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Interpretação gráfica dos custos de programas de ajustamento

Graphical interpretation of adjustment program costs

RESUMO

Este trabalho é baseado em um artigo de Bresser-Pereira, no qual ele propõe representar os custos líquidos de um ajuste econômico aplicado a um país. Para esse estudo, ele usou uma ferramenta gráfica. De um modo geral, podemos dizer que existem duas situações: a primeira ocorre quando o governo do país decide aplicar os ajustes e reformas assim que surgirem distorções. O segundo acontece quando o governo, apesar das evidências, atrapalhando as reformas, espera por um consenso da sociedade. Para ilustrar esses dois casos diferentes, o México e a Argentina foram escolhidos. Embora o gráfico tenha tentado mostrar os custos de transição do ajuste, é possível deduzir outras coisas interessantes - base deste trabalho.

PALAVRAS-CHAVE:
Estabilização; inflação

ABSTRACT

This work is based on a Bresser-Pereira’s paper, in which he proposes to represent the liquid costs of an economic adjustment applied upon a country. For that study he used a graphic tool. Generally speaking, we may say that there are two situations: the first one occurs when the country ‘s government decides to apply the adjustments and reforms as soon as distortions appear. The second one happens when the government, in spite of the evidences, muddling through reforms, waits for a society consensus. To illustrate this two different cases, Mexico and Argentina were chosen. Although the graphic tried to show the transitional costs of adjustment, it is possible to deduce other interesting things - basis of this work.

KEYWORDS:
Stabilization; inflation

1. INTRODUÇÃO

Em “Efficiency and politics of economic reforms in Latin America”1 1 Capítulo do livro a ser brevemente publicado, BRESSER-PEREIRA, L., PRZEWORSKI, A. e MARAVAL, J. Economic reforms in new democracies. Cambridge University Press, 1992. , Luiz Carlos Bresser-Pereira enfatiza a necessidade de ajustamentos e reformas estruturais em países latino-americanos, porém de modo a minimizar os custos sociais decorrentes. Dentro desse espírito e diante da frágil e recente democracia na maioria dos países estudados pelo autor, este discorda do critério rígido imposto pelos programas ortodoxos que, não levando em conta certas peculiaridades que caracterizam as inflações nesses países, geralmente fracassam ou são politicamente impraticáveis.

Grande ênfase é dada ao componente inercial das inflações latino-americanas, em que a população, acostumada a conviver com longos períodos de inflações crônicas, desenvolve mecanismos de proteção formais e informais, que basicamente tentam repor o valor presente baseado na inflação passada, tornando-a inercial.

Bresser-Pereira chama a atenção para os programas neoliberais, de caráter ortodoxo, aplicados em países latino-americanos, programas que, ao não considerar o caráter inercial da inflação, quando não são simplesmente ineficientes, tendem a gerar elevados custos sociais e, uma vez alcançada a estabilização de preços, não conseguem fazer com que o país volte a crescer à velocidade desejada e necessária.

Outro fator relevante é que os programas ortodoxos de caráter neoliberal tendem a enfraquecer e imobilizar a atuação do Estado na economia.

Aceitando a necessidade da redução do aparato estatal, porém discordando de que a estabilização e o enfraquecimento do Estado sejam suficientes para retomar o crescimento econômico, o autor afirma que a presença de um Estado forte é imprescindível para o desenvolvimento econômico de um país: “Quando um Estado está paralisado por causa de uma crise fiscal, toda a economia tende a ficar imobilizada”. Para isso, os programas de reformas devem ser elaborados e executados de forma a restaurar a poupança pública e devolver ao Estado sua capacidade de intervir, porém com um novo papel, como coordenador do crescimento econômico.

Aceitando o princípio de que os ajustes devem ser realizados - ajustes estes tecnicamente corretos e politicamente possíveis - e que, fatalmente, incorrerão em custos sociais, os políticos responsáveis pela implementação dos programas de ajustamento, sob pressão permanente da sociedade, defrontam-se com uma grande dúvida: devem realizar os ajustes rapidamente e com profundidade, ou retardá-los de forma a obter consenso de toda a sociedade? E ainda: qual critério incorrerá em menor custo social para o país?

Para facilitar a compreensão dos custos líquidos decorrentes da implantação de programas de ajustamento, Bresser-Pereira propõe representá-los por intermédio de um gráfico - inverso ao dos custos em função do tempo. Procuro, neste trabalho, explorar melhor esse gráfico e as conclusões econômicas que podem ser extraídas de sua análise mais detalhada.

O gráfico proposto é composto por duas curvas, sendo que a primeira - que denominarei curva “C1” - declina a uma taxa crescente e representa o custo de não ajustar a economia e protelar (“empurrar com a barriga” o ajuste), e a segunda “C2”, com formato de U, representa a envoltória (ou curva-envelope) de diversas e possíveis curvas de custo provenientes dos programas de ajustamento.

Como o eixo das ordenadas representa o inverso do custo, à medida que se aproximar do eixo das abscissas, maior será o custo que a sociedade estará pagando em implementar, ou não, o programa.

Gráfico 1:
Custos de ajustamento e de não-ajustamento

No instante “t” em que o país decide pelo ajuste, ele passa da curva C1 para acurva C2, em uma trajetória vertical. A passagem da curva C1 para a curva C2 levará, automaticamente, a um aumento nos custos em que se estava incorrendo por não ajustar a economia. Essa diferença nos custos (C2- C1), ou custo líquido, é a diferença vertical entre as curvas C1 e C2 e pode representar a consequência imediata da implementação de um “pacote” de medidas econômicas. Ou seja, a consequência imediata poderá ser uma queda temporária no consumo, um aumento da taxa de inflação e desemprego ou, resumindo, uma temporária deterioração econômica advinda da implementação do programa.

A partir de um dado instante, o custo líquido do ajuste - passar de C1 para C2 - vai se tornando decrescente na medida em que as duas curvas se aproximam de um ponto comum, seu cruzamento. O ponto de encontro das curvas C1 e C2 representa o instante em que inexiste custo líquido para fazer os ajustes, e também a última chance de sua implementação, antes do caos econômico. A deterioração econômica a que o país foi submetido ao longo do tempo faz com que não haja mais diferenças de custos ao implementar um programa de ajustamentos. A persistência em não ajustar, nesse instante, levará ao caos econômico, que é representado pelo ponto em que a curva C1 se torna vertical ou perfeitamente inelástica.

Para tornar o modelo mais compreensível, aceitarei a hipótese de que um país, ao adotar um programa de ajustamento, almeje atingir um conjunto de objetivos (crescimento econômico, controle da inflação, maior eficiência econômica etc.), representado no Gráfico 2 por uma reta horizontal pontilhada, que denominarei “metas do programa de ajustamento”.

Gráfico 2:
Curvas de ajustamento especificas e metas do programa de ajustamento

Após passar de C1 para C2, ou seja, após a implementação dos ajustes, o país passa a descrever uma trajetória de custos, ao longo do tempo, procurando atingir o mais rapidamente possível suas metas do programa de ajustamento, o que significa atingir os objetivos a que se propôs. A trajetória a partir de C2 até a reta horizontal, “metas do programa de ajustamento”, será sua curva específica de ajustamento. Essa curva representará os custos totais incorridos desde a implementação de seu programa até atingir as “metas do programa de ajustamento”, onde seus custos decorrentes do ajustamento e reformas estarão zerados. A inclinação de sua curva específica estará intimamente ligada à profundidade e eficiência de seu programa de ajustamentos e reformas, ou seja, quanto mais eficiente for este programa, maior será a inclinação de sua curva específica, o que significa que mais rapidamente atingirá seus objetivos.

Possíveis curvas de ajustamento específicas, que tangenciam C2, são representadas no Gráfico 2 por C2b e C2c.

Para comparar a condição que levará ao menor custo social, optando-se em apressar e aprofundar os ajustes ou retardá-los ao máximo, o autor cita dois casos:

México e Argentina. O primeiro realizou ajustes profundos em sua economia tão logo constatou desequilíbrios em seu balanço de pagamentos e, portanto, antes do cruzamento de C1 e C2, e o segundo, somente após diversos surtos hiperinflacionários - representado após o cruzamento de C1 e C2.

2. O CASO DO MÉXICO

O México resolveu implementar seus ajustes tão logo aflorou sua crise econômica. Esta se deveu a sua incapacidade de gerir o déficit do balanço de pagamentos, em 1982, representado no Gráfico 3 pelo ponto “A”. No instante “tm” em que o país decidiu implementar seu programa de ajustamento na economia, este passou do ponto “B” na curva C1 -que representa o custo em que estava incorrendo em não ajustara economia - para o ponto “D” na C2, representando o custo que passou a ter imediatamente após o programa de ajustamento.

Gráfico 3:
Caminho percorrido pelo México

O custo líquido pago por essa decisão é representado, no Gráfico 3, pela diferença entre os pontos “D” e “B”.

A partir do ponto “D”, o México passou a seguir uma trajetória, de custos ao longo do tempo, representada por sua curva de ajustamento específica. Isso significa que continuou a incorrer em custos crescentes até o ponto de mínimo dessa curva - que representa o ponto de máximo custo - e, a partir desse ponto, percorreu um caminho de custos decrescentes, até encontrar o ponto “E”, que representa o objetivo final de seu ajustamento, de acordo com a hipótese deste trabalho.

3. O CASO DA ARGENTINA

A Argentina pode ser representada como o oposto do caso mexicano, uma vez que retardou ao máximo seu ajustamento. Embora a Argentina tentasse, por várias vezes, implementar seus ajustes estruturais (desde a posse de Alfonsín), nunca conseguiu complementá-los a contento. Depois de vários surtos hiperinflacionários e depois que as duas curvas - C1 e C2 -haviam se cruzado é que os ajustes foram implementados.

Embora, no caso argentino, a implementação dos ajustes tenha ocorrido após o cruzamento de C1 e C2, ou seja, à direita desse cruzamento, o caminho após o cruzamento e até o instante da implementação dos ajustes não é descrito no gráfico proposto por Bresser-Pereira. A razão deve-se à dificuldade de representar graficamente o caminho percorrido desde o “caos” econômico até a implementação dos ajustes.

Para facilitar a interpretação gráfica, e por tratar-se de uma abstração, admitirei que a trajetória à direita do cruzamento de C1 e C2 se fará representar por uma reta horizontal, até o instante em que o país decidir pelo ajustamento. A rapidez com que a economia voltará à normalidade (atingir a reta “metas do programa de ajustamento”), expressa pela inclinação de sua curva específica de ajustamento, será função da eficiência e da profundidade do programa implementado. Como foi dito anteriormente, quanto mais eficiente e profundo esse ajustamento, maior será a inclinação de sua curva específica e menor o prazo para atingir suas metas.

A Argentina decidiu implementar seus ajustes após o cruzamento de C1 e C2. O caminho percorrido à direita (e abaixo) do cruzamento de C1 e C2 é representado por uma reta horizontal que liga os pontos “B” e “D”. A partir do ponto “D”, que representa o instante “ta” em que decidiu pela implementação de seu programa de ajustamento, ela seguiu uma trajetória ascendente, representando sua respectiva curva de ajustamento, o que significa custos decrescentes, até encontrar o ponto “E” (“metas do programa de ajustamento”).

Vale observar que, ao decidir promover seu ajuste em “ta”, após o cruzamento de C1 e C2, a Argentina não incorreu em custos líquidos. Diferentemente do caso mexicano, a decisão de ajustar sua economia não gerou custos adicionais para a sociedade.

Gráfico 4:
Caminho percorrido pela Argentina

4. ANÁLISE COMPARATIVA DOS CUSTOS

4.1 Custos “antecipados”

O México, ao se decidir por implementar rapidamente seu programa de ajustamento, incorreu em custos líquidos antecipados. Isso revelou uma clara preferência pelo consumo futuro em relação ao presente, ou seja, preferiu sacrificar o consumo presente, pagando um custo líquido antecipado por seus ajustes, acreditando que, com isso, os benefícios da decisão no médio prazo seriam maiores, compensando a temporária deterioração econômica a que esteve sujeito. Os custos antecipados a que me refiro são facilmente identificados no Gráfico 5 como a área hachurada.

Gráfico 5:
Custos “antecipados” pagos pelo México

A área hachurada representa a somatória dos custos líquidos de ajustamento (diferença da curva de não ajustar - C1 -e de sua curva específica de ajustamento), desde o instante ““ta”, em que decidiu pelo programa de ajustamento, até o instante em que essas duas curvas se cruzam. Nesse período de tempo, a decisão de ajustar a economia, representada por sua curva específica de ajustamento, gerou custos maiores para a sociedade que não ajustá-la e postergar as reformas (caso permanecesse na curva C1.)

A Argentina, ao retardar ao máximo a implementação das reformas, não incorreu em custos líquidos antecipados, revelando preferência pelo consumo presente.

Essa visualização gráfica dos custos líquidos antecipados é, porém, insuficiente para se concluir pela vantagem ou desvantagem em implementar rapidamente o programa de ajustamento e reformas, pois trata-se de custos parciais.

4.2 Custos totais

Embora a preocupação do autor recaia sobre os custos líquidos dos programas de ajustamento, a análise gráfica permite, a partir do gráfico proposto, estimar comparativamente os custos totais incorridos. Para isso basta um raciocínio simples: dado que o programa de ajustamento deve ser adotado tão logo a curva de custo de não ajustar (C1) passe a ter uma trajetória descendente (representada pelo ponto “A” em ambos os gráficos anteriores), nesse instante o país já está incorrendo em custos. Já que o país deixa de incorrer em custos no instante em que consegue voltar ao patamar superior equivalente (reta “metas do programa de ajustamento”), os custos totais incorridos nada mais são que a área entre esse patamar (reta pontilhada) e o “caminho percorrido pelo país”. Assim, nos casos analisados, o custo total que o México pagou por ajustar sua economia é representado pela área ABDE, no Gráfico 3, e o da Argentina pela área ABDE, no Gráfico 4. Ambos os custos totais do ajustamento são representados no Gráfico 6, pela área hachurada.

Gráfico 6:
Custos totais. Comparação entre México e Argentina

Percebe-se que, mesmo incorrendo em custos líquidos por antecipar seu programa de ajustamento, custo este não pago pela Argentina, o custo total do México é inferior ao da Argentina, comparativamente.

A análise gráfica confirma a tese do autor de que, ao realizar os ajustes tão logo as distorções econômicas comecem a aparecer, haverá custos líquidos imediatos, enquanto, ao retardar os ajustes à espera de consenso da sociedade (e não há nada que garanta que esse consenso seja alcançado), permitindo que a crise se agrave, cedo ou tarde os custos serão iguais ou maiores que aqueles que seriam pagos pela antecipação do ajustamento e das reformas.

  • 1
    Capítulo do livro a ser brevemente publicado, BRESSER-PEREIRA, L., PRZEWORSKI, A. e MARAVAL, J. Economic reforms in new democracies. Cambridge University Press, 1992.
  • 2
    JEL Classification: E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1992
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