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Produto, capital e taxa de lucro - países industrializados e América Latina* * Este artigo é parte de um projeto de pesquisa sobre a relação capital-produto desenvolvido em conjunto com Ana Cortez, economista da ONU em Nova York. A pesquisa conta ainda com a participação de Patrícia A. Ferreira da Rocha, estagiária da PUC-SP.

Product, capital and profit rate - industrialized countries and Latin America

Resumo

Este artigo compara a participação nos lucros, a taxa de produção de capital e a taxa de lucro de cinco países industrializados e cinco da América Latina. Usando dados das Estatísticas das Contas Nacionais da ONU e da Tabela Mundial da Penn (Marcos 5.6) em dólares americanos e PPP (paridade do poder de compra), o artigo também discute o nível de formação bruta de capital e a relação entre taxa de lucros, produtividade e salários.

Palavras-chave:
Taxa de lucro; investimento; diferencial de salários

Abstract

This paper compares the profits share, the capital output ratio and the rate of profits of five industrialized and five Latin America countries. Using data from the U.N. National Accounts Statistics and the Penn World Table (Mark 5.6) in American dollars and PPP (purchasing power parity), the paper also discusses the level of gross capital formation and the relationship between rate of profits, productivity and wages.

Keywords:
Profit rate; investment; wage differentials

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo comparar a margem de lucro, a relação capital-produto e a taxa de lucro dos países industrializados e da América Latina. Paralelamente, discute-se a relação entre a taxa de lucro e o nível de produtividade e salário das economias mencionadas.

Iniciamos nosso trabalho com o levantamento do produto interno bruto total, per capita e por trabalhador de cinco países industrializados e cinco países da América Latina, em dólares americanos e na paridade do poder de compra das moedas locais (PPP). Destaca-se também, no primeiro item deste artigo, a participação da formação bruta de capital no produto de cada bloco de países.

A distribuição funcional da renda foi calculada a partir de valores em dólares americanos. Analisam-se a margem de lucro, a relação entre investimento e excedente e o salário por trabalhador ajustado pela PPP do produto.

A relação capital-produto foi construída a partir das estimativas oficiais para os estoques de capital fixo. Foram utilizadas também estimativas de outros pesquisadores, principalmente para a relação capital-produto dos países da América Latina.

Apresentamos por fim o estudo comparado da taxa de lucro, calculada a partir da margem de lucro e da relação capital-produto dos países industrializados e da América Latina.

2. PRODUTO INTERNO BRUTO E FORMAÇÃO BRUTA DE CAPITAL

Para comparar o produto interno bruto de diferentes países, como primeira aproximação, poder-se-ia converter o produto a preços domésticos numa mesma moeda, o dólar americano por exemplo. A tabela 1 apresenta o PIB de 1985 e de 1990 em moeda local corrente; as taxas de câmbio e o PIB em dólares correntes para a França, Alemanha (Ocidental, mesmo para 1990), Japão, Reino Unido, Estados Unidos, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México. As tabelas 2 e 3 apresentam a população total e a participação percentual da força de trabalho no total da população de cada um dos países; o PIB per capita e por trabalhador em dólares correntes e o índice de cada país em relação ao nível do produto total per capita e por trabalhador dos países industrializados.

Tabela 1
Produto Interno Bruto
Tabela 2
Produto Interno Bruto Per Capita e Por Trabalhador (US$) - 1985
Tabela 3
Produto Interno Bruto Per Capita e Por Trabalhador (US$) - 1990

O conceito de produto per capita indica o nível de riqueza criado pelo país por habitante e o conceito de produto por trabalhador é um indicador do nível de produtividade do país. Para os países industrializados, a participação da força de trabalho em 1985 e 1990 atingia 45% a 49% do total da população, exceção feita ao Japão, com 63% da população total no mercado de trabalho. Para a América Latina a força de trabalho representava 32% a 37% da população total. Para os blocos, de forma agregada, a participação relativa dos trabalhadores na população total era de 50-51 % para os países industrializados se 35% para a América Latina.

Em 1985, o produto per capita da América Latina, em dólares americanos, alcançava 15% do nível dos países industrializados. Dada a baixa participação relativa da população no mercado de trabalho, o nível do produto por trabalhador da América Latina em relação aos países industrializados supera o nível atingido pelo produto per capita. A produtividade da América Latina, em dólares americanos, atingia 21 % da produtividade dos países industrializados (ver tabela 2).

Uma análise do desempenho da economia norte-americana em relação às demais economias industrializadas poderia ser feita a partir da comparação entre o nível norte-americano e o nível de cada um dos demais países industrializados (a comparação entre os indicadores dos Estados Unidos e do total dos países industrializados não é aconselhável porque os Estados Unidos participam com mais de 50% do produto total de nossa amostra para os países industrializados). Em 1985 e em dólares correntes, os Estados Unidos registravam um produto por trabalhador entre 55% e 106% maior que o produto por trabalhador dos demais países industrializados (130/84= 1,5 5 em relação à Alemanha e 130/63=2,06 em relação ao Reino Unido - ver tabela 2).

Mas se tomarmos o ano de 1990 como base de comparação, os Estados Unidos apresentavam um nível de produtividade entre 9% inferior e 30% superior ao nível dos demais países industrializados (103/113=0,91 em relação à Alemanha e 103/79= 1,30 em relação ao Reino Unido - ver tabela 3).

As alterações dos índices de produtividade para os países industrializados devem-se principalmente à volatilidade das taxas de câmbio, em particular à desvalorização do dólar entre 1985 e 1990. O problema não se resolve se introduzirmos simplesmente séries de produto a preços constantes. Restaria ainda saber qual o ano-base e, consequentemente, qual a taxa de câmbio de conversão. Em 1985, o produto por trabalhador norte-americano, em dólares correntes, era 55% maior que o produto por trabalhador alemão; em 1990, com o dólar desvalorizado, o produto por trabalhador norte-americano era 9% inferior ao alemão. É evidente que a variação desses índices não reflete a real alteração do nível de produtividade dos Estados Unidos e da Alemanha entre 1985 e 1990. Qual ano deveria ser levado em consideração para uma análise comparativa da produtividade entre estes dois países?

O problema da utilização das taxas de câmbio para a mensuração do produto entre países não se resume à volatilidade. A comparação do produto ponderado por taxas de câmbio enfrentaria problemas mesmo se as taxas não fossem voláteis. Os países da América Latina, por exemplo, não alteraram significativamente seu índice de produtividade frente ao total dos países industrializados entre 1985 e 1990, 21% e 20%, respectivamente (ver tabelas 2 e 3).

As taxas de câmbio que são usadas para as transações internacionais e o movimento de capitais entre países não refletem necessariamente o poder de compra doméstico de cada moeda. Além disso, os preços relativos internos de cada país não apresentam necessariamente a mesma estrutura. Robert Summers e Alan Heston (1991SUMMERS, R. & HESTON, A. (1991). “The Penn World Table (Mark 5): an expanded set of international comparisons 1950-88”, Quarterly Journal of Economics, maio.) desenvolveram uma pesquisa para possibilitar a comparação das contas nacionais entre países em dólares internacionais. O trabalho denominado Penn World Table - PWT apresenta, em sua versão 5.6, as contas nacionais de 152 países, ajustadas pela paridade do poder de compra de cada moeda local para consumo privado, consumo do governo, formação bruta de capital e produto interno bruto. A paridade do poder de compra (purchasing power parity- PPP) de Summers e Heston tem como base o Programa de Comparações Internacionais das Nações Unidas (United Nations International Comparison Program - ICP).

As tabelas 4 e 5 apresentam o PIB dos países analisados para 1985 e 1990 a preços correntes em PPP-ICP. A segunda coluna das tabelas, com a relação produto em US$/produto em PPP, aponta o desvio da paridade do poder de compra para o produto em relação à taxa de câmbio em dólares americanos para cada uma das moedas locais (PPP/US$, pois (moeda 1ocal/US$)/(moeda local/PPP) = PPP/US$). A PPP para o produto dos países industrializados em 1985 correspondia de 72% a 95% da taxa de câmbio das respectivas moedas em dólares americanos. Para a América Latina, em média, o dólar internacional do produto em 1985 correspondia a 44% da taxa de câmbio das moedas em dólares americanos.

Tabela 4
Produto Interno Bruto (PPP) - 1985
Tabela 5
Produto Interno Bruto (PPP) -1990

Em 1985 as moedas europeias estavam relativamente desvalorizadas. Se tomarmos como base o ano de 1990, a PPP do produto para todos os países industrializados seria superior à taxa de câmbio em dólares americanos, com o Japão atingindo uma paridade do poder de compra 35% superior à taxa de câmbio. O dólar americano era cotado a 145 yens em 1990, enquanto o dólar internacional valia 196 yens (145.1,35=196). Para a América Latina, a desvalorização do dólar entre 1985 e 1990 atingiu essencialmente o Brasil e a Argentina, elevando a PPP da América Latina do nível de 44% para 57% da taxa de câmbio em dólares americanos.

Uma paridade do poder de compra em dólares internacionais menor que 100% da taxa de câmbio em dólares americanos indica moedas desvalorizadas e produtos subestimados. A partir da relação entre a PPP e a taxa de câmbio do dólar americano, pode-se dizer que o valor do produto dos países industrializados estava subestimado à taxa de câmbio de 1985 e superestimado à taxa de câmbio de 1990. Para a América Latina, o valor do produto estava subestimado tanto às taxas de câmbio de 1985 como às taxas de 1990.

Um caso extremo de valor do produto subestimado é o da China. De acordo com as estimativas da PWT 5.5, a PPP para o produto chinês equivalia a 12% da taxa de câmbio em dólares de 1990 (4,78 yuans). O produto total, per capita e por trabalha­dor da China em 1990, a preços correntes, era de respectivamente US$ 370 bilhões, US$ 326 e US$ 539 (U.N., 1992U.N. (1992). National accounts statistics: main aggregates and detailed tables. Nova York, U.N.). Em PPP a preços de 1990, os valores alcançariam PPP$ 3,1 trilhões, PPP$ 2.700 e PPP$ 4.462 (o número de trabalhadores na China em 1990 correspondia a 61% de sua população, 1.134 bilhões de habitantes; a PWT 5.6 alterou a PPP chinesa para 23,5% da taxa de câmbio, mas os dados não apresentam consistência). A China em yuans e o Japão em yens são dois casos extremos de subestimação e superestimação do produto mensurado a taxas de câmbio em dólares americanos correntes.

Em dólares internacionais, o produto por trabalhador norte-americano de 1985 era 24% (119/96=1,24) superior ao produto da França e da Alemanha e 47% (119/ 81 =1,47) superior ao produto por trabalhador do Reino Unido. Em 1990, a produtividade dos Estados Unidos superava a França, a Alemanha e o Reino Unido em respectivamente 20%, 18% e 40%. Especificamente em relação ao Japão, que registrava uma elevada participação da força de trabalho no total da população, o produto por trabalhador norte-americano era 78% superior em 1985 e 59% em 1990. Em PPP, os índices de produtividade norte-americanos em relação aos demais países industrializados ficam abaixo dos índices superestimados pelas taxas de câmbio de 1985 e acima dos índices subestimados de 1990.

Para os países da América Latina, o produto por trabalhador de 1985 e 1990, em PPP, é estimado em 46% e 40% do produto por trabalhador dos países industrializados. Em dólares americanos, o nível da América Latina ficaria em 21% e 20%. Os índices para os países da América Latina praticamente dobram porque a relação entre a PPP e a taxa de câmbio para a América Latina é próxima a 50% da relação verificada para os países industrializados (44/93= 47% em 1985 e 57 /113=50% em 1990, ver tabelas 4 e 5).

A correção do valor do produto pela PPP, por utilizar taxas específicas para o consumo privado, consumo do governo e formação bruta de capital, altera a participação da formação bruta de capital no total do produto de cada país. Os preços dos bens que compõem a formação bruta de capital (principalmente os bens de produção) em relação aos preços dos bens de consumo são significativamente maiores nos países menos desenvolvidos. A diferença dos preços relativos citada pode ser analisada a partir da comparação dos desvios apontados para a PPP do produto (tabela 4) e para a PPP da formação bruta de capital em 1985 (tabela 6) para os países industrializados e para a América Latina.

Tabela 6
Formação Bruta de Capital/Produto - 1985

Para os países industrializados, a PPP do produto correspondia a 93% da taxa de câmbio em 1985, enquanto a PPP para a formação bruta de capital correspondia a 84%. A relação se inverte para os países da América Latina: a PPP do produto em 1985 (44%) era inferior à PPP para a formação bruta de capital (56%).

Considerada a diferença de preços relativos, quando transformamos dólares americanos em dólares internacionais, eleva-se a participação da formação bruta de capital no produto dos países industrializados ao mesmo tempo em que cai a participação da formação bruta de capital na América Latina.

Na tabela 6, a participação da formação bruta de capital no produto está expressa em moeda local, dólares americanos e dólares internacionais. Em dólares americanos a taxa de investimento da América Latina é semelhante à taxa verificada nos países industrializados, 20% e 21% do produto. Mas em PPP, os países da América Latina vêem a participação de sua formação bruta de capital reduzir-se para 15% do produto, enquanto os países industrializados passam para uma taxa de 24% do produto, 60% maior que a taxa dos países da América Latina.

3. DISTRIBUIÇÃO FUNCIONAL DA RENDA

Para isolar o salário e o excedente líquido, deduzimos os tributos indiretos líquidos de transferências e a depreciação do estoque de capital fixo do produto interno bruto. A tabela 7 apresenta o produto interno líquido a custo de fatores de 1985, em dólares americanos correntes e em percentagem. A depreciação para o Brasil e para a Colômbia e toda a distribuição do produto para a Argentina foram estimadas com base no percentual apurado para o total da América Latina.

Tabela 7
Produto Interno líquido a Custo de Fatores (US$) - 1985

Em 1985, a participação do salário no produto interno líquido a custo de fatores era de 73% para os países industrializados e 44% para os países da América Latina. A tabela 8 apresenta o excedente bruto e líquido dos países industrializados e da América Latina em relação ao PIB. O excedente bruto para os países industrializados girava em torno de 34% do produto interno bruto, enquanto o excedente líquido alcançava 21%. Para os países latino-americanos o excedente bruto representava 56% do produto interno bruto e o excedente líquido 45%.

Tabela 8
Excedente e Investimento (US$) - 1985

O perfil da América Latina demonstra uma menor taxa de investimento em relação ao excedente. Tanto o total de investimento bruto em relação ao excedente bruto como o total de investimento líquido em relação ao excedente líquido são significativamente menores na América Latina. A relação investimento bruto-excedente bruto registrava 63% nos países industrializados e 35% na América Latina; a relação investimento líquido-excedente líquido, 40% para os países industrializados e 18% para a América Latina (ver tabela 8).

Para a análise do salário por trabalhador, a tabela 9 apresenta os valores de 1985 em dólares americanos e internacionais e o índice de salário em relação ao nível dos países industrializados. Em dólares americanos correntes, o salário por trabalhador nos países da América Latina correspondia a 13% do salário dos países industrializados. Ajustado pela PPP para o produto, o salário dos países da América Latina passa para 27% do salário dos países industrializados.

Tabela 9
Salário por Trabalhador - 1985

É importante ressaltar que o salário na América Latina não acompanha o nível de produtividade da região em relação aos países industrializados. Em 1985, enquanto a produção por trabalhador dos países da América Latina registrava 46% do nível dos países industrializados em PPP, o salário ficava em torno de 27%. Para melhor visualização da relação entre produtividade e salário, construímos um índice que compara o nível de salário e de produto por trabalhador (ver última coluna da tabela 9). Analisados individualmente, todos os países industrializados apontam uma relação próxima a 1,00; para a América Latina o nível de salário representa 60% do nível de produtividade (0.27/0.46=0.60). O poder de compra do salário na América Latina não acompanha sequer o (baixo) nível de produtividade da região.

4. ESTOQUE DE CAPITAL FIXO E RELAÇÃO CAPITAL-PRODUTO

O estoque de capital é usualmente estimado através dos fluxos acumulados da formação bruta de capital fixo, “perpetual inventory methodGOLDSMITH, R.W. (1951). “A perpetual inventory of national wealth.” In GAINSBURGH, M.R. (org.) Studies in Income and Wealth, vol. 14, Princeton.”, desenvolvido por Goldsmith em 1951. O estoque de capital fixo total pode ser subdividido em três categorias: prédios residenciais; estruturas não-residenciais (prédios não-residenciais e outras construções) e máquinas e equipamentos. Considera-se estoque de capital fixo não-residencial a soma das estruturas não-residenciais e das máquinas e equipamentos.

O estoque de capital fixo pode ainda ser apresentado bruto ou líquido de depreciação. O estoque bruto para cada categoria é obtido pela soma, a preços constantes, da formação bruta de capital fixo durante o período de vida útil estimado para cada item e setor da economia.

As estimativas para o estoque bruto de capital fixo assumem um período de vida útil de aproximadamente quinze anos para máquinas e equipamentos, quarenta anos para estruturas não-residenciais e cinquenta a sessenta anos para prédios residenciais. Se a vida útil de um determinado equipamento é estimada em quinze anos, o estoque bruto de capital do equipamento é a soma da formação bruta deste capital nos últimos quinze anos. Para o estoque líquido de capital fixo as estimativas oficiais apresentam os valores líquidos de depreciação física (a depreciação por obsolescência tecnológica não é considerada). Podemos definir agora seis diferentes conceitos de estoque de capital:

  • estoque bruto de máquinas e equipamentos

  • estoque bruto de capital fixo não-residencial

  • estoque bruto de capital fixo total

  • estoque líquido de máquinas e equipamentos

  • estoque líquido de capital fixo não-residencial

  • estoque líquido de capital fixo total

Os conceitos de estoque de capital acima mencionados poderiam ainda ser mensurados em moeda local ou em dólares internacionais, aplicando-se PPP específicos para construções residenciais, estruturas não-residenciais e máquinas e equipamentos. Ficaríamos então com doze conceitos de estoque de capital fixo distintos.

A relação capital-produto, é importante ressaltar, compara estoque com fluxo: o estoque de capital adiantado por uma economia e o fluxo anual de produção, ou seja, trabalho pretérito (capital) e trabalho vivo (valor agregado). A tabela 10 apresenta a relação capital-produto em seis dos conceitos acima definidos, quatro em PPP e dois em moeda local. Cabe esclarecer que a PPP com base no Programa de Comparações Internacionais das Nações Unidas (PPP-ICP) ajusta os preços das diversas economias a uma estrutura de preços relativos internacionais. Existe uma PPP alternativa (PPP-Paache) que ajusta os preços das diversas economia aos preços relativos norte-americanos (Maddison, 1993MADDISON, A. (1993). “Standardised estimates of fixed capital stock: a six-country comparison”, Innovazione e Materie Prime, abr.).

Tabela 10
Relação Capital-Produto-Estimativas

Construímos estimativas para os países industrializados em PPP-Paache de 1985 para estoques médios anuais brutos e líquidos de capital fixo não-residencial e capital fixo total a partir dos dados oficiais em moeda local publicados pela U.N. (1992U.N. (1992). National accounts statistics: main aggregates and detailed tables. Nova York, U.N.). Optamos pela PPP-Paache para tornar nossos dados compatíveis com as estimativas de Maddison (1993MADDISON, A. (1993). “Standardised estimates of fixed capital stock: a six-country comparison”, Innovazione e Materie Prime, abr.) para os estoques brutos de capital fixo não-residencial da França e do Japão (para os quais o anuário da U.N. não apresenta estimativas). Para a América Latina foram utilizadas as estimativas de Hofman (1992HOFMAN, A.A. (1992). “Capital accumulation in Latin America: a six-country comparison for 1950-89”, Review of Income and Wealth, dez.) em PPP-ICP para o ano de 1989 a preços de 1980.

Em moeda local, nossas estimativas para os países industrializados referem-se a 1985. As estimativas de Hofman para os países da América Latina, em moeda local, referem-se a diferentes anos entre 1980 e 1986. Para a relação capital-produto do total dos países industrializados e do total dos países da América Latina, foram calculadas médias ponderadas pela participação dos países no produto total em PPP-ICP de cada um dos blocos.

A relação capital-produto estimada para o estoque bruto de capital fixo não-residencial em PPP situa-se em 2,5 para os países industrializados e 1,8 para os países da América Latina. A relação capital-produto para o estoque bruto de capital fixo total dos países industrializados foi estimada em 3,9 (em PPP) e 4,0 (em moeda local). Para a América Latina, o estoque bruto de capital fixo total em relação ao produto foi estimado em 2,8 (em PPP) e 3,5 (em moeda local).

Para estoques líquidos, os países industrializados apresentaram uma relação capital fixo não-residencial-produto de 1,5 (em PPP) e uma relação capital fixo total­produto de 2,2 (em PPP) e 2,4 (em moeda local). A América Latina registra índices de 1,1 (em PPP) para estoques líquidos de capital fixo não-residencial-produto e 1,8 (em PPP) e 2,0 (em moeda local) para estoques líquidos de capital fixo total-produto.

5. EXCEDENTE-ESTOQUE DE CAPITAL FIXO (TAXA DE LUCRO)

A margem de lucro de uma economia pode ser expressa na relação excedente-produto. Ponderada pela relação capital-produto, a margem de lucro nos fornece a taxa de lucro, isto é, a relação entre o fluxo de renda que remunera o capital e o estoque de capital adiantado.

( l u c r o - p r o d u t o ) / ( c a p i t a l - p r o d u t o ) = ( l u c r o - c a p i t a l )

A rigor, podemos utilizar os dois conceitos de excedente, o excedente bruto para lucro bruto e o excedente líquido para o lucro líquido. Para o estoque de capital fixo, como vimos, temos doze conceitos diferentes. Poderíamos calcular o excedente bruto e líquido em relação ao estoque bruto e líquido de capital e construir doze estimativas diferentes para a taxa de lucro. A tabela 11 apresenta seis estimativas para a taxa de lucro, três relacionando excedente bruto e estoque bruto de capital e três relacionando excedente líquido e estoque líquido de capital.

Tabela 11
Excedente-Estoque de Capital Fixo

Para a taxa de lucro dos países industrializados e da América Latina como blocos, foram utilizadas médias ponderadas pela participação dos países no produto total em PPP-ICP de cada bloco. Para os conceitos de taxas de lucro em que faltam informações para a relação capital-produto da França e do Japão, a ponderação excluiu estes países no cálculo tanto da relação capital-produto como da margem de lucro.

Para os países industrializados, a taxa de lucro em relação ao capital fixo não-residencial situa-se em 13,4% ao ano no conceito bruto (lucro bruto-estoque bruto) e 14,5% ao ano no conceito líquido (lucro líquido-estoque líquido). Em relação ao estoque de capital fixo total, a taxa de lucro dos países industrializados registra 8,3% a 9,6% ao ano nos quatro conceitos analisados (bruto e líquido, em PPP e em moeda local).

Para a América Latina, a taxa de lucro em relação ao capital fixo não-residencial situa-se em 31,2% a.a. no conceito bruto e entre 40,5% a.a. no conceito líquido. Em relação ao estoque de capital fixo total, os dados apontam 19,9% a.a. (em PPP) e 16, 1% a.a. (em moeda local) para a taxa bruta de lucro; para a taxa líquida de lucro, 24,2% a.a. (em PPP) e 21,7% a.a. (em moeda local).

Para finalizar, apresentamos um resumo da margem de lucro, relação capital-produto e taxa de lucro dos países industrializados e da América Latina e a relação entre os índices dos dois blocos de países (ver tabela 12).

Tabela 12
Margem de Lucro, Relação Capital-Produto e Taxa de Lucro

Para todos os conceitos analisados, a América Latina apresenta uma taxa de lucro aproximadamente duas vezes e meia maior que a taxa de lucro dos países industrializados. A elevada taxa de lucro da América Latina é derivada, por um lado, de uma margem bruta de lucro 65-71% superior à margem bruta dos países industrializados e uma margem líquida de lucro 110% superior à dos países industrializados; por outro, de uma relação capital-produto que corresponde a 71-87% das estimativas para os países industrializados.

6. CONCLUSÃO

O produto da América Latina em 1985, medido pela paridade do poder de compra das moedas (PPP), alcançava 46% do produto por trabalhador dos países industrializados. Mas o salário nos países da América Latina atingia somente 27% do nível de salário dos países industrializados.

Em relação ao produto interno líquido a custo de fatores, o salário representava 73% do produto dos países industrializados e 44% do produto dos países da América Latina. Para o produto interno bruto, a margem de lucro líquido da era de 21 % para os países industrializados e de 45% para os países da América Latina.

A margem de lucro sobre o produto interno bruto, ponderada pela relação capital-produto, expressa a taxa de lucro de uma economia [(L/P)/(K/P)=(L/K)]. Para uma taxa de lucro uniforme, uma elevada margem de lucro deveria estar associada a uma elevada relação capital-produto.

A margem de lucro líquido dos países da América Latina era 110% maior que a margem de lucro líquido dos países industrializados. Mas a relação estoque líquido de capital-produto dos países da América Latina correspondia a 75% do nível dos países industrializados para o capital fixo não-residencial e entre 83% e 86% para o capital fixo total.

Para a América Latina, o resultado combinado de uma margem de lucro maior e de uma relação capital/produto menor é uma taxa de lucro aproximadamente duas vezes e meia maior que a taxa de lucro dos países industrializados.

As elevadas taxas de lucros da América Latina certamente estão relacionadas à diferença apontada entre o nível de salário (27%) e o nível de produção por trabalhador (46%) dos países da América Latina em relação aos países industrializados. O nível de salário não acompanha o nível de produtividade dos países da América Latina.

Se o salário na América Latina fosse correlato a seu nível de produtividade relativa, sua margem de lucro certamente se reduziria a nível de sua relação capital-produto. O salário abaixo do nível da produtividade é o preço que a América Latina paga por uma taxa de lucro duas vezes e meia maior que a taxa vigente nos países industrializados.

Por fim, seria importante salientar que, embora com o dobro da margem de lucro, a América Latina apresenta a metade da relação investimento/excedente dos países industrializados. Desta forma, em moeda local ou em dólares, a participação da formação bruta de capital no produto da América Latina acaba por ser igual à taxa de investimento dos países industrializados. Entretanto, devido à diferença dos preços dos bens de produção em relação aos preços dos bens de consumo nos países industrializados e na América Latina, em PPP, ou seja, em termos reais, a taxa de investimento dos países industrializados é 60% maior que a taxa de investimento dos países da América Latina.

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  • 2
    JEL Classification: E22; E11.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1998
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