Acessibilidade / Reportar erro

Demanda e oferta nos planos econômicos

Demand and supply in economic plans

RESUMO

Esta nota estuda as condições de oferta e o comportamento da demanda nos primeiros meses dos planos Cruzado, Collor e Real. A principal conclusão é que, independentemente dos interesses reais, o consumo apresenta um padrão qualitativo semelhante. Portanto, como parece inevitável um aumento no consumo nos primeiros meses, os formuladores de políticas econômicas deveriam criar condições de suprimento antes da implementação dos planos. Sob esse ponto de vista, o Plano Real foi o que apresentou as melhores condições de suprimento em relação aos planos Cruzado e Collor.

PALAVRAS-CHAVE:
Estabilização; inflação; consume

ABSTRACT

This note studies the supply conditions and the demand behavior in the first months of the Cruzado, Collor and Real plans. The main conclusion is that, independently upon the real interests, consumption presents a similar qualitatively pattern. Hence, as it seems unavoidable an increase in consumption in the first months, economic policy makers should previously create supply conditions before the implementation of plans. In this point of view, the Real Plan was the one which presented the best supply conditions relatively to Cruzado and Collor plans.

KEYWORDS:
Stabilization; inflation; consumption

1. INTRODUÇÃO

O objetivo desta nota é comparar as condições de oferta e o comportamento da demanda dos planos Cruzado, Collor e Real em seus primeiros meses, e está dividida em quatro seções. A seção 2 destina-se a descrever o comportamento da demanda, com base nos dados da FCESP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), nos meses imediatamente posteriores à implementação dos planos de estabilização. Na seção três são feitas algumas considerações em relação ao efeito das taxas de juros reais no consumo. A comparação das condições de oferta entre os planos é o objetivo da quarta seção. A última seção destina-se às observações e conclusões finais.

2. VAREJO E PLANOS CRUZADO, COLLOR E REAL

Dois fatores são frequentemente citados para explicar um esperado aumento do consumo logo nos primeiros meses de implementação de planos econômicos que derrubam abruptamente as taxas de inflação. O primeiro é o aumento do poder aquisitivo dos assalariados que não conseguiam indexar seus rendimentos e perdiam com o imposto inflacionário. O segundo fator é o desvio das aplicações financeiras, dada a “ilusão monetária” de que os ganhos caíram com a queda nominal nas taxas de· juros, para o consumo.

O que se pode observar na Tabela 1 (na página 146) é que existe um comportamento muito parecido nos dois primeiros meses dos planos de estabilização. Na média dos dois primeiros meses, houve um crescimento de 10,0% no Plano Cruzado, 11,9% no Plano Collor e 10,6% no Plano Real.

Tabela 1:
Faturamento real do comércio varejista de São Paulo Variação mensal em %. Valores dessazonalizados.

No Cruzado, quem liderou o crescimento nas vendas nos dois primeiros meses após a implementação do plano foi o setor de duráveis (19,8%), seguido de veículos e construção (10,6%), não duráveis (3,9%) e semiduráveis (3,5%). No Plano Collor foi o setor de semiduráveis (24,8%) que mais cresceu, seguido de duráveis (19,0%), veículos e construção (17,1%) e não duráveis (-0,6%). O setor de duráveis (24,4%), seguido por semiduráveis (12,6%), veículos e construção (5,6%) e não duráveis (0,4%), foi o que mais cresceu no Plano Real.

Tomando-se a média simples das taxas de crescimento dos setores nos dois primeiros meses dos planos Cruzado, Collor e Real, o que se pode observar é que os duráveis (21,1%) são os principais responsáveis pelo aumento do consumo, seguidos por semiduráveis (13,6%), veículos e construção (11,1%) e não duráveis (1,2%).

Após esse crescimento do consumo, o que se observa nos meses seguintes dos planos Cruzado e Collor é uma queda nas taxas de consumo. Do terceiro ao sexto mês após a implementação dos planos a taxa de crescimento para o comércio geral variou entre -2,5% e 0,5% para duráveis, entre -3,3% e 1,0% para semiduráveis, entre 5,1% e 2,1%, para não duráveis, entre -0,9% e-0,7% e para veículos e construção entre-3,3% e 0,0%.

3. CONSUMO E TAXA DE JUROS REAIS

Em todos os planos econômicos estudados acima, os quais derrubaram abruptamente as taxas de inflação, houve um padrão de crescimento do consumo quantitativamente muito semelhante. Em todos eles, o setor de bens duráveis cresceu a uma taxa média, nos dois primeiros meses, em tomo dos 20%, sendo que no Real essa taxa chegou perto dos 25%.

Se observarmos o comportamento das taxas de juros reais praticadas nos primeiros meses dos planos, vamos verificar que existe uma diferença entre os planos Cruzado, Collor e Real (v. Tabela 2). Ou seja, com base nos dados analisados na presente nota, observa-se que, independentemente da política de taxa de juros praticada nos primeiros meses dos planos Cruzado, Collor e Real, o consumo cresce.

Tabela 2:
Taxa de juros real de títulos públicos federais nos primeiros meses após os planos econômicos Em% - deflator IGP-DI

A pergunta que fica é: a taxa de juro real alta é um instrumento eficiente de inibição do consumo nos primeiros meses dos planos de estabilização que derrubam abruptamente as taxas de inflação?

Primeiro é preciso diferenciar dois tipos de consumidores-alvos que a taxa de juros alta pretende acertar. Um deles é o detentor de aplicações financeiras e poupança, que, seduzido por um rendimento real maior, tenderia a deixar seus ativos onde estão, ou seja, nos bancos e não no comércio. Outro é o consumidor que compra a crediário, que pensaria duas vezes em adquirir um produto que embutisse juros reais altos.

Em relação ao primeiro tipo de consumidor, o aumento da taxa de juros real, se de um lado inibe a saída de aplicações financeiras para o consumo, de outro cria o chamado efeito renda, que poderá ter um impacto num futuro próximo. Além disso, a maior parte das aplicações financeiras e poupanças pertence a grandes aplicadores, pessoa física e jurídica, que dificilmente mudariam seus hábitos de consumo repentinamente, dada a sua baixa elasticidade-renda.

Quanto aos que compram pelo crediário, que são os grandes responsáveis pelo crescimento do consumo dos bens duráveis e semiduráveis, a taxa de juros real dos crediários não é uma variável-chave na decisão de comprar ou não a prazo (se não fosse assim, como explicar um aumento médio de 24% nos dois primeiros meses do Real nas consultas ao SPC, quando os juros reais de crediário passavam dos 10% ao mês?) nos períodos pós-estabilização. Na verdade, o que é decisivo, para esse consumidor, é o conhecimento de quanto do salário será comprometido pelas prestações nos próximos meses, e tal planejamento fica muito menos incerto com taxas de inflação baixas.

Portanto, a nosso ver, uma política de taxas de juros altas não é um instrumento eficiente para conter a demanda nos casos acima.

Além dessas observações, é preciso lembrar que as taxas de juros reais têm impacto negativo sobre o crescimento da dívida pública, que pode gerar expectativas também negativas sobre a credibilidade do plano, além de aumentar os custos financeiros das empresas.

4. OFERTA

Como vimos, taxa de juros real alta não é suficiente para conter um inevitável aumento de consumo nos primeiros meses dos planos de estabilização que derrubam abruptamente as taxas de inflação. Na verdade, uma condição necessária para o sucesso desses planos está relacionada à oferta, ou seja, a economia deve ter condições de atender a um eventual aumento do consumo nos meses seguintes.

A Tabela 3 faz uma comparação entre os planos Cruzado, Collor e Real. O que se observa é que existem no Plano Real condições muito melhores, em relação ao potencial de aumento da oferta, do que nos outros dois planos. A utilização da capacidade em agosto de 1994 (76,8%) ainda está abaixo daquela no período do Cruzado (80,2%), apesar de existirem setores que estão operando no Real com praticamente toda a capacidade (automobilístico e papel, por exemplo).

Tabela 3:
Capacidade de oferta da economia nos planos Cruzado, Collor e Real

Na área de oferta de alimentos, que geralmente têm grande peso sobre os índices de preços, o Plano Real colheu safra recorde (76 milhões de toneladas), cerca de 29% e 43% superior, respectivamente, à do Plano Collor (59 milhões de toneladas) e à do cruzado Cruzado (53 milhões de toneladas).

Em relação ao setor externo, as reservas internacionais no Plano Real são cerca de quatro a seis vezes maiores do que aquelas existentes no ano dos planos Collor e Cruzado. As facilidades de importação no Plano Real também são muito maiores em relação aos outros planos. Enquanto nos planos Cruzado e Collor as alíquotas médias de importação eram de 51 % e 32%, atualmente são de 14%.

5. CONCLUSÃO

Como se pôde observar, independentemente da política de taxa de juros adotada nos períodos imediatamente posteriores à implantação aos planos que reduzem rapidamente as taxas de inflação, existe um “padrão” de crescimento do consumo, puxado principalmente pelos bens duráveis e semiduráveis. Ou, ainda, é praticamente inevitável um aumento do consumo nos primeiros meses dos planos.

Portanto, a conclusão desta nota é que, mais importante que a preocupação com o lado da demanda, é a atenção que os formuladores de política econômica, em planos que preveem uma queda abrupta da inflação nos meses imediatamente seguintes à implementação dos planos, devem dedicar à criação antecipada de condições de oferta.

Desse ponto de vista, o que se pôde observar através dos dados apresentados é que o Plano Real foi aquele que apresentou as melhores condições de oferta relativamente aos planos Cruzado e Collor.

  • 1
    JEL Classification: E21; E31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1995
Centro de Economia Política Rua Araripina, 106, CEP 05603-030 São Paulo - SP, Tel. (55 11) 3816-6053 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: cecilia.heise@bjpe.org.br