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Uma crítica ao Consenso de Washington

A critique of the Washington Consensus

RESUMO

Essa foi a intervenção do autor no painel de encerramento de uma conferência em homenagem a Albert Hirschman sobre estratégias de desenvolvimento para a América Latina. Chama a atenção para algumas deficiências do chamado “Consenso de Washington”, a expressão adequada de John Williamson para descrever a visão de que políticas melhores levam a melhores resultados, políticas piores a piores resultados. Isso é verdade, mas banal, trivial e tautológico. O autor sugere que existem três tipos de políticas a serem abordadas: a primeira está relacionada à busca pela estabilidade macroeconômica; o segundo às reformas microeconômicas muito necessárias; o terceiro é o elo que falta no Consenso de Washington e tem a ver com a retomada do crescimento e investimento com a mudança tecnológica em uma economia mundial cada vez mais competitiva. Isso requer, além da macro estabilidade e das micro reformas, algumas visões do futuro e um padrão muito mais eficaz de interações entre o setor privado e um setor público modernizado e ativo, dada a interdependência das decisões de investimento na presença de externalidades gerais da economia.

PALAVRAS-CHAVE:
Consenso de Washington; crescimento econômico

ABSTRACT

This was the intervention of the author at the closing Panel of a Conference in Honor of Albert Hirschman on Development Strategies for Latin America. It draws attention to some shortcomings of the so-called “Washington Consensus”, John Williamson’s apt expression to describe the view that better policies lead to better results, worse policies to worse results. This is true but trite, trivial and tautological. The author suggests that there are three types of policies to be addressed: the first is related to the quest for macroeconomic stability; the second to much-needed microeconomic reforms; the third is the missing link in the Washington Consensus and has to do with the resumption of growth and investment with technological change in an increasingly competitive world economy. This requires, in addition to macro- stability and micro-reforms, some visions of the future and a much more effective pattern of interactions between the private sector and a modernized and active public sector, given the interdependence of investment decisions in the presence of economy-wide externalities.

KEYWORDS:
Washington consensus; economic growth

Tem se tornado quase um clichê afirmar que os anos 80 representaram uma década perdida em termos de desenvolvimento na América Latina. Já entrando pelos anos 90, considera-se que a região está ficando desesperadamente para trás ante o desenvolvimento observado no resto do mundo, com a única exceção representada pela África. O Relatório Anual de 1989 da CEPAL salienta que

“ ... após oito anos lutando para conseguir o ajustamento, a estabilização, o crescimento e a reestruturação da produção, acometida por problemas com o serviço de sua dívida externa e com pouco acesso a novos financiamentos externos, a maioria dos países da região continua a apresentar a mesma e complexa síndrome de desequilíbrios estruturais, acompanhada de déficits fiscais, baixos níveis de investimento, estagnação e inflação. Em outras palavras, a crise econômica dos anos 80 ainda persiste na região e seus enormes custos sociais levaram, inclusive, a grandes manifestações de violência na primeira metade do ano. Estima-se que, ao final do ano, o produto per capita médio da região será quase 10% inferior ao de 1980”.1 1 Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Economic Panorama of Latin America, 1989, p.5.

Esse triste desempenho, estendendo-se por um período de tempo tão longo, tem implicações negativas que serão projetadas para a década de 90 se os países da região não conseguirem responder adequadamente às restrições deixadas pelo passado bem como aos desafios e oportunidades apresentados pelo futuro. Os legados do passado podem ter criado condições iniciais desfavoráveis para a realização de reformas estruturais, para o desenvolvimento institucional e para mudanças políticas importantes. Por outro lado, como Hirschman nunca se cansa de nos lembrar, essas condições iniciais desfavoráveis podem contribuir para gerar o apoio político necessário para a realização de algumas mudanças fundamentais nos anos que virão. Meus comentários dirigem-se a estas perspectivas, à luz das percepções atualmente encontradas nos próprios países latino-americanos e também com base nas visões das sociedades industriais sobre a região.

Um dos legados dos anos 80 na América Latina é o ressurgimento, na população de muitos países, da fracassomania, fenômeno tão bem descrito por Hirschman em Journeys Towards Progress. Velhas expressões tais como “Acá no pasa nada”, “Hacemos todo al revés”, “Acá todo es patológico”, “Plus ça change, plus ça c’est la même chose” são cada vez mais ouvidas de Buenos Aires à Cidade do México. Mesmo no Brasil, talvez o país mais otimista da região até muito recentemente (posição provavelmente assumida agora pelo Chile democratizado), o humor carioca produziu uma frase de semelhante espírito: “Não se preocupe, nada vai dar certo”.

Nota-se claramente o surgimento de uma nova onda de autoincriminação, refletindo talvez a visão, amplamente difundida, de que a maioria dos países da região não tem sido capaz de projetar seu futuro, nem mesmo como uma esperança utópica de combinar crescimento com eficiência, igualdade, desenvolvimento tecnológico e competitividade internacional. As chamadas elites dos países da região são consideradas, pelas próprias populações, cada vez mais oligarquias presas ao passado e preocupadas com a preservação de seus privilégios, que como establishments modernos com visão e projetos para o futuro.

Outro legado dos anos 80 são os conceitos dos países industriais sobre a região, tanto pelos governos quanto pela opinião pública. O interesse na América Latina - que nunca foi grande - diminuiu drasticamente, e continua a diminuir, particularmente após os eventos históricos de 1989 na Europa do Leste. Isto se aplica tanto à opinião pública em geral quanto às percepções profissionais.

A esse respeito, Albert Hirschman, em seu excelente ensaio sobre a ascensão e o declínio da economia do desenvolvimento, conclui:

“Os economistas ocidentais que voltaram a atenção aos países em desenvolvimento no final da Segunda Guerra Mundial convenceram-se de que esses países não eram assim tão complicados: seus principais problemas seriam resolvidos somente com um aumento adequado de suas rendas nacionais per capita. Em épocas anteriores, porém, o desprezo por esses países, designados como “grosseiros e bárbaros” no século dezoito, “atrasados” no dezenove e “subdesenvolvidos” no vinte, tinha a forma de uma atitude de relegá-los a um status permanentemente mais baixo por conta de fatores imutáveis, tais como clima hostil, pobreza de recursos ou raça inferior.

Com a nova doutrina de crescimento econômico, o desprezo assumiu uma forma mais sofisticada: de repente, tornou-se ponto pacífico que o progresso desses países se daria de forma suavemente linear tão-somente com a adoção do tipo certo de programa integrado de desenvolvimento! Dado que se considerava ser a pobreza o problema que mais lhes pesava, esperava-se que os países subdesenvolvidos funcionassem como brinquedos de corda, passando obstinadamente pelos vários estágios de desenvolvimento; as reações às mudanças que enfrentariam não seriam nem de longe tão traumáticas ou aberrantes quanto as dos europeus, com seus resquícios feudais, complexos psicológicos e cultura altamente refinada ...” 2 2 Hirschman, A. “The Rise and Decline of Development Economics.” ln: Essays in Trespassing, Cambridge University Press, 1981, p. 24. (ênfase nossa).

Hoje, nos países industriais, a visão dominante é uma discreta variação da “forma sofisticada de desprezo” mencionada por Hirschman: o fracasso verificado dos “programas de desenvolvimento” tornou-se sinônimo de fracasso do setor público em adotar “políticas eficientes, saudáveis e apropriadas”, as quais poderiam ter assegurado sua capacidade de atingir, no futuro, níveis de desenvolvimento econômico e social característicos de sociedades mais avançadas. As visões auto incriminadora e paternalista-protetora reforçam-se mutuamente, num depressivo círculo vicioso que só poderia ser quebrado pelos próprios latino-americanos.

O círculo vicioso não será quebrado por meio de discursos, alegações e declarações de intenção, mas com ações internas que conduzam a resultados econômicos e políticos.

Há um debate intelectual em andamento do qual a América Latina, surpreendentemente, não está tomando parte. Considerem-se as seguintes ilustrações:

Bela Balassa, pensador estratégico influente por quase duas décadas, particularmente nos círculos do Banco Mundial, interpretou o processo de industrialização nos países em desenvolvimento nos seguintes termos:

“ ... processo enfatiza os elementos de continuidade no desenvolvimento industrial bem como a ideia de que os países podem passar por estágios similares no curso de sua industrialização. A despeito de ter caído em desuso o conceito de estágios .... é um modo conveniente de caracterizar o padrão de desenvolvimento industrial até que os países se tornem nações industriais completamente formadas. Há, naturalmente, ‘accidents de parcours’ passíveis de sustar ou reverter o processo, porém, mais frequentemente, tais acidentes se devem a políticas inadequadas”3 3 Balassa, Bela. The Newly Industrializing Countries in the World Economy, Pergamon Press, 1981, pp. 1-2. (ênfase nossa).

Outro graduado economista do Banco Mundial, Marcelo Selowski, escrevendo em 1989, produziu um trabalho que, sintomaticamente, tem como título: “ As Pré-condições Necessárias para a Retomada do Crescimento na América Latina”. Nesse trabalho, o leitor é informado de que há:

“ ... uma sequência lógica de estágios - ou o que se poderia chamar de um padrão de ajustamento necessário pelo qual os países têm que atravessar para retomar o crescimento”4 4 Selowski, M. “Preconditions Necessary for the Recovery of Latin America’s Growth.” Trabalho apresentado no Encontro Latino-americano do World Economic Forum, Genebra, J une 22-23, 1989, p. 1. (ênfase nossa).

O autor então passa a localizar os países latino-americanos “neste caminho a ser trilhado”, observando que alguns estão “bem no começo”, outros “quase no fim” e que “alguns nem começaram”.

Albert Hirschman tem escrito copiosamente contra essa visão de “pré-condições necessárias” e “único caminho lógico” para o desenvolvimento desde sua primeira formulação, há mais de trinta anos:

“O estudo intensivo do problema do desenvolvimento econômico tem apresentado um resultado desanimador: tem produzido uma lista infindável de fatores e condições, de obstáculos e pré-requisitos ... a partir de fenômenos objetivos, palpáveis e quantitativos até aqueles cada vez mais subjetivos, intangíveis e imensuráveis .... A despeito das muitas reflexões valiosas derivadas desses estudos ... seus impactos cumulativos sobre o leitor desavisado poderiam facilmente levantar sérias dúvidas sobre a possibilidade de qualquer desenvolvimento econômico, pois como pode um país estagnado ter qualquer esperança de satisfazer simultaneamente tantas condições necessárias?”5 5 Hirschman, A. The Strategy of Economic Development, Yale, 1958, pp. 1-2.

Mais recentemente, escrevendo sobre a instabilidade observada em tantos países latino-americanos, Hirschman afirmou:

“É de pouco proveito buscar a causa fundamental desta instabilidade. Sua força e duração sugerem que há em ação toda uma série de fatores convergentes e inter-relacionados, que vão desde a cultura e estrutura social até a vulnerabilidade econômica. É fútil, portanto, enumerar pré-condições e apresentar estratégias de mudança abrangentes. Serviriam apenas para configurar um esquema totalmente utópico para transformar tudo o que é característico da realidade desses países e, portanto, equivaleria ao desejo de que a realidade fosse diferente”.6 6 Hirschman, A. Rival Views of Market Society Viking, 1986, p. 176.

Particularmente perniciosa - escreve Hirschman - é a maneira de apresentar condições estritas que precisam ser satisfeitas para que a reforma tenha alguma chance. Muito mais construtivo é tentar entender as pressões sob as quais as pessoas estão operando e os próximos passos que já estão compelidas a dar.

Os ventos de mudança estão se fazendo sentir em todo o mundo, incluindo a América Latina. Não apenas ventos e palavras, mas também ações importantes estão sendo empreendidas por governos, levando frequentemente a resultados concretos. É importante que se apontem os desenvolvimentos positivos sempre que ocorrem, e tais eventos positivos estão seguramente ocorrendo, mesmo na América Latina.

Seria um erro, contudo, correr atrás de histórias de sucesso como se a experiência particular de um dado país, relativamente mais bem sucedido, pudesse ser facilmente generalizada e aplicada a todos os outros países da região.

De um modo geral, além de não ajudar muito, é uma tentativa inconsistente com as celebradas ideias de unicidade de situações e de necessidade de uma abordagem caso-a-caso, tão rapidamente aplicadas em outras áreas. É mesmo paradoxal a recusa de tratar (mesmo em nível de pensamento) problemas amplamente compartilhados e comuns num contexto maior - como o problema da dívida -, ao mesmo tempo que tende a se pensar “globalmente” em termos de estágios e fases gerais que envolvem um conjunto comum de recomendações de política e, a rigor, uma tautologia: políticas melhores levam a melhores resultados; políticas piores, a piores resultados. Uma afirmação verdadeira, porém pouco original.

Há três tipos de políticas a considerar nesta discussão. O primeiro abrange as políticas macroeconômicas, a observância de identidades e restrições globais básicas e bem conhecidas. É sobejamente sabido que para que sejam sustentáveis os déficits de conta corrente, estes precisam ser acompanhados por um déficit fiscal financiável, mais o investimento privado que exceder a poupança privada. Compreende-se amplamente que um mínimo de estabilidade macroeconômica requer a manutenção da taxa de crescimento da demanda agregada mais ou menos alinhada com o crescimento da produção potencial, de maneira a evitar pressões inflacionárias indevidas por excesso de demanda e efeitos de spill-over no balanço de pagamentos, decorrentes de um excesso insustentável de importações sobre exportações. Entende-se bem também que um déficit orçamentário sustentado contribui para que se colha um déficit no balanço de pagamentos, na medida em que a poupança negativa do governo amplia a defasagem entre investimento e poupança, que é a contrapartida do déficit na conta corrente do balanço de pagamentos. Sabe-se que a forma de financiamento do déficit público é de crucial importância na definição da natureza e escopo da política monetária. O papel das expectativas a respeito do grau de acomodação das políticas fiscal e monetária é crucial, como também o é a sincronização entre os movimentos da taxa de câmbio, nível salarial e taxa de juros. Todos concordam em que essas questões globais são essenciais para a estabilidade macroeconômica. Pessoas sensatas poderão discordar quanto a pontos específicos de implementação de políticas, porém o campo está razoavelmente bem definido.7 7 Os problemas de disponibilidade de divisas e consolidação fiscal na presença de uma dívida pública, interna e externa, de grandes proporções, não devem ser subestimados. Como acertadamente observou Eliana Cardoso: “O que muitas análises não enfatizam é precisamente a situação particular de endividamento e o papel-chave da disponibilidade de moeda estrangeira na comparação entre programas bem e malsucedidos”. Veja Cardoso, E. “Comments”. In: Bruno M., Di Tella, G., Dornbusch, R. e Fisher, S. (eds.) Inflation Stabilization, MIT Press, 1988, p. 287.

O segundo tipo de políticas, as chamadas microeconômicas, é genericamente utilizado para denotar medidas de política que aumentam a eficiência do sistema de preços relativos como um dispositivo de sinalização para a alocação de recursos na produção, consumo e utilização de fatores. Questões envolvendo o desenvolvimento institucional, sistemas fiscais, política de preços dos bens e serviços públicos, regulamentação e supervisão, incentivos e desincentivos destacam-se numa discussão muito mais polêmica do que o debate macroeconômico.

Importante pesquisador, Stanley Fisher, atualmente Vice-Presidente e Economista-Chefe do Banco Mundial, afirma:

“Uma vez que o microajustamento requer uma modificação de abordagem mais importante do que o macroajustamento, a defesa de reformas particulares terá que basear-se antes em uma análise cuidadosa do que na simples afirmação de sua necessidade”.8 8 Fisher, S. “Issues in Medium-Term macroeconomic Adjustment.” The World Bank Research Observer, vol. 1, n? 2, July 1980, p. 166.

Na verdade, as assim chamadas reformas microeconômicas, julgadas necessárias em países particulares, dependem das estruturas econômicas desses países, suas condições “iniciais”, grau de distorção dos preços, fragilidade ou força institucional, bem como de erros e acertos ocorridos no passado. Para citar novamente Stanley Fisher, sem mencionar a conclusão da Aula Magna de Hirschman na Universidade de Buenos Aires:

“Não existe um modelo comum nem uma receita única que se poderia aplicar a todos (os países em desenvolvimento) ... é preciso ater-se às especificidades de cada país”.9 9 Fisher, S. Op. cit., p. 167.

Com isso, chego ao terceiro tipo de políticas envolvidas nessa discussão e, infelizmente, como nos tem lembrado Rudiger Dornbusch, aquelas que têm recebido menor atenção, precisamente no momento em que sua necessidade é mais evidente: políticas que visem a assegurar o desenvolvimento social e econômico de longo termo, com mudança tecnológica.

Neste ponto, verifica-se uma separação fundamental. Segundo o assim chamado Consenso de Washington - para utilizar o termo apropriado de John Williamson -, uma vez que a estabilidade macroeconômica e a reforma microeconômica sejam atingidas, ou uma vez que esses objetivos estiverem sendo seriamente buscados de modo sustentável, o crescimento e o desenvolvimento advirão, quase naturalmente, como cogumelos selvagens em solo fértil umedecido por uma chuva de primavera. Isto explica o que John Williamson denominou de

“ A desconsideração (por parte do Consenso de Washington) da teoria do desenvolvimento como sendo uma forma de negar as duras realidades da lúgubre ciência (‘dismal science’)”.10 10 Williamson, J. “What Washington Means by Policy Reform.” Trabalho apresentado numa conferência organizada pelo Institute for International Economics on Latin American Adjustment: How Much has Happened? Washington, november 6-7, 1989, p. 24. Em J. Williamson, org. Latin American Adjustment, How much has happened? Washington, Institute for lnternational Economics, 1990.

O triste desempenho da maioria dos países latino-americanos por quase uma década, bem como o desempenho desastroso de muitos países africanos por mais de duas décadas, contudo, suscita dúvidas fundamentais sobre se a agenda de Washington seria suficiente para restaurar o crescimento e o desenvolvimento uma vez atingida a estabilidade e eliminadas as piores formas de distorção de preços.

Uma visão alternativa defenderia que, embora a estabilidade global seja essencial e que as piores formas de distorção de preços devam ser eliminadas, é preciso mais para assegurar crescimento, desenvolvimento e mudança tecnológica de longo termo. Esta peça que falta não é considerada pela visão atualmente dominante, refletida no assim chamado Consenso de Washington.

Segundo Dornbusch, a interdependência entre as decisões de investimento (público e privado, interno e internacional) é, nesse contexto, absolutamente crucial, uma vez que reformas em políticas macro e microeconômicas, embora essenciais, não conseguem, sozinhas, libertar os “espíritos animais” dos investidores na presença de externalidades que afetam toda a economia.

É preciso que haja algum mecanismo de coordenação que sobrepuje a tendência do mercado de exercer suas opções de espera: opção de postergar investimentos em fábricas de equipamentos; opção de postergar a repatriação de flight capital; opção de permanecer em ativos altamente líquidos e assim por diante.11 11 Dornbusch, R. “From Stabilization to Growth”, July 1989, pp. 21-30. (Mimeografado)

Se não se deseja que a retomada do investimento, crescimento e desenvolvimento sustentados na América Latina permaneça no plano do ilusório, um setor público modernizado terá que desempenhar um papel essencial, ainda que não intensivo, de coordenação na programação dos investimentos para o crescimento futuro com mudança estrutural e tecnológica. Não é preciso que se produzam os antiquados planos detalhados, mas sim um padrão seguramente muito mais construtivo e ágil de interações entre os setores público e privado, num esforço conjunto de olhar para frente, vislumbrar o futuro e identificar realisticamente possibilidades de construção - obviamente dentro de limites - das linhas de vantagens comparativas do futuro, diferentes daquelas dadas pela geografia, dotação de recursos naturais ou salários relativos baixos (geralmente refletindo o despreparo e o baixo nível de instrução da força de trabalho).

Os países da América Latina certamente precisam melhorar suas capacidades de resposta em termos de políticas macro e microeconômicas, ou seja, a habilidade de mudar de política e responder, não apenas a choques adversos ou restrições externas, mas também a oportunidades apresentadas por um ambiente doméstico e internacional em transformação.

Embora crucial, no entanto, uma melhor capacidade de resposta das medidas precisa provocar uma resposta adequada da oferta se se quer restaurar, na América Latina, o crescimento, a mudança estrutural e o desenvolvimento tecnológico.

Hirschman está certo. Não há um caminho único, nem fórmula simples ou modelo simples a ser seguido. Cada país da região deve analisar em profundidade o que poderia ser no futuro, como economia e como sociedade, e adotar, é claro, as “políticas apropriadas”. Mas políticas também apropriadas a uma estratégia de crescimento voltada para o futuro, respaldada nos setores modernos das estruturas econômicas, social, política e institucional do país em questão.

Se isto não for feito, a América Latina, como a África, continuará a caminhar em direção a uma posição de importância relativa cada vez menor numa economia mundial cada vez mais competitiva e tecnologicamente avançada.

Felizmente, de uma maneira meio que hirschmaniana, como indicam os excelentes trabalhos e discussões nesta Conferência, a simples percepção dessa possibilidade real está produzindo, em toda a região, a reação que poderá reverter este processo e dar início à reconstrução e à modernização, há muito esperadas, da América Latina.

  • 1
    Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Economic Panorama of Latin America, 1989, p.5.
  • 2
    Hirschman, A. “The Rise and Decline of Development Economics.” ln: Essays in Trespassing, Cambridge University Press, 1981, p. 24.
  • 3
    Balassa, Bela. The Newly Industrializing Countries in the World Economy, Pergamon Press, 1981, pp. 1-2.
  • 4
    Selowski, M. “Preconditions Necessary for the Recovery of Latin America’s Growth.” Trabalho apresentado no Encontro Latino-americano do World Economic Forum, Genebra, J une 22-23, 1989, p. 1.
  • 5
    Hirschman, A. The Strategy of Economic Development, Yale, 1958, pp. 1-2.
  • 6
    Hirschman, A. Rival Views of Market Society Viking, 1986, p. 176.
  • 7
    Os problemas de disponibilidade de divisas e consolidação fiscal na presença de uma dívida pública, interna e externa, de grandes proporções, não devem ser subestimados. Como acertadamente observou Eliana Cardoso: “O que muitas análises não enfatizam é precisamente a situação particular de endividamento e o papel-chave da disponibilidade de moeda estrangeira na comparação entre programas bem e malsucedidos”. Veja Cardoso, E. “Comments”. In: Bruno M., Di Tella, G., Dornbusch, R. e Fisher, S. (eds.) Inflation Stabilization, MIT Press, 1988, p. 287.
  • 8
    Fisher, S. “Issues in Medium-Term macroeconomic Adjustment.” The World Bank Research Observer, vol. 1, n? 2, July 1980, p. 166.
  • 9
    Fisher, S. Op. cit., p. 167.
  • 10
    Williamson, J. “What Washington Means by Policy Reform.” Trabalho apresentado numa conferência organizada pelo Institute for International Economics on Latin American Adjustment: How Much has Happened? Washington, november 6-7, 1989, p. 24. Em J. Williamson, org. Latin American Adjustment, How much has happened? Washington, Institute for lnternational Economics, 1990.
  • 11
    Dornbusch, R. “From Stabilization to Growth”, July 1989, pp. 21-30. (Mimeografado)
  • 12
    JEL Classification: B22; O11; O43.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 1991
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