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Indústria brasileira: perspectivas do crescimento acelerado

Brazilian industry: prospects for accelerated growth

RESUMO

a perspectiva de crescimento de dois dígitos para o setor industrial leva ao questionamento da sustentabilidade desse crescimento diante de muitos desafios a ele, como baixa capacidade instalada, flutuações no crescimento recente, inflação, entre outros. Este artigo avalia as limitações de crescimento da indústria brasileira, especialmente à luz do Plano Cruzado.

PALAVRAS-CHAVE:
Crescimento econômico; indústria; política industrial

ABSTRACT

the prospects of double-digit growth for the industrial sector prompts the questioning of the sustainability of such growth in face of many challenges to it, such as low installed capacity, fluctuations in recent growth, inflation, among others. This paper assesses the limitations of growth for the Brazilian industry, particularly in light of the Cruzado Plan.

KEYWORDS:
Economic growth; industry; industrial policy

As estimativas do Banco Central1 1 Banco Central do Brasil, Brasil - Programa Econômico, vol. 12, ago. 1986. para o desempenho da economia brasileira em 1986 indicam um crescimento do PIB em termos reais da ordem de 7%, apesar de uma queda esperada no produto agrícola de -10,2%. Estes números colocam em relevo o papel do crescimento da produção industrial (estimado em 11,5%), que estaria puxando o crescimento do PIB.

A questão que se coloca é a da possibilidade de sustentar esse crescimento acelerado com base na expansão do produto industrial. Argumenta-se aqui que alguns problemas já começam a aparecer, fazendo antever dificuldades à continuação do crescimento acelerado, na ausência de uma ampla retomada dos investimentos e de maior folga nas exigências em termos de realização dos saldos comerciais. Entre outros problemas, destacam-se: o virtual esgotamento da capacidade instalada de vários setores industriais, particularmente de bens intermediários; a inconsistência estrutural do crescimento recente da produção industrial, com os setores produtores de bens intermediários em descompasso de crescimento e com atraso em seus investimentos; os limites da recuperação dos investimentos, com uma mudança estrutural que se caracteriza pela maior intensidade de tecnologia e realização de ampliações marginais nas plantas existentes através de incorporação de equipamentos mais modernos, e a não-retomada dos investimentos em novos projetos. Na verdade, as possibilidades quanto à sustentação do crescimento acelerado são limitadas, se não houver uma retomada imediata dos investimentos do setor privado em novos projetos para expansão da capacidade de produção, em articulação com investimentos de setor público em insumos básicos e infraestrutura.

Tendo em vista essa problemática atual da economia brasileira, procura-se a seguir discutir as possibilidades e os limites do crescimento, com ênfase no setor industrial, que lidera esse crescimento. Faz-se inicialmente um sumário dos efeitos do Plano Cruzado sobre a indústria e, em seguida, discutem-se três pontos de especial relevância na atualidade: (a) a comparação entre o ritmo de crescimento da produção industrial e a expansão da demanda; (b) os níveis de utilização da capacidade instalada e a recuperação e limites dos investimentos, e (c) a indefinição da política industrial.

O PLANO CRUZADO E A INDÚSTRIA

Embora o Programa de Estabilização Econômica (Plano Cruzado) tivesse por objetivo específico interromper o processo de inflação acelerada - no que foi extremamente bem-sucedido -, teve outros efeitos importantes sobre a economia, como tem sido amplamente discutido. No caso particular da indústria, cabe lembrar os efeitos sobre o crescimento da produção, sobre os preços e sobre os investimentos.

Com relação à produção industrial, o Plano Cruzado veio reforçar uma tendência ao crescimento acelerado que já se vinha observando desde o segundo semestre de 1985, quando foram abandonadas as políticas recessivas dos primeiros meses do governo da Nova República. Entre julho de 1985 e fevereiro de 1986, a taxa de crescimento da produção industrial vinha se acelerando (9,8% no 3º. trimestre e 11,7% no 4º. trimestre de 1985, e 12,3% em janeiro-fevereiro de 1986, relativamente a iguais períodos anteriores). Após um primeiro impacto negativo em março, em virtude dos necessários ajustes de preços, o crescimento da produção industrial acelerou-se novamente em resposta ao superaquecimento da demanda interna que caracterizou os primeiros meses do Plano Cruzado. O principal componente desse aumento de demanda foi o segmento de bens de consumo, mas cresceu também substancialmente a demanda por máquinas e equipamentos requeridos para os investimentos necessários aos ajustes na estrutura de oferta. Adicionalmente, as exportações industriais voltaram a crescer, após o recuo observado em 1985.

Em consequência, ressurgiram questões de preços interindustriais, pressões sobre os preços congelados de alguns bens finais, problemas de abastecimento de bens intermediários e de alguns bens finais, e agravaram-se os pontos de estrangulamento latentes na estrutura de produção industrial. Diante desse quadro, os investimentos, embora intensificados, foram limitados primordialmente à compra de máquinas e equipamentos para ampliação/modernização das plantas existentes. A retomada mais ampla dos investimentos dependia do equacionamento de questões fundamentais, como a recuperação da capacidade de investimento do setor público em insumos básicos e infraestrutura (sobretudo energia) e a definição da política industrial. Essas questões foram apenas em parte resolvidas pelo Plano de Metas.

O CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO E A EXPANSÃO DA DEMANDA

Os dados do IBGE sobre a produção industrial para o período janeiro-agosto mostram que o crescimento continua acelerado, apesar da retração em algumas indústrias com problemas de abastecimento e/ou preços nas relações intersetoriais, como é o caso de: montadoras de autoveículos, material elétrico (principalmente produtos eletrônicos), produtos químicos e alimentares (especialmente processamento de carnes). Esse crescimento acelerado da produção industrial no período pós-cruzado vem sendo liderado pela produção de bens duráveis de consumo e bens de capital, enquanto a produção de não duráveis de consumo e intermediários vem crescendo a taxas inferiores às do período julho/1985-fevereiro/1986.

Esse crescimento acelerado, liderado pela expansão da produção de duráveis de consumo e bens de capital, coloca uma importante questão em termos de perspectivas para o crescimento industrial brasileiro. Como se sabe, esses segmentos caracterizam-se como consumidores intensivos de bens intermediários, principalmente aqueles produzidos por empresas estatais. Ocorre que a produção de intermediários está crescendo a um ritmo de apenas entre 1/3 e 1/4 do ritmo de crescimento da produção de bens de capital e duráveis de consumo. Especificamente em relação a estes últimos, a relação era de 1/5 no primeiro semestre deste ano. Além disso, como se discute adiante, o segmento de bens intermediários é o que se encontra com maiores níveis de utilização da capacidade instalada e, com exceção dos segmentos mineração e celulose/papel, o que se encontra mais atrasado em termos de investimentos. Isso revela uma inconsistência estrutural do crescimento recente que pode estar na raiz dos problemas de abastecimento de intermediários e/ou do ressurgimento de questões de preços interindustriais (sobrepreços de matérias-primas e componentes), bem como pode trazer dificuldades para a realização de saldos comerciais com produtos intermediários, além, obviamente, de dificultar a própria sustentação do crescimento acelerado.

Por outro lado, a demanda interna por bens de consumo, veículos, autopeças e materiais de construção continua aquecida, apesar de uma ligeira queda em agosto relativamente a julho, possivelmente por efeito dos empréstimos compulsórios e da elevação das taxas de juros. Entretanto, resta saber quanto dessa queda pode ser atribuída a uma redução de demanda propriamente e quanto resulta de insuficiência de oferta em razão dos já mencionados problemas de abastecimento e preços de matérias-primas e bens intermediários. De qualquer modo, tudo indica que realmente houve um arrefecimento no ritmo de expansão do consumo, porém com a estabilização ocorrendo em patamares substancialmente mais elevados que os de antes do Plano Cruzado. No caso de bens de consumo, a demanda é mais intensa por veículos, bens duráveis e semiduráveis (tecidos, vestuário e calçados), cujas vendas na região metropolitana de São Paulo2 2 Dados da Federação e Centro do Comércio do Estado de São Paulo. cresceram respectivamente 43,3%, 34,6% e 45,6% no período janeiro-agosto/1986, relativamente a igual período de 1985. Entre os não duráveis, é também forte a pressão de demanda por produtos farmacêuticos e de perfumaria (+ 61% no mesmo período). Em duráveis e não-duráveis houve ainda uma variação positiva das vendas em agosto, relativamente ao mês anterior, caindo porém as de semiduráveis.

Da mesma forma, tem-se intensificado a demanda de bens de capital, como indicam os expressivos aumentos do número de semanas de produção garantida por pedidos em carteira em julho, relativamente a abril,3 3 Ver dados da Sondagem Conjuntural de julho, da FGV, divulgados na Gazeta Mercantil de 29.8.1986. especialmente de máquinas operatrizes e aparelhos industriais ( + 84,8%); equipamentos para instalações industriais ( + 17,5%); máquinas e aparelhos para produção e distribuição de energia elétrica ( + 78,5%); aparelhos e utensílios elétricos para fins industriais, comerciais e técnicos ( + 30,8%), e caminhões, ônibus e semelhantes ( + l05,6%). Entre os bens intermediários é também expressivo o aumento dos pedidos em carteira, especialmente de material de construção, embalagens de vidro, metais não ferrosos, produtos de madeira, celulose, papel e papelão, produtos de borracha, produtos de matérias plásticas, fios e tecidos.

Pelo lado da demanda externa, os dados da FUNCEX indicam que no primeiro semestre de 1986 as exportações industriais também estavam crescendo a taxas elevadas (9,3% até junho), em função do câmbio favorável e, em alguns casos, de melhores preços no mercado externo. Entretanto, a pressão da demanda no mercado interno tende a dificultar a continuidade dessa taxa de expansão das exportações de manufaturados, especialmente bens intermediários, cujos níveis de utilização de capacidade já se encontram bastante elevados. Da mesma forma, pode ocorrer perda de competitividade externa na medida em que os aumentos reais de salário e outros custos industriais não sejam compensados por ganhos de produtividade.

Em suma, conquanto a produção industrial venha crescendo em ritmo acelerado, esbarrando embora em dificuldades de abastecimento de bens intermediários, a pressão de demanda mantém-se forte, não se vislumbrando qualquer possibilidade de equilíbrio no curto prazo - a menos que sejam adotadas estratégias recessivas, que o governo corretamente quer evitar, ou da redução imediata dos saldos comerciais necessários ao serviço da dívida. Uma vez que a renegociação dos termos da dívida externa é sabidamente um processo demorado, e desconsiderando a hipótese de se implementar políticas de redução da demanda agregada, torna-se crucial promover a imediata retomada dos investimentos em larga escala, tanto do setor privado quanto do setor público, como forma de evitar estrangulamentos de oferta, embora essa retomada implique maior pressão de demanda (interna e por importações) de bens de capital4 4 Deve-se lembrar que o segmento de bens de capital sob encomenda ainda apresenta níveis elevados de ociosidade, em virtude de as empresas estatais - principais compradoras desses bens - ainda não terem retomado seus investimentos. e intermediários e, por extensão, de bens de consumo.

Na verdade, as possibilidades de a produção industrial continuar em ritmo acelerado são limitadas, se não houver uma rápida intensificação dos investimentos, como se discute a seguir.

NÍVEIS DE UTILIZAÇÃO DA CAPACIDADE INSTALADA E INVESTIMENTOS

Os dados sobre níveis atuais de utilização da capacidade instalada em algumas indústrias (Tabela 1) mostram que a despeito do nível médio de utilização (82% em julho) ainda apresentar folga razoável, muitos setores ou indústrias específicas caminham rapidamente para o esgotamento da sua capacidade, quando já não o atingiram, a exemplo de: celulose, aços planos comuns, ferro-ligas, soda e cloro, e matérias-primas para fertilizantes. Os estrangulamentos são mais visíveis nas indústrias produtoras de bens intermediários, como as acima citadas e outras (principalmente fios e tecidos de algodão, embalagens plásticas, papéis para impressão, pneus e câmaras de ar, metais não-ferrosos e produtos de madeira). Mas os níveis de utilização são também elevados em algumas indústrias dos segmentos de bens de consumo (particularmente têxteis, calçados, eletrodomésticos, móveis, material de limpeza e cigarros) e de bens de capital seriados, principalmente máquinas e equipamentos com controle numérico computadorizado.

Tabela 1:
Principais indústrias com problemas de capacidade

A sondagem conjuntural da FGV para o mês de julho revela ainda que 38% das empresas ouvidas estavam operando acima de 90% de utilização de sua capacidade, contra 30% do número de empresas ouvidas em abril. Isto apesar de muitas empresas terem declarado não poder operar a plena carga por falta de matérias-primas e componentes.5 5 O número de empresas que declaram ter a expansão da sua produção limitada pela escassez de matérias-primas e/ou componentes representou 45% do número de empresas entrevistadas no segmento de bens de consumo e 38% no de bens de capital. No mês de abril esses números eram respectivamente 25% e 27%

Constituem-se também gargalos para a continuidade do crescimento acelerado o suprimento de energia - particularmente energia elétrica - e de serviços de transporte. Na área de energia elétrica, o consumo vem crescendo a taxas elevadas no período pós-cruzado (15% entre março e julho, em relação a igual período de 1985), apesar do cancelamento dos contratos de Energia Garantida por Tempo Determinado (EGTD) com a indústria.

Com isso, acentuaram-se as deficiências do setor, principalmente quanto à transmissão e distribuição. Segundo estimativas do BNDES, os investimentos necessários no setor de energia elétrica, na hipótese conservadora de um crescimento médio do PIB de 7% ao ano no período 1986-1989, são da ordem de US$ 5,5 bilhões anuais, dos quais cerca de 50% em transmissão e distribuição.

No setor de transporte, os gargalos encontram-se nos níveis de capacidade física do setor, devido principalmente a:6 6 Cf. informações do BNDES, Departamento de Infraestrutura. 1) deficiências do transporte urbano nas áreas metropolitanas; 2) deterioração da malha rodoviária de carga; 3) deterioração de linhas, inadequação ou obsolescência de grande parte do material rodante e inadequação da rede viária na modalidade de transporte ferroviário de carga; 4) problemas no setor portuário, tais como deterioração das instalações, sistemas e equipamentos, obsolescência dos sistemas de movimentação, inadequação do sistema de armazenagem, e inadequação e/ou ausência de integração tisica e operacional eficaz com outros meios de transporte, especialmente o ferroviário e o rodoviário.

Quanto aos investimentos, há indicações de uma aceleração no seu ritmo, embora sem caracterizar ainda um movimento de retomada dos investimentos em grandes projetos. Os indicadores físicos do investimento (Tabela 2) sugerem que a recuperação dos níveis de investimento começou em 1984 e, apesar da forte aceleração em 1985 e nos primeiros cinco meses de 1986, ainda está longe de recuperar os níveis pré-recessão. Isto pode ser explicado pelo fato de que os investimentos realizados em 1984-1986 são quantitativamente menos significativos, porém qualitativamente diferentes, isto é, intensivos em tecnologia e orientados para a modernização e aumento da produtividade da indústria. Este ponto é retomado adiante.

Tabela 2:
Indicadores do investimento fixo índices (base: 1980 = 100)

Da mesma forma os desembolsos do Sistema BNDES para financiamento de investimentos fixos (Tabela 3) também indicam um movimento de recuperação dos níveis de investimento. Entretanto observa-se uma grande disparidade setorial nas taxas de variação real dos desembolsos. Isto significa que, aparentemente, a recuperação dos investimentos estaria ocorrendo de forma mais intensa nos segmentos industriais de bens de capital, bens de consumo e construção civil, nos setores de infraestrutura (exceto energia), e na agricultura, permanecendo relativamente atrasados os investimentos em energia e insumos básicos, setores dominados por empresas estatais. Confirma-se assim o que foi dito atrás sobre os estrangulamentos já visíveis nos setores de bens intermediários e energia, e deixa claro que há uma falta de articulação entre os investimentos do setor público e os investimentos do setor privado.7 7 Outra evidência nesse sentido é o fato de que, no período janeiro-agosto de 1986, relativamente a janeiro-agosto de 1985, os desembolsos do sistema BNDES para o setor privado aumentaram 42% em termos reais, enquanto nos desembolsos para o setor públicos (estatais) houve uma variação real negativa (- 14%). Em termos de aprovações (novas operações), as variações reais foram de respectivamente + 100% e - 19%.

Tabela 3:
Desembolsos do sistema bndes por setor recursos ordinários período janeiro-agosto de 1986 sobre igual período de 1985

Os créditos da FINAME (Tabela 4), por sua vez, indicam um extraordinário aumento das compras de máquinas e equipamentos principalmente por parte de pequenas e médias empresas (+ 197,3% em termos reais no período janeiro-agosto de 1986, relativamente a igual período de 1985). Do total dos desembolsos da FINAME nesse período, a maior parte (68%) destinou-se à indústria (inclusive agroindústria e construção civil), e os acréscimos mais significativos deram-se nos setores de mineração, siderurgia, química/petroquímica, bens de capital e componentes, e bens de consumo. Os dados sobre deferimentos de créditos, por outro lado, indicam que a tendência é crescente, o que implicará reforçar os recursos da FINAME, especialmente para o programa Pequena e Média Empresa, que no final de agosto último já havia praticamente esgotado os recursos previstos para todo o ano de 1986.

Tabela 4:
Liberações e deferimentos de créditos por programas janeiro-agost0/1985 sobre igual período de 1985

Entretanto, apesar de indicarem uma recuperação dos investimentos, essas evidências não permitem afirmar que já se iniciou um novo ciclo de investimentos na indústria. Na verdade, os investimentos estão sendo feitos predominantemente em expansão da capacidade produtiva em plantas existentes, por meio da introdução de máquinas e equipamentos tecnologicamente mais avançados, automação de processos, eliminação de gargalos etc. Esses investimentos intensivos em tecnologia têm propiciado um expressivo ganho de produtividade do trabalho na indústria de transformação (11,2% em 1984-1985, segundo dados do IBGE) e podem explicar por que a indústria, apesar de já ter recuperado e ultrapassado o nível de produção anterior à recessão, ainda não voltou aos níveis de 1980 em termos de investimento e emprego.

São poucos os setores que já estão partindo para novos projetos, como por exemplo celulose/papel e petroquímica. Mas mesmo nesses setores, os grandes projetos ainda não entraram em execução. Diversas razões podem ser arroladas para explicar esse comportamento: taxas de juros ainda relativamente altas, defasagens de preços relativos em razão do congelamento, escassez de mão-de-obra qualificada e, apesar do Plano de Metas, principalmente porque ainda perduram incertezas quanto aos investimentos públicos em insumos básicos e infraestrutura, especialmente energia, e pela indefinição da política industrial. Este último ponto é discutido na próxima seção.

Quanto aos insumos industriais básicos é particularmente importante definir imediatamente a nova fase de investimentos do setor público em siderurgia e petroquímica. Quanto à siderurgia, os investimentos definidos no Plano de Metas (complementação do Estágio III do plano de expansão das usinas estatais e entrada em operação da metalurgia da AÇOMINAS) são suficientes apenas até o final da década. Já a partir de 1989 se espera que serão necessárias importações crescentes de laminados planos comuns, e isto na hipótese de que se reduza a parcela da produção destinada ao mercado externo, dos atuais 32% para cerca de 20% da capacidade de produção em 1989. Portanto, dado o longo prazo de maturação dos investimentos nesse setor, é necessário definir desde já o novo ciclo de investimentos em siderurgia, seja através da expansão das usinas existentes, seja pela implantação de novas usinas.

No caso específico da indústria petroquímica, a capacidade está praticamente esgotada e já estão sendo importados soda cáustica, termoplásticos (PVC, polietileno), alguns intermediários petroquímicos e matérias-primas para fertilizantes. Acréscimos marginais de capacidade podem ser obtidos com investimentos de montante relativamente reduzido no desengargalamento dos polos petroquímicos do sul e de São Paulo e na complementação do Polo Cloroquímico de Alagoas. Entretanto, é absolutamente fundamental definir desde já a nova fase de expansão da indústria petroquímica, uma vez que a maturação dos investimentos em novas centrais de matérias-primas é de quatro a cinco anos após tomada a decisão de investir. As questões a serem equacionadas são: (1) onde localizar a expansão da capacidade (Central de matérias-primas) e, relacionada a esta primeira questão, (2) qual a rota tecnológica a ser seguida, ou seja, qual a matéria-prima básica (nafta ou gás natural), e (3) planejar a expansão da capacidade com ou sem reserva para exportação.

Há consenso sobre a necessidade de consolidar o Polo Petroquímico do Sul através da implantação de unidades de segunda geração que deem plena utilização aos produtos da central de matérias-primas da COPESUL. Há também consenso sobre a necessidade de consolidar o Polo Cloroquímico de Alagoas, completando-se a duplicação da produção de soda-cloro da SALGEMA e a implantação das unidades de segunda geração já definidas. A polêmica gira em torno da nova central de matérias-primas - ou novo complexo petroquímico -, ou seja, se se deve duplicar Camaçari (cuja matéria-prima básica é a nafta), ou construir um novo complexo no estado do Rio de Janeiro à base de gás natural.

Ambas as alternativas apresentam vantagens e desvantagens. Camaçari possui a grande vantagem de já ter sido projetada prevendo sua duplicação, em termos de infraestrutura, sistema de tratamento de efluentes etc. Com isso, seu prazo de execução seria pelo menos dois anos mais curto que o da implantação de um novo complexo - o que é extremamente significativo face ao atraso (também de pelo menos dois anos) na expansão do setor - e seu custo seria cerca de 40% menor. Além disso, sua estrutura empresarial já está formada, o que também significa ganhar tempo. Entretanto, Camaçari apresenta a desvantagem de que a nafta tem perspectiva de oferta interna insuficiente, tanto pelo seu uso na crescente produção de diesel quanto pela sua menor produção interna, à medida que o petróleo importado é substituído por petróleo nacional (que tem menor conteúdo de nafta). Além disso, haveria necessidade de investimentos em refino (ampliação da Refinaria Landulfo Alves, RLAN, ou construção de uma nova refinaria no Nordeste) para produzir nafta ou gasóleo.

Por outro lado, o gás natural teria como vantagens o aproveitamento da produção de gás associado à extração do petróleo; menor investimento por tonelada/ano de capacidade (em comparação a um novo complexo petroquímico à base de nafta), menor geração de excedentes de coprodutos indesejados e de difícil colocação no mercado externo e menor dispêndio de divisas para importação de matérias-primas. Contudo, a implantação de um novo polo petroquímico à base de gás natural (no Rio de Janeiro ou em qualquer outra localização) demandaria um prazo muito mais longo de execução, desde a escolha e desapropriação dos terrenos, formação do esquema empresarial, até a realização dos investimentos. Além disso, para garantir o suprimento de gás por um prazo mais longo, será necessário viabilizar a exploração das reservas de gás natural não associado. Estas se encontram em águas profundas, cuja tecnologia de exploração não é disponível, sendo assim necessários pesados investimentos em desenvolvimento de tecnologia apropriada.

É claro que não cabe aqui aprofundar essa discussão. Entretanto, as projeções de demanda por produtos petroquímicos indicam que, além da consolidação do Polo Petroquímico do Sul e do Polo Cloroquímico de Alagoas, será necessário iniciar imediatamente a duplicação de Camaçari e, paralelamente, iniciar os estudos para a constituição do complexo à base de gás natural no Rio de Janeiro, para entrar em operação em meados da próxima década. Para princípio do século XXI, a alternativa que se oferece é a da duplicação do Polo Petroquímico do Sul.

Quanto ao planejamento da capacidade de produção com reserva para exportação, trata-se de estratégia útil não só para preservar mercados duramente conquistados, como também para forçar a indústria a aumentar sua produtividade e eficiência e assim ganhar mais competitividade no mercado internacional. Porém, deve-se reconhecer que o Brasil não possui vantagens comparativas óbvias nessa indústria, e somente um estudo detalhado sobre a lógica da competitividade da indústria petroquímica ao nível internacional pode determinar se o Brasil teria condições de competir. Só assim se justificaria investir em capacidade para exportação.

Deve-se ponderar, no entanto, que a realização dos investimentos públicos na área de insumos básicos e infraestrutura está condicionada ao equacionamento da situação financeira das empresas estatais desses setores, que se insere na questão mais ampla da renegociação da dívida externa. O setor produtivo estatal encontra-se com níveis elevados de endividamento, herança do período de crescimento com endividamento, e sua situação vem sendo agravada pela defasagem de preços. Somente a consolidação das dívidas das estatais, articulada a uma renegociação da dívida externa, permitiria recuperar a capacidade de investimento do setor produtivo estatal - já que não se cogita em aumentos reais de preços e tarifas - e assim evitar problemas de abastecimento interno e/ou redução do saldo comercial de produtos intermediários.

Em suma, tanto os dados sobre níveis de utilização da capacidade quanto sobre investimentos corroboram a discussão da seção anterior, isto é, uma grande parte dos problemas de abastecimento e sobrepreço de bens intermediários (matérias-primas e componentes) pode ser explicada pelo descompasso do crescimento e atraso dos investimentos nos setores produtores de bens intermediários, muitos já operando no limite de sua capacidade instalada. Em grande parte, esse atraso se deve à indefinição dos investimentos públicos em insumos básicos e infraestrutura (energia e transportes).

INDEFINIÇÃO DA POLÍTICA INDUSTRIAL

Desde o início do governo da Nova República foram produzidos vários documentos, oficiais ou oficiosos, contendo sugestões para a política industrial brasileira: o IPND/NR, a primeira proposta do MIC no atual governo (apresentada em dezembro de 1985),8 8 MIC, A Política Industrial da Nova República. Brasília, dez. 1985. Para uma apreciação crítica desta proposta de política industrial, ver W. Suzigan, “A Indústria Brasileira em 1985/86: Desempenho e Política”, in: Ricardo Carneiro (org.), Política Econômica da Nova República. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. o relatório apresentado por um grupo interministerial de política industrial, em julho de 1986, uma segunda proposta do MIC (na verdade, uma versão modificada da primeira, com especificação de políticas setoriais, apresentada em julho de 1986 como detalhamento da estratégia industrial do IPND), e finalmente a política industrial e tecnológica do Plano de Metas, também de julho de 1986. Esta última, embora demasiadamente sumária, incompleta e até mesmo com inconsistência em relação à meta de expansão do emprego, baseou-se no relatório apresentado pelo Grupo Interministerial acima referido e formalmente constitui-se a política industrial do governo.

Resumidamente, o Plano de Metas propõe, em termos de política industrial, (1) o estreitamento do gap tecnológico da indústria brasileira; (2) a modernização e renovação do parque industrial, tendo em vista o aumento da produtividade e da competitividade internacional da indústria; (3) o fortalecimento das indústrias de bens de consumo popular, em consonância com o objetivo de crescimento econômico. com aumento do salário real e implementação de programas sociais do governo, e (4) expansão das exportações industriais a uma taxa de 20% ao ano. Nesse sentido, os únicos setores considerados são os de tecnologia de ponta (microeletrônica, biotecnologia, química fina, mecânica de precisão e novos materiais e metais estratégicos, que seriam implantados ou consolidados; bens de consumo popular, cuja produção deve crescer à taxa mínima de 7% ao ano, e siderurgia, em relação à qual a meta é a de ampliar a capacidade de produção de aços planos comuns das cinco principais usinas do sistema SIDERBRÁS de 13,2 milhões de toneladas para 17,3 milhões.9 9 Na verdade, só três das cinco usinas seriam ampliadas, já que, segundo dados da própria SIDERBRÁS, a capacidade atual da Cia. Siderúrgica de Tubarão, bem como da USIMINAS, não será aumentada. Outros setores de insumos básicos, mesmo aqueles sob controle de empresas estatais, não tiveram suas metas explicitadas.

Em relação à meta de criação de empregos pelo setor industrial (3 milhões de novos empregos até 1989), há uma aparente inconsistência com a meta de crescimento do produto e sobretudo com o objetivo de modernização e desenvolvimento tecnológico. De fato, para uma meta de crescimento do produto industrial de 7,7% a.a., espera-se uma taxa de crescimento do emprego industrial de 5,9% a.a., o que dá implicitamente uma taxa de aumento da produtividade de apenas l,7% a.a., muito baixa até mesmo pelos padrões históricos, e principalmente se se levam em conta os objetivos de incorporação de novas tecnologias, modernização do parque industrial, automação de processos etc. Para se ter ideia no período 1984-1985, quan­do os investimentos na indústria tiveram esses objetivos, a produtividade da indústria de transformação aumentou 11,2%. De duas uma: ou não se vão atingir os objetivos da política industrial proposta, ou o emprego industrial não será expandido às taxas desejadas.

Concretamente, porém, nenhuma medida foi até agora anunciada no sentido de implementar essa política industrial. Entretanto, a retomada dos investimentos· para consecução dos objetivos propostos é fundamental para a própria sustentação do Plano Cruzado e, de modo geral, para viabilizar a estratégia de crescimento econômico com estabilidade de preços, aumento do salário real e implementação dos programas sociais de atendimento às necessidades básicas da população. Esses investimentos devem ser orientados para ampliar a capacidade de produção, reduzir custos e aumentar a eficiência da indústria, e articulados com investimentos públicos complementares nos setores de insumos básicos e infraestrutura econômica e social.

  • 1
    Banco Central do Brasil, Brasil - Programa Econômico, vol. 12, ago. 1986.
  • 2
    Dados da Federação e Centro do Comércio do Estado de São Paulo.
  • 3
    Ver dados da Sondagem Conjuntural de julho, da FGV, divulgados na Gazeta Mercantil de 29.8.1986.
  • 4
    Deve-se lembrar que o segmento de bens de capital sob encomenda ainda apresenta níveis elevados de ociosidade, em virtude de as empresas estatais - principais compradoras desses bens - ainda não terem retomado seus investimentos.
  • 5
    O número de empresas que declaram ter a expansão da sua produção limitada pela escassez de matérias-primas e/ou componentes representou 45% do número de empresas entrevistadas no segmento de bens de consumo e 38% no de bens de capital. No mês de abril esses números eram respectivamente 25% e 27%
  • 6
    Cf. informações do BNDES, Departamento de Infraestrutura.
  • 7
    Outra evidência nesse sentido é o fato de que, no período janeiro-agosto de 1986, relativamente a janeiro-agosto de 1985, os desembolsos do sistema BNDES para o setor privado aumentaram 42% em termos reais, enquanto nos desembolsos para o setor públicos (estatais) houve uma variação real negativa (- 14%). Em termos de aprovações (novas operações), as variações reais foram de respectivamente + 100% e - 19%.
  • 8
    MIC, A Política Industrial da Nova República. Brasília, dez. 1985. Para uma apreciação crítica desta proposta de política industrial, ver W. Suzigan, “A Indústria Brasileira em 1985/86: Desempenho e Política”, in: Ricardo Carneiro (org.), Política Econômica da Nova República. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
  • 9
    Na verdade, só três das cinco usinas seriam ampliadas, já que, segundo dados da própria SIDERBRÁS, a capacidade atual da Cia. Siderúrgica de Tubarão, bem como da USIMINAS, não será aumentada.
  • 10
    JEL Classification: L11; O40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1987
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