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Os efeitos de variações cambiais sobre o déficit público

The effects of exchange policy on public finances

RESUMO

O estudo mede o efeito direto da política cambial nas finanças públicas no Brasil no período 1985-1988. Com o objetivo de medir os efeitos da política cambial, será utilizada a variação da taxa de câmbio real em relação ao dólar americano. Foi realizada a compilação de todas as receitas e despesas públicas, afetadas pelas mudanças nas taxas de câmbio, bem como sua consolidação. Para esse fim, a balança de pagamentos do setor público foi extraída de dados reais e, na sua ausência, de estimativas. A pesquisa conclui que a relação entre o setor público brasileiro e o setor externo, regida pelo alto endividamento externo, determina uma resposta negativa direta ao impacto do déficit fiscal do setor público a uma depreciação real da taxa de câmbio.

PALAVRAS-CHAVE:
dívida pública; taxa de câmbio

ABSTRACT

The study measures the direct effect of exchange policy on public finances in Brazil in the period 1985-1988. With the aim of measuring exchange policy effects, the change of real exchange rate vis-à-vis the American dollar will be used. The compilation of all public revenues and expenditures, affected by exchange rate changes, as well as their consolidation, was performed. For this purpose, the public sector balance of payments was drawn from actual data and, in their absence, from estimates. The survey concludes that the relationship between the Brazilian public sector and external sector, governed by the high external indebtedness determines a negative direct impact response of the public sector fiscal deficit to a real depreciation of the foreign exchange rate.

KEYWORDS:
Public debt; exchange rate

1. INTRODUÇÃO

O setor público tem tanto despesas quanto receitas em moeda estrangeira. Assim como a despesa com juros externos, todas as demais saídas do balanço de pagamentos do setor público (importações, pagamentos de fretes sobre importações, amortizações de empréstimos, investimento de estatais no exterior etc.) constituem despesas em moeda estrangeira.

As receitas em moeda estrangeira são, por outro lado, compostas pelos ingressos registrados no balanço de pagamentos do setor público: exportações, receitas de juros com aplicação de reservas brasileiras no exterior, receitas geradas com fretes de navios mercantes da frota estatal etc.

Existem outras operações do setor público que, embora não envolvam moeda estrangeira, são calculadas em valores expressos em moeda estrangeira. São elas:

  1. as receitas arrecadadas com impostos de exportação, importação, sobre remessas ao exterior etc., impostos que, apesar de cobrados e pagos em moeda nacional, são calculados sobre valores em moeda estrangeira; e

  2. despesas com remuneração de títulos públicos, corrigidos pela variação cambial.

Todas essas operações do setor público são afetadas quando ocorre uma oscilação na taxa cambial do país.

Em princípio, uma desvalorização cambial afeta negativamente as despesas e posi­ivamente as receitas públicas. Isto é, uma quantidade maior de moeda nacional deverá ser despendida para fazer face às despesas denominadas em moeda estrangeira, ao mesmo tempo em que se obtém uma quantidade maior de moeda nacional com as receitas denominadas em moedas estrangeiras. Uma valorização, ao contrário, diminui tanto as despesas governamentais quanto as receitas.

Toda oscilação cambial provoca dois tipos de efeitos sobre as finanças do governo: os efeitos diretos e os efeitos indiretos. Um efeito direto seria, por exemplo, no caso de uma desvalorização, o aumento de receita em moeda nacional decorrente da venda de divisas obtidas com exportações públicas.

Se a desvalorização da taxa cambial estimulasse a produção para exportação de bens na economia, o setor público, além de diretamente, seria também indiretamente favorecido por aquela desvalorização, uma vez que a produção e a circulação de bens pagam impostos, favorecendo a posição das finanças governamentais.

Apresentaremos, neste artigo, o resultado de tentativa de dimensionar os efeitos diretos das oscilações cambiais sobre as contas públicas. Eles indicam que, para estas, foram favoráveis as valorizações cambiais de 86/88. Começamos com um sumário dos estudos teóricos e empíricos efetuados nesse campo. Passamos, na sequência, a algumas considerações metodológicas, para só então analisar os resultados alcançados e chegar às conclusões possíveis.

Dois foram os pré-requisitos em que nos apoiamos para iniciar o trabalho. Em primeiro lugar, o esforço de quantificação requereu o levantamento dos balanços de pagamento do setor público, que não estavam disponíveis.1 1 Os balanços de pagamento do setor público, levantados individualmente para o Banco Central, Setor Oficial e Empresas Estatais e consolidados conforme os conceitos de setor público expostos adiante, fazem parte da tese de mestrado da autora, “Política cambial e déficit público”, defendida na UnB, em abril de 1991. Em segundo lugar, é comum fazer referência a “finanças públicas”, “finanças do governo”, “contas públicas” etc., sem especificar exatamente o que entendemos por “governo” e “público”. O Banco Central é governo? Os bancos oficiais são governo? As sociedades de economia mista (empresas) são órgãos governamentais?

Este ponto está relacionado com o fato de que, quando tentamos medir qualquer efeito sobre as finanças do governo, nos deparamos com uma multiplicidade de opiniões a respeito de que entidades do setor público deveriam ser consideradas no conceito de “governo”. Essas opiniões dão origem aos diversos conceitos de setor público e do que seria o déficit do setor público ou, o que é a mesma coisa, o déficit público. É bom ter em mente que, como as finanças públicas brasileiras são, via de regra, deficitárias, quando estamos falando em finanças públicas, estamos, na verdade, falando do déficit público. Portanto, as duas expressões são aqui usadas indistintamente.

Elegemos então três conceitos diferentes de déficit e calculamos o efeito das oscilações cambiais do período 1985-88 para cada um deles:

  • Conceito 1: Setor Oficial (governos federal, estadual e municipal, em suas administrações direta e indireta) mais Banco Central mais Empresas Estatais. Este é o conceito conhecido por Dívida Líquida do Setor Público;

  • Conceito 2: Setor Oficial mais Banco Central. Corresponde ao conceito Dívida Líquida exceto Empresas Estatais; e

  • Conceito 3: Setor Oficial mais Empresas Estatais. Este é o conceito que atualmente corresponde a NFSP (Necessidade de Financiamento do Setor Público). A diferença entre este conceito e a Dívida Líquida é que este não inclui o Banco Central.

2. ANTECEDENTES

Um único levantamento, relativamente simples, do efeito que ora nos preocupa foi elaborado, em 1989, no âmbito do IPEA em colaboração com a Cepal, no contexto do estudo sobre o setor público brasileiro que está sendo desenvolvido por projeto da Cepal/PNUD. Aquele trabalho estima que, se o câmbio tivesse se desvalorizado 10% em termos reais, as finanças do setor consolidado estatal (compreendendo aqui empresas estatais e despesas de juros externos do governo federal apenas) teriam sofrido um agravamento da ordem de 0,23% do PIB em 1988. O estudo também considera apenas efeitos diretos.

Assim como em nível empírico, no plano teórico o assunto tem recebido, no Brasil, pouca atenção. Nos outros países tem-se dedicado um pouco mais de interesse à questão.

No âmbito dos estudos empíricos, figura de um lado o projeto da Cepal, que tem gerado documentos para a América Latina, alguns com item específico procurando mensurar o efeito de que ora nos ocupamos para um determinado país. De outro lado, figura Helmut Reisen, que, além de trabalhos eminentemente teóricos, desenvolveu análises empíricas para os casos mexicano, coreano e brasileiro.2 2 Helmut REISEN e Virginia FIERRO, “Tax revenue implications of the real exchange rate: econometric evidence from Korea and Mexico”. Technical Paper n. 12, OCDE, fevereiro de 1990; e Helmut REISEN “Interaction between the exchange rate on the public budget in major developing countries”. In: Fiscal Policy in Open Developing Economies, compilado por Vito Tanzi, Washington: FMI, 1990.

Em nível teórico, podemos distinguir três posições a respeito da matéria, representadas por Vito Tanzi3 3 Vito TANZI. ‘’The impact of macroeconomics policies on the level of taxation (and the fiscal balance) in developing countries”. IMF Working Paper WP 88/95, outubro, 1988. Uma versão revisada desse texto foi publicada em Staff Papers, FMI, vol. 36, setembro, 1989, págs. 633-656. , Helmut Reisen4 4 Helmut REISEN, “Public debt, external competitiveness, and fiscal discipline in developing countries”. Princeton University, Princeton Studies in International Finance, novembro, 1989. e Jesus Seade5 5 Jesus SEADE, “Tax revenue implications of exchange rate adjustment”. In: Fiscal Policy in Open Developing Economies, compilado por Vito Tanzi, Washington: FMI, 1990. . Podemos dizer que o primeiro afirma existir, frequentemente, nos países em desenvolvimento, relação negativa entre receita tributária e o nível real de sua taxa de câmbio oficial. Tudo o mais constante, uma valorização da taxa de câmbio induz a um decréscimo na carga tributária (receita tributária/PIB). Para ele, quanto menos valorizada a taxa cambial, maior o impacto positivo sobre as finanças públicas via efeitos sobre os impostos com importações, exportações e vendas de produtos importados.

Para o segundo, a resposta automática de uma desvalorização tende a agravar, no curto prazo, as finanças públicas dos países em desenvolvimento com elevadas dívidas externas e que têm desenvolvido políticas econômicas voltadas “para dentro”, como o Brasil, porque, como são “voltados para dentro” os impostos sobre o comércio exterior têm pouco peso. Além disso, os governos de países voltados “para fora” provavelmente terão um superávit em bens comerciáveis e serão vendedores líquidos de divisas para o setor privado. Isso pode não acontecer com os governos das economias voltadas “para dentro”.

O terceiro defende que, dentro de certas hipóteses, uma desvalorização não afetará receitas tributárias, quer negativa, quer positivamente. O entendimento da estrutura teórica subjacente a essa análise é de pouca aplicabilidade para os países com grandes desequilíbrios e sobrecarregados de dívidas. Em sua formulação mais simples, a conta corrente com o resto do mundo está em equilíbrio.

3. METODOLOGIA DOS CÁLCULOS

Ao consolidar as receitas e as despesas do setor público em moeda estrangeira ou calculadas sobre um valor em moeda estrangeira, chegamos a um valor líquido que pode ser superavitário ou deficitário. Para todos os anos do período estudado, 1985 a 1988, e em todos os conceitos de déficit analisados, o saldo foi deficitário, com exceção do ano de 1985, para o conceito 2 de setor público, que envolve apenas o Setor Oficial e o Banco Central, sem considerar as empresas estatais.

Para determinar os efeitos diretos de variações da taxa de câmbio real sobre o déficit público brasileiro, no período 1985-88, compararam-se os dispêndios líquidos efetivamente ocorridos com os potencialmente ocorridos se a taxa de câmbio tivesse mantido o mesmo valor real de março de 1983. Para o conceito 2, no ano de 1985, comparamos a receita líquida.

Março de 1983 foi escolhido como data-base por entendermos que a maxidesvalorização de fevereiro de 1983 teria trazido o valor da taxa cambial próxima a seu equilíbrio.

Corrigindo aquela taxa pelas variações das inflações interna e externa (IPA em ambos os casos), calculamos o valor da taxa de câmbio real que teria mantido inalterada a paridade do poder de compra da moeda brasileira diante do dólar norte-americano, no período 1985 a 1988 (coluna 5 da Tabela 1). Chamamos de valorização real ou desvalorização real o desvio, em termos percentuais, que a taxa de câmbio nominal, efetivamente ocorrida, apresentou em face da taxa calculada (coluna 6 da Tabela 1). Assim, verificou-se que, em 1985, a taxa cambial mostrou desvalorização de 1,67%, e, em 1986, 1987 e 1988, valorizações de 4,53%, 9,98% e 22,42%, respectivamente.

Tabela 1
Taxa de câmbio real - cruzeiro/dólar norte-americano

A comparação foi, então, feita da seguinte maneira:

  1. Tomamos, em moeda nacional, o saldo das receitas (tributárias) e despesas (com títulos públicos com correção cambial e com o balanço de pagamentos). Os valores em dólares do déficit do balanço de pagamentos do setor público são, nesse momento, convertidos em moeda nacional pela taxa de câmbio nominal. Os demais valores são valores correntes em cruzados.

  2. Calculamos, em moeda nacional, qual teria sido o saldo das receitas e despesas se a taxa de câmbio tivesse assumido os valores da taxa de câmbio real, calculados na coluna 5 da Tabela 1. Nesse momento o déficit do balanço de pagamentos é convertido em cruzados pela taxa de câmbio real, e sobre os valores correntes de receitas tributárias e despesas com títulos públicos aplicamos as percentagens indicadas na coluna 5 da Tabela 1.

  3. Finalmente, diminuímos o valor encontrado em (a) do valor encontrado em (b) e, para ter uma ideia do valor relativo do resultado da subtração, nós o comparamos como PIB.

Os dados de base para os cálculos serão apresentados a seguir:

a) Balanço de pagamentos

Partindo dos dados do balanço de pagamentos dos vários segmentos do setor público (v. “Apêndice”) e retirando: (a) os depósitos da Resolução nº. 637, que figuram em “Outros Capitais” em 1988 (US$ 623 milhões), no Balanço do Banco Central; e (b) “Capitais de Curto Prazo” do Banco Central, encontramos os seguintes balanços de pagamentos ajustados:

Tabela 2
Déficit do balanço de pagamentos ajustado por conceito de setor público - 1985-88

b) Títulos públicos com correção cambial

Desprezando os juros e computando apenas o gasto com resgate do principal dos títulos com cláusula de opção cambial que venceram em 1985-88, observamos que o cálculo do rendimento pela correção cambial ficou invariavelmente acima daquele que se obteria com o emprego da correção monetária no período em questão, de forma que todos os títulos com opção cambial tiveram a opção confirmada.

Tabela 3
Despesas do Tesouro Nacional com resgate de títulos com correção cambial-1985-88

c) Receitas tributárias

As receitas tributárias relacionadas com operações externas computadas no período em análise foram as seguintes:

Tabela 4
Receitas tributárias sobre operações externas - 1985-88

4. RESULTADOS

Tanto as despesas com remuneração com títulos públicos com. opção cambial quanto as receitas tributárias com operações externas são operações do setor oficial que compõem os três conceitos de déficit apresentados. Portanto, aos valores encontrados para o déficit do balanço de pagamentos do setor público, devemos adicionar, nos três conceitos, os valores referentes aos títulos públicos com correção cambial e com receitas tributárias. O item receitas tributárias aparece com sinal invertido, uma vez que é item de receita, enquanto os outros são itens de despesa. Os valores resultantes são apresentados na Tabela 5.

Tabela 5
Efeito direto total scbre finançatt públicas decorrente de variação real da taxa de câmbio - 1985-88

Os dados da Tabela 5 ilustram qual foi o efeito direto sobre o déficit público decorrente de variações reais da taxa de câmbio no Brasil, em cada um dos anos do período 1985-88.

Sinal negativo indica efeito negativo, isto é, agravamento das finanças provocado pela variação real da taxa de câmbio. Sinal positivo indica o contrário, isto é, alívio nas finanças públicas decorrente de variação real da taxa de câmbio.

Em 1985, ano em que a taxa de câmbio se desvalorizou, o efeito negativo se fez notar apenas nos conceitos de déficit que computam as operações externas das empresas estatais (Conceitos 1 e 3). Naquele ano, no Conceito 2, o efeito positivo sobre as receitas tributárias compensou o efeito negativo sobre o déficit do balanço de pagamentos do Banco Central e do Setor Oficial e sobre as despesas com títulos cambiais do Tesouro Nacional. No entanto, o agravamento do déficit do balanço de pagamentos e as maiores despesas com títulos com correção cambial fizeram com que o resultado observado para o Setor Público, Conceito 2, nos anos seguintes, seguisse a mesma tendência dos demais conceitos. Isto é, a valorização cambial de 1986 a 1988 causou um alívio no déficit governamental.

Os resultados obtidos segundo o Conceito 2 revelam que a posição deficitária do balanço de pagamentos do Setor Oficial é em boa medida contrabalançada pelas receitas tributárias com operações externas.

As despesas com títulos com correção cambial não chegaram a representar, no período analisado, montantes tão expressivos quanto os outros dois itens.

A consolidação geral mostra, além disso, que, nos conceitos que incluem as empresas estatais (Conceitos 1 e 3), o efeito direto da política cambial sobre as finanças públicas foi dominado pelas relações do país com o exterior. O elevado peso das operações externas condicionou, em última instância, aquele efeito principalmente por intermédio dos elevados encargos com o endividamento externo.

4a. Introdução do efeito-preço sobre as exportações

A taxa de câmbio é o preço da divisa e, como tal, condiciona a oferta e a demanda desse “bem”. O efeito sobre a demanda ou a oferta de divisas do setor público decorrente de variações reais da taxa de câmbio foi por nós totalmente desprezado para todos os itens do balanço de pagamentos.

Quando oscilações reais significativas ocorrem, os supostos de rigidez de certos fluxos financeiros presentes no balanço de pagamentos se tornam menos sustentáveis. Abrandando então a hipótese de rigidez para o item exportações, o mais significativo dentre aqueles do balanço de pagamentos que apresentariam variações em moeda estrangeira decorrentes de variações cambiais (isto é, aumentaria ou diminuiria a oferta de divisas devido a alterações de preço dessa divisa), procedemos aos cálculos do efeito direto, considerando um efeito-preço para as exportações.

Utilizando a elasticidade-preço igual a 0,916 6 Elasticidade-preço das exportações brasileiras calculadas por A. Zini em “Funções de exportação e importação para o Brasil”, Pesquisa e Planejamento Económico, 18(3), dezembro, 1988, págs. 615-661. e imaginando que o efeito se daria dentro do período, calculamos, dada a variação real da taxa de câmbio (indicada na coluna 6 da Tabela 1), os novos valores potenciais das exportações das empresas estatais7 7 Desprezaram-se as do Setor Oficial por serem inexpressivas. no período 1985 a 1988. A partir daí chegamos aos novos valores para o déficit do setor público, nos Conceitos 1 e 3 (que incluem as empresas estatais). Procedendo de maneira semelhante à dos cálculos anteriormente efetuados, encontramos. (v. Tabela 6).

Tabela 6
Efeito direto total sobre finanças públicas decorrente de variação real da taxa de câmbio - 1985-88 (inclui efeito-preço sobre exportações)

Quando se introduz então um possível efeito-preço sobre as exportações, observa-se que:

  • em 1985, ano em que a taxa de câmbio estava desvalorizada, as exportações teriam sido inferiores ao que efetivamente foram, caso não ocorresse a desvalorização; o déficit do balanço de pagamentos das empresas estatais e consequentemente do setor público, Conceitos 1 e 3, teria sido então maior;

  • nos demais anos do período em que a taxa estava valorizada, as exportações teriam sido superiores ao que foram, caso não ocorresse a valorização; o déficit do balanço de pagamentos das empresas estatais e consequentemente do setor público, Conceitos 1 e 3, teria sido, então, menor.

Em 1985, o aumento do déficit em moeda nacional (convertido pela taxa de câmbio real) teria sido superior ao caso anterior, e a diferença entre esse déficit potencial e o efetivamente ocorrido teria então sido inferior, reduzindo o efeito negativo da desvalorização real, relativamente à situação anterior.

Nos demais anos, a queda do déficit teria compensado o aumento dos gastos oriundo de uma taxa de câmbio mais desvalorizada, de forma que o efeito positivo sobre finanças públicas da valorização cambial teria sido inferior àquele observado na situação anterior.

Uma política cambial mais realista, principalmente no período 86-88, poderia ter levado as empresas estatais a exportar a preços menores seus produtos, de forma que a receita em moeda estrangeira das exportações poderia ter sido inferior à observada.

Nesse caso, o efeito de oscilações cambiais sobre o déficit do balanço de pagamentos nos conceitos que incluem as estatais (Conceitos 1 e 3) poderia, na verdade, estar entre os valores apurados nas Tabelas 5 e 6.

5. CONCLUSÕES

A pesquisa visou determinar o impacto para o déficit do setor público, em vários conceitos, de decisões referentes à taxa de câmbio. Para esse propósito, levantamos os balanços de pagamentos dos vários segmentos do setor público, as despesas com títulos cambiais e as receitas tributárias com operações externas. Com base nos dados do período 1985-88, quantificamos os efeitos diretos e os expressamos em percentagem do PIB.

Confirmando os estudos tanto teóricos quanto empíricos de Reisen sobre os países altamente endividados e voltados “para dentro”, constatamos, para o caso brasileiro; que a desvalorização real observada em 1985 causou um efeito negativo, isto é, agravou o déficit público brasileiro se considerado em seu conceito mais abrangente (setor oficial mais Banco Central mais empresas estatais). Verificamos, ao mesmo tempo, que a valorização real observada no restante do período provocou efeito positivo, isto é, aliviou o déficit público brasileiro em qualquer um dos seus conceitos.

O conceito adotado de oscilação cambial real considerou como tal os desvios em relação à paridade de poder de compra de março de 1983 diante do dólar norte-americano. Dessa forma, valorizações cambiais reais são introduzidas pelas autoridades cambiais, numa economia com elevadas taxas de inflação, como a brasileira, e sob o sistema de taxas de câmbio administradas (como era até março de 1990), simplesmente pouco fazendo, isto é, mini desvalorizando a menor, na medida em que ocorra diferencial de inflação entre a moeda nacional e a moeda de referência (no caso, o dólar).

O fato de valorizações cambiais provocarem, num primeiro momento, efeitos positivos sobre as finanças públicas pode explicar a racionalidade da política de crescente valorização cambial levada a efeito pelo setor público no período 1986-88.

Na verdade, a análise quantitativa dos efeitos potenciais diretos sobre as finanças públicas brasileiras resultantes de oscilações cambiais coloca os condutores da política econômica diante de questões bastante delicadas. Se o ajuste externo requer a utilização da política cambial no sentido da desvalorização da moeda interna, o ajuste interno sugere a utilização daquela política em sentido oposto.

Deve-se ter em mente, no entanto, que esses resultados deixam de considerar os efeitos indiretos das oscilações cambiais. O cômputo daqueles efeitos poderia, talvez, levar a resultados diferentes e, no limite, quiçá anular os efeitos diretos. A simples introdução de um efeito-preço sobre exportações relativizou os resultados inicialmente encontrados.

O efeito indireto mais importante identificado na literatura, o efeito sobre a produção, poderia relativizar mais ainda os resultados ora apontados. Este é o caso em que uma desvalorização levasse a um aumento de produção. Mais produção implica mais impostos, mais emprego, mais renda e, novamente, mais impostos etc. Ao mesmo tempo, as exportações públicas seriam diretamente estimuladas, gerando mais receitas em moeda estrangeira para o setor público. Além desses, outros canais de intercomunicação do sistema econômico estão constantemente interagindo, de maneira que os resultados de análises que não levam em conta todos os possíveis desdobramentos de determinadas medidas devem ser tomados com a devida cautela.

Finalmente, a evidência empírica aponta para o grande obstáculo que o estoque de dívida externa coloca para o equilíbrio do balanço de pagamentos e das finanças do setor público. A anulação de parte substancial daquele estoque, através de mecanismos não convencionais, poderia quebrar o círculo vicioso da política econômica brasileira e, assim, abrir espaço para políticas econômicas internas e externas que favoreçam o crescimento sustentado e a inversão de tendência de concentração da renda e da riqueza.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • SEADE, Jesus. “Tax revenue implications of exchange rate adjustment”. In Fiscal Policy in Open Developing Economies Compilado por Vito Tanzi, Washington: FMI, 1990, págs.54-65.
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  • ZINI Jr., Álvaro. “funções de exportação e importação para o Brasil”. Pesquisa e Planejamento Econômico 18(3), dezembro, 1988, págs. 15-661.
  • 1
    Os balanços de pagamento do setor público, levantados individualmente para o Banco Central, Setor Oficial e Empresas Estatais e consolidados conforme os conceitos de setor público expostos adiante, fazem parte da tese de mestrado da autora, “Política cambial e déficit público”, defendida na UnB, em abril de 1991.
  • 2
    Helmut REISEN e Virginia FIERRO, “Tax revenue implications of the real exchange rate: econometric evidence from Korea and Mexico”. Technical Paper n. 12, OCDE, fevereiro de 1990; e Helmut REISEN “Interaction between the exchange rate on the public budget in major developing countries”. In: Fiscal Policy in Open Developing Economies, compilado por Vito Tanzi, Washington: FMI, 1990.
  • 3
    Vito TANZI. ‘’The impact of macroeconomics policies on the level of taxation (and the fiscal balance) in developing countries”. IMF Working Paper WP 88/95, outubro, 1988. Uma versão revisada desse texto foi publicada em Staff Papers, FMI, vol. 36, setembro, 1989, págs. 633-656.
  • 4
    Helmut REISEN, “Public debt, external competitiveness, and fiscal discipline in developing countries”. Princeton University, Princeton Studies in International Finance, novembro, 1989.
  • 5
    Jesus SEADE, “Tax revenue implications of exchange rate adjustment”. In: Fiscal Policy in Open Developing Economies, compilado por Vito Tanzi, Washington: FMI, 1990.
  • 6
    Elasticidade-preço das exportações brasileiras calculadas por A. Zini em “Funções de exportação e importação para o Brasil”, Pesquisa e Planejamento Económico, 18(3), dezembro, 1988, págs. 615-661.
  • 7
    Desprezaram-se as do Setor Oficial por serem inexpressivas.
  • 8
    JEL Classification: F31; H62.

APÊNDICE

Tabela 1
Balanço de pagamentos do Banco Central - 1985-1988
Tabela 2
Balanço de pagamento do setor oficial - 1985-1988
Tabela 3
Balanço de pagamentos das empresas estatais - 1985-1988
Tabela 4
Balanço de pagamentos do país - 1985-1988

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1993
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