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Preços relativos e competitividade externa* * Janeiro de 1997.

Relative prices and international competitiveness

RESUMO

Nos últimos anos, o Brasil viu sua balança comercial deteriorar-se significativamente. Embora algumas pessoas tenham defendido esses resultados como um ingrediente necessário ao processo de estabilização e crescimento ora em curso, o fato de uma experiência semelhante, vivida pelo México, ter culminado em grave crise de dívida em dezembro de 1994, representa um sério alerta. Tentando diferenciar os dois casos, algumas pessoas argumentaram que as dificuldades mexicanas se originaram de uma transição política incorreta. Por outro lado, o presente trabalho sugere que, em ambos os casos, existe uma variável indicativa de incentivos econômicos, a saber “o preço relativo da moradia e dos bens comercializáveis”, que poderia explicar o comportamento da balança comercial. As regressões estimadas para os dois países documentam essa conclusão.

PALAVRAS-CHAVE:
Balança comercial; PPC; liberalização; preços relativos; déficit comercial

ABSTRACT

In the last few years, Brazil has seen its trade balance deteriorate significantly. Although some people defended these results as a necessary ingredient of the stabilization and growth process now in course, the fact that a similar experience, lived by Mexico, ended up in a severe debt crisis in December 1994, represents a serious warning. Trying to differentiate the two cases some people have argued that the Mexican difficulties originated in an incorrect political transition. On the other hand, this paper suggests that in both cases, there is a variable indicative of economic incentives, namely “the relative price of home and tradable goods”, that could explain the behaviour of the trade balance. Regressions estimated for the two countries document this conclusion.

KEYWORDS:
Trade balance; PPP; liberalization; relative prices; trade deficit

A economia não é uma ciência exata nem experimental e, como normalmente muitas variáveis mudam simultaneamente, fica difícil determinar o efeito de qualquer uma delas. Por isso existe tanta controvérsia com relação a “que coisa causa o quê?” e “que medidas tomar para corrigir qualquer problema econômico?”. No entanto, a existência de um grande número de observações e uma análise cuidadosa dos fatos nos ajudam a tirar algumas conclusões básicas. A primeira delas e a mais importante é que os preços relativos afetam o comportamento dos agentes econômicos. Apesar disso, como a relação não é mecânica e às vezes leva bastante tempo para que seus resultados apareçam, existe muita gente ignorando a importância dessa proposição. Assim, por exemplo, um aumento do preço da carne leva inicialmente a uma redução do número de cabeças oferecidas para o abate, pois os pecuaristas irão reter o gado para aumentar o número de matrizes e poder assim oferecer mais carne a longo prazo. Quem olhasse apenas a relação de curto prazo diria que os pecuaristas não visam o lucro porque, diante de um aumento do preço, reduzem a quantidade oferecida.

No comércio exterior, o preço relativo relevante é dado pela relação entre os preços no país e no resto do mundo. Esta relação, conhecida como a Paridade do Poder de Compra da Moeda (PPC), nos dá uma ideia de como se modificou nosso poder de competitividade relativo a um momento inicial e a uma moeda usada como base de comparação. Como diferentes índices e diferentes períodos normalmente dão respostas diferentes, a tendência de alguns economistas é negar a utilidade destes números. De fato, olhar exclusivamente para a PPC pode nos dar uma resposta incorreta ou, pelo menos, quantitativamente não-confiável. Mas, se a esses números se acrescenta evidências de baixo crescimento das exportações, e se isso vem acontecendo por um período prolongado, gerando um déficit comercial em níveis superiores aos desejados, ou ao menos maiores do que o que seria razoável tentar financiar externamente, então, não há dúvidas de que o problema é de competitividade externa, medida por exemplo pela PPC. Deixar de prestar atenção a eles parece falta de visão.

1. O EXEMPLO DO MÉXICO

Tomemos o caso de México. Até pouco antes da crise de 1994, ele era apresentado como exemplo de racionalidade econômica a ser seguido. Os recursos externos fluíam em grandes volumes para o país, a inflação era baixa e a integração com os EUA iminente. Depois da crise, há quem argumente que Zedillo não agiu corretamente, que deixou o mercado duvidar quanto à continuidade da política de Salinas e que o México poderia continuar usufruindo da estabilidade econômica se a transição política tivesse sido melhor sincronizada.

Vejamos o que nos dizem os números sobre a competitividade do México. O Gráfico 1 apresenta três versões da paridade do poder de compra (PPC) com relação ao dólar: a) usando o índice de preços de atacado em ambos países (IPA-México/IPA-EUA), a qual chamaremos de PPCA; b) usando o índice de preços ao consumidor em ambos os países (IPC-México/IPC-EUA), a qual chamaremos de PPCB e c) usando o índice de preços ao consumidor para o México e atacado para os Estados Unidos (IPC-México/IPA-EUA), a qual chamaremos de PPCC, que são as versões mais frequentemente usadas para calcular a competitividade externa. O período analisado é de1962 a 1995, e os dados são anuais.’

Gráfico 1
México

Observem que há diferenças entre os três índices, mas que eles se comportam essencialmente da mesma maneira. Observem também que, ainda que quantitativamente eles deem respostas bastante diferentes quanto ao nível da sobrevalorização ou subvaloração da moeda, eles dão a mesma resposta qualitativa. Quando um índice está acima do zero, os outros dois também estão.

Mas qualquer uma destas séries só será importante se ela for capaz de ajudar a explicar o que acontece com o comércio exterior e com o saldo da balança comercial. É também com base neste critério que podemos optar por um desses três índices, ou talvez por outro ainda, se ele for capaz de explicar melhor a variável que nos interessa. O Gráfico 2 é uma repetição do Gráfico 1, onde foi acrescentado o saldo da balança comercial em relação ao PIB como uma variável a mais. Mais uma vez, observem a semelhança de comportamento entre as variáveis que indicam a competitividade da economia mexicana e o resultado colhido em termos de comércio exterior.

Gráfico 2
México

Para analisar quantitativamente cada uma das séries de preços relativos como variáveis capazes de explicar o saldo da balança comercial (SBC), foi calculada uma relação do tipo SBC =a+ b PPC; + u. Como mostra a Tabela 1, as três relações são altamente significantes e explicam uma boa parte da variabilidade do SBC.

Tabela 1

Observe que a PPCC é quantitativamente melhor. Ela explica 78% da variabilidade do SBC, enquanto a PPCA explica 77% e a PPCB, 59%. Pela PPCC e pela PPCA, que apresentam resultados muito próximos, no ponto mais baixo da crise de 1993, o peso mexicano estava sobrevalorizado entre 25% (PPCA) e 30% (PPCC).

Portanto, vamos esquecer Chiapas, a morte de Colassio ou quaisquer outras variáveis políticas para explicar a recente crise externa mexicana. O problema estava efetivamente nos preços relativos, que vinham penalizando fortemente o poder de competitividade de suas exportações, gerando elevados déficits comercial e de transações correntes e multiplicando o endividamento externo mexicano. A forte recuperação da balança comercial observada a partir de 1995, após a correção dos preços relativos, segue também perfeitamente o figurino da teoria econômica.

2. A SITUAÇÃO DO BRASIL

O que podemos dizer com relação à situação externa do Brasil? Nos últimos tempos, têm sido frequentes as más notícias com relação ao SBC. Em 1995, o saldo foi negativo em US$ 3,21 bi e, em 1996, chegou a um déficit de US$ 5,5 bi. A cada mês que passa existe uma nova desculpa para justificar o resultado indesejável: ora é a importação extra de combustíveis, ora a greve dos portos, ora que o resultado é sazonal. De fato, uma má safra ou uma catástrofe qualquer podem justificar um mês ou um ano de exportações ruins ou importações elevadas. No entanto, quando analisamos o comportamento ao longo dos últimos anos, observamos que o Brasil vem perdendo participação do comércio mundial. Nossas exportações representavam 3% aproximadamente do comércio em 1974, e atualmente apenas 0,9%, e isto apesar da criação do Mercosul, que nos deu um mercado privilegiado a mais; as exportações dentro do Mercosul cresceram em média 28,3% ao ano entre 1991 e 1996. É evidente, então, que, neste caso, trata-se de um problema de competitividade externa e preços relativos desajustados, e não de um problema transitório, como alguns economistas querem nos fazer crer.

Para analisar os números do Brasil, vamos utilizar uma outra variável indicativa da competitividade externa de um país: ela é o quociente entre o preço dos bens comerciáveis e dos domésticos, em relação ao mesmo quociente para os EUA. Quanto maior o preço dos bens comerciáveis relativo ao dos bens domésticos, maior a competitividade de um país. Utilizamos o índice de preços por atacado como indicador do preço dos bens comerciáveis, e o índice de preços ao consumidor como indicador do dos bens domésticos.

O Gráfico 3 mostra a série de dados anuais para os 34 últimos anos (1963-1996). Por este índice, entre o Plano Cruzado (1986) e o momento atual, o câmbio real apreciou consideravelmente. Mas, como estes números dependem do ano-base usado para a comparação (1986, no caso) e da moeda contra a qual se está comparando o Real (o dólar do exemplo ou uma cesta de moedas), ainda não podemos tirar qualquer conclusão quantitativa. Não podemos por enquanto falar de sobrevalorização porque, na situação inicial, a moeda poderia estar subvalorizada, e a correção ser apenas a necessária para trazer a taxa de câmbio para níveis de equilíbrio. Mas, quando tomamos como referência o eixo das abcissas, indicativo do equilíbrio, temos que para valores acima de zero a moeda está subvalorizada e para valores abaixo, sobrevalorizada. A conclusão é a de que, na apreciação de 56% observada entre 1986 e 1996, 32% correspondem à correção da subvaloração produzida em reação à crise de dívida do começo da década de 80, e 24% à sobrevalorização atual.

Gráfico 3
Brasil

Para mostrar que esta série tem fundamental importância para explicar a evolução do SBC neste período, apresentamos, no Gráfico 4, as duas séries juntas: o preço relativo como indicador da nossa competitividade e o SBC em relação ao PIB como sendo o resultado dessa política de preços relativos.

Gráfico 4
Brasil

Note-se que as duas variáveis têm um comportamento semelhante, demonstrando assim que o comércio exterior de fato reage a incentivos econômicos. Uma regressão entre as duas variáveis, semelhante à utilizada no caso doéxico, apresenta os seguintes resultados:

S B C = a + b P R + u , o n d e P R = P r e ç o s R e l a t i v o s S B C = 0,0097 ( 3,49 ) + 0,1243 P R ( 7,51 ) R 2 = 0,693 D W = 1,03

Ela indica que o preço relativo explica 70% do SBC no período todo, com testes estatísticos de Student dos parâmetros estimados (a e b) significantes (3,49 e 7,51). De acordo com essa relação, em 1996, o SBC deveria ser de US$ -14 bi, quando o valor projetado para este ano é de apenas US$ -5 bi. Mas, como as previsões para 1997 são de um déficit de US$ 8 bi, é evidente que existem pressões para este número piorar, de acordo com o valor teórico definido pela regressão.

Podemos tentar resolver o problema externo dando incentivos às exportações de certos produtos (isenção de ICMS dos produtos primários, como foi resolvido recentemente), ou aumentando a alíquota de importação de outros produtos (como foi feito com brinquedos, automóveis e autopeças), ou ainda ampliando as linhas de financiamento para nossas exportações, como pretende fazer o BNDES. Mas tudo o que depende da discricionalidade do Governo (por que brinquedos e não sapatos ou têxteis?) é menos eficiente e redundará em maiores desperdícios do que o resultado da ação direta do mercado. Será necessário gastar mais em incentivos fiscais ou créditos subsidiados do que caso se deixasse aos preços relativos cumprir seu papel de sinalizar onde estão nossas vantagens comparativas. É por isso que a abertura econômica e a globalização têm trazido tantos benefícios ao crescimento econômico. É por isso também que o programa de substituição de importações nos levou à estagnação econômica durante mais de uma década.

O custo da atual política de penalização de nossas exportações e de favorecimento das importações, conjugado a um maior endividamento externo, é muito alto para que nos furtemos a uma discussão mais ampla e objetiva. Vamos deixar de lado emocionalismos e o orgulho pessoal. Vamos implementar a política que seja mais adequada aos interesses do país.

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    Janeiro de 1997.
  • 2
    JEL Classification: F14; F60.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1997
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