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O Brasil num cruzamento: dívida externa e exaustão fiscal* * Agradeço aos professores William Goldsmith e Thomas Davis, da Universidade de Cornell, por colocarem em xeque várias das minhas ideias, forçando-me a expressá-las com mais clareza. Agradeço também aos comentários de Adrienne Cheasty e às sugestões de dois pareceristas anônimos desta revista. A responsabilidade usual de autoria se aplica.

Brazil at the crossroad: foreign debt and fiscal exhaustion

RESUMO

A crise da dívida causou um grande retrocesso no desenvolvimento econômico do Brasil na década de 1980. As políticas de estabilização baseadas na contração da demanda agregada produziram um desempenho econômico geral estagnado que alterna períodos de recessão com períodos de crescimento e inflação galopante. As tentativas de ajuste implicaram um quase esgotamento das finanças do setor público e acrescentaram distorções no padrão de financiamento da economia. Enquanto o “problema das transferências” pode ser potencialmente resolvido no lado real, no lado fiscal os obstáculos são reais e podem de fato levar à estagnação na década de 1990. Este artigo sugere uma ação concertada para promover o crescimento; um que envolve um estímulo à produção de bens comerciáveis através de uma política de investimentos e uma nova abordagem das políticas comercial e cambial, e um reembolso das dívidas interna e externa do setor público para ajudar a resolver a desordem financeira do Governo.

PALAVRAS-CHAVE:
Crise da dívida; dívida externa; estabilização; crescimento econômico

ABSTRACT

The debt crisis caused a major setback in Brazil’s economic development in the 1980s. Stabilization policies based on contracting aggregate demand have produced an overall stagnant economic performance that alternates periods of recession with periods of growth cum rampant inflation. The attempts of adjustment have implied a near exhaustion of the public sector finances and have added distortions in the pattern of financing the economy. While the “transfer problem” can be potentially settled on the real side, on the fiscal side obstacles are real and may indeed lead to stagnation in the 1990s. This paper suggests a concerted action to promote growth; one that involves a stimulus to the production of tradeables through an investments policy and a new approach to commercial and the exchange rate policies, and a refunding of the domestic and the external debts of the public sector to help solve the financial disarray of the Government.

KEYWORDS:
Debt crisis, external debt; stabilization; economic growth

A crise da dívida externa causou um retrocesso grave no desenvolvimento econômico do Brasil nos anos oitenta. Em sentido mais estrito, esta crise representou uma redução significativa dos créditos externos e o pagamento de uma conta elevada de juros. Em sentido mais amplo, a crise implicou o esgotamento do padrão de financiamento que fora formado na década de setenta. Os resultados foram o agravamento da inflação, um quadro crítico das finanças públicas e uma performance econômica geral estagnada, que alterna períodos de recessão com períodos de crescimento e inflação fora do controle.

Para fazer frente à crise, o Brasil, assim como vários outros países em desenvolvimento, adotou políticas de estabilização baseadas na contração da demanda interna. Em 1985, essas políticas foram abandonadas devido à forte oposição política causada pelo desemprego e a recessão. Entretanto, dada a sequência de políticas contrastantes e desconectadas de 1985 a 1988, o País termina a década com uma crise mais profunda que a do início do período. Na frente externa, as negociações contínuas com os bancos credores para a renovação de empréstimos vencidos não levaram à retomada dos créditos voluntários e tampouco normalizaram as relações com a comunidade bancária internacional. No lado interno, a sequência sem rumo de políticas implicou, além da inflação, grande aumento do endividamento do setor público e produziu uma situação limite de quase-exaustão das finanças públicas. Todos esses elementos colocam em risco o potencial de desenvolvimento do País e mostram que a estratégia do muddling through não ajustou a economia. Infere-se daí que, sem medidas mais profundas e coerentes, a sombra da estagnação crônica que afeta economias vizinhas é uma possibilidade real para o Brasil dos anos noventa.

Discute-se neste texto o desajustamento da economia brasileira trazido pela sequência de políticas conflitantes para “ajustar” a economia e como a crise da dívida externa se relaciona com a exaustão do padrão de financiamentos da economia. O primeiro item é enfocado na seção inicial, revendo-se os aspectos básicos da evolução da economia do Brasil nos anos oitenta. Na segunda seção define-se o que é o problema do financiamento e a necessidade de sua redefinição. A seção final delineia uma estratégia coordenada de ajustamento com crescimento para enfrentar esses problemas. A ação proposta procura preservar um certo nível de superavit comercial (que junto com a renegociação da dívida externa leve à diminuição do estoque pendente da dívida) e, ao mesmo tempo, estabelecer um novo padrão de financiamentos que permita resolver o desarranjo das finanças públicas e retomar os investimentos.

1. PERFORMANCE DA ECONOMIA BRASILEIRA E A DÍVIDA EXTERNA

A economia brasileira teve um crescimento vigoroso nos anos setenta. A taxa média de crescimento anual do PIB foi 8,7% em termos reais, liderada pela expansão do setor industrial. A produção da indústria cresceu por um fator de 2,4 entre 1970 e 1980. O avanço do parque industrial foi diversificado e completou-se a instalação de um setor de bens de capital moderno e de dimensão razoável. A renda per capita, em dólares de 1986, passou de US$ 1382 em 1970 para US$ 2486 em 1980 (dados do BID, 1987, p. 2). O valor das exportações cresceu à taxa anual de 11,7%, descontada a inflação internacional, e manteve uma razão mais ou menos estável de 7% em relação ao PIB. O crescimento, portanto, foi baseado na expansão do mercado interno, corroborado pelo aumento das exportações.

Na segunda metade dos anos setenta fez-se um esforço significativo para adaptar a economia ao primeiro choque do petróleo.1 1 Ver Malan e Bonelli (1983) e Castro e Souza (1986). A promoção das exportações por meio de subsídios à exportação de manufaturados e a substituição de importação nas áreas de energia, bens de capital e insumos intermediários foi concebida como uma estratégia de longo prazo para equilibrar as contas externas sem deter o crescimento interno. Em retrospectiva, pode-se dizer que a estratégia deu resultados nesses setores, aumentando suas capacidades produtivas, mas ao custo de elevado endividamento externo.

O financiamento externo esteve disponível em abundância e com facilidade ao longo da década passada, refletindo o excesso de liquidez do sistema financeiro internacional. A disponibilidade de financiamentos externos facilitou a superação do hiato potencial de divisas e ajudou a sustentar o crescimento após o primeiro choque do petróleo. E houve exageros; por exemplo, o influxo de créditos entre 1970 e 1973 superou a necessidade de recursos externos do País, sendo que o excesso de fundos emprestados foi usado para aumentar as reservas internacionais (ver a Tabela 1).2 2 Os recursos externos são úteis para o desenvolvimento porque a economia em desenvolvimento possui áreas com potenciais para investimentos lucrativos e necessita importar máquinas, porém não acumulou capital em volume suficiente para aproveitar com rapidez estas oportunidades. Quando bem utilizada, a poupança externa (quer sob a forma de investimentos diretos, quer de financiamentos) permite crescimento mais rápido do que seria possível apenas com os recursos domésticos. Ademais, muitas vezes os investimentos estrangeiros trazem práticas de gestão e tecnologias modernas, ou seja, trazem externalidades positivas. Por outro lado, o uso desses recursos gera como contrapartida uma saída de divisas. Isto impõe uma regra: captar poupança externa apenas quando a perspectiva de lucratividade de um projeto supera o seu custo de oportunidade, ou o fluxo de saída de divisas, que se antecipa. Por sua vez, isto sugere que os recursos sejam usados em áreas que direta ou indiretamente possibilitem maior geração de divisas. A questão é diferente se o financiamento externo for para atividades que não requerem importação. Neste caso, se o Banco Central não tiver utilização para os dólares, estes se acrescentarão às reservas; no entanto, se o Banco Central está carente de moedas fortes, os dólares podem ser utilizados para pagar compromissos externos. Aqui o em­préstimo financia o balanço de pagamentos (e o orçamento do Governo quando é este quem empresta). Sobre o papel da poupança externa no desenvolvimento, ver Chenery (1979) e a recente resenha de Cardoso e Dornbusch (1988); sobre a relação entre variá­veis externas e internas ver Dornbusch (1988).

Tabela 1:
Brasil: Balanço de Pagamentos - Resumo Analítico

Mas entre 1974 e 1976, e novamente entre 1979 e 1980, o Brasil teve dispêndios elevados com as importações de petróleo e de bens de capital e isto acarretou déficits elevados no saldo em conta corrente. A Tabela 1 mostra um sumário analítico do balanço de pagamentos do Brasil de 1970 a 1988, em valores constantes de 1988 para permitir uma melhor comparação. Observa-se pela Tabela 1 que a dívida externa brasileira é principalmente devida ao déficit nas contas de serviços (déficit acumulado de US$ 203 bilhões entre 1970-88). Em particular, a rolagem contínua das dívidas antigas, junto com a capitalização dos juros, implicou pesada conta de serviços financeiros. Esta conta mostra nitidamente o impacto das taxas de juros internacionais mais elevadas praticadas após 1979, dobrando de tamanho em relação ao período anterior.3 3 Esta observação é um argumento forte contra a capitalização dos juros como solução da crise da dívida externa. Esta crise requer a redução do estoque acumulado de dívidas passadas. Os dados mostram ainda que o período de maior expansão da dívida foi 1974-78, seguindo-se um período de rápida desaceleração do endividamento.

Os eventos negativos da economia internacional em 1979 tiveram um impacto forte sobre a economia brasileira. O agravamento da inflação internacional, o novo choque do petróleo e as medidas recessivas tomadas pelos países industrializados produziram um quadro muito desfavorável. A mudança da política monetária americana merece menção especial pela sua importância. A nova política monetária do FED causou um aumento significativo das taxas de juros internacionais e levou os países industrializados à recessão mais forte do após-guerra. A elevação dos juros internacionais4 4 A taxa prime cobrada pelos bancos americanos dos principais emprestadores passou de 8,7% entre 1975-79 para 14,4% entre 1980-84. Deflacionando esta taxa pelo preço das exportações não-petróleo dos países em desenvolvimento, a taxa de juros real pulou de 5,7% para 18,8% ao ano (dados do World Economic Survey (1986), p. 174). (junto com o crescimento do preço do petróleo) foi prejudicial ao Brasil devido ao estoque acumulado de dívidas e porque junto com a recessão internacional caíram os preços das exportações locais. Já em 1980 o País teve dificuldade para financiar o déficit nas contas correntes, e os credores, preocupados com o crescimento da dívida, demandaram medidas de austeridade. Uma política contracionista foi adotada na segunda metade daquele ano, marcando o início das políticas de estabilização centradas na contração da demanda, que foram mantidas até meados de 1984. Os custos sociais destas políticas foram elevados e seus resultados econômicos, questionáveis. Por este motivo, foram abandonadas em 1985 pelo novo governo civil.

A política econômica brasileira nos anos oitenta tem sido uma sucessão de tentativas para ajustar a economia, mudando-se a ênfase entre o objetivo de equilíbrio externo e interno. Períodos de redução da absorção para equilibrar as contas externas são seguidos por períodos de expansão da demanda interna para conter o desemprego ou então por programas de congelamento de preços para combater a inflação. A sucessão de planos e programas com ênfases contrastantes e terapias opostas deixou a economia sem equilíbrio interno (em 1988 a inflação de dezembro a dezembro ultrapassou 1000%) e sem equilíbrio externo (ou com uma estratégia de longo prazo para lidar com a dívida externa)5 5 A renda per capita, segundo BID (1987), foi de US$ 2525 em 1986 (a preços de 1986). Extrapolando-se, a renda em 1988 foi de US$ 2501, praticamente a mesma renda per capita de 1980 (US$ 2486). 1989 deve trazer queda desta renda, o que fará com que o País termine a década com renda per capita menor que a do seu início. . Os indicadores da performance da economia brasileira nos anos oitenta estão reportados na Tabela 2. A Tabela 3 traz alguns dados sobre os indicadores sociais. Pela limitação de espaço, deixamos de fazer referências mais longas a estas e às demais tabelas, embora sugira-se seu exame atento pelo leitor. A política econômica de 1981 a 1988 pode ser dividida em seis fases, contrastando-se seus objetivos.

Tabela 2:
Brasil: Principais Indicadores Econômicos
Tabela 3:
Desemprego, Salários, Concentração da Renda e Pobreza
  • - 1981-1982: tentativa de ajustamento da economia através da contenção da demanda interna causando um período de recessão e desemprego urbano elevado. A drástica redução nos financiamentos externos voluntários foi contraposta pela redução da absorção doméstica (com políticas monetária e fiscal restritivas). O setor público foi sobrecarregado com o ajustamento devido à elevação dos juros sobre suas dívidas interna e externa e por ter internalizado como passivo do Banco Central parte da dívida externa privada. Ao mesmo tempo, a recessão acarretou uma redução da arrecadação tributária e com isto cresceu o déficit público.

  • - 1983-1984: política de estabilização ortodoxa sob a égide de um acordo com o FMI. O principal impacto sobre a economia foi o agravamento da recessão em 1983. As negociações externas, conduzidas de modo bastante apressado no final de 1982, baseavam-se na suposição de que um “pacote” de financiamentos seria obtido sem maiores dificuldades, mas isto se mostrou irreal já no início de 1983. Em decorrência, o País passou a ter uma crise cambial aberta que perdurou até 1984, quando se chegou a um novo acordo com os credores. O gasto público real foi cortado, embora a maior parte dos cortes tenham recaído sobre o investimento público. Os salários tiveram um declínio real e a tensão social se elevou. Os indicadores da Tabela 3 mostram queda nos rendimentos médios das famílias, no nível de emprego industrial e na massa de salários pagos pela indústria de São Paulo. De outro lado, obteve-se um superavit comercial de US$ 6 bilhões em 1983, que se elevou para US$ 13 bilhões em 1984 impulsionado pelo forte crescimento da economia americana naquele ano.6 6 O salto da balança comercial deveu-se principalmente à contenção das importações: entre 1981 e 1983 a importação diminuiu US$ 7 bilhões e a exportação caiu US$ 1 bilhão. O valor da importação de 1981 a 1988 apresentou os seguintes números redondos (US$ bilhão): 22, 19, 15, 14, 13, 14, 15 e 15; e a exportação: 23, 20, 22, 27, 26, 22, 26 e 34. O saldo comercial elevado dos últimos seis anos não indica equilíbrio externo, pois a dívida externa continua sem solução e as importações continuam sujeitas a controles administrativos. Por outro lado, nos anos oitenta as exportações brasileiras diversificaram-se e ganharam competitividade em vários setores, ou seja, houve algumas respostas estruturais da economia. Mas esta performance ficará sob risco se persistir a grave crise interna do País.

  • - 1985: transição angustiada para o governo civil. Com a morte do presidente eleito e a herança de fortes tensões geradas pela recessão, José Sarney tomou posse com a promessa de promover o crescimento e ampliar as políticas sociais. Nos primeiros seis meses do Governo, as políticas tiveram orientação contraditória. A política monetária foi restritiva, mas a política fiscal, expansiva. O conflito de políticas ajudou a exacerbar as expectativas inflacionárias e a taxa de juros elevou-se para patamares elevados (18% reais ao ano; ver Tabela 4). Em agosto, um novo ministro foi empossado (Dílson Funaro) com uma agenda estabelecida para promover o crescimento e reduzir os juros. Ao longo do ano a economia cresceu, aproveitando-se da existência de capacidade ociosa. No entanto, o conflito de políticas, a expansão dos gastos públicos e a seca histórica ao final de 1986 agravaram a inflação. O ano terminou com a inflação em torno de 14% ao mês.

Tabela 4:
Taxas de Juros Reais no Brasil
  • - 1986: Plano Cruzado e expansão da economia. O Plano instituiu o congelamento dos preços e salários em torno de suas médias preexistentes e adotou uma política agressiva de monetização da dívida interna para reduzir o serviço dessa dívida. A economia respondeu favoravelmente durante os primeiros seis meses do novo plano. O crescimento da produção e do emprego foram significativos; a massa de salários cresceu devido ao maior· nível de emprego e· salário médio. No entanto, o expressivo crescimento da demanda interna entre 1985-86 não foi acompanhado por investimentos na expansão da capacidade produtiva, terminando por gerar numerosos problemas de suprimento. Adicionalmente, o déficit público permaneceu elevado. A tentativa de coletar mais recursos para o setor público, através de um pacote fiscal mal-concebido (o “Cruzado II”), serviu para uma rápida retomada da inflação ainda antes do final do ano.

  • - 1987: redução da demanda interna e dos salários, visando a recompor o superavit da balança comercial. Três eventos marcam o ano. O primeiro foi a decretação da moratória da dívida externa, imposta pelo esgotamento das reservas. O segundo foi a reversão na direção da política econômica com a substituição de Dílson Funaro por Bresser-Pereira. O novo ministro adotou como metas a liberação dos preços e a recuperação do saldo comercial (via contenção da demanda interna e desvalorização da taxa de câmbio real). O terceiro foi o Plano Bresser para conter a inflação. O plano não inovou no lado heterodoxo, mas adotou a meta (não cumprida) de cortar o déficit público7 7 Para uma lúcida discussão dos Planos Cruzado e Bresser, ver Bresser-Pereira (1988). . No tocante aos salários, o plano serviu para reduzir as remunerações no setor privado com a adoção da URP, mas não teve o mesmo efeito sobre os salários do setor público, em função das greves do funcionalismo. Como o déficit público não foi contido e a incerteza política esteve em alta, a inflação voltou a se exacerbar no final do ano.

  • - 1988: troca dos ministros da área econômica e descontrole da inflação. A política econômica adotou dois objetivos: a regularização dos pagamentos internacionais (suspensão da moratória e pagamento dos atrasados) e estabilização da inflação no patamar de 20% ao mês. O balanço do ano mostra que o superavit comercial atingiu US$ 19 bilhões, dos quais US$ 9 foram usados, algo apressadamente, para pagar amortizações. Já no tocante à inflação o resultado foi ruim: as taxas se aceleraram, dado o enfraquecimento político do Governo e o próprio esforço que está implícito em transferir de 6 a 7% do PIB ao Exterior.

Como fica evidente pelo relato, nos anos oitenta a economia do Brasil sofreu uma série de reveses. Devido ao racionamento dos créditos externos, era inevitável que a economia passasse por um ajustamento, quer adotando um processo diferido no tempo que levasse ao aumento da produção de bens de exportação e de substitutos de importação (bens comerciáveis ou tradeables, quer por um processo mais brusco via redução da absorção interna (e um correspondente programa fiscal) ou por uma combinação dessas políticas. O ajustamento que foi tentado colocou excessiva ênfase no corte da absorção para gerar um superavit comercial, acarretando desemprego e forte redução dos investimentos.8 8 Para outros argumentos críticos das tentativas de ajustamento, ver Werneck (1986), Bresser-Pereira e Nakano (1987), Bresser-Pereira (1987), Marques (1988) e Cardoso e Dornbusch (1988b). A redução dos investimentos, entretanto, não pode ser um expediente mantido por muito tempo sem colocar em xeque o crescimento da economia, pois o produto potencial fica dado pela capacidade preexistente. Esse quadro significou concretamente o colapso do padrão de financiamentos baseado na poupança externa e na capacidade de poupança do setor público. Para formular uma estratégia que reponha a economia em sua trajetória de crescimento a longo prazo, é necessário ter um diagnóstico claro do desajustamento dessa estrutura de financiamento. Este tema será enfocado a seguir.

2. O FINANCIAMENTO DESEQUILIBRADO

A identidade da poupança deve ser relembrada neste ponto para enfocar o problema do financiamento. Obtém-se das contas nacionais que o investimento macroeconômico é igual à poupança privada, mais a poupança líquida do setor público, menos o saldo em conta corrente.9 9 A identidade da poupança estabelece que: (X - M) = (S - I) + (T - G), onde X é a exportação, M é a importação, S é a poupança privada, I é o investimento privado, T é a arrecadação tributária e G é o gasto do governo. Estes agregados identificam, em notação sumária, aspectos centrais do padrão de financiamento dos investimentos na economia. A divisão da poupança total em poupança externa, doméstica privada e do setor público reflete características estruturais, bem como características comportamentais da economia que não são fáceis de mudar10 10 Há uma longa e antiga discussão na literatura sobre a poupança e o investimento. A perspectiva neoclássica é que a disponibilidade de poupança é ·pré-condição para o investimento. A visão keynesiana é que a poupança é a contrapartida que resulta das decisões de investimento. O ângulo que é mais relevante para a presente discussão implica reenfocar a questão e perguntar: como financiar os investimentos? . No Brasil, por exemplo, o choque externo dos anos 1979-80 causou grave deterioração da conta corrente ao mesmo tempo que limitou a possibilidade do seu financiamento externo. Isto precipitou a queda do padrão de financiamento formado anteriormente, porque fez aumentar o déficit público e retirou um dos principais meios de financiar este déficit: os empréstimos externos.

Ajustar as contas externas de uma economia implica reverter a conta corrente de cronicamente negativa (captação de poupança externa) para sustentadamente positiva (pagamento da dívida). Isto requer o aumento da poupança privada líquida e/ou da poupança do setor público.11 11 Em termos sintéticos e usando a notação da nota 9, para pagar a dívida (ou o juro) é preciso que X> M, o que implica que S > I e/ou T > G. Mas tornar S > I cria um dilema para o investimento, dado que I já está em um nível baixo e S é razoavelmente inflexível no curto prazo. Com o quadro recessivo e a inflação, o investimento privado caiu, reduzindo a poupança macroeconômica (a razão poupança sobre o PIB). O instrumento tradicionalmente arrolado para elevar a poupança privada, neste caso, é o aumento da taxa de juros real. Mas este incentivo não produziu os resultados esperados, porque o mercado para ativos financeiros de longo prazo é virtualmente inexistente no Brasil, dada a incerteza sobre a inflação futura e porque as taxas de juros reais positivas inibem o investimento privado e elevam o déficit público (anulando com uma mão o que produzem com a outra).12 12 Não se pode, tampouco, preconizar uma política ingênua de taxa de juros real negativa; porque induz à fuga de poupança, formação de estoques e evasão de capital. Com um quadro instável, só resta a política de juros moderadamente positivos. A necessidade de redesenhar o padrão de financiamentos define assim o problema central da economia: atingir nova trajetória dinâmica que gere superavit comercial, com poupança interna suficiente para financiar os investimentos necessários ao crescimento sustentado.

O impasse do financiamento no Brasil pode ser caracterizado da seguinte forma: por um lado, com a crise da dívida, o Brasil deixou de contar - e não deverá contar, nos próximos anos - com financiamentos externos significativos; por outro, o déficit público aumentou enormemente com as tentativas de “ajustamento” e, por fim, agravou-se a inflação. A inflação alimenta-se das tensões criadas pelo problema da transferência e do descontrole do déficit público. Por aumentar a incerteza, a inflação contribui para exaurir os esquemas de financiamento preexistentes e, por tornar os conflitos distributivos mais agudos, dificulta o surgimento de soluções espontâneas para o problema do financiamento. O desafio para os formuladores de política é estabelecer um padrão de financiamentos que utilize o potencial de poupança do setor privado, canalizando-o para o investimento nas áreas rentáveis da economia (que pela própria crise se define como o setor que produz bens comerciáveis).

A Tabela 5 traz dados sobre os investimentos e sobre a poupança medidos em relação ao PIB. O corte nos financiamentos voluntários entre 1981 e 1983 implicou em contrapartida a redução do déficit em conta corrente do País. A taxa de investimento sobre o PIB caiu de 24,1% no final dos anos setenta para 17,9% em 1987-88; paralelamente, a conta corrente de não-fatores passou de -2% para 4% do PIB. Registre-se, também, a elevação da poupança privada em 1987-88, que se deve basicamente à manutenção de boa rentabilidade pelo setor privado, sendo que os lucros gerados têm sido canalizados através do overnight para financiar a despoupança do setor público.

Tabela 5:
Investimento e Poupança em Relação ao PIB

Como já se indicou anteriormente, um problema crucial decorrente do desequilíbrio do setor externo foi a crise provocada nas finanças públicas. Para compreender este desdobramento é preciso relembrar os fatores que fizeram aumentar o déficit público e como o setor público se financia no Brasil.

Primeiro é importante observar que o setor público arcou com a maior parte dos custos das tentativas de ajustamento feitas pelo País, desde meados dos anos setenta. Após o choque do petróleo de 1973, as autoridades brasileiras optaram por não desvalorizar a taxa de câmbio em termos reais, mas, ao invés disso, dar subsídios à exportação de produtos manufaturados e à produção de substitutos domésticos de bens de capital e energia. Decidiu-se também usar a capacidade emprestadora das empresas estatais para ajudar a financiar o balanço de pagamentos. Nos anos oitenta, o setor público absorveu o risco cambial da dívida externa do setor privado, foi forçado por novas regras legais e manter o volume de transferências e subsídios a Estados e Municípios e deparou com um custo mais elevado das suas dívidas (tanto externa quanto interna), via juros mais elevados e desvalorização da taxa de câmbio. Como o Governo foi incapaz de elevar suas receitas, o déficit público cresceu (ver a Tabela 2).

Segundo, o Governo tem financiado seu déficit principalmente através do aumento de seu endividamento interno. A Tabela 6 mostra a dívida total do setor público brasileiro; de 1982 a 1988 esta dívida passou de US$ 87 bilhões para US$ 175 bilhões, ou seja, dobrou em seis anos; a dívida interna em circulação cresceu a 24% ao ano neste período, descontada a inflação. A Tabela 7 mostra o orçamento consolidado do setor Governo usando-se dados das contas nacionais e dados sobre as despesas com juros reais calculados pelo Banco Central.

Tabela 6:
Endividamento do Setor Público
Tabela 7:
Poupança do Governo em Conta Corrente

Os dados da Tabela 7 permitem apontar alguns fatos relevantes:

  • a poupança em conta corrente caiu de 6%, no início dos anos setenta, para -0,2% no período recente (-1,9% em 1988).

  • a despesa corrente manteve sua proporção em torno de 10% do PIB, mas a receita líquida caiu em cerca de 7 pontos percentuais. Este é, portanto, o principal fator quantitativo para explicar o aumento do déficit público.

  • a queda da receita líquida se deve à queda de 4,5% dos impostos indiretos (ganho de 1% dos impostos diretos) e aumento dos custos financeiros reais de 2,5% do PIB13 13 O cálculo do Banco Central sobre os juros reais pode ter subestimado este item, por não se basear nos juros e encargos efetivamente pagos e por adotar um conceito de “juro real” que desconsidera as amortizações efetuadas. .

  • apesar dos esforços para sua redução, observa-se uma razoável estabilidade dos itens referentes a transferências, subsídios, gastos com pessoal e com bens e serviços.

  • por fim, em termos comparativos, a carga tributária bruta não é elevada; enquanto nos países industrializados situa-se entre 30 e 40% do PIB, no Brasil está em 22% (1988).

O Governo, como se viu, tem financiado seu déficit recorrendo ao endividamento interno. Em tese, um déficit não muito alto, financiado pelo mercado de títulos, não é inflacionário.14 14 Evidentemente, financiar de 4 a 6% do PIB, no mercado interno de títulos, representa uma pressão forte sobre a poupança privada, com repercussões sobre a taxa de juros, mesmo em países com mercados de capital consolidados. No Brasil, porém, os títulos do Tesouro têm algumas peculiaridades que os tornam um elemento inflacionário. Estes títulos, aplicações de curto prazo, são indexados à inflação, e a cada dois dias o estoque pendente é “girado” no mercado. Como a dívida pública é muito líquida, tornou-se, para todos os fins, moeda indexada. Quando o Governo vende mais títulos para financiar o seu déficit, ele pressiona a taxa de juros para cima, mas não consegue reduzir a liquidez na economia, porque esses títulos podem ser usados para zerar posições com as instituições financeiras. Assim, a inflação tem acompanhado as tentativas de ajustar a economia, não apenas porque há pressões reais (advindas do “problema da transferência”), mas também porque a indexação generalizada é um mecanismo de transmissão da inflação. A resistência da inflação brasileira a diferentes programas anti-inflacionários implica que, sem um novo padrão de financiamento público, a prioridade econômica (determinada pelo sistema político) ficará oscilando entre combater a inflação, promover o crescimento ou buscar superávits comerciais. O perigo desse movimento pendular é que seu resultado mais provável é a estagnação crônica da economia.

Estes são, em termos principais, os elementos que definem o problema do financiamento. A compreensão dos efeitos da redução dos créditos externos e a resposta que isto provocou no setor público, estabelece um ângulo adequado para discutir a necessidade de um novo enfoque: uma ação coordenada para lidar com a dívida e o problema do financiamento no Brasil.

3. AÇÃO COORDENADA PARA PROMOVER O CRESCIMENTO

O desafio de política econômica para o Brasil é encontrar um caminho que estimule o comércio exterior - para modernizar a economia e diminuir o estoque da dívida externa - e estabeleça um novo padrão de financiamentos dos investimentos e dos gastos públicos. Dados esses objetivos, uma trajetória renovada de crescimento para o Brasil requer um esforço sustentado de investimento para aumentar a oferta agregada tanto para o mercado interno quanto externo, e a definição de novos mecanismos de· financiamento do setor público. O crescimento da receita com exportação é a resposta de longo prazo para superar o problema do financiamento externo. Mas os investimentos, mesmo nos setores relacionados com o comércio exterior, permanecem deprimidos devido à instabilidade econômica (e isto, adicionalmente, pode corroer a competitividade do País à medida que os equipamentos envelheçam e se tornem antiquados). De outra parte, a expansão contínua das exportações representa um desafio. Estudos empíricos sobre a elasticidade do comércio brasileiro mostram que o aumento da receita com exportação depende em parte de variáveis que estão fora do controle das autoridades domésticas (tal como a demanda do resto do mundo) e por isso tem sido oneroso o esforço de pagar a dívida externa. Falta, principalmente, responder à questão de como financiar um novo período de crescimento.

A estratégia que se sugere aqui para o ajustamento com crescimento da economia envolve três aspectos. Primeiro, a manutenção do esforço para gerar superávits comerciais - e com eles pagar os juros e amortizar parte da dívida externa pendente (digamos, 5% ao ano) - vinculado a uma postura mais agressiva de renegociação para obter a redução do valor de face da dívida. Já a política de superávits comerciais demanda mudanças na política cambial e políticas comerciais mais atuantes. Segundo, a economia precisa crescer ou a pressão política para romper os vínculos com o sistema financeiro internacional se tornará incontornável. Uma estratégia de crescimento baseada na performance dinâmica das exportações e em investimentos na infraestrutura (idealmente com distribuição da renda) obterá a sustentação política adequada. Terceiro, devido aos obstáculos políticos para se cortar o déficit e pelo tamanho das suas despesas financeiras, requer-se a renegociação dos compromissos externos e internos do setor público (do lado interno, a “fundação” da dívida). Vejamos com mais detalhes estas três linhas de ação.

O crescimento estável da exportação requer políticas ativas com relação ao câmbio e ao comércio. A dificuldade de elevar a receita com exportação foi grande até recentemente, porque requeria a conquista de novos mercados para um exportador não-tradicional (descontada a inflação do dólar, as exportações cresceram apenas 1,8% ao ano entre 1980-87). Os estudos sobre a elasticidade do comércio brasileiro mostram que o aumento da receita com exportação depende em boa parte de variáveis que estão fora do controle das autoridades domésticas, tais como o crescimento da renda no resto do mundo e o preço internacional dos produtos exportados.15 15 Ver Zini Jr. (1988a), cap. 4, ou o resumo em Zini Jr. (1988b). O comportamento dessas variáveis impõe limitações a serem consideradas na definição de qualquer programa consistente de ajustamento. As elasticidades estimadas indicam também que a oferta de exportação é sensível em relação a mudanças no preço relativo mas que a resposta da demanda é pequena. A ênfase da política comercial atual recai exclusivamente sobre a oferta e quase nada contém de políticas mercadológicas. O que se necessita são políticas comerciais inovadoras no sentido de consolidar mercados, fixar marcas e sofisticar produtos (atuando sobre a elasticidade-preço da demanda) e ao mesmo tempo a manutenção de uma taxa de câmbio real atrativa para os exportadores (não retirando o incentivo sobre a oferta).

A estratégia ao comércio e crescimento aqui sugerida pode ser vista como uma abordagem de planejamento. Duas metas seriam estabelecidas para a política econômica: uma taxa de crescimento socialmente aceitável e uma meta para o saldo da balança comercial. Estas metas precisam ser determinadas conjuntamente, levando-se em consideração o estado da economia mundial e a disponibilidade de recursos. Ao invés de se tentar calcular uma “taxa de câmbio de equilíbrio” estática, a política cambial seria conduzida com vistas à obtenção da meta para o saldo comercial.16 16 A ideia é que tanto a taxa de crescimento doméstica afeta o saldo comercial (efeito-renda doméstica) como o saldo afeta a renda (multiplicador externo). Está implícito que se consideram insuficientes os pressupostos atuais da política das minidesvalorizações. A análise crítica desta política e a discussão mais detalhada das sugestões para sua mudança é feita em Zini Jr. (1988c e 1988d). Por exemplo, seriam estipuladas metas trimestrais de performance das exportações e o câmbio seria desvalorizado se a meta não fosse atingida. Elemento importante é o estabelecimento de metas factíveis e consistentes com a manutenção da taxa desejada de crescimento doméstico.

Como ilustração, fizemos algumas projeções usando os parâmetros estimados da resposta da balança comercial do Brasil a mudanças na taxa de câmbio real, no dispêndio doméstico e na renda no resto do mundo. Projetamos o superavit comercial para 1986 com a hipótese de que a renda brasileira cresceria 8% no ano, a renda no resto do mundo 2,5% e a taxa de câmbio real apreciaria 2% no conceito de cesta de moeda (estes números foram escolhidos por terem sido observados naquele ano). O resultado indica uma queda do superavit comercial em 22% em relação a 1985. A redução de fato verificada foi de 25%. Em seguida, perguntamos que desvalorização seria necessária em 1987 para que o superavit comercial fosse igual ao de 1986, supondo que a renda do Brasil crescesse 4% e 2,5% no resto do mundo. A resposta foi uma desvalorização real de 15% vis-à-vis o dólar de dezembro de 1986. Estas projeções foram feitas em março de 1987 [ver Zini Jr. (1988Zini Jr. (1988a) Exchange Rate Policy and Stabilization in Brazil, tese de doutoramento (mimeo), Ithaca, Cornell University. )] e, post factum, esses resultados estiveram próximos dos observados.

A condução da política cambial seguindo essas linhas iria requerer exercícios mais refinados com o uso de elasticidades desagregadas. O que se sugere aqui, primeiro, é que a política cambial precisa incorporar o efeito renda na gestão da taxa de câmbio. Segundo, o que está em discussão é a paridade real da taxa de câmbio e, enquanto a inflação permanecer elevada no Brasil, a mudança proposta é adicionar as variações planejadas na paridade real à política das minidesvalorizações.17 17 Uma desvalorização real pode piorar a concentração da renda, dependendo do padrão de remuneração dos fatores na economia. A Tabela 3 reporta o. coeficiente de Gini para o Brasil nos anos oitenta. Os índices sugerem que as desvalorizações promovidas em 1983-84 (bem como a apreciação de 1987-88) não afetaram significativamente a distribuição da renda entre as famílias. Terceiro, a política é pró-crescimento e orientada a eventos futuros em oposição a apenas reagir a eventos passados. No seu todo, essa sugestão de política reconhece que a taxa de câmbio por si só é insuficiente para gerar um dado saldo comercial, mas reconhece (e utiliza o fato) que ela importa do lado da oferta e não pode ser negligenciada.

Alternativa que deve ser descartada no presente é a adoção de um regime de flutuação livre do câmbio: a flutuação livre das taxas de câmbio não conduziu ao equilíbrio sustentado dos balanços de pagamentos dos países industrializados. Adicionalmente, como já se estabeleceu na literatura sobre macroeconomia das economias abertas, há uma indeterminação básica no nível da taxa de câmbio nominal quando os agentes não têm uma crença firme na evolução dos fatores fundamentais da economia (fundamentais), o denominado “Problema do Peso”. Tal sistema facilmente levaria a corridas instabilizadoras contra a moeda no Brasil, pois as expectativas de inflação correm soltas. Em vista da existência de um cenário macroeconômico instável, portanto não é o período indicado para se experimentar esse sistema.

Com relação à transferência de recursos para o Exterior subscrevemos ao registro que o enfoque atual para o problema da estabilização tem recaído assimetricamente sobre os países devedores (ver Group of 24, 1987Intergovernmental Group of 24. (1987) “Group of 24: Deputies Report”, IMF Survey, August 10, pp. 1-20. ). A redução dessas transferências e um aumento dos financiamentos de longo prazo são desejáveis, mas há pouca receptividade junto aos credores. Dado que parte da dívida foi acumulada porque houve um aumento unilateral das taxas de juros americanas e que há evidência de que o valor das exportações é restringido pelo lado da demanda, maior cooperação por parte dos credores facilitaria a resolução da atual crise.18 18 A política de saldos comerciais positivos, que se defende aqui, não significa que se deva buscar superávits iguais ao valor da conta dos juros que seria paga se todos os contratos mantivessem seu valor nominal pleno. Ao contrário, se houver alívio da dívida, por exemplo, com a reavaliação do valor da dívida do setor público, isso tornará mais expedita a promoção de uma ação coordenada pró-crescimento. Uma mensagem importante deste trabalho é que, isoladamente, nem uma política de saldo comercial elevado, nem a de alívio da dívida, são suficientes para propiciar um nevo período de crescimento sustentado da economia, se o problema mais geral do padrão de financiamento não for resolvido. No caso contrário, cabe ao País adotar uma postura mais agressiva nas negociações externas.

Voltando-se para o lado interno, as políticas adotadas não têm levado ao crescimento sustentado porque têm negligenciado o problema do financiamento de longo prazo. A estratégia adotada causou apenas a alternância de períodos de recessão e de expansão de curto fôlego, logo atingindo a restrição imposta pela necessidade de gerar saldos comerciais.

O ponto inicial para a reforma do financiamento no Brasil é a redução do déficit orçamentário para possibilitar a estabilização da economia. Concretamente serão necessárias medidas para elevar a arrecadação líquida, tais como aumento da arrecadação fiscal (com ampliação da base de tributação), redução dos subsídios e combate à evasão fiscal. No tocante aos dispêndios, o desejável é uma reforma administrativa que dê racionalidade para os gastos com pessoal. Requer-se igualmente a definição de um programa de privatização factível, o qual deve ser conduzido sem se descuidar da atualização das tarifas reais dos serviços públicos.

Mas o passo estratégico crítico é reduzir os custos financeiros do Estado.19 19 A “escolha racional”, parafraseando a proposta de Keynes sobre as dívidas públicas nos anos vinte, seria a desvalorização parcial do principal da dívida (sendo que Keynes se referia a dívidas consolidadas de longo prazo). Há numerosos mecanismos de redução do valor real da dívida, tais como “comer” a correção monetária de um período ou um imposto concentrado sobre os ganhos de capital. Mas estas medidas seriam de pouco significado. O problema principal da dívida interna é sua extrema liquidez e seu custo orçamentário: o estratagema de financiar a dívida no mercado monetário e não junto a tomadores finais revelou-se uma armadilha. Do lado interno, cabe pensar na reconsolidação da dívida pública interna por ativos como ações das estatais ou outro ativo de longo prazo (um debt-swap doméstico). Uma alternativa que defendo é fundar esta dívida constituindo-se um fundo de amortização (sinking fund) formado por ações das estatais e divisas fortes. Os títulos (ou mais apropriadamente debêntures) emitidos contra este fundo pagariam juros (ou dividendos) e poderiam ser negociados no mercado por seus tomadores. Esta proposta é apresentada com maiores detalhes em Zini Jr. (1989Zini Jr. (1989) “Fundar a· Dívida Pública”, texto para Discussão Interna IPE-USP, n. 3, São Paulo (mimeo). ). O financiamento externo das divisas que formariam parte do lastro desse fundo é importante neste esquema para dar credibilidade à política e poderia ser obtido junto ao Banco Mundial, Fundo Nakasone etc., se se apresentar um plano bem definido e consistente. Convém esclarecer ainda que a fundação da dívida é preconizada como uma policy move vinculada à eliminação ou redução substantiva do déficit público.

Do lado externo, a promoção do crescimento irá requerer uma diminuição do fluxo de recursos enviados para o Exterior, reduzindo o ônus orçamentário e liberando recursos para os investimentos. É necessário ter presente que a economia não contará com financiamento externo em larga escala nos próximos anos e só uma forte barganha poderá reduzir as remessas ao Exterior pela metade. Uma ideia que merece atenção (após a renegociação da dívida) é permitir os leilões de conversão limitados aos juros pendentes.

A título de sugestão, podem-se listar alguns passos adicionais para o crescimento sustentado:

  • a) Elevar a taxa de investimento agregada em 4 ou 5% do PIB nos próximos anos, sendo que o setor público deve aumentar seus investimentos em pelo menos 2% do PIB. Havendo estabilidade de preços e um aumento do investimento público, o investimento privado deve elevar-se também de 2 a 3% do PIB, pois o setor tem alta liquidez e elevado nível de utilização da capacidade.

  • b) Repensar a correção monetária. É evidente que dada a longa convivência da economia com a correção não se poderá eliminá-la de um dia para o outro. O esforço deverá ser no sentido de limitar a correção para contratos de longo prazo: BNDES, empréstimos habitacionais, poupança (redefinido os prazos de carência) e estabelecer um certo número de âncoras nominais na economia que criem um público que pressione por estabilidade nos preços.

  • c) Redefinir especificamente o financiamento habitacional e o financiamento de obras públicas onerosas, como a energia elétrica. Neste ponto ainda não se poderá dispensar o estabelecimento de alguns fundos setoriais específicos de poupança compulsória.

  • d) Por fim, há que se buscar explicitamente a mudança das práticas do setor financeiro, objetivando o alongamento do perfil dos empréstimos e das aplicações. E isto requer a formação de um segmento forte de bancos de investimento privados para dar suporte ao esforço empresarial.

Uma vez que este conjunto de ações envolve dificuldades óbvias, ele deve estar explicitamente vinculado a uma estratégia geral para ajustar a economia, algo que exige um Governo com credibilidade. O que é importante é a existência de um conjunto de medidas indicando que há vontade política para resolver os impasses, começando pelo impasse no qual se encontram as finanças públicas.

4. CONCLUSÕES

A economia brasileira está num cruzamento: ou enfrenta seus desafios ou ficará estagnada. O tipo de desenvolvimento e o padrão de financiamento desenhados na década dos setenta se esgotaram. As políticas adotadas para ajustar as contas do setor externo geraram um superavit comercial, mas não levaram ao equilíbrio interno. A principal lição dos últimos anos é que a economia não pode ficar dependente dos créditos externos para o seu desenvolvimento no longo prazo, mas deve formar um esquema sólido de financiamento interno.

As políticas de estabilização e o estratagema de ir empurrando a crise para a frente não resultaram no ajustamento desejado porque não contemplaram a solução para o problema do financiamento de longo prazo. A estratégia assumia que o mercado iria prover os investimentos necessários para a reorientação estrutural da economia. Contrariamente a isso, produziu-se apenas um desequilíbrio interno maior que leva a períodos de recessão ou de expansão de fôlego curto.

A estratégia de desenvolvimento sustentado para o Brasil requer a elevação do investimento e da poupança interna e uma inserção dinâmica no comércio exterior. Mas este é um processo complexo de readaptação da economia e de forjamento de elos com as áreas mais ativas de comércio.

A definição de um novo padrão de financiamento irá demandar, por sua vez, do lado doméstico, a redução do déficit público e a redefinição das práticas do setor financeiro local, de modo a aumentar os prazos dos títulos e aplicações. Do lado externo, a carga representada pela dívida externa está obstaculizando o crescimento potencial da economia e precisa ser reequacionada. O aspecto paradoxal da presente situação é que entre 1983 e 1988 o Brasil acumulou um superavit comercial de US$ 71 bilhões de dólares. O problema, portanto, não é de falta de potencial para gerar superávits comerciais. Um obstáculo é que o superavit comercial é gerado pelo setor privado, ao passo que a maior fração da dívida externa foi absorvida pelo Banco Central. Por isso é apropriado dizer-se que embora o “problema da transferência” possa potencialmente ser “resolvido” do lado real, do lado fiscal os obstáculos são suficientemente elevados para impedir que se alcance o ajustamento sem mudança de enfoque. Sob este ângulo, faz sentido econômico tentar reduzir os pagamentos líquidos ao Exterior.

Não há ilusão, entretanto, de que um retorno aos esquemas de financiamentos, que prevaleceram nos anos setenta, seja possível ou desejável. O desafio para os formuladores de políticas é encontrar mecanismos de financiamentos que possibilitem um crescimento sustentado, renovem o financiamento do setor público e permitam a retomada dos investimentos sem repetirem os erros observados na década passada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • Zini Jr. (1989) “Fundar a· Dívida Pública”, texto para Discussão Interna IPE-USP, n. 3, São Paulo (mimeo).
  • 1
    Ver Malan e Bonelli (1983Malan, Pedro e Bonelli, Régis. (1983) “Crise Internacional, Crise Brasileira: Perspectivas e Opções”, Pensamiento lberoamericano, (4), 82-132. ) e Castro e Souza (1986Castro, Antônio Barros de e Souza, Francisco Eduardo.(1986) A Economia Brasileira em Marcha Forçada, Rio de Janeiro, Paz e Terra. ).
  • 2
    Os recursos externos são úteis para o desenvolvimento porque a economia em desenvolvimento possui áreas com potenciais para investimentos lucrativos e necessita importar máquinas, porém não acumulou capital em volume suficiente para aproveitar com rapidez estas oportunidades. Quando bem utilizada, a poupança externa (quer sob a forma de investimentos diretos, quer de financiamentos) permite crescimento mais rápido do que seria possível apenas com os recursos domésticos. Ademais, muitas vezes os investimentos estrangeiros trazem práticas de gestão e tecnologias modernas, ou seja, trazem externalidades positivas. Por outro lado, o uso desses recursos gera como contrapartida uma saída de divisas. Isto impõe uma regra: captar poupança externa apenas quando a perspectiva de lucratividade de um projeto supera o seu custo de oportunidade, ou o fluxo de saída de divisas, que se antecipa. Por sua vez, isto sugere que os recursos sejam usados em áreas que direta ou indiretamente possibilitem maior geração de divisas. A questão é diferente se o financiamento externo for para atividades que não requerem importação. Neste caso, se o Banco Central não tiver utilização para os dólares, estes se acrescentarão às reservas; no entanto, se o Banco Central está carente de moedas fortes, os dólares podem ser utilizados para pagar compromissos externos. Aqui o em­préstimo financia o balanço de pagamentos (e o orçamento do Governo quando é este quem empresta). Sobre o papel da poupança externa no desenvolvimento, ver Chenery (1979Chenery, Hollis. (1979) Structural Change and Development Policy, Washington, D.C., World Bank. ) e a recente resenha de Cardoso e Dornbusch (1988Cardoso, Eliana e Rudiger Dornbusch. (1988a) “Private Capital Flows and Economic Development”, In H. Chenery e T. Srinivasan (eds.), Handbook on Development Economics, Amsterdam, North Holland. ); sobre a relação entre variá­veis externas e internas ver Dornbusch (1988Dornbusch, Rudiger. (1988) “Balance of Payments Issues”. In R. Dornbusch e L. Helmers (eds.), The Open Economy: Tools for Policymakers in Developing Countries, New York, Oxford University Press for the World Bank, pp. 37-53. ).
  • 3
    Esta observação é um argumento forte contra a capitalização dos juros como solução da crise da dívida externa. Esta crise requer a redução do estoque acumulado de dívidas passadas.
  • 4
    A taxa prime cobrada pelos bancos americanos dos principais emprestadores passou de 8,7% entre 1975-79 para 14,4% entre 1980-84. Deflacionando esta taxa pelo preço das exportações não-petróleo dos países em desenvolvimento, a taxa de juros real pulou de 5,7% para 18,8% ao ano (dados do World Economic Survey (1986), p. 174).
  • 5
    A renda per capita, segundo BID (1987Banco Interamericano de Desenvolvimento. (1987) Progresso Econômico e Social da América Latina, Washington, D.C., BID. ), foi de US$ 2525 em 1986 (a preços de 1986). Extrapolando-se, a renda em 1988 foi de US$ 2501, praticamente a mesma renda per capita de 1980 (US$ 2486). 1989 deve trazer queda desta renda, o que fará com que o País termine a década com renda per capita menor que a do seu início.
  • 6
    O salto da balança comercial deveu-se principalmente à contenção das importações: entre 1981 e 1983 a importação diminuiu US$ 7 bilhões e a exportação caiu US$ 1 bilhão. O valor da importação de 1981 a 1988 apresentou os seguintes números redondos (US$ bilhão): 22, 19, 15, 14, 13, 14, 15 e 15; e a exportação: 23, 20, 22, 27, 26, 22, 26 e 34. O saldo comercial elevado dos últimos seis anos não indica equilíbrio externo, pois a dívida externa continua sem solução e as importações continuam sujeitas a controles administrativos. Por outro lado, nos anos oitenta as exportações brasileiras diversificaram-se e ganharam competitividade em vários setores, ou seja, houve algumas respostas estruturais da economia. Mas esta performance ficará sob risco se persistir a grave crise interna do País.
  • 7
    Para uma lúcida discussão dos Planos Cruzado e Bresser, ver Bresser-Pereira (1988Bresser-Pereira, Luís C. (1988) “Os Dois Congelamentos de Preços no Brasil”, Revista de Economia Política , 8 (4), 48-66. ).
  • 8
    Para outros argumentos críticos das tentativas de ajustamento, ver Werneck (1986Werneck, Rogério. (1986) “Poupança Estadual, Dívida Externa e Crise Financeira do Setor Público”, Pesquisa e Planejamento Econômico, 16 (3), 551-74. ), Bresser-Pereira e Nakano (1987Bresser-Pereira, Luís C. E Nakano Yoshiaki. (1987) Inflação e Recessão, São Paulo, Brasiliense. ), Bresser-Pereira (1987Bresser-Pereira, Luís C. (1987) “Mudanças no Padrão de Financiamento do Investimento no Brasil”, Revista de Economia Política, 7 (4), 5-23. ), Marques (1988Marques, Maria Sílvia B. (1988) “O Plano Cruzado: Teoria e Prática”, Revista de Economia Política , 8 (3), 101-30. ) e Cardoso e Dornbusch (1988bCardoso, Eliana e Rudiger Dornbusch. (1988b) “Dívida Brasileira: Réquiem para a Política de Muddling Through”, Política e Planejamento Econômico, 18 (2), 211-38. ).
  • 9
    A identidade da poupança estabelece que: (X - M) = (S - I) + (T - G), onde X é a exportação, M é a importação, S é a poupança privada, I é o investimento privado, T é a arrecadação tributária e G é o gasto do governo.
  • 10
    Há uma longa e antiga discussão na literatura sobre a poupança e o investimento. A perspectiva neoclássica é que a disponibilidade de poupança é ·pré-condição para o investimento. A visão keynesiana é que a poupança é a contrapartida que resulta das decisões de investimento. O ângulo que é mais relevante para a presente discussão implica reenfocar a questão e perguntar: como financiar os investimentos?
  • 11
    Em termos sintéticos e usando a notação da nota 9, para pagar a dívida (ou o juro) é preciso que X> M, o que implica que S > I e/ou T > G. Mas tornar S > I cria um dilema para o investimento, dado que I já está em um nível baixo e S é razoavelmente inflexível no curto prazo.
  • 12
    Não se pode, tampouco, preconizar uma política ingênua de taxa de juros real negativa; porque induz à fuga de poupança, formação de estoques e evasão de capital. Com um quadro instável, só resta a política de juros moderadamente positivos.
  • 13
    O cálculo do Banco Central sobre os juros reais pode ter subestimado este item, por não se basear nos juros e encargos efetivamente pagos e por adotar um conceito de “juro real” que desconsidera as amortizações efetuadas.
  • 14
    Evidentemente, financiar de 4 a 6% do PIB, no mercado interno de títulos, representa uma pressão forte sobre a poupança privada, com repercussões sobre a taxa de juros, mesmo em países com mercados de capital consolidados.
  • 15
    Ver Zini Jr. (1988aZini Jr. (1988a) Exchange Rate Policy and Stabilization in Brazil, tese de doutoramento (mimeo), Ithaca, Cornell University. ), cap. 4, ou o resumo em Zini Jr. (1988bZini Jr. (1988b) “Funções de Exportação e de Importação para o Brasil”, Pesquisa e Planejamento Econômico, 18 (3), 615-661. ).
  • 16
    A ideia é que tanto a taxa de crescimento doméstica afeta o saldo comercial (efeito-renda doméstica) como o saldo afeta a renda (multiplicador externo). Está implícito que se consideram insuficientes os pressupostos atuais da política das minidesvalorizações. A análise crítica desta política e a discussão mais detalhada das sugestões para sua mudança é feita em Zini Jr. (1988cZini Jr. (1988c) “As Minidesvalorizações Brasileiras: Política Cambial Adequada com Choques de Oferta?”, Estudos Econômicos, 18 (1), 51-91. e 1988dZini Jr. (1988d) “Repaso de la Política Cambiaria de Brasil”, Boletín del Centro de Estudios Monetarios Latinoamericano, México, XXXIV (3), 134-41. ).
  • 17
    Uma desvalorização real pode piorar a concentração da renda, dependendo do padrão de remuneração dos fatores na economia. A Tabela 3 reporta o. coeficiente de Gini para o Brasil nos anos oitenta. Os índices sugerem que as desvalorizações promovidas em 1983-84 (bem como a apreciação de 1987-88) não afetaram significativamente a distribuição da renda entre as famílias.
  • 18
    A política de saldos comerciais positivos, que se defende aqui, não significa que se deva buscar superávits iguais ao valor da conta dos juros que seria paga se todos os contratos mantivessem seu valor nominal pleno. Ao contrário, se houver alívio da dívida, por exemplo, com a reavaliação do valor da dívida do setor público, isso tornará mais expedita a promoção de uma ação coordenada pró-crescimento. Uma mensagem importante deste trabalho é que, isoladamente, nem uma política de saldo comercial elevado, nem a de alívio da dívida, são suficientes para propiciar um nevo período de crescimento sustentado da economia, se o problema mais geral do padrão de financiamento não for resolvido.
  • 19
    A “escolha racional”, parafraseando a proposta de Keynes sobre as dívidas públicas nos anos vinte, seria a desvalorização parcial do principal da dívida (sendo que Keynes se referia a dívidas consolidadas de longo prazo). Há numerosos mecanismos de redução do valor real da dívida, tais como “comer” a correção monetária de um período ou um imposto concentrado sobre os ganhos de capital. Mas estas medidas seriam de pouco significado. O problema principal da dívida interna é sua extrema liquidez e seu custo orçamentário: o estratagema de financiar a dívida no mercado monetário e não junto a tomadores finais revelou-se uma armadilha.
  • *
    Agradeço aos professores William Goldsmith e Thomas Davis, da Universidade de Cornell, por colocarem em xeque várias das minhas ideias, forçando-me a expressá-las com mais clareza. Agradeço também aos comentários de Adrienne Cheasty e às sugestões de dois pareceristas anônimos desta revista. A responsabilidade usual de autoria se aplica.
  • 21
    JEL Classification: H63; H62; O40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1990
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