantir ao setor industrial nacional igualdade de condições competitivas dentro do país.

O desenvolvimentismo clássico sabia que o crescimento depende da garantia da ordem social, que essa é uma condição para que os mercados coordenem a economia e os empresários invistam, mas seu maior interesse político e institucional era na coalização de classes nacionalista e desenvolvimentista que constrói e capacita a principal instituição de qualquer sociedade capitalista: o Estado. Para cada povo, a Revolução Capitalista tem início com a acumulação primitiva8 8 A acumulação primitiva foi classicamente analisada por Marx no capítulo 24 do primeiro volume d’O Capital. O lucro, ou valor excedente, era obtido no mercado pelos capitalistas, mas para isso era necessária uma acumulação prévia de capital por meio de violência ou força. Assim, o capitalismo era precedido de uma acumulação primitiva que Marx descreve detidamente no capítulo mencionado. e envolve a formação do estado-nação e a revolução industrial. Esta transformação que dá início ao desenvolvimento de um país não teria acontecido se os empresários não só tivessem garantias para seus negócios como também contassem com o apoio do Estado, que deveria compensar as diversas fontes de desvantagens que os industriais enfrentavam em seus negócios, como a necessidade de tempo (que estava nas bases do argumento da indústria nascente) e a ausência de externalidades positivas, o que deu origem ao primeiro modelo desenvolvimentista clássico - o modelo do big push de Rosenstein-Rodan (1943Rosenstein-Rodan, Paul (1943) “Problems of industrialization in Eastern Europe and South-Eastern Europe”, Economic Journal 53, June 1943: 202-211.) envolvendo o planejamento de um conjunto de investimentos criadores de externalidades mútuas.9 9 Foi essa a origem do conceito de “polos de desenvolvimento” de François Perroux (1955) e da farta literatura sobre clusters ou arranjos produtivos locais (Wilson Suzigan et al., 2004). De acordo com o desenvolvimentismo clássico a formação de um Estado capaz e de um estado-nação autônomo é a ação política essencial para a construção de uma coalização de classes desenvolvimentista comprometida com o desenvolvimento econômico e oposta à oligarquia liberal local e ao imperialismo do Norte - um pacto político que reuna empresários, a classe trabalhadora e a burocracia pública, inclusive os intelectuais nacionalistas. Falo em um estado-nação “autônomo” ciente de que isso pouco sentido faz para os países europeus e para as ex-colônias britânicas, assim como para a maioria dos países asiáticos, porque uma vez formada a nação e construído o estado-nação, este será automaticamente um estado-nação autônomo. Mas o termo faz sentido na América Latina, onde a independência da Espanha e de Portugal se obteve à custa de uma dependência informal da Grã-Bretanha, e onde as sociedades são miscigenadas, mas as elites brancas se identificam como “europeias”. Os desenvolvimentistas clássicos estavam cientes dessa dificuldade, mas estava claro para eles que, se a revolução socialista não era uma possibilidade no curto prazo, uma coalizão de classes desenvolvimentistas que envolvesse os empresários industriais, a burocracia pública e a classe trabalhadora era a única alternativa que levaria o país ao crescimento e ao catching up. A premissa é a de que o interesse dos industriais no mercado interno e no apoio do Estado bastaria para motivá-los a participar da coalizão desenvolvimentista. Essa visão não foi formalmente defendida pela CEPAL por causa de sua situação enquanto organização nas Nações Unidas, limitando-se a à referência à questão “centro-periferia”. A revolução burguesa do pacto político nacional-desenvolvimentista foi pela primeira vez defendida no Brasil no começo da década de 1950 por intelectuais nacionalistas como Hélio Jaguaribe, Ignácio Rangel, Guerreiro Ramos e Álvaro Vieira Pinto, que compreendiam o desenvolvimento econômico como uma “revolução nacional” (a formação de um estado-nação autônomo) e uma revolução industrial, e encaravam os países ricos como um sistema imperial associado à velha oligarquia brasileira e à sua classe média liberal.10 10 Esses intelectuais publicaram entre 1952 e 1954 os cinco números do periódico Cadernos do Nosso Tempo e, em 1955, formaram o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).

A CRISE DO DESENVOLVIMENTISMO CLÁSSICO

O desenvolvimentismo clássico, que foi a teoria econômica mainstream na América Latina nos anos 1940 e 1950, enfrentou uma primeira crise em volta de 1970, quando a teoria da dependência se tornou a interpretação dominante do desenvolvimento econômico na América Latina e nos Estados Unidos, e uma segunda crise dez anos depois, quando a economia neoclássica novamente passou a ser o mainstream no Norte e o Banco Mundial se tornou o principal instrumento das reformas neoliberais. A teoria da dependência era uma interpretação marxista do desenvolvimento econômico na periferia do capitalismo, definida na década de 1960, que rejeitava a possibilidade de que uma burguesia nacional comandasse uma coalização de classes desenvolvimentista, confrontasse o imperialismo e atingisse a revolução nacional e capitalista. Os países ricos puderam contar com suas burguesias nacionais para realizar a revolução industrial e capitalista, mas, para a teoria da dependência, as burguesias industriais dos países em desenvolvimento seriam intrinsecamente dependentes, em vez de nacionalistas. Assim, tratava-se de uma crítica direta da proposta central de política econômica do desenvolvimentismo clássico: a formação de uma coalizão de classes nacional-desenvolvimentista. A teoria da dependência foi fundada por André Gunder Frank com o artigo “The development of underdevelopment”. Ele estivera no Brasil à época e escreveu o artigo logo depois do golpe militar brasileiro de 1964, que contara com o apoio de empresários industriais. Esse golpe, como os que o sucederam na Argentina (1967) e no Uruguai (1978), foi entendido pelos intelectuais latino-americanos de esquerda como confirmação da teoria da dependência, da “impossibilidade” de burguesias nacionais nos países em desenvolvimento. Mas a teoria da dependência logo se dividiu em duas correntes, uma que permaneceu marxista, a de Gunder-Frank e Ruy Mauro Marini, e a corrente da “dependência associada”, fundada pelo livro de Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto (1969Cardoso, Fernando Henrique and Enzo Faletto (1969 [1979]) Dependency and Development in Latin America. Berkeley: University of California Press, 1979. First Spanish edition, 1969.), Dependência e Desenvolvimento na América Latina, que defendia a associação de países latino-americanos com os Estados Unidos. Numa época em que o marxismo se tornara muito influente, a interpretação da dependência associada tinha apelo marxista porque trabalhava com classes sociais, mas na prática defendia não a resistência ao império americano, como fazia o desenvolvimentismo clássico, mas a associação ou subordinação a ele. Esse enfoque, que logo se tornou dominante na América Latina entre os intelectuais da região, refletia a frustração da esquerda latino-americana com os golpes militares e uma critica da tese política do desenvolvimentismo clássico: a de que o desenvolvimento econômico acelerado ou real na periferia do capitalismo depende da formação da coalizão de classes desenvolvimentista. A nova interpretação encarava a empresa multinacional que investia no setor industrial de países latino-americanos como prova de que a oposição entre centro e periferia era falsa. Não surpreende que tenha sido recebida com alegria entre acadêmicos americanos, como reconheceu o próprio Cardoso (1977Cardoso, Fernando Henrique (1977[1980]) “The consumption of the dependency theory in the United States”. Latin America Research Review 12(3):7-24, 1977. ).

Pelo lado econômico, o desenvolvimentismo clássico enfrentou uma controvérsia com os economistas liberais ou monetaristas - a controvérsia estruturalista-monetarista - que não terminou com vitória para qualquer dos lados, mas prejudicou os desenvolvimentistas porque insistiram em manter sua interpretação da inflação baseada em gargalos estruturais do setor agrícola, que, mesmo em uma região pobre como o Nordeste brasileiro, provou não ser realista. A inflação era um problema que os países latino-americanos enfrentavam e que só viria a encontrar interpretação competente na teoria da inflação inercial; mas, antes disso, os formuladores de políticas tinham que enfrentar a inflação e a perspectiva estruturalista não foi útil. Albert Hirschman (1981Hirschman, Albert O. (1981) Essays in Trespassing, Cambridge: Cambridge University Press.: 183) percebeu esse fato. Ele, que, como Mauro Boianovsky, era no geral simpático à abordagem estruturalista da inflação, atribuiu o declínio da influência dos economistas estruturalistas na América Latina depois de meados da década de 1960 à sua indisposição para “abrir mão da pureza doutrinária” e à sua tendência a “condenar como ‘futilidade monetarista’ as mais elementares e mais obviamente necessárias medida anti-inflacionárias”.11 11 Mauro Boianovsky (2012: 282).

A teoria da dependência e a falta de uma proposta a respeito de como controlar a inflação prejudicaram o desenvolvimentismo clássico, mas o golpe fatal foi a profunda mudança estrutural havida nos países centrais em torno de 1980 - a passagem do capitalismo desenvolvimentista e social-democrata do pós-guerra para um capitalismo neoliberal e financeiro-rentista, e do keynesianismo para a economia neoclássica como teoria econômica mainstream. Diversos fatores contribuíram para a teoria neoclássica se tornar a teoria econômica dominante na universidade e a ideologia neoliberal se tornar hegemônica. Primeiro, a atração permanente que os economistas sentiam pelo raciocínio matemático que o método hipotético-dedutivo da economia neoclássica possibilita. Segundo, as diversas inovações teóricas que reforçaram a economia neoclássica: o modelo de crescimento de Solow na década de 1950, Milton Friedman e a macroeconomia monetarista, e James Buchanan e a escola da escolha pública, ambas da década de 1960s, Robert Lucas, com a macroeconomia das expectativas racionais, na década de 1970, e Paul Romer, com os modelos de crescimento endógeno nos anos 1980. Terceiro, a nova realidade e as novas ideias eram uma reação contra a queda da taxa de lucro e da taxa de crescimento nos anos 1980 nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, enquanto a inflação aumentava (estagflação) por causa de um aumento do poder dos sindicatos trabalhistas na década de 1960 e do primeiro choque do petróleo, em 1973. Quarto, a nova concorrência originada dos primeiros países em desenvolvimento que, na década de 1970, começaram a exportar bens manufaturados para os países ricos, beneficiando-se de seus baixos salários. O que houve foi mais que uma mudança ideológica, foi uma mudança de “regime de políticas”, ou, em termos mais amplos “da forma de organização econômica e política do capitalismo” de desenvolvimentista e social para uma forma liberal.12 12 O regime de políticas é um conceito desenvolvido por Adam Przeworski (2001), enquanto Bresser-Pereira (2001a), escrevendo sobre a “nova esquerda”, observou que na década de 1980 “o centro político se deslocou para a direita” e os países social-democratas adotaram políticas muito parecidas com as dos liberais, enquanto o contrário ocorreu no período pós-guerra: os partidos políticos conservadores participaram da construção do estado social e desenvolvimentista. Essa mudança foi profunda e logo alcançou todos os países ricos, independentemente de serem seus governos conservadores ou social-democratas. Tornou a ideologia neoliberal dominante nas sociedades ocidentais e a economia neoclássica, dominante nas universidades e nos mercados financeiros. Ao mesmo tempo, a liberação comercial e financeira, a redução dos custos de transporte e comunicação, e o crescimento das empesas multinacionais fortaleciam a globalização, que se converteu na expressão material do neoliberalismo. Assim, mais fortes e beneficiados pelas dificuldades que as políticas social-democratas e keynesianas enfrentavam, os departamentos de economia das principais universidades tornaram-se instrumento ideológico do neoliberalismo, ou seja, da coalizão de classes rentista-financeira a serviço as pequenas elites capitalistas rentistas e dos financistas.13 13 Ainda assim, Keynes permaneceu relativamente presente no mainstream porque se dividia entre uma corrente radicalmente liberal formada pelos economistas monetaristas, neoclássicos e da escola austríaca, e a escola neo-keynesiana, que é basicamente hipotético-dedutiva e neoclássica, mas guarda espaço para a demanda e reconhece maiores falhas de mercado. Neste novo mundo, o desenvolvimentismo clássico foi reduzido a uma “defesa protecionista da estratégia de substituição de importações”. Albert Hirschman, um dos pioneiros do desenvolvimentismo clássico, reconheceu sua crise em “The rise and decline of development economics” (1981).

Por outro lado, na América Latina, o crescimento fora interrompido na década de 1980 por uma grande crise financeira, a Crise da Dívida Externa, causada pela política de crescimento com endividamento externo adotada nos anos 1970 e suas duas principais consequências: todos os países entraram em crise de balanço de pagamentos e muitos deles enfrentaram elevadas taxas de inflação. Dadas a estagnação econômica e a hegemonia ideológica do neoliberalismo, não foi difícil para a ortodoxia liberal atribuir a crise à estratégia de substituição de importações, ou seja, à intervenção do Estado e à proteção do setor industrial. Essa afirmação era essencialmente falsa. Ignorava que as reformas de liberalização comercial e financeira adotadas no fim dos anos 1980 pelos países latino-americanos tiveram como consequência imprevista a desmontagem dos mecanismos pragmáticos que, respectivamente, neutralizavam a doença holandesa em relação aos mercados internos e mantinham baixa a taxa de juros real. Mas parecia verdadeira porque os países da região experimentavam uma crise fiscal que a ortodoxia liberal explicava simplesmente com o populismo fiscal, mas que resultava, também, do fato de que a crise da dívida externa dos anos 1980 constrangera o Estado a socorrer empresas privadas e estatais endividadas em dólares.

Entre as limitações do diagnóstico neoliberal do que se dava nos países em desenvolvimento, uma era especialmente relevante. Os países da Ásia Oriental continuaram a crescer rapidamente durante a década de 1980 e decididamente não eram exemplos de laissez faire, mas da forma desenvolvimentista de organização do capitalismo. Adotavam o modelo japonês de crescimento, o que significava intenso desenvolvimentismo. Adotavam uma abordagem nacionalista e políticas industriais muito ativas. Ainda assim, a ortodoxia liberal procurava argumentar que a estratégia de crescimento da região era liberal porque logo se tornou voltada para exportações. É fato que os países se tornaram exportadores de produtos manufaturados, mas isso não significa que tenham passado a ser liberais. Apenas perceberam que a estratégia de substituição de importações não era, para eles, uma alternativa real, não só porque seus mercados internos eram pequenos, mas principalmente porque careciam de recursos atuais em abundância para basear suas exportações em commodities. Com efeito, os quatro “tigres” asiáticos abandonaram a estratégia de substituição de importações na década de 1960 e rapidamente se converteram em exportadores de produtos manufaturados, enquanto abriam gradualmente suas economias. Mas, no auge de seu processo de crescimento, mantiveram firme controle sobre os preços macroeconômicos e adotaram políticas industriais competentes.

POLÍTICA INDUSTRIAL E INCONSISTÊNCIA HISTÓRICA14 14 Esta seção recorre a Bresser-Pereira e Rugitsky (2017).

O desenvolvimentismo clássico viu-se em crise desde a década de 1970; chegou a um impasse teórico porque seus autores não desenvolviam novas ideias ou novos modelos, mas duas descobertas históricas lhe deram fôlego renovado. Foram elas: na década de 1980, o protagonismo da política industrial no catching up dos países do Ásia Oriental e, no começo dos anos 2000, a inconsistência institucional histórica do Consenso de Washington com a experiência de crescimento dos países ricos. O fato de que os países do Ásia Oriental recorriam muito à política industrial tornou-se claro no final dos anos 1980, ao mesmo tempo em que o Consenso de Washington passava a vigorar nos países latino-americanos. Embora os desenvolvimentistas clássicos não usassem a expressão “política industrial”, mas planejamento econômico ou indicativo, a política industrial tornou-se a partir de então o instrumento reconhecido de uma estratégia governamental de industrialização ou crescimento. Nos anos 1980, enquanto o desenvolvimentismo clássico enfrentava profunda crise, três livros sobre as trajetórias de sucesso das economias do Ásia Oriental demonstraram, sem ambiguidade, que esse sucesso podia ser atribuído à política industrial: o livro de Chalmers Johnson (1982Johnson, Chalmers (1982) MITI and the Japanese Miracle, Stanford: Stanford University Press.) sobre o Japão, o de Alice Amsden (1989Amsden, Alice H. (1989). Asia’s Next Giant: South Korea and Late Industrialization. New York: Oxford University Press.) sobre a Coreia do Sul, e o de Robert Wade (1990Wade, Robert (1990) Governing the Market, Princeton: Princeton University Press .) sobre Taiwan.

Johnson se debruça sobre o Ministério do Comércio Internacional e Indústria (MITI) japonês, o núcleo da burocracia econômica estatal japonesa. Seu argumento, sucintamente, é o de que a política industrial do MITI foi crucial para deslocar a “estrutura industrial” e esse deslocamento, por sua vez, “foi o mecanismo que operou o milagre econômico [japonês]” (1982: 31). Nas palavras do autor, o livro “enfatiza o papel do Estado desenvolvimentista no milagre econômico” (1982: 17). Para os fins deste capítulo, vale notar que essa descrição das políticas japonesas e do Estado japonês em termos de um “Estado desenvolvimentista” deixa claro o contraste com a abordagem neoclássica. O título do livro - MITI and the Japanese Miracle: the growth of industrial policy, 1925-1975 - não deixa dúvida a respeito. Embora Johnson mencione, em diversas passagens da obra, as políticas de câmbio japonesas, a alternativa entre desvalorização e política industrial não surge nela como tal. O foco se dá sobre a política industrial e as políticas cambiais representam, no máximo, um papel secundário na narrativa.

Em Amsden (1989Amsden, Alice H. (1989). Asia’s Next Giant: South Korea and Late Industrialization. New York: Oxford University Press.: 144), contudo, encontramos um exame mais detido das políticas cambiais, no qual ela reconhece que as mudanças da taxa de câmbio podem ter efeitos semelhantes aos dos subsídios, mas demonstra preferir os subsídios diretos. Discute a política industrial como um meio de deixar “errados” os preços relativos, como uma estratégia fundamental para o desenvolvimento, ao contrário da ênfase neoclássica em que eles estejam “certos”. Escreve ela: “A taxa de câmbio, outro preço relativo crucial para a expansão econômica, foi também ela deliberadamente distorcida pelos países de industrialização tardia, que precisam de uma taxa elevada para exportar e uma taxa baixa para amortizar a dívida externa e importar matérias primas e bens de produção que ainda não possam ser produzidos internamente”. Quando Amsden escreve que as desvalorizações do won no começo da década de 1960 foram “desastrosas”, acredito que esteja enganada. Segundo ela (1989: 64-67) seu “principal efeito (…) foi piorar o clima de negócios com o aumento do preço dos insumos importados, que alimentou a inflação” (1989: 65). Por outro lado, lemos em seu livro que a desvalorização de 1961 foi de 100% (a taxa de câmbio foi de 65 para 130 wons por dólar) e, na tabela 3.1, vemos que foi uma desvalorização única, once-and-for-all, uma vez que pelos 23 anos seguintes o won manteve relativamente inalterado seu poder aquisitivo, em torno de 110 wons por dólar (1989: 56 e 65). Ela menciona que as desvalorizações de 1961 não conseguiram estimular imediatamente as exportações, mas reconhece que, em 1963 e 1964, as exportações começaram a subir rapidamente. Com efeito, a reação das economias à desvalorização não é imediata, mas é poderosa.

A interpretação do caso taiwanês em Wade (1990Wade, Robert (1990) Governing the Market, Princeton: Princeton University Press .) tem mais nuance. Embora ele opte por enfatizar as “políticas setoriais”, não deixa de lado o papel representado pela taxa de câmbio e o menciona repetidas vezes. Em termos gerais, sua interpretação é semelhante à de Amsden. Wade afirma que a “superioridade do desempenho do Ásia Oriental (…) resulta, em grau significativo, de um conjunto de políticas econômicas governamentais. Usando incentivos, controles e mecanismos de distribuição do risco, essas políticas permitiram que o governo orientasse - ou governasse - os processos de mercado de alocação de recursos” (1990: 26-27). Entre as políticas que menciona, diversas poderiam ser consideradas formas de política industrial - como “a ajuda a setores específicos”, “a construção de um sistema nacional de tecnologia”, “a priorização do uso do câmbio escasso” - mas também “a manutenção da estabilidade de alguns dos principais parâmetros econômicos que afetam a viabilidade do investimento de longo prazo, especialmente a taxa de câmbio, a taxa de juro e o nível geral de preços” (1990: 27-28). Seja como for, Wade reconhece na análise que faz de Taiwan que “a taxa de câmbio real de Taiwan não esteve (antes de meados da década de 1980) nem muito supervalorizada, nem muito subvalorizada” e que permanece “notavelmente estável” (1990: 60). O autor se dá a grandes esforços para documentar a maneira meticulosa como o governo taiwanês gerenciou seu comércio exterior, recorrendo a tarifas, subsídios e numerosos instrumentos não-tarifários (1990: capítulo 5). Devemos notar, contudo, que o ceticismo quanto à taxa de câmbio perceptível nos muitos autores discutidos não é tão claro em Wade. Examinando a década de 1980, argumenta que “a taxa de câmbio real tornou-se cada vez mais desvalorizada (…). Isso, é claro, deu forte ímpeto às exportações” (1990: 148).

Na década de 2000, Ha-Joon Chang (2002Chang, Ha-Joon (2002) Kicking Away the Ladder, London: Anthem Press.) e Erik Reinert (2007Reinert, Erik S. (2007) How Rich Countries got Rich… and Why Poor Countries Stay Poor, New York: Carroll & Craf.), nos dois casos em resposta ao interesse renovado nas instituições, embora ainda fieis ao desenvolvimentismo clássico, demonstraram com fatos históricos que o imperialismo capitalista dos países ricos em relação aos demais permanecia forte e representava um grande obstáculo ao crescimento econômico. A diferença em relação ao imperialismo anterior à Segunda guerra Mundial é que o soft power tomou o lugar do hard power; a hegemonia ideológica que definia o domínio do Norte sobre os países sul-americanos agora se estende a todos os países em desenvolvimento na medida em que são pressionados a não adotar as políticas e instituições de longo prazo que o próprio Norte adotou na mesma fase de crescimento. O livro de Reinert, Como os Países Ricos se Ficaram Ricos … e Por Que os Países Pobres Continuam Pobres e o de Chang, Chutando a Escada, foram pioneiros. Demonstraram que o Consenso de Washington carregava uma inconsistência institucional histórica: aquelas políticas e instituições que o consenso neoliberal procurava proibir os países em desenvolvimento de adotar eram as mesmas que os países ricos haviam usado quando estavam no mesmo estágio de crescimento. Com essas duas descobertas históricas, o desenvolvimentismo clássico passou por uma ressurgência, na medida em que os cinco livros confirmaram, em termos históricos, a importância da industrialização e da intervenção estatal moderada para o crescimento acelerado. Mas não representaram uma nova teoria: não ofereceram aos países em desenvolvimento uma boa explicação para suas dificuldades econômicas, nem um estratégia de como as enfrentar além daquelas propostas pelo desenvolvimentismo clássico. A única recomendação política era “adotar uma política industrial competente” - competente porque estratégica, porque condicionada à capacidade comprovada das empresas beneficiadas de competir no contexto da globalização.

INSTITUCIONALISMO NEOCLÁSSICO OU NOVO INSTITUCIONALISMO

No final da década de 1970, a economia neoclássica se tornou dominante nas universidades e, no começo dos anos 1980, o neoliberalismo se tornou a ideologia hegemônica entre os governos dos países ricos e as elites econômicas. Mas a ortodoxia liberal carecia de uma teoria histórica do desenvolvimento econômico. Podia apenas fiar-se em modelos abstratos, como o modelo Solow, principalmente, que trata de funções de produção, relacionando a acumulação de capital com o progresso técnico. Mais tarde, a economia neoclássica trabalharia com modelos de crescimento endógeno, mas eram modelos hipotético-dedutivos, meras funções de produção que poderiam ser sujeitadas a testes econométricos, mas não ofereciam real explicação sobre por que alguns países crescem e outros ficam para trás. O Banco Mundial, por sua vez, entrara em crise de identidade quando, no começo da década de 1980, o governo americano o obrigou a passar de um banco desenvolvimentista multilateral com políticas orientadas pela development economics para uma agência encarregada das reformas neoliberais - de mudar seu regime de política econômica de desenvolvimentista para liberal - usando o poder de seus empréstimos como “condicionantes”.15 15 Por meio do Plano Baker, de 1985, o Tesouro dos EUA conferiu formalmente esse papel ao Banco Mundial. Sobre a crise de identidade do Banco Mundial, ver Bresser-Pereira (1995), onde discuti essa grande mudança. O mainstream econômico retornara aos silogismos econômicos, a começar pelo modelo do equilíbrio geral e a lei das vantagens comparativas, que são modelos que, quando dogmaticamente entendidos, levam os formuladores de políticas a políticas equivocadas que podem ajustar a economia mas não a levam a se desenvolver. É significativo que o mesmo tenha se dado com os keynesianos, que logo passaram para os silogismos econômicos ignorando que o pensamento keynesiano é essencialmente histórico.16 16 Para levantamentos sobre esse assunto, ver, entre outros, Oreiro (2018).

Como conferir também uma perspectiva histórica à economia mainstream? Estritamente falando, isso seria impossível porque a economia neoclássica adota radicalmente o método hipotético-dedutivo. Mas encontrou-se, afinal, um meio-termo. Mancur Olson foi o primeiro a fazer uma tentativa relevante nesse sentido com The Rise and Decline of Nations (1982Olson, Mancur (1982) The Rise and Decline of Nations. New Haven: Yale University Press.), mas o que conseguiu foi uma crítica liberal radical da intervenção estatal, que seria determinada por “coalizões distributivas”, por grupos de interesses preocupados apenas com os próprios benefícios. Ele considera que as políticas protecionistas resultantes prejudicam o crescimento, mas encontrariam pouca resistência porque seus custos são distribuídos por toda a população. Seu raciocínio, contido, não era de fato histórico, mas essencialmente hipotético-dedutivo. Ele deduziu a impossibilidade de ação coletiva benéfica não da observação das experiências históricas, mas de sua “lógica da ação coletiva”,17 17 O título de seu livro anterior era The Logic of Collective Action (1965). segundo a qual o conceito de interesse público ou bem comum é inexistente e todos os agentes econômicos são, ao fim e ao cabo, caronistas.

Foi Douglass C. North, com seu livro Institutions, Institutional Change and Economic Performance (1990North, Douglass C. (1990) Institutions, Institutional Change and Economic Performance, Cambridge: Cambridge University Press .), complementado por um artigo de 1991, quem criou uma explicação histórica neoclássica do crescimento econômico. North era originalmente marxista, o que lhe conferia ampla perspectiva histórica. Primeiro, converteu-se em um cliometrista, ou seja, um historiador econômico que usa sistematicamente teorias e técnicas econômicas em seu trabalho; depois, muitos anos mais tarde, transformou-se em teórico econômico ao introduzir as instituições na economia neoclássica. O papel crucial das instituições no desenvolvimento econômico já era encontrado em Marx, na Escola Histórica Alemã (segunda metade do século 19) e na Escola Institucionalista Americana da virada do século 19, mas seu arcabouço teórico era muito diferente do da economia neoclássica, no sentido de que as instituições foram sempre consideradas endógenas ao processo histórico. Douglass North, sem ignorar a história, fez das instituições um produto de decisões políticas em determinados momentos cruciais e, assim, essencialmente exógenas. Por exemplo, em seu artigo de 1991, ele explica porque os Estados Unidos se desenvolveram e os países latino-americanos, não, através das oportunidades econômicas disponíveis e das decisões que a Inglaterra e a Espanha, respectivamente, tomaram no processo colonial, sendo as primeiras favoráveis ao respeito ao direito de propriedade e aos contratos, ao contrário das últimas. Isso faz pouco sentido quando estudamos a história como a dialética entre estruturas e instituições. De fato, os processos de colonização foram muito diferentes, mas não resultaram de decisões dos colonizadores. Mas observo que a retórica de North foi poderosa. Ele começa o livro com uma definição muito simples e capaz de instituições (“são as regras do jogo”), o que abrange o ordenamento jurídico (o Estado) e todas as demais normas formais e informais que regem a vida humana. E o faz como se ele, ou os economistas neoclássicos, estivessem “descobrindo” que as instituições existem e importam. Pouco diz sobre o Estado ou o Direito. Ignora que, nas sociedades capitalistas modernas, a principal instituição é o Estado, que é o ordenamento jurídico e a organização que o garante. O autor se interessa apenas pelas inovações institucionais (cita três: as que aumentaram a mobilidade do capital, as que reduziram os custos da informação, e as que distribuem riscos), que, segundo ele, permitira a ascensão das sociedades de mercado, ou seja, do capitalismo. Nessas sociedades, a importância do ordenamento jurídico, da garantia do direito de propriedade e dos contratos, se torna fundamental. Os estados-nação nasceram de uma aliança do monarca e de sua corte com a alta burguesia emergente. North oferece essa ideia à economia neoclássica, enquanto faz críticas relevantes a ela, mas essencialmente aceita o modo neoclássico de raciocinar, o papel dos custos de transação, o caráter exógeno das instituições, e adota um liberalismo radical que tomou a economia neoclássica na década de 1980. É claro que foi muito bem recebido pelo establishment econômico. Suas ideias foram incorporadas à ortodoxia liberal e seguidas por um grande número de estudos que adotaram a mesma abordagem, dentre os quais o mais interessante é o de Acemoglu, Johnson e Robinson (2005Acemoglu, Daron, Simon Johnson e James Robinson (2005) “Institutions as the fundamental cause of long-run growth”, in Philippe Aghion, Ufuk Akcigit & Peter Howitt, eds. Handbook of Economic Growth, Elsevier: 386-472.).

O PORQUÊ DA TEORIA NOVO-DESENVOLVIMENTISTA

Na década de 1980, os governos desenvolvimentistas da América Latina fracassaram na superação da Crise da Divida Externa e, nos anos 1990, curvaram-se à nova verdade vinda do Norte. Esses países não só se dedicaram às necessárias políticas de ajuste estrutural encabeçadas pelo FMI como também às reformas neoliberais coordenadas pelo Banco Mundial, cuja validade era questionável. Não surpreende que as reformas tenham sido adotadas, mas os países não tenham retomado o crescimento. Pelo contrário, o que se viu foi uma deterioração: maior instabilidade financeira, baixas taxas de crescimento e um aprofundamento da desigualdade. Por outro lado, nos anos 1980 e novamente na década de 2000, o desenvolvimentismo clássico foi incapaz de atingir resultados melhores. Isso significou que as principais escolas de pensamento à disposição dos países em desenvolvimento se revelavam impotentes para lhes oferecer orientação adequada. Isso era verdadeiro em relação às duas teorias históricas concorrentes do desenvolvimento econômico (o desenvolvimentismo clássico e o institucionalismo neoclássico) e também às duas teorias macroeconômicas concorrentes: a macroeconomia keynesiana e a macroeconomia neoclássica. Os países em desenvolvimento necessitavam, em especial, de uma macroeconomia do desenvolvimento.

É possível argumentar que a economia pós-keynesiana traga uma macroeconomia do desenvolvimento, mas seu mais conhecido modelo, a lei de Thirlwall (1979), nada mais é que uma formalização das duas elasticidades perversas de Prebisch. O modelo atraiu os pós-keynesianos porque torna o desenvolvimento dependente da demanda - essencialmente das exportações. A premissa é apenas parcialmente verdadeira, mas aceitemo-la. Ainda assim, a formalização revelou-se limitada em capacidade de explicação e rica na produção de interpretações incorretas e políticas equivocadas. A formalização permitiu um número infinito de estudos econométricos que confirmaram o óbvio - que a restrição de fato existe, ou seja, que o crescimento de um país é limitado pelas exportações de commodities cuja demanda tende a crescer a um ritmo menor do que o aumento de sua demanda por importações. Mas a única conclusão legítima que podemos extrair disso é a de que o país precisa se industrializar para superar a restrição e que isso exigira esforço extra. Em vez disso, Thirlwall e Hussain (1982Thirlwall, Anthony P. and M.N. Hussain (1982) “The balance of payments constraint, capital flows and growth rates differences between developing countries”, Oxford Economic Papers 34(3) November: 498-510.: 1) procuraram prever as taxas de crescimento dos países em desenvolvimento a partir da elasticidade-renda das importações de cada um deles, com resultados insatisfatórios.

O novo desenvolvimentismo foi uma reação a todos esses problemas. É um sistema teórico que explica o crescimento de alguns países em desenvolvimento e o não-crescimento de outros, em especial de países latino-americanos de renda média, que, contrariamente ao que acontece com os países do Leste da Ásia, são prejudicados pela doença holandesa e pela dependência em relação ao mundo rico. É um sistema essencialmente macroeconômico, não porque o lado da oferta não importe, mas porque, do lado da oferta, os países em desenvolvimento (exceto quando têm Estados predadores, que não são objeto deste artigo) já procuram a fazer o melhor que podem, enquanto no plano macroeconômico adotam políticas essencialmente equivocadas como o crescimento com poupança externa e a recusa de adotar uma política cambial. Estão verdadeiramente envolvidos no desenvolvimento da educação e da saúde, na construção das melhores instituições, no investimento em infraestrutura, na promoção da ciência e tecnologia, enquanto limitam-se à política macroeconômica ensinada nos livros-textos estrangeiros. E, porque os resultados de políticas microeconômicas só se verificam no longo prazo, enquanto boas políticas macroeconômicas produzem resultados quase imediatos.

Foi nesse contexto que um grupo crescente de economistas, principalmente do Brasil e da Argentina, começou a construir uma nova macroeconomia do desenvolvimento que veio a ser conhecida como novo desenvolvimentismo. Na década de 1980 houve uma primeira tentativa nesse sentido - um primeiro passo na construção de uma macroeconomia mais adaptada aos países em desenvolvimento. Refiro-me à teoria de inflação inercial - uma teoria crucial para o entendimento da resistência da inflação a políticas tanto keynesianas quanto neoclássicas e o controle da inflação elevada. Essa teoria teve como pioneiros Mario Henrique Simonsen (1970Simonsen, Mário Henrique (1970) Inflação: Gradualismo x Tratamento de Choque [Inflation: Gradualism x Shock Treatment], Rio de Janeiro: ANPEC.) e Felipe Pazos (1972Pazos, Felipe (1972) Chronic Inflation in Latin America, Nova York: Praeger Publishers.) e atingiu sua primeira formulação completa em Bresser-Pereira e Nakano (1983Bresser-Pereira, Luiz Carlos and Yoshiaki Nakano (1983 [1987]) “The theory of inertial or autonomous inflation”, in Luiz Carlos Bresser-Pereira and Yoshiaki Nakano (1987): The Theory of Inertial Inflation, Bolder: Lynne Rienner Publisher 65-82. Original in Portuguese, 1983, “Fatores aceleradores, mantenedores e sancionadores da inflação” [Accelerating, maintaining and sanctioning factors of inflation”].),18 18 Nesse artigo de 1983, Bresser-Pereira e Nakano distinguiram entre os fatores aceleradores, mantenedores e sancionadores da inflação: choques de oferta ou demanda e o conflito distributivo representando os fatores aceleradores, a indexação formal e informal da economia como fatores mantenedores e o caráter endógeno da moeda como fator sancionador. e Lara Resende e Arida (1984Arida, Pérsio and André L. Resende (1984 [1985]) “Inertial inflation and monetary reform”, in John Williamson, org. (1985) Inflation and Indexation: Argentina, Brazil and Israel. Washington: Institute for International Economics. Originally presented in November 1984.).19 19 Nesse artigo de 1984, Lara Resende e Arida propuseram a adoção de uma moeda indexada pra neutralizar o componente inercial da inflação, em lugar da tabela de conversão de contas a pagar.

Depois da crise argentina de 2001, a inflação elevada foi controlada na América Latina e o problema passou a ser a retomada do crescimento, interrompido vinte anos antes. Considerando o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) no Brasil, que adotou formalmente a política de crescimento com poupança externa, mas não conseguiu fazer o país retomar o crescimento, percebi que a política era essencialmente falha - havia uma relação inversa entre o déficit em conta corrente de um país e a taxa de câmbio. Quanto maior o déficit em conta corrente, mais apreciada a moeda nacional. Assim, quando o presidente Cardoso decidiu crescer com endividamento externo, decidiu implicitamente apreciar a moeda no longo prazo, encorajando o consumo e desencorajando o investimento. Em 2001, escrevi uma breve nota sobre o assunto e, no ano seguinte, um artigo em coautoria com Yoshiaki Nakano, “Crescimento econômico com poupança externa?”.20 20 Ver Bresser-Pereira (2001) e Bresser-Pereira e Nakano (2002; 2003). Em 2003, novamente com Nakano, escrevi um artigo sobre a economia brasileira em que traçamos forte crítica às elevadas taxas de juros praticadas pelo Banco Central do Brasil, o que abriu espaço para o primeiro debate público sério sobre o assunto.21 21 Ver http://bresserpereira.org.br/categoria/trabalhos-de-terceiros/debate-sobre-crescimento-com-estabilidade2001/.

Foi também em 2003 que usei pela primeira vez o termo “novo desenvolvimentismo” (Bresser-Pereira, 2003Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2003) Desenvolvimento e Crise no Brasil [Development and Crisis in Brazil], 5th edition, São Paulo: Editora 34, 2003. First edition, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.), não porque alguns países latino-americanos estivessem novamente adotando políticas desenvolvimentistas depois do evidente fracasso das reformas neoliberais da década de 1990 que derivaram do Consenso de Washington. Com efeito, diversos países adotaram políticas econômicas baseadas em uma abordagem desenvolvimentista, mas essas políticas eram uma combinação de desenvolvimentismo clássico e populismo econômico, em suas duas versões: populismo fiscal e populismo cambial. O novo desenvolvimentismo surgiu, portanto, para destacar sua diferença teórica em relação ao desenvolvimentismo clássico e sua rejeição do desenvolvimentismo populista, ou vulgar. Em 2006 publiquei o artigo “Novo desenvolvimentismo e ortodoxia convencional”, que atraiu interesse, mas principalmente por parte de cientistas políticos que o entenderam como uma generalização de uma forma real de formulação política, não como teoria. Entenderam as políticas que Lula no Brasil e os Kirschners na Argentina vinham praticando como um “novo desenvolvimentismo” em relação ao “nacional-desenvolvimentismo” que o precedeu e que foi predominante na América Latina da década de 1930 à de 1980. Esse mal-entendido se deu porque não fui claro o bastante a respeito. Em vez de confrontar o novo desenvolvimentismo e o desenvolvimentismo clássico, o comparei ao “antigo” desenvolvimentismo - este último com conotação negativa. Isso não ajudou o entendimento: agrupei os economistas que considerava meus mestres - aqueles com quem aprendi o desenvolvimento econômico, como Celso Furtado, Raúl Prebisch e Arthur Lewis - com práticas populistas que afligiram o desenvolvimentismo existente nos anos 1980 e novamente na década de 2000. Mesmo assim, o novo pensamento continuou a ganhar corpo. Em 2009, Robert Boyer o chamou de “Consenso de São Paulo”,22 22 Ver o prefácio de Robert Boyer para as edições francesa e portuguesa (2009) da Globalization and Competition, de Bresser-Pereira, publicado em inglês no ano seguinte sem este prefácio. e, em 2010, um grupo de 81 acadêmicos discutiram e aprovaram as Dez Teses sobre o Novo Desenvolvimentismo.23 23 Ver http://www.scielo.br/pdf/rep/v31n5/a11v31n5.pdf

INOVAÇÕES TEÓRICAS

Nos anos que se seguiram, a construção de um novo desenvolvimentismo avançou gradualmente e sua distinção em relação a tanto o desenvolvimentismo clássico quanto o desenvolvimentismo vigente tornou-se cada vez mais clara.24 24 A exposição mais completa da macroeconomia novo-desenvolvimentista está em Bresser-Pereira, Marconi e Oreiro (2014; 2016). Cito, ainda, a edição de 2016 em português do livro porque o novo desenvolvimentismo é um trabalho em andamento e a edição em português é mais completa por ter sido publicada dois anos mais tarde. A economia política do novo desenvolvimentismo encontra-se principalmente em Bresser-Pereira (2016; 2017). Opõe-se obviamente à economia neoclássica e à ortodoxia liberal. Quanto ao desenvolvimentismo clássico, é mais um acréscimo do que uma substituição. Suas principais inovações teóricas obedeceram a uma sequência temporal: (a) de 2001-2006, o modelo que rejeitava o crescimento com poupança externa, uma vez que os influxos adicionais de capital apreciam a moeda nacional, encorajam o consumo, desencorajam o investimento e resultam em uma elevada taxa de substituição de poupança interna por externa; (b) entre 2007 e 2008, o modelo da doença holandesa, inclusive a definição dos equilíbrios corrente e industrial, sua neutralização por meio de um imposto sobre a exportação das commodities que causam a doença e o subsequente superávit em conta corrente; (c) em 2008, o modelo de tendência cíclica e crônica de supervalorização da taxa de câmbio, demonstrando que (c1) a taxa de câmbio não é apenas volátil, mas que a volatilidade se dá em um sentido, (c2) ocorre entre duas crises financeiras, que causam forte depreciação e se devem principalmente à política de crescimento com dívida externa, (c3) entre elas e por diversos anos, a taxa de câmbio se mantém supervalorizada, (c4) por causa disso, e levando em conta tal taxa de câmbio apreciada, as empresas fazem seus cálculos e não investem em produção industrial, o que explica porque a taxa de câmbio é determinante da taxa esperada de lucro e, portanto, da taxa de investimento, tornando-se, assim, uma variável crucial do processo de crescimento dos países em desenvolvimento; (d) no começo da década de 2000, a ideia de que, para crescer, o país precisa garantir que sejam mantidos corretos os cinco preços macroeconômicos (as taxas de juro, de câmbio, salarial, de lucro e de inflação), mas que o mercado decerto não e capaz de dar essa garantia; (e) a percepção de que os preços econômicos corretos foram essenciais para o catching up dos países da Ásia Oriental e o endosso da política industrial, desde que não seja compreendida como substituta, mas como complemento de uma política macroeconômica competente; (f) em 2013, o conceito do valor da taxa de câmbio em torno doa qual a taxa de câmbio flutua de acordo com a demanda e oferta de moeda estrangeira, que variam de acordo com diversos fatos, inclusive as variações dos termos de troca e dos fluxos de capital; (g) e 2015, o modelo que explica o valor da taxa de câmbio por meio das variações do índice do custo unitário do trabalho do país em relação aos seus principais concorrentes e as variações do equilíbrio corrente, além das variações dos termos de troca; (h) em 2016, a conclusão do modelo de determinação da taxa de câmbio, cujo componente estrutural é o valor da moeda estrangeira e em que, além de outras variáveis aleatórias, a demanda e a oferta de moeda estrangeira variam de acordo com três políticas frequentemente adotadas por países em desenvolvimento: a política de crescimento com poupança externa (e os decorrentes influxos de capital permanentemente superiores às saídas); a política de se usar a taxa de câmbio como âncora inflacionária; e a política de taxas de juro elevadas, que atrai fluxos de capital e é instrumental em relação às duas primeiras.

As inovações microeconômicas são mais limitadas. O novo desenvolvimentismo tomou emprestado da economia política clássica (a teoria do valor-trabalho e a tendência à paridade das taxas de lucro) e, do desenvolvimentismo clássico, a definição de crescimento como industrialização e, com menor ênfase do que a que ocorre no desenvolvimentismo clássico, a defesa da política industrial. O novo desenvolvimentismo como um todo nunca inicia seu raciocínio a partir do modelo do equilíbrio geral ou da competição pura porque presume mercados competitivos, ou relativamente livres, mas distingue nas economias capitalistas modernas um setor competitivo e outro não-competitivo - e defende que para o segundo, formado pelas empresas de infraestrutura e insumos básicos e pelos grandes bancos (“too big to fail”), planejamento econômico e regulação rígida.

O novo desenvolvimentismo conta, ainda, com uma economia política, entendida a expressão como as relações entre o mercado, o Estado e a política. Alguns deles já eram parte do desenvolvimentismo clássico, mas permanecem importantes no arcabouço novo-desenvolvimentista: (a) a identificação do início do desenvolvimento econômico com a formação do estado-nação e a revolução industrial, duas grandes mudanças históricas que formaram a revolução capitalista de cada país; (b) a distinção entre populismo econômico e populismo político, e a identificação do populismo econômico não só como fiscal (o Estado gastar irresponsavelmente mais do que arrecada), mas também, se não principalmente, populismo cambial: o Estado gastar mais do que arrecada e incorrer em déficits de conta corrente; (c) a afirmação da possibilidade de uma coalizão de classes desenvolvimentista, apesar da natureza ambígua e contraditória dos empresários latino-americanos; (e) a definição do Estado desenvolvimentista como um Estado que intervém moderadamente na economia (pratica política industrial) e, embora coopere com outros países, adota o nacionalismo econômico.

A esse conhecimento preexistente sobre economia política precisamos acrescentar outros componentes novo-desenvolvimentistas, que também podem ser apresentados sequencialmente: (a) de 2006 a 2009, a definição da globalização como competição não só entre empresas, mas também entre estados-nação, induzindo uma prática imperial por parte dos países mais ricos e poderosos, o que explica porque os países em desenvolvimento devem recorrer ao nacionalismo econômico para crescer; (b) de 2010 a 2014, a definição mais precisa de Estado desenvolvimentista, que se caracteriza não só por nacionalismo econômico e intervenção moderada do Estado na economia, mas também, se não principalmente, por uma política macroeconômica ativa que mantenha corretos os cinco preços macroeconômicos, em especial uma política de taxa de câmbio; (c) em 2014, a classificação do Estado desenvolvimentista segundo quatro modelos, de acordo com sua situação central ou periférica e seu grau de autonomia: o modelo central original da Inglaterra e da França; o modelo central tardio da Alemanha e dos Estados Unidos; o modelo periférico independente do Ásia Oriental; e o modelo periférico nacional-dependente do Brasil e da África do Sul; (d) em 2015-2016, a definição do desenvolvimentismo como a forma de organização econômica e política do capitalismo alternativa ao liberalismo econômico, e a definição das fases do capitalismo nos países originais como sendo: mercantilismo, ou primeiro desenvolvimentismo; liberalismo econômico; os Anos Dourados do Capitalismo, ou segundo desenvolvimentismo; e neoliberalismo; (e) no mesmo período, a definição do desenvolvimentismo como forma padrão de capitalismo, na medida em que não só os países centrais originais, mas todos os demais, foram desenvolvimentistas quando se industrializaram; (f) em 2017, a definição do capitalismo contemporâneo como um capitalismo rentista-financeiro e das fases do capitalismo de acordo com a coalizão de classes dominante: capitalismo clássico, ou dos empresários; capitalismo tecnoburocrático, onde a tecnoburocracia substitui os empresários na administração das empresas; e capitalismo rentista-financeiro, em que os herdeiros e especuladores substituem os empreendedores como proprietários das empresas, enquanto seus financistas gerenciam sua riqueza e representam o papel de intelectuais orgânicos.

Considerando essas novas contribuições, podemos comparar o desenvolvimentismo clássico e o novo desenvolvimentismo:

  • objeto principal do desenvolvimentismo clássico são os países pré-industriais, enquanto o do novo desenvolvimentismo são os países de renda média, que já fizeram sua revolução industrial e capitalista;

  • desenvolvimentismo clássico não contava com uma macroeconomia e reproduziu a pós-keynesiana,25 25 Exceto em relação à “teoria estruturalista da inflação”, cujo alcance acabou se revelando limitado. ao passo que o novo desenvolvimentismo conta com uma macroeconomia própria;

  • desenvolvimentismo clássico se baseava na tese da indústria nascente e defendia uma estratégia de substituição de importações, enquanto o novo desenvolvimentismo presume que os países de renda média podem e devem exportar bens manufaturados.26 26 O pessimismo do desenvolvimentismo clássico em relação às exportações de bens manufaturados foi um grande erro cometido pelos economistas desenvolvimentistas latino-americanos. Quando, em 1967, o Brasil abandonou esse pessimismo e criou um subsídio às exportações que neutralizou a doença holandesa do lado das exportações (elevadas tarifas já o neutralizavam no mercado doméstico), as exportações brasileiras de manufaturados explodiram. Foram de 6% do PIB em 1965 a 62% em 1990.

  • desenvolvimentismo clássico defendia o protecionismo, enquanto o novo desenvolvimentismo exige, essencialmente, o nivelamento das condições para o setor industrial - algo que o mercado não garante;

  • desenvolvimentismo clássico defendia uma moeda supervalorizada e elevados impostos sobre a importação, enquanto o novo desenvolvimentismo defende mercados relativamente abertos em uma taxa de câmbio correta, ou competitiva, que somente se pode atingir com uma taxa de juro baixa e, nos países exportadores de commodities, com um imposto variável sobre exportações dessas commodities para neutralizar a doença holandesa;

  • desenvolvimentismo clássico defendia a política de crescimento com endividamento externo, enquanto o novo desenvolvimentismo a rejeita e defende contas correntes equilibradas, ou, quando o país enfrenta a doença holandesa, superavitárias;27 27 No modelo do big push de Rosenstein-Rodan (1943), que fundou o desenvolvimentismo clássico, os investimentos enormes e simultâneos que se beneficiariam de externalidades cruzadas, se tornariam internacionalmente competitivos e desencadeariam o crescimento econômico seriam financiados com moeda estrangeira. Alguns economistas desenvolvimentistas defenderam algumas condições para a admissão de capitais estrangeiros, mas nenhum deles rejeitava o endividamento externo. Até 1970, encaravam a escassez de capitais estrangeiros como um grande obstáculo ao crescimento. Quando, depois do primeiro choque do petróleo, em 1973, os grandes bancos privados internacionais retomaram o financiamento de países latino-americanos, que estava indisponível desde o crash de 1929 e a Grande Depressão, os economistas desenvolvimentistas brasileiros comemoraram as “boas novas”.

  • desenvolvimentismo clássico defendia a estratégia de substituição de importações, enquanto o novo desenvolvimentismo defende o crescimento baseado na exportação de bens manufaturados e, assim, a integração competitiva nos mercados internacionais;

  • desenvolvimentismo clássico era cético em relação à política cambial, preferindo tarifas elevadas,28 28 Ver Bresser-Pereira e Rugitsky (2018). O artigo contém citações de Prebisch que demonstram claramente tal ceticismo. enquanto o novo desenvolvimentismo tem uma teoria sobre a determinação da taxa de câmbio e confere à política cambial um papel central na garantia de igualdade de condições competitivas para as empresas nacionais.

E podemos comparar a economia novo desenvolvimentista com a economia pós-Keynesiana. Sua macroeconomia, apesar de baseada na macroeconomia pós-Keynesiana, tem como características distintas:

  • O uso dos cinco preços macroeconômicos;

  • O foco na taxa de câmbio e na conta corrente;

  • Uma nova teoria de determinação da taxa de câmbio

  • A tendência à sobreapreciação cíclica e crônica da taxa de cambio, a sobreapreciação de longo prazo causada por uma doença holandesa não neutralizada e a política habitual de adotar uma taxa de juros de longo prazo elevada com o objetivo de atrair capital estrangeiro.

  • A crítica à política de crescimento com poupança externa, que, ao invés de causar o aumento da taxa de investimento, causa um aumento não sustentável de salários e das receitas dos capitalistas rentistas, e, consequentemente, do consumo

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  • 1
    Os economistas neoclássicos naturalmente negam esse fato enquanto se dedicam a testes econométricos, mas o fato é que quando as pesquisas e a instabilidade intrínseca do sistema capitalista falsificam seus modelos, eles afirmam que rejeitar a teoria logicamente coerente seria um “falsificacionismo ingênuo” (Popper 1934Popper, Karl R. (1934 [1957]) The Logic of Scientific Discovery, London: Hutchinson. German original, 1934.), e ficam com ela.
  • 2
    Sobre a oposição entre o método histórico e o hipotético-dedutivo e sobre a distinção entre modelos históricos e silogismos econômicos, ver Bresser-Pereira (2009Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2009) “The two methods and the hard core of economics”, Journal of Post Keynesian Economics 31(3) Spring: 493-522.; 2017Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2017) “Historical models and economic syllogisms”, Journal of Economic Methodology, 25, 2018: 68-82. https://doi.org/10.1080/1350178X.2017.1368091
    https://doi.org/10.1080/1350178X.2017.13...
    ).
  • 3
    Há outras teorias econômicas históricas, especialmente a economia política marxista, a escola histórica alemã, o institucionalismo americano e a escola schumpeteriana. Neste livro, usarei, também, suas contribuições.
  • 4
    A Índia era colônia do Reino Unido; o Japão foi uma quase colônia dos Estados Unidos entre 1854 e 1868, quando ocorreu a restauração Meiji; e o Brasil foi uma colônia informal dos países centrais desde sua independência formal (1822) até a Revolução de 1930.
  • 5
    Na verdade, Keynes não distingue na Teoria Geral entre a economia clássica e a neoclássica, uma vez que as duas operam pelo lado da oferta, tendo como premissa a lei de Say, segundo a qual a oferta cria a própria demanda.
  • 6
    A teoria da dependência, que discutirei no capítulo @@, procurava desqualificar a dupla natureza dos países em desenvolvimento antes da conclusão de sua revolução capitalista com o argumento de que as sociedades em desenvolvimento nasciam capitalistas. Isso faz pouco sentido.
  • 7
    Ele reafirmaria essa posição mais tarde (1959: 251): “a industrialização é uma parte inescapável do processo de mudança que acompanha um aumento gradual da renda per capita.”
  • 8
    A acumulação primitiva foi classicamente analisada por Marx no capítulo 24 do primeiro volume d’O Capital. O lucro, ou valor excedente, era obtido no mercado pelos capitalistas, mas para isso era necessária uma acumulação prévia de capital por meio de violência ou força. Assim, o capitalismo era precedido de uma acumulação primitiva que Marx descreve detidamente no capítulo mencionado.
  • 9
    Foi essa a origem do conceito de “polos de desenvolvimento” de François Perroux (1955Perroux, François (1955) «Note sur la notion de pôle de croissance”, Economie Appliquée 8, Séries D, January 1955.) e da farta literatura sobre clusters ou arranjos produtivos locais (Wilson Suzigan et al., 2004Suzigan, Wilson, João Furtado, Renato Garcia e João Sampaio (2004) “Clusters or local systems of production: mapping, typology and policy suggestions”, available at Econstor, https://www.econstor.eu/bitstream/10419/117079/1/ERSA2004_267.pdf. In Portuguese, in the Brazilian Journal of Political Economy: 2004, 24(4): 543-562.
    https://www.econstor.eu/bitstream/10419/...
    ).
  • 10
    Esses intelectuais publicaram entre 1952 e 1954 os cinco números do periódico Cadernos do Nosso Tempo e, em 1955, formaram o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB).
  • 11
    Mauro Boianovsky (2012Boianovsky, Mauro (2012) “Celso Furtado and the structuralist-monetarist debate on economic stabilization in Latin America”, in History of Political Economy 44(2): 277-330.: 282).
  • 12
    O regime de políticas é um conceito desenvolvido por Adam Przeworski (2001Przeworski, Adam (2001) “How many ways can be third?”, in Andrew Glyn, ed. (2001) Social Democracy in Neoliberal Times, Oxford: Oxford University Press: 312-333.), enquanto Bresser-Pereira (2001aBresser-Pereira, Luiz Carlos (2001a) “The new left viewed from the south”, in Anthony Giddens, ed. (2001) The Global Third Way Debate. Cambridge: Polity Press: 258-371.), escrevendo sobre a “nova esquerda”, observou que na década de 1980 “o centro político se deslocou para a direita” e os países social-democratas adotaram políticas muito parecidas com as dos liberais, enquanto o contrário ocorreu no período pós-guerra: os partidos políticos conservadores participaram da construção do estado social e desenvolvimentista.
  • 13
    Ainda assim, Keynes permaneceu relativamente presente no mainstream porque se dividia entre uma corrente radicalmente liberal formada pelos economistas monetaristas, neoclássicos e da escola austríaca, e a escola neo-keynesiana, que é basicamente hipotético-dedutiva e neoclássica, mas guarda espaço para a demanda e reconhece maiores falhas de mercado.
  • 14
    Esta seção recorre a Bresser-Pereira e Rugitsky (2017Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2017) “Historical models and economic syllogisms”, Journal of Economic Methodology, 25, 2018: 68-82. https://doi.org/10.1080/1350178X.2017.1368091
    https://doi.org/10.1080/1350178X.2017.13...
    ).
  • 15
    Por meio do Plano Baker, de 1985, o Tesouro dos EUA conferiu formalmente esse papel ao Banco Mundial. Sobre a crise de identidade do Banco Mundial, ver Bresser-Pereira (1995Bresser-Pereira, Luiz Carlos (1995) “Development economics and World Bank’s identity crisis”, Review of International Political Economy 2(2) Spring 1995: 211-247. ), onde discuti essa grande mudança.
  • 16
    Para levantamentos sobre esse assunto, ver, entre outros, Oreiro (2018Oreiro, José Luis (2018) Macrodinâmica Pós-Keynesiana: Crescimento e Distribuição de Renda. Rio de Janeiro: Alta Books.).
  • 17
    O título de seu livro anterior era The Logic of Collective Action (1965).
  • 18
    Nesse artigo de 1983, Bresser-Pereira e Nakano distinguiram entre os fatores aceleradores, mantenedores e sancionadores da inflação: choques de oferta ou demanda e o conflito distributivo representando os fatores aceleradores, a indexação formal e informal da economia como fatores mantenedores e o caráter endógeno da moeda como fator sancionador.
  • 19
    Nesse artigo de 1984, Lara Resende e Arida propuseram a adoção de uma moeda indexada pra neutralizar o componente inercial da inflação, em lugar da tabela de conversão de contas a pagar.
  • 20
    Ver Bresser-Pereira (2001Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2001b) “A fragilidade que nasce da dependência da poupança externa” [The fragility resulting from the dependency on foreign savings], Valor 1000, September: 34-38. ) e Bresser-Pereira e Nakano (2002Bresser-Pereira, Luiz Carlos and Yoshiaki Nakano (2002) “Uma estratégia de desenvolvimento com estabilidade”, Revista de Economia Política 21(3): 146-177. ; 2003Bresser-Pereira, Luiz Carlos and Yoshiaki Nakano (2003) “Economic growth with foreign savings?” Brazilian Journal of Political Economy 22(2) April 2003: 3-27. In English, in the website edition; in Portuguese, in the printed edition. ).
  • 21
  • 22
    Ver o prefácio de Robert Boyer para as edições francesa e portuguesa (2009) da Globalization and Competition, de Bresser-Pereira, publicado em inglês no ano seguinte sem este prefácio.
  • 23
  • 24
    A exposição mais completa da macroeconomia novo-desenvolvimentista está em Bresser-Pereira, Marconi e Oreiro (2014; 2016). Cito, ainda, a edição de 2016 em português do livro porque o novo desenvolvimentismo é um trabalho em andamento e a edição em português é mais completa por ter sido publicada dois anos mais tarde. A economia política do novo desenvolvimentismo encontra-se principalmente em Bresser-Pereira (2016; 2017Bresser-Pereira, Luiz Carlos (2017) “Historical models and economic syllogisms”, Journal of Economic Methodology, 25, 2018: 68-82. https://doi.org/10.1080/1350178X.2017.1368091
    https://doi.org/10.1080/1350178X.2017.13...
    ).
  • 25
    Exceto em relação à “teoria estruturalista da inflação”, cujo alcance acabou se revelando limitado.
  • 26
    O pessimismo do desenvolvimentismo clássico em relação às exportações de bens manufaturados foi um grande erro cometido pelos economistas desenvolvimentistas latino-americanos. Quando, em 1967, o Brasil abandonou esse pessimismo e criou um subsídio às exportações que neutralizou a doença holandesa do lado das exportações (elevadas tarifas já o neutralizavam no mercado doméstico), as exportações brasileiras de manufaturados explodiram. Foram de 6% do PIB em 1965 a 62% em 1990.
  • 27
    No modelo do big push de Rosenstein-Rodan (1943Rosenstein-Rodan, Paul (1943) “Problems of industrialization in Eastern Europe and South-Eastern Europe”, Economic Journal 53, June 1943: 202-211.), que fundou o desenvolvimentismo clássico, os investimentos enormes e simultâneos que se beneficiariam de externalidades cruzadas, se tornariam internacionalmente competitivos e desencadeariam o crescimento econômico seriam financiados com moeda estrangeira. Alguns economistas desenvolvimentistas defenderam algumas condições para a admissão de capitais estrangeiros, mas nenhum deles rejeitava o endividamento externo. Até 1970, encaravam a escassez de capitais estrangeiros como um grande obstáculo ao crescimento. Quando, depois do primeiro choque do petróleo, em 1973, os grandes bancos privados internacionais retomaram o financiamento de países latino-americanos, que estava indisponível desde o crash de 1929 e a Grande Depressão, os economistas desenvolvimentistas brasileiros comemoraram as “boas novas”.
  • 28
    Ver Bresser-Pereira e Rugitsky (2018Bresser-Pereira, Luiz Carlos and Fernando Rugitsky (2018) “Industrial policy and exchange rate skepticism?”, Cambridge Journal of Economics, 42(3), April 2018: 617-632.). O artigo contém citações de Prebisch que demonstram claramente tal ceticismo.
  • 59
    Classificação JEL: O10; O11; B29.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Maio 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    14 Jul 2018
  • Aceito
    10 Set 2018
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