Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos institucionais da performance fiscal de estados e municípios

Institutional aspects of states and municipal fiscal performance

RESUMO

Este artigo mostra que as regras estabelecidas para controlar a dívida estadual e municipal no Brasil são ineficientes. Eles não podem impedir o crescimento excessivo da dívida nem evitar a aprovação de empréstimos que tenham uma relação benefício-custo negativa. O artigo utiliza modelos teóricos propostos por Shepsle e Weingast (1981SHEPSLE, K.A. & WEINGAST, B.R. (1981). “Political preferences for the Pork Barrel: a generalization”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 25, nº 1, pp. 96-112, Feb. 1981.) e Niou e Ordershook (1985NIOU, M.S. & ORDESHOOK, P.C. (1985). “Universalism in Congress”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 29, nº 2, pp. 246-258, Apr. 1985.), relacionados a projetos de barril de porco, para mostrar que o Senado Federal, responsável pelo controle da dívida, não possui incentivos suficientes para restringir a dívida. A estratégia escolhida pela maioria dos senadores, tentando maximizar a probabilidade de ser reeleito, resulta na aprovação de todos os pedidos feitos pelos estados e municípios que desejam obter empréstimos. O artigo propõe mudanças nas regras de controle, para torná-las eficientes.

PALAVRAS-CHAVE:
Composição do gasto público; eleições

ABSTRACT

This paper shows that the rules established to control state and municipal debt in Brazil are inefficient. They cannot prevent the excessive growth of the debt nor to avoid the approval of loans that have a negative benefit-cost relation. The paper uses theoretical models proposed by Shepsle and Weingast (1981SHEPSLE, K.A. & WEINGAST, B.R. (1981). “Political preferences for the Pork Barrel: a generalization”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 25, nº 1, pp. 96-112, Feb. 1981.) and Niou and Ordershook (1985NIOU, M.S. & ORDESHOOK, P.C. (1985). “Universalism in Congress”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 29, nº 2, pp. 246-258, Apr. 1985.), related to pork barrel projects, to show that The Federal Senate, responsible for the debt control, does not have enough incentives to restrict the debt. The strategy chosen by the majority of senators, trying to maximize the probability of being reelected, results in the approval of all applications made by states and municipalities that want to raise loans. The paper proposes changes in the control rules, to make them efficient.

KEYWORDS:
Public expenditure composition; elections

1. INTRODUÇÃO

É notória a dificuldade para se efetuar ajuste fiscal em uma sociedade democrática. Nesse sentido, parece ser interessante investigar se as regras do jogo, que determinam a participação dos diversos grupos no processo decisório, não estariam levando a resultados indesejáveis na área fiscal. Há uma florescente bibliografia teórica e empírica neste sentido. Alesina et al. (1996ALESINA et al. (1996). Budget institutions and fiscal performance in Latin America, Mimeo, CEPAL/PNUD, VIII Seminário Regional de Política Fiscal, 1996) mostram, em trabalho que focaliza os países da América Latina, que as regras de elaboração, aprovação e implementação do orçamento influenciam no resultado fiscal de um país. Em geral os autores indicam que quanto mais centralizado (no poder executivo) e transparente o processo, menor tende a ser o déficit.1 1 Baron (1991) encarrega-se de chamar atenção para o fato de que quanto maior a centralização do processo orçamentário, maior a desigualdade distributiva do gasto público. Alt e Lowry (1994ALT, J.E. & LOWRY, R.C. (1994). “Divided government, fiscal institutions, and budget deficits: evidence from the states”, American Political Science Review, v. 88, nº 4, pp. 811-28, Dec. 1994.) mostram que nos estados americanos onde há maior restrição legal ao déficit público (leis de orçamento equilibrado) o déficit é historicamente menor e a reação a choques fiscais é mais rápida. Em suma, “se os resultados de políticas são influenciados por variáveis político-institucionais, para melhorar a eficácia das políticas seria preciso intervir em nível institucional” (Alesina e Perotti, 1995ALESINA, A. & PEROTTI, R. (1995). “The political economy of budget deficits”, IMF Staff Papers, Washington D.C., v. 42, nº 1, pp. 1-31, March 1995.).

Este trabalho tem por objetivo analisar uma característica institucional associada a importante segmento da política fiscal brasileira: a performance fiscal de estados e municípios. Procura-se responder às seguintes questões: a regra de controle do endividamento imposta a esses governos é capaz de impedir o crescimento excessivo da dívida? Tal regra é capaz de vetar operações financeiras com relação beneficio-custo negativa? O que se pretende mostrar é que a resposta a essas duas questões é negativa.

A relevância da questão pode ser facilmente traduzida em números. A dívida total dos estados e municípios brasileiros é de algo como R$ 130 bilhões, o que representa aproximadamente 26% do PIB. Em setembro de 1996, as necessidades de financiamento desses governos, no conceito operacional, atingiram 2,14% do PIB, pouco menos da metade do déficit operacional do setor público como um todo, de 4,77% do PIB.2 2 Banco Central do Brasil - Departamento Econômico. A participação da folha de salários na receita global dos estados é outro indicador de política fiscal descontrolada. Esse percentual apresenta uma média de 75% no ano de 1996.3 3 Banco Central e O Estado de São Paulo (16/9/96, p. a4).

A próxima seção descreve a regra de controle da dívida de estados e municípios, definida pela Constituição Federal. A terceira seção analisa proposições teóricas que servirão de base para as considerações deste trabalho. A quarta seção avalia o modelo de controle da dívida à luz das referência teóricas expostas na seção 3. A quinta seção enumera propostas para tomar mais eficaz o controle da dívida de estados e municípios.

2. A REGRA DE CONTROLE

No Brasil optou-se por atribuir ao Senado Federal o controle do endividamento dos três níveis de governo. A Constituição de 1988 (Art. 52), em um modelo já adotado na Constituição de 1967, atribui ao Senado competência privativa para:

“VII - dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público Federal”.

Com base nesse dispositivo, vigora a Resolução N.º 69/95 do Senado, estabelecendo diversos limites ao endividamento de estados e municípios.4 4 Essa Resolução substitui e atualiza outras, com o mesmo espírito de controle. As mais recentes são as Resoluções n. 11/94, 36/93 e n. 58/90. São impostos: limites máximos de comprometimento da receita corrente com o pagamento de juros e amortizações, percentuais máximos de rolagem das dívidas já existentes e proibições a determinados tipos de endividamento, como o financiamento de obras por empreiteiras. A Resolução 69/95 atribui, ao Banco Central, a função de analisar os pedidos de autorização de endividamento. Estando as operações pleiteadas de acordo com as regras da Resolução, a Autoridade Monetária pode autorizá-las sem nova consulta ao Senado. Faz-se necessária autorização específica do Senado apenas nos casos de: empréstimo externo, emissão de títulos e concessão de garantias. Os estados e municípios podem, também, recorrer ao Senado para solicitar a aprovação, em caráter excepcional, de operação que não se enquadre nos limites de endividamento definidos por aquela Casa do Congresso.

A próxima seção faz uma resenha de referências teóricas úteis à análise da eficácia da regra de controle da dívida.

3. REFERÊNCIAS TEÓRICAS

Vários estudiosos de ciência política têm analisado como as regras de decisão legislativas levam a resultados ineficientes na área fiscal. Essa literatura focaliza sua atenção no Congresso norte-americano, mais especificamente nas decisões relativas ao orçamento federal. Todavia, os conceitos ali expressos parecem ter boa adaptação ao caso do controle da dívida de estados e municípios brasileiros. Shepsle e Weingast (1981SHEPSLE, K.A. & WEINGAST, B.R. (1981). “Political preferences for the Pork Barrel: a generalization”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 25, nº 1, pp. 96-112, Feb. 1981.) e Niou e Ordeshook (1985NIOU, M.S. & ORDESHOOK, P.C. (1985). “Universalism in Congress”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 29, nº 2, pp. 246-258, Apr. 1985.) são as referências aqui utilizadas.

Shepsle e Weingast (1981SHEPSLE, K.A. & WEINGAST, B.R. (1981). “Political preferences for the Pork Barrel: a generalization”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 25, nº 1, pp. 96-112, Feb. 1981.) analisam os projetos de gastos passíveis de inclusão no orçamento federal que, se executados, geram benefícios locais (em um determinado distrito eleitoral), cujos custos serão pagos por tributos arrecadados em nível nacional (ou seja, por todos os distritos). Há, pois, uma concentração dos benefícios e uma dispersão dos custos. Exemplos desses projetos são a construção de pontes, hospitais, urbanização, estações de tratamento de esgoto etc. Tais projetos são conhecidos na literatura como “projetos distributivos”.

Como os membros do Congresso são eleitos em “n” distritos eleitorais diferentes, e têm que prestar contas a seus eleitores a fim de obter a sua reeleição (ou eleger seus sucessores), há uma valorização excessiva dos projetos distributivos frente àqueles cujos benefícios são dispersos por todo o país.5 5 No Brasil é grande a disputa dos parlamentares para incluir as chamadas “emendas individuais “ no orçamento federal, que via de regra contemplam gastos localizados em suas bases eleitorais possuindo, pois, um perfil de projeto distributivo.

Nesse ambiente, Shepsle e Weingast (1981SHEPSLE, K.A. & WEINGAST, B.R. (1981). “Political preferences for the Pork Barrel: a generalization”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 25, nº 1, pp. 96-112, Feb. 1981.) procuram explicar a existência de dois fenômenos: a aprovação de projetos ineficientes (aqueles cujos custos superam os benefícios), chamados na literatura de “pork barrel projects”; e a tendência à aprovação de todos os projetos distributivos, fenômeno conhecido como “universalismo”.

A avaliação política de projetos ineficientes

A aprovação de projetos ineficientes baseia-se em uma percepção diferente que o legislador tem da análise custo-beneficio, quando comparada à análise econômica tradicional. O legislador tende a somar aos benefícios puramente econômicos os benefícios políticos que ele obtém ao aprovar uma obra ou projeto para sua base eleitoral.

Uma análise custo beneficio tradicional recomendaria a aprovação de um projeto distributivo, implementado no distrito eleitoral “x”, que tivesse a seguinte característica:

B C > 0 (1)

onde: B = benefício total gerado pelo projeto

C = custo total do projeto

Todavia, a análise do legislador se dá de forma distinta. Em primeiro lugar, o projeto distributivo em análise pode ter o seu custo dividido em três partes:

C ( x ) = c 1 ( x ) + c 2 ( x ) + c 3 ( x ) (2)

onde:

cl = despesas com insumos para o projeto realizadas dentro do distrito x.

c2 = despesas com insumos para o projeto realizadas fora do distrito x.

c3 = custos não financeiros como, por exemplo, a degradação ambiental ou um impacto macroeconômico adverso, como o aumento no nível de preços gerado pelo projeto.

Os recursos financeiros necessários para custear o projeto provêm de arrecadação tributária:

T = [ c l ( x ) + c 2 ( x ) ] (3)

onde: T = arrecadação tributária total, imposta sobre residentes de todos os distritos, necessária para financiar o projeto do distrito “x”.

O legislador, sempre preocupado com a pergunta que os eleitores lhe farão às vésperas da eleição (“o que você tem feito por mim ultimamente?”), procura maximizar os beneficios líquidos obtidos por sua base eleitoral. Nesse sentido, ele tende a ver dois tipos de beneficios em um projeto distributivo: o beneficio tradicional “B” (redução de distâncias promovida por uma ponte, melhoria da qualidade da água gerada por uma estação de tratamento de esgoto, assistência promovida por um hospital etc.); e o beneficio gerado pelos custos do tipo “cl”, ou seja, o aumento de emprego e renda, gerado dentro do seu distrito eleitoral, em função da execução do projeto.

Além disso, o legislador tende a não se preocupar com os custos impostos aos contribuintes de todo o país, mas apenas com os custos que recaem sobre os contribuintes de seu distrito. Por isso, a sua análise custo-beneficio passa a apresentar a seguinte forma:

B ( x ) + c l ( x ) t . [ c l ( x ) + c 2 ( x ) ] c 3 ( x ) > (4)

onde: t = parcela da tributação total “T” paga pelos residentes do distrito x (0 < t < l)

Comparando-se (1), (2) e (4) percebe-se que:

C > t . [ c l ( x ) + c 2 ( x ) ] + c 3 ( x ) c l ( x ) (5)

Por isso, é possível que projetos reprovados em uma avaliação custo-beneficio tradicional sejam aprovados pela avaliação do legislador, dado que:

  1. os custos do tipo cl (despesas dentro do distrito eleitoral) são transformados, pela contabilidade política, em benefícios do projeto;

  2. a taxação de todos os distritos para financiar o projeto significa que o distrito eleitoral beneficiário do projeto paga apenas uma parte dos custos.

O universalismo

Para que seja aprovado um projeto distributivo ineficiente, não basta que o representante político do distrito eleitoral beneficiado veja esse projeto como positivo do ponto de vista eleitoral. Ele também terá que receber o apoio da maioria dos legisladores para que o projeto seja aprovado.

A título de simplificação, pode-se supor que cada um dos “n” distritos possua um legislador, que cada legislador queira aprovar um projeto distributivo ineficiente em favor de seu distrito. Os legisladores defrontam-se com a necessidade de formar uma coalizão mínima, composta por (n+1)/2 legisladores6 6 Sendo “n” um número ímpar. , que aprovaria um pacote contendo (n+1)/2 projetos distributivos, derrotando os (n-1)/2 distritos restantes. Nesse caso, os (n+1)/2 vencedores obteriam os beneficios econômicos e políticos de seus projetos, pagariam apenas parte dos custos desses projetos, e imporiam a outra parte dos custos aos (n-1)/2 distritos derrotados.

Todavia, existe, para cada um dos legisladores, o risco de não ser incluído na coalizão vencedora, o que significaria não receber qualquer beneficio e, ainda, pagar parte dos custos dos projetos alheios. Por isso, o representante de cada distrito eleitoral precisaria fazer um cálculo de probabilidade para decidir-se entre a formação de uma coalizão mínima ou a formação de um acordo amplo para aprovação de todos os projetos (universalismo).

Shepsle e Weingast (1981SHEPSLE, K.A. & WEINGAST, B.R. (1981). “Political preferences for the Pork Barrel: a generalization”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 25, nº 1, pp. 96-112, Feb. 1981.) acreditam que a opção será pelo universalismo, fazendo-se um acordo em que cada um dos “n” representantes dos “n” distritos terá direito a aprovar um projeto distributivo ineficiente. Isto é demonstrado a seguir.

Suponha uma situação simplificada em que o projeto de cada distrito tem beneficios tradicionais (não computado cl) no valor “B”, com custo total “C”, a ser distribuído equitativamente entre todos os distritos. Assim, se o projeto do distrito “x” é aprovado, ele recebe o beneficio B, mas paga apenas C/n. Se os legisladores optarem pelo universalismo, o beneficio líquido para cada distrito será B C (uma vez que cada distrito paga 1/n de cada projeto, o seu custo total para todos os projetos, se n projetos forem aprovados, será (1/n).C.n = C).

Por outro lado, se os legisladores optarem por um jogo competitivo, onde se forma uma coalizão mínima, o distrito incluído nessa coalizão terá um beneficio líquido igual a B {[(n+1)/2].[C/n]} = B [(n+l)C/2n], onde C/n é o custo para cada projeto aprovado, e (n+l)/2 é o número de projetos aprovados. Já o distrito excluído da coalizão terá um beneficio líquido negativo equivalente a [(n+l)C/2n], já que participará da partilha da despesa sem obter beneficios.

A probabilidade de um distrito ser incluído na coalizão vencedora é igual a {[(n+1)/2]/n} = [(n+1)/2n]. A probabilidade de ser excluído é, por consequência, igual a [(n-1)/2n].

Assim, o valor esperado do beneficio líquido por um legislador para o caso de uma coalizão mínima seria:

E ( C M ) = [ ( n + 1 ) / 2 n ] . [ B - ( n + 1 ) C / 2 n ] [ ( n - 1 ) / 2 n ] . [ ( n + 1 ) C / 2 n ] = [ ( n + l ) / 2 n ] . ( B - C ) (6)

Em optando pelo universalismo, o valor esperado por cada legislador seria, como visto anteriormente, E(U)=(B-C).

Como foi feita a suposição de que os “n” projetos distributivos são ineficientes, então (B-C<O). Em uma análise tradicional de custo beneficio, seria preferível a rejeição de todos os projetos, tendo em vista que tanto no caso da coalizão mínima quanto no caso do universalismo o valor esperado seria negativo.

Todavia, se somarmos aos beneficios tradicionais (8) os beneficios políticos, como fazem Shepsle e Weingast (1981SHEPSLE, K.A. & WEINGAST, B.R. (1981). “Political preferences for the Pork Barrel: a generalization”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 25, nº 1, pp. 96-112, Feb. 1981.), teremos, em lugar de (B-C), (B + cl(x) + c2x C), onde c2x é o gasto em insumos de projetos realizados em outros distritos, e que foram adquiridos dentro do distrito “x”.

Nesse caso, se [(B+c1+c2x)-C >0] perceberemos que E(U) > E(CM), uma vez que [(n+ l) / 2n] < 1. Logo, desde que (c l+cx2x> C-B), os projetos tomam-se politicamente viáveis e o universalismo seria preferido pelos legisladores, que aprovariam todos os projetos economicamente ineficientes.

Uma explicação alternativa para a aprovação de projetos ineficientes e para o universalismo

Niou e Ordeshook (1985NIOU, M.S. & ORDESHOOK, P.C. (1985). “Universalism in Congress”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 29, nº 2, pp. 246-258, Apr. 1985.) contestam a ideia de que os custos c1 devam ser somados aos beneficios B, argumentando que isso representaria dupla contagem: os ganhos de renda e emprego associados a um projeto já deveriam ser incluídos nos beneficios B.7 7 É preciso registrar desacordo em relação a esta assertiva. Shepsle e Weingast chamam atenção para o benefício político-eleitoral decorrente do benefício financeiro que proporcionam a seus eleitores. O benefício da vitória eleitoral é privativo do político, não podendo ser incluído numa análise custo-benefício de um projeto de gasto público. Além disso, em se tratando de um gasto do orçamento federal, é questionável que se contabilize como benefício um ganho que ficará restrito a uma região do país. Assim, esses autores buscam uma explicação alternativa para a aprovação de projetos ineficientes e para o universalismo.

Tal explicação tem por base a hipótese de que os eleitores precisam escolher entre dois tipos de candidatos a mandatos legislativos:

  • r1) um legislador que só se disponha a obter beneficios para seus eleitores se o programa em questão for eficiente. Esse legislador trabalhará contra qualquer projeto ineficiente, ainda que seja direcionado para seu distrito eleitoral;

  • r2) um legislador que tenha por meta assegurar beneficios para seus eleitores. Esse tipo de legislador não tem a eficiência dos projetos como preocupação fundamental. Mantendo a suposição de que B é menor do que C para todos os projetos, de todos os distritos, a estratégia dos eleitores de um distrito qualquer “x” para escolha entre o legisladores tipo r1 e r2 pode ser resumida no quadro abaixo:

Escolha do distrito x Escolha dos n-1 distritos restantes b (n-11/2 escolheram r2 k=(n-11/2 escolheram r2 b (n-11/2 escolheram r1 r1 -k/Cn 0 0 r2 B-I(k+11.C/n] ou (n+1I.HB/2(k+1li-C/2n} B - I ( n + 11 C / 2 n ] 0

A tabela acima pode ser lida da seguinte forma. Se mais da metade dos distritos escolhe legisladores do tipo r1 e se o distrito “x” também escolhe um representante tipo r1, estaremos situados na célula superior direita da tabela Neste caso, como os projetos são todos ineficientes, e os legisladores r1 votam contra tais projetos, nenhum projeto será aprovado e o resultado para o distrito “x” será zero. Da mesma forma, se a maioria dos distritos escolhe representantes tipo rl, e o distrito “x” escolhe um representante r2, este será minoria, não conseguindo aprovar o projeto de interesse do seu distrito (essa situação está retratada na célula inferior direita).

A coluna do meio mostra a situação em que (n-1)/2 distritos escolhem um representante do tipo r2. Nesse caso, a escolha do distrito “x” será decisiva para definir se a maioria será composta por legisladores do tipo rl ou r2. Se o distrito “x” optar por um legislador rl, nenhum projeto será aprovado, e o resultado para “x” será zero. Se optar por um representante r2, será formada uma maioria capaz de aprovar os projetos dos seus respectivos distritos. Cada um dos distritos da coalizão majoritária receberá um benefício líquido equivalente a [B (n+l)C/2n]. Logo bastaria que B > (n+1). C/2n, ou, por aproximação, B>C/2, para que o distrito “x” optasse por um legislador r2. Logo, se o beneficio for pelo menos igual à metade dos custos, o distrito “x” terá incentivos para escolher um legislador r2, viabilizando a aprovação de projetos ineficientes.

Na coluna à esquerda está o caso em que a maioria dos distritos escolhe legisladores r2. Se o distrito “x” escolher um representante rl, ele certamente ficará de fora da coalizão majoritária, não recebendo qualquer beneficio e incorrendo no custo k.C/ n dos “k” projetos aprovados pela coalizão majoritária.

O resultado da célula inferior esquerda depende do tipo de processo decisório: coalizão mínima ou universalismo. Nessa célula, a maioria dos distritos escolheu representantes r2, inclusive o distrito “ x”. Se a opção for pelo universalismo, esses “k” distritos recebem o beneficio B (os demais distritos não recebem nada, dado que eles geram representantes que defendem apenas projetos eficientes) menos a sua parcela no custo dos k+l projetos, o que gera um beneficio líquido igual a {B [(k+l)C/n]}.

Por outro lado, se a regra for a formação de coalizão majoritária, essa coalizão será formada por um subgrupo de (n+l)/2 legisladores a partir dos k+1 legisladores tipo r28 8 Note que (k+ l) > (n+ l) /2. . Assim, o distrito “x” receberá o beneficio {B-[(n+ l)C/2n} com a probabilidade (n+ l)/2(k+l), e será excluído da coalizão majoritária com a probabilidade 1 [(n+l)/2(k+ l)], caso em que incorreria no custo [(n+l).C/2n], sem receber qualquer beneficio. Assim, o valor líquido esperado pelo distrito “ x” seria igual a (n+l).{[B/ 2(k+1)] C/2n]}.

Independente de qual hipótese é feita sobre o método de decisão, universalismo ou coalizão majoritária, os dois resultados da célula inferior superam [-k.C/n].

Assim, avaliando todas as seis células, percebemos que a escolha r2 domina rl desde que, como visto acima, B>C/2. Como essa lógica não se aplica apenas ao distrito “x”, mas a todos os distritos, a célula inferior esquerda tende a predominar, com k+l=n. O benefício líquido de cada distrito seria, então, igual a (B-C) (caso a decisão seja por universalismo) ou [(n+ l)(B-C)/2n] (caso a decisão seja por coalizão majoritária).

Note-se que ambos os resultados são negativos. Assim, os eleitores dos “n” distritos encontram-se numa armadilha. Se escolhem representantes tipo rl, tendem a pagar por projetos implementados em outros distritos, sem receber qualquer beneficio (se k=n, então -kC/n =-C). Mas se todos escolherem representantes tipo r2, estarão apenas minimizando prejuízo. Em um processo universalista, com B=C/2 e k+l=n, o resultado seria -C/2 (o prejuízo seria cortado à metade, quando comparado com a opção de escolher um legislador rl). Em um processo de coalizão mínima, mais uma vez com B=C/2 e k+1=n, o resultado seria aproximadamente -C/4, também negativo, cortando o prejuízo a 1/4 daquele representado pela escolha de um legislador rl.

Como resultado, há uma tendência generalizada à escolha de legisladores tipo r2. Ou seja, já que será preciso pagar a conta de qualquer jeito, pelo menos escolhe-se um representante local que gere algum retorno, para minimizar os prejuízos. Os políticos, então, para maximizar suas chances eleitorais, adotam uma postura do tipo r2, ou seja, tentam maximizar os beneficios B carreados para seus distritos, sem importarem-se com os custos associados.

Dessa forma, Niou e Ordeshook (1985NIOU, M.S. & ORDESHOOK, P.C. (1985). “Universalism in Congress”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 29, nº 2, pp. 246-258, Apr. 1985.) explicam a aprovação de projetos ineficientes. Utilizando argumentos um tanto mais detalhados, que não convém aqui reproduzir, os autores mostram que nesse sistema haverá, também, uma preferência pelo universalismo em relação à coalizão majoritária. Assim, ainda que utilizando pressupostos diferentes, Niou e Ordeshook (1985NIOU, M.S. & ORDESHOOK, P.C. (1985). “Universalism in Congress”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 29, nº 2, pp. 246-258, Apr. 1985.) e Shepsle e Weingast (1981WEINGAST, B.R., SHEPSLE, K.A. & JOHNSEN, C. (1981). “The political economy of benefits and costs: a neoclassical approach to distributive politics”, Journal of Political Economy, Chicago, nº 4, pp. 642-664, Aug. 1981.) apontam na mesma direção: legislaturas formadas por eleições democráticas, com representantes eleitos por diferentes distritos, tendem a aprovar projetos distributivos (com beneficios localizados e custos generalizados) ineficientes, havendo uma tendência ao universalismo, descartando-se a formação de coalizões majoritárias.

Em suma, são duas as consequências:

  1. não se exerce uma limitação tecnicamente adequada, capaz de barrar projetos reprovados em avaliações tradicionais de custo-beneficio (B<C);

  2. não se restringe o volume dos gastos públicos (tamanho do orçamento), dado que a aprovação de todos os projetos (universalismo) supera a aprovação de um sub­conjunto de projetos (coalizão majoritária).

A próxima seção procura adaptar essas considerações teóricas ao caso do controle da dívida de estados e municípios pelo Senado Federal.

4. AVALIANDO A REGRA DE CONTROLE DA DÍVIDA

Essa seção procura mostrar que os elementos contidos na análise teórica precedente estão contidos na regra de controle da dívida de estados e municípios. Logo esta regra: a) tende resultar em autorizações para operações de crédito destinada a financiar projetos ineficientes; b) não impõe restrição efetiva ao montante global do endividamento de estados e municípios.

Em primeiro lugar, é preciso observar que, assim como nos modelos teóricos apresentados, a regra de controle é operada por uma casa legislativa, cujos membros são escolhidos por eleições democráticas e periodicamente submetidos ao teste da reeleição. Logo, os incentivos políticos estarão presentes na avaliação feita por cada senador no momento da votação de uma autorização para uma operação de crédito.

A aprovação de financiamento para projetos ineficientes

Uma outra similaridade entre a regra de controle da dívida e a teoria exposta é que as operações de crédito submetidas ao Senado destinam-se, basicamente, ao financiamento de investimentos públicos localizados no território do estado ou município cujos beneficios tendem a ali se concentrarem. Há, pois, a concentração de beneficios.

Resta averiguar se há, também, a possibilidade de coletivização dos custos. Isso de fato pode ocorrer por diferentes mecanismos. Sendo a postura do legislador a de tentar maximizar suas chances de reeleição, através da maximização dos beneficios líquidos carreados a seus eleitores, uma atitude normal seria a de tentar repassar os custos da dívida do seu distrito eleitoral para a União. Sendo os responsáveis pela legislação de controle da dívida, os senadores podem produzir legislação transferindo para a União os custos dos financiamentos tomados pelos estados e municípios. De fato, a história brasileira recente registra diversos episódios em que senadores capitanearam e intermediaram negociações entre o governo federal e os seus distritos eleitorais, visando o refinanciamento de dívidas dos governos locais.

Uma outra forma de proporcionar maiores beneficios líquidos aos eleitores seria confiar na “ilusão fiscal” desses agentes. Alesina e Perotti (1995ALESINA, A. & PEROTTI, R. (1995). “The political economy of budget deficits”, IMF Staff Papers, Washington D.C., v. 42, nº 1, pp. 1-31, March 1995., p. 9) assim resumem a ideia proposta por Buchanan e Wagner (1977BUCHANAN, J.M. & WAGNER, R.E. (1977). Democracy in deficit: the political legacy of Lord Keynes. New York: Academic Press, 1977.):

“In a nutshell, the idea of fiscal illusion is that the voters do not understand the intertemporal budget constraint of the government. When offered a deficit-financed expenditure program, they overestimate the benefits of current expenditures and underestimate the future tax burden. Opportunistic politicians who want to be reelected take advantage of this confusion by raising spending more than taxes in order to please the ‘fiscally illuded’ voters”.9 9 Alesina e Perotti (1995) criticam o conceito de ilusão fiscal, argumentando que, a longo prazo, os elei­tores perceberão que estão sendo iludidos.

Ou seja, o financiamento de um projeto via endividamento tenderia a ser mais popular entre os eleitores do que o financiamento pela elevação imediata dos tributos. Com a elevação dos tributos, os custos seriam imediatamente percebidos, enquanto que o endividamento dilui, no tempo, a relação de causa e efeito entre o financiamento do projeto e os seus custos. Em termos do objetivo do legislador (maximizar os beneficios líquidos percebidos pelo eleitor) isso significa que haverá uma preferência pela aprovação de projetos financiados via dívida.

Além disso, há um tipo de custo não internalizado pelos distritos eleitorais e seus representantes no Senado: a instabilidade macroeconômica. A performance eleitoral de um senador não é afetada por essa instabilidade. Tal instabilidade tende a refletir­se na performance eleitoral do Presidente da República, responsável imediato pelo controle da inflação e redução do desemprego.

A opinião pública pode até responsabilizar o Congresso como um todo pela instabilidade macroeconômica, mas no momento de escolher os seus representantes regionais que comporão o Congresso, os eleitores deparam-se com o dilema exposto por Niou e Ordeshook: eleger um representante que só aprove projetos eficientes, correndo o risco de não obter nenhum beneficio e ter que pagar os custos dos projetos que favorecem aos demais distritos; ou escolher um representante que procure direcionar beneficio para suas bases, minimizando os prejuízos gerados pela aprovação generalizada de projetos ineficientes. Como visto anteriormente, a escolha recai no segundo tipo de candidato, de modo que a “má fama” do Congresso não se traduz na mudança da estratégia de ação dos parlamentares. Assim, não haveria, por parte do Senado, a preocupação em conter a aprovação excessiva de operações de crédito.

Em suma, pode-se formalizar a avaliação custo-beneficio feita por um senador, no momento de votar uma autorização de endividamento para o seu distrito eleitoral, reescrevendo a equação (4) da seguinte maneira:

B ( x ) + c l ( x ) t * . [ c l ( x ) + c 2 ( x ) ] c 3 > 0 (4’)

Nessa equação, quanto menor for t*, a participação esperada do distrito eleitoral no custo do projeto, maior será a relação custo-beneficio feita pelo senador. t* será tão menor quanto maior for:

  1. a possibilidade de se conseguir, no futuro, repassar para a União os custos financeiros do endividamento;

  2. a ilusão fiscal dos eleitores.

“c3”, por sua vez, pode ser interpretado como o custo não financeiro relativo ao impacto macroeconômico da operação de crédito. Quanto maior o peso da operação no cômputo das Necessidades de Financiamento do Setor Público, maior é aquele custo, que tende a ser excluído da avaliação custo-beneficio do representante do distrito eleitoral no Senado.

Assim percebe-se que, como na teoria proposta por Shepsle e Weingast, desde que C>t*.[cl(x)+c2(x)]+c3 cl, o senador tende a ser favorável à aprovação de operações de crédito que financiarão projetos ineficientes no seu distrito eleitoral.

4.2. O universalismo e a reciprocidade

No que diz respeito ao dilema universalismo/coalizão majoritária, deve-se notar que a teoria apresentada na seção 3 refere-se à inclusão, ou não, de projetos no orçamento federal. Neste caso existe uma clara restrição orçamentaria: a estimativa de receitas federais. Quanto maior o número de projetos aprovados, maior terá que ser a tributação imposta à sociedade Daí surge o dilema entre atender às demandas de todos os distritos, ampliando os gastos e a tributação (universalismo) ou atender apenas às demandas de uma maioria, com menos gastos e menor custo fiscal (coalizão majoritária).

No caso da regra de controle da dívida, os senadores não se confrontam com qualquer restrição orçamentária. Os pedidos de autorização são julgados um a um, sem haver um limite para o somatório das operações realizadas por todos estados e municípios. Assim, autorizar o estado “ x” a contratar uma dívida não representa redução da disponibilidade de limite de crédito para o estado “y”.

Por isso, o universalismo dá lugar a uma prática ainda mais flexível: a reciprocidade. A regra passa a ser: “aprovar o pedido do distrito eleitoral dos outros senadores, para que eles não criem dificuldades para o meu distrito”. A tabela em anexo ilustra esse ponto, ao resumir os pedidos de autorização para endividamento de estados, municípios e suas empresas, que tramítaram na Comissão de Assuntos Econômicos no ano de 1995.

Percebe-se, em primeiro lugar, que nenhum pedido de autorização foi reprovado em 1995: em um ano em que a maioria dos governos locais vivia forte crise financeira, das 50 solicitações ocorridas, 47 foram aprovadas e 3 tinham parecer favorável à época em que foram coletados os dados.

A reciprocidade pode ser constatada, também, na forma como se organiza o trabalho de análise dos pedidos de autorização para endividamento. Via de regra, são escolhidos como relatores dos pedidos de autorização senadores dos estados/municípios pleiteantes, o que introduz um viés favorável à aprovação do pleito. Pela tabela anexa, percebe-se que 32 solicitações (64% do total) tiveram como relator um senador ou senadora com base eleitoral no estado/município que formulou o pleito.

Em dezembro de 1996, foi aberta no Senado uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), com o objetivo de “apurar irregularidades relacionadas à autorização, emissão e negociação de títulos públicos, estaduais e municipais, nos exercícios de 1995 e 1996”10 10 Requerimento nº 1.101, de 1996. . No centro das investigações está, justamente, a excessiva indulgência do Senado na aprovação dos pleitos, permitindo as suas tramitações em regime de urgência, sem o adequado estudo das solicitações.

5. CONCLUSÕES E SUGESTÕES

Uma primeira sugestão para evitar os problemas apontados seria a fixação de um valor como teto global de endividamento anual para estados e municípios. Isso faria com que uma operação de crédito de um estado ou município reduzisse o limite disponível para as operações dos demais estados e municípios. Em consequência, o senador seria mais rigoroso ao avaliar os pleitos dos outros estados, para preservar a margem de endividamento do seu estado.

A meta global poderia ser fixada por proposta do Poder Executivo, baseada nas projeções para as necessidades de financiamento do setor público compatíveis com suas metas de inflação, emprego e déficit no balanço de pagamentos. Isso introduziria na análise dos pleitos o custo do impacto macroeconômico negativo das operações (“c3” na equação (4’)).

Essa proposta, contudo, não seria suficiente. Provavelmente ela faria com que a estratégia dos senadores migrasse da reciprocidade para o universalismo. Ou seja, haveria uma tendência a fixar o teto de endividamento em valor superior ao proposto pelo Poder Executivo (como se faz com a receita prevista no projeto de orçamento enviado pelo Executivo ao Congresso) para que se pudesse aprovar o maior volume possível de créditos. Ou, alternativamente, poderiam ser criados artificios para ampliar indiretamente o teto como, por exemplo, a exclusão de algum tipo de dívida da limitação.

Uma proposta mais radical seria a melhor distribuição de poderes para autorizar as operações de crédito. Poder-se-ia pensar na criação de uma entidade independente (no estilo Banco Central independente) com finalidade exclusiva de analisar os pleitos de endividamento. Tal entidade faria urna avaliação custo-beneficio tradicional, ou seja: não considerando cl e c2, como beneficios, não desconsiderando os custos c3 e avaliando o custo tributário para o país como um todo (Tem vez de t*.[cl(x)+c2(x)]). O Senado e o Poder Executivo, em comum acordo, e com base nas metas macroeconômicas, fixariam a meta global de endividamento. Os pedidos de autorização seriam encaminhados ao Senado que teria, inicialmente, duas opções: rejeitar o pedido ou encaminhá-lo para a instituição independente de análise. Sendo o pedido encaminhado para análise da instituição independente, esta verificaria a existência de limites (limite global e limite específico do solicitante) e faria um relatório técnico avaliando a relação custo-beneficio da operação. Estando extrapolados os limites, a operação seria automaticamente reprovada. Caso contrário, o pedido seria novamente enviado ao Senado que, com base na avaliação custo-beneficio da operação, poderia vetá-lo ou aprová-lo.

A instituição independente seria especialista na avaliação das condições financeiras de estados e municípios. Isso traria benefícios adicionais, tais como uma análise mais profunda das condições financeiras desses governos (não se limitando à verificação de limites) e a divulgação de avaliações de risco representado por cada estado e município. Isso aumentaria a transparência do mercado, orientando o crédito para os governos com finanças mais saudáveis e induzindo um ajuste dos demais governos. Esse novo arranjo institucional preservaria o papel do Senado de mantenedor do equilíbrio federativo, uma vez que aquela Casa poderia vetar projetos que atentassem contra tal equilíbrio; e, ao mesmo tempo, criaria uma restrição mais efetiva, capaz de barrar projetos ineficientes e a prática do universalismo ou da reciprocidade.

Outra possibilidade seria a criação de uma lei de falência para estados e municípios. Tal lei teria dois objetivos: reduzir a possibilidade de ajuda financeira, bancada pela União, elevando o valor de t* na equação (4’); e aumentar o risco de perda de poder do governador/prefeito no caso de crise financeira. Atualmente, a Constituição prevê a possibilidade de intervenção federal no estado (e estadual no município) no caso de inadimplência por longo período de tempo. Ocorre, porém, que a intervenção é um instrumento de excessivo custo político e, por isso, pouco utilizada. Sabendo disso, os gestores locais não são suficientemente desestimulados a conduzir as finanças de modo imprudente. Por isso, poderia ser criado um tipo mais brando de intervenção, restrito à administração financeira do estado ou município. A lei de falência determinaria que, atingidos certos indicadores de dificuldade fiscal, a gerência financeira do estado ou município passaria a ser efetuada por um colegiado, formado por representantes do governo federal, do governo falido e de credores. Essa “intervenção financeira” terminaria quando fossem atingidas metas de ajuste fiscal.


Pedidos de autorização de endividamento, solicitados ao senado federal por estados, municípios e suas empresas no ano de 1995

RFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ALESINA, A. & PEROTTI, R. (1995). “The political economy of budget deficits”, IMF Staff Papers, Washington D.C., v. 42, nº 1, pp. 1-31, March 1995.
  • ALESINA et al. (1996). Budget institutions and fiscal performance in Latin America, Mimeo, CEPAL/PNUD, VIII Seminário Regional de Política Fiscal, 1996
  • ALT, J.E. & LOWRY, R.C. (1994). “Divided government, fiscal institutions, and budget deficits: evidence from the states”, American Political Science Review, v. 88, nº 4, pp. 811-28, Dec. 1994.
  • BARON, D. (1991). “Majoritarian incentives, Pork Barrel programs, and procedural control”, American Journal of Polítical Science, v. 35, nº 1, pp. 57-90, Feb. 1991.
  • BUCHANAN, J.M. & WAGNER, R.E. (1977). Democracy in deficit: the political legacy of Lord Keynes. New York: Academic Press, 1977.
  • NIOU, M.S. & ORDESHOOK, P.C. (1985). “Universalism in Congress”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 29, nº 2, pp. 246-258, Apr. 1985.
  • SHEPSLE, K.A. & WEINGAST, B.R. (1981). “Political preferences for the Pork Barrel: a generalization”, American Journal of Political Science, Austin, TX, USA, v. 25, nº 1, pp. 96-112, Feb. 1981.
  • WEINGAST, B.R., SHEPSLE, K.A. & JOHNSEN, C. (1981). “The political economy of benefits and costs: a neoclassical approach to distributive politics”, Journal of Political Economy, Chicago, nº 4, pp. 642-664, Aug. 1981.
  • 1
    Baron (1991BARON, D. (1991). “Majoritarian incentives, Pork Barrel programs, and procedural control”, American Journal of Polítical Science, v. 35, nº 1, pp. 57-90, Feb. 1991.) encarrega-se de chamar atenção para o fato de que quanto maior a centralização do processo orçamentário, maior a desigualdade distributiva do gasto público.
  • 2
    Banco Central do Brasil - Departamento Econômico.
  • 3
    Banco Central e O Estado de São Paulo (16/9/96, p. a4).
  • 4
    Essa Resolução substitui e atualiza outras, com o mesmo espírito de controle. As mais recentes são as Resoluções n. 11/94, 36/93 e n. 58/90.
  • 5
    No Brasil é grande a disputa dos parlamentares para incluir as chamadas “emendas individuais “ no orçamento federal, que via de regra contemplam gastos localizados em suas bases eleitorais possuindo, pois, um perfil de projeto distributivo.
  • 6
    Sendo “n” um número ímpar.
  • 7
    É preciso registrar desacordo em relação a esta assertiva. Shepsle e Weingast chamam atenção para o benefício político-eleitoral decorrente do benefício financeiro que proporcionam a seus eleitores. O benefício da vitória eleitoral é privativo do político, não podendo ser incluído numa análise custo-benefício de um projeto de gasto público. Além disso, em se tratando de um gasto do orçamento federal, é questionável que se contabilize como benefício um ganho que ficará restrito a uma região do país.
  • 8
    Note que (k+ l) > (n+ l) /2.
  • 9
    Alesina e Perotti (1995ALESINA, A. & PEROTTI, R. (1995). “The political economy of budget deficits”, IMF Staff Papers, Washington D.C., v. 42, nº 1, pp. 1-31, March 1995.) criticam o conceito de ilusão fiscal, argumentando que, a longo prazo, os elei­tores perceberão que estão sendo iludidos.
  • 10
    Requerimento nº 1.101, de 1996.
  • 12
    JEL Classification: H74; D72.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1999
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br