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A teoria do desenvolvimento econômico e a crise de identidade do Banco Mundial

The theory of economic development and the World Bank’s identity crisis

RESUMO

Este artigo discute a identidade do Banco Mundial enquanto pesquisa a economia do desenvolvimento. Três crises são identificadas: (1) o Banco foi criado para financiar projetos de infraestrutura do Estado de acordo com a relevância da economia do desenvolvimento atribuída às externalidades, mas desde que a onda neoliberal dominou Washington, sua missão perdeu a clareza; (2) o Banco, que deveria financiar o desenvolvimento, parou de ter um fluxo de caixa positivo com muitos países em desenvolvimento; e (3) presume-se que o Banco apoie o crescimento dos países em desenvolvimento, mas na crise da dívida está claramente alinhado com seus principais acionistas. No entanto, o Banco mantém um papel importante no mundo, à medida que se transforma cada vez mais em uma instituição de serviço que conta com economistas altamente competentes, pois apoia as reformas orientadas para o mercado muito necessárias e promove investimentos em capital humano.

PALAVRAS-CHAVE:
Banco Mundial; desenvolvimento econômico; novo-desenvolvimentismo

ABSTRACT

This paper discusses World Bank’s identity while surveys development economics. Three crises are identified: (1) the Bank was created to finance state infrastructure projects according to the development economics relevance given to externalities, but since the neoliberal wave dominated Washington, its mission lost clarity; (2) the Bank, that is supposed to finance development, stoped to have a positive cash flow with many developing countries; and (3) the Bank is assumed to support growth of the developing countries, but in the debt crisis it clearly aligned with its major shareholders. Yet, the Bank keeps a major role in the world, as it is increasingly turning into a service institution that counts with highly competent economists, as it supports much needed market-oriented reforms, and as it promotes investments in human capital.

KEYWORDS:
World Bank; economic development; new-developmentalism

1. INTRODUÇÃO

O Banco Mundial vem enfrentando desde o início dos anos 80 três crises ou desafios. Primeiro, a estratégia de crescimento que o Banco Mundial originalmente adotava foi colocada em dúvida desde o final da década de 70, quando a Teoria do Desenvolvimento Econômico (TDE) mergulhou em uma profunda crise e a intervenção do Estado na economia foi questionada. Segundo, a própria ideia de um banco de desenvolvimento está comprometida, à medida que o Banco tende a perder o papel de provedor líquido de fundos para os países em desenvolvimento. Terceiro, o Banco atuou de maneira infeliz quando a crise da dívida externa eclodiu no começo dos anos 80. Os três problemas podem ser resumidos como sendo uma crise de identidade. Afinal de contas, o que é o Banco Mundial? Ele permanece sendo um banco de desenvolvimento, assim como foi originalmente pensado por seus fundadores, ou ele está se transformando em um tipo de banco comercial voltado para a rolagem de dívidas e em uma instituição prestadora de serviços, que assessora os países em desenvolvimento, aproveitando-se do fato de reunir o maior grupo de economistas especializados em desenvolvimento econômico e social do mundo? É o Banco uma organização orientada ao desenvolvimento econômico ou uma instituição política e ideológica a serviço das políticas de seus principais acionistas? Em um mundo em que o desenvolvimento continua a ser o maior desafio de longo prazo, é um papel válido para o Banco Mundial tentar resolver problemas de curto prazo, como o da estabilização e de crises do balanço de pagamentos, como ele foi compelido a fazer em consequência da crise da dívida externa - nesse sentido, competindo diretamente com o Fundo Monetário Internacional -, ou ele deveria redefinir e perseguir uma nova estratégia de crescimento?

Cinquenta anos após a sua criação, a estratégia que o Banco deveria seguir a fim de cumprir sua missão de promover o desenvolvimento não é mais tão clara como era anteriormente. A missão em si permanece clara: promover o desenvolvimento, reduzir a pobreza. Mas a própria ideia de um banco de desenvolvimento está em discussão. Primeiro, se o Banco aceita o pressuposto conservador de que é possível contar exclusivamente com o setor privado para alcançar a prosperidade, por que precisamos de um banco de desenvolvimento? E como ficam as teorias de desenvolvimento econômico, que inspiraram as estratégias iniciais do Banco Mundial, ou as novas teorias de crescimento endógeno, que representam a recuperação e a sofisticação dessas ideias? Segundo, o Banco possui os meios financeiros para continuar sendo um banco de desenvolvimento? Quando ele foi criado, o pressuposto era que o Banco iria financiar os países de uma maneira similar àquela com que os bancos de investimento financiam projetos industriais. Durante algum tempo, o Banco teria um fluxo de caixa negativo com um dado país, mas, assim que essa nação se tomasse desenvolvida, o fluxo de fundos seria revertido. Atualmente, para muitos países esse fluxo foi de fato revertido, tornou-se negativo, embora eles ainda não tenham alcançado um estágio satisfatório de crescimento econômico. Se é assim; se não é realista esperar um novo aumento substancial de capital para o Banco nem um maior endividamento externo, de forma que ele não tenha outra alternativa a não ser deixar de ser um provedor líquido de fundos aos países em desenvolvimento, o Banco pode ainda ser visto como um banco de desenvolvimento? Terceiro, dado o fato de que atualmente muitos países em desenvolvimento estão altamente endividados, necessitando mais de uma redução de suas dívidas do que de um novo fluxo de fundos, qual é o papel que o Banco pode assumir em relação a eles? Seria apenas o de dar garantias aos bancos comerciais, substituindo o financiamento público pelo privado, e assegurando que a redução da dívida envolvida no Plano Brady é suficiente, ou existe uma alternativa mais sábia?

Essas questões não são novidade no Banco, ou em Washington. Desde o final dos anos 70, o Banco Mundial está tentando, de várias formas, responder a elas. A introdução de empréstimos direcionados a ajustes estruturais, atrelados e condicionados à realização de reformas estruturais, e a sua auto definição como uma instituição de serviços, são as duas principais respostas aos desafios que o Banco enfrenta. E, similarmente à posição que ele adotou com relação à crise da dívida, elas foram respostas às pressões políticas vindas de seus principais acionistas e da onda neoliberal que dominou Washington nos anos 80. Mas essas respostas foram adequadas?

Atualmente, há sinais de que essa onda conservadora está diminuindo e que uma renovada Teoria do Desenvolvimento Econômico, agora mais orientada a apoiar o mercado do que a substituí-lo, está surgindo. Por outro lado, o desempenho econômico do Japão e dos NICs asiáticos demonstra que a intervenção estatal pode não prejudicar a competitividade externa e interna, quando a ação governamental é direcionada para estimular a competitividade mais do que para proteger a ineficiência. Até que ponto o Banco Mundial reconhece essas novas realidades?

Essas são as questões às quais tentarei responder neste paper. Reconheço que elas são questões complexas, que permitem apenas respostas parciais e exploratórias. Algumas, como a sobreposição entre o Banco e o Fundo Monetário, evitarei expressamente. Essa é uma falsa questão, que já recebeu muita atenção. A sobreposição é inevitável, e, até um certo ponto, desejável, como são todas as formas de competição. Outras, eu irei abordar mais cuidadosamente. Particularmente aquelas relacionadas com a definição da identidade do Banco Mundial. Darei particular ênfase à economia política do desenvolvimento. A crise de identidade do Banco Mundial surgiu tanto do sucesso da Teoria do Desenvolvimento Econômico quanto de seus fracassos. Infelizmente, as análises posteriores à crise não interpretaram o problema corretamente, e muito dessa má interpretação tem sido intencional da parte de alguns países com considerável influência sobre as políticas do Banco. A Teoria do Desenvolvimento Econômico, nos termos em que foi originalmente definida, nos anos 40 e 50, adotou uma abordagem de economia política. Essa abordagem estava também presente nas ideias originais que orientaram o Banco Mundial. Como ela foi posta de lado, o Banco enfrentou uma crise intelectual que ainda não foi capaz de superar.

2. OS OBJETIVOS ORIGINAIS

Quando o Banco Mundial foi fundado, sua missão era muito clara: ajudar na reconstrução da Europa e promover o crescimento econômico no resto do mundo. A estratégia fundamental era a da promoção da industrialização. Os meios para tanto eram o financiamento externo para investimentos em infraestrutura e a proteção à indústria nascente. O instrumental teórico por trás disso era dado pela TDE, uma nova área de especialização da economia que então surgia.

O objetivo primeiro do Banco - ajudar na reconstrução da Europa - foi alcançado com sucesso. Já na década de 60 os países líderes da Europa Ocidental não dependiam mais de empréstimos do Banco Mundial. A infraestrutura econômica e educacional básica já estava presente. A capacidade de criar poupança interna foi logo recuperada. O Plano Marshall mais os empréstimos adicionais fornecidos pelo Banco foram eficazes em ajudar os países europeus a restabelecer os padrões de vida existentes antes da guerra e permitiram à região retomar o crescimento.

O segundo objetivo - ajudar os países em desenvolvimento a iniciar o processo de industrialização e a crescer - foi também alcançado na maioria dos países da América Latina e da Ásia. Somente na África os resultados são ainda insatisfatórios nessa área. Mas uma coisa é iniciar o processo de crescimento e transformar uma economia pré-capitalista ou mercantilista em uma economia capitalista industrial, outra coisa é alcançar um nível aceitável de desenvolvimento, é o país deixar de ser subdesenvolvido.1 1 Ou “em desenvolvimento”, ou menos desenvolvidos, como eufemisticamente se prefere dizer no Primeiro Mundo. Esse segundo objetivo obviamente não foi atingido. A diferença entre o Primeiro e o Terceiro Mundos, entre o Norte e o Sul, permanece essencialmente a mesma 40 ou 50 anos após a fundação do Banco.

Esse fato poderia ser encarado naturalmente, mas não foi. As esperanças nos anos 50 eram elevadas. O desapontamento, nos anos 80, foi correspondentemente muito grande. Celso Furtado (1987FURTADO, C. “Underdevelopment: to Conform or Reform”. In Meyer, G. (org.), 1987. Pioneers in Development, Second Series. Nova York, Oxford University Press for the World Bank, 1989.), um dos pioneiros da TDE, manifestou seu desapontamento dramaticamente. Depois de resumir sua própria contribuição à TDE, ele declarou, ao avaliar sua própria contribuição, que para superar o subdesenvolvimento é necessária uma racionalidade mais abrangente que aquela oferecida pelo mercado. Não é o caso de aumentar a função empresarial do Estado, mas de evitar a resistência estrutural à redução das desigualdades sociais e orientar o processo de investimento para a satisfação das necessidades básicas da população. E ele concluiu: “nessa área ... a experiência brasileira foi decepcionante”. Albert Hirschman (1979aHIRSCHMAN, A. O. “The turn to autoritharianism in Latin America”. In Collier, D. (org.). The New Authoritarianism in Latin America. Princeton, Princeton University Press, 1979a.) também manifestou seu desencanto, mas de uma forma igualmente crítica. O otimismo que prevaleceu após a Segunda Guerra Mundial entre os economistas e os policy-makers quanto às perspectivas de crescimento evaporou-se. A divisão do mundo em países ricos e pobres continuou inalterada. Nos países pobres, os frutos do crescimento têm sido distribuídos de forma injusta, e muitos países têm sido vítimas de novos regimes autoritários.

Na década de 80, quando a ascensão das novas democracias abriu caminho para uma nova onda de otimismo, a estagnação econômica, originada pela crise da dívida externa e pela correspondente crise fiscal do Estado, inviabilizou essa visão otimista. Por outro lado, o marcante progresso econômico do Leste e do Sudeste Asiático, onde, depois de um curto período de substituição de importações, prevaleceram, desde meados dos anos 60, estratégias orientadas à exportação, precipitou a crise da TDE - uma crise percebida por Hirschman já em 1979, quando ele escreveu o ensaio “The rise and decline of development economics”. De certa forma, a TDE poderia ter apresentado o histórico de sucessos dos tigres asiáticos como uma confirmação aproximada da ideia do big push, ou, mais genericamente, da ideia do desenvolvimento baseado em complementaridades e apoiado pelo Estado. Entretanto, ela foi incapaz de fazê-lo, dado o seu comprometimento inicial com a estratégia de substituição de importações - uma estratégia de desenvolvimento cuja existência foi, na década de 70, artificialmente estendida pelos governantes militares na América Latina, valendo-se, para isso, do financiamento externo. Os economistas neoliberais, ajudados pelo colapso do consenso keynesiano e pelo surgimento de uma onda conservadora no Primeiro Mundo, foram aqueles que utilizaram essa história de sucesso para reafirmar a crença neoliberal e acentuar a crise da TDE. O fato de o desenvolvimento econômico dos tigres asiáticos, até mais do que na América Latina, ter sido baseado na intervenção estatal foi ignorado. A própria ideia de uma estratégia de desenvolvimento baseada na combinação da ação do Estado com a dos empresários privados, que era dominante quando o Banco Mundial foi fundado, foi substituída por uma agressiva ideologia anti-estatal no Primeiro Mundo, que, em Washington, culminou necessariamente no neoliberal ou, mais precisamente, quase neoliberal “consenso de Washington”.2 2 A existência do “consenso de Washington” foi destacada por John Willianson (1990). Para uma crítica a esse consenso v. Fanelli, Frenkel e Rozenwurcel (1990) e Bresser-Pereira (1990b e 1993a). Esse consenso estava atingindo um clímax neoliberal naquele momento. Desde então, e particularmente desde a eleição do Presidente Bill Clinton, ele começou a amainar.

3. A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E O BANCO MUNDIAL

A crise da TDE e o surgimento nos anos 80 de um tipo de consenso neoliberal em Washington consubstanciaram-se em uma crise - especificamente uma crise intelectual - para o Banco Mundial, pois ele foi fundado e institucionalizado com base na Teoria do Desenvolvimento Econômico. Os princípios fundamentais da TDE foram também os princípios que orientaram originalmente a criação e a ação do Banco.

A TDE surgiu na década de 40 como uma crítica fundamental à economia neoclássica. Keynes, nos anos 30, fez a crítica macroeconômica, isto é, a crítica de curto prazo e a do ciclo econômico, do pensamento neoclássico. Economistas do desenvolvimento, nas duas décadas seguintes, fizeram uma crítica complementar do ponto de vista do longo prazo. Os objetivos básicos da nova teoria eram: (i) legitimar a industrialização, em função do argumento histórico óbvio de que todos os países desenvolvidos eram países industrializados (Kuznets, 1966KUSNETZ, S. Modern Economic Growth. New Haven, Yale University Press, 1966.); (ii) elevar a capacidade de poupança e de investimento dos países subdesenvolvidos de 10% para mais ou menos 20% do PIB;3 3 Lewis foi bastante específico quanto a essa questão: “O problema central da teoria de desenvolvimento econômico é entender o processo pelo qual uma comunidade que anteriormente poupava e investia 4% ou 5% de sua renda, ou até menos, transforma-se em uma economia na qual a poupança voluntária corresponde a 12% ou 15% da renda nacional, ou até mais” (1954, p. 416). (iii) promover a decolagem para o crescimento sustentado (Rostow, 1960ROSTOW, W. W. The Stages of Economic Growth. Cambridge, Cambridge University Press, 1960.).

Por trás desses objetivos, a TDE oferecia um diagnóstico básico sobre as causas do subdesenvolvimento: o dualismo econômico (Boeke, 1953BOEKE, J. H. Economics and Economic Policy in Dual Societies as Exemplified by Indonesia. Nova York, Institute of Pacific Relations, 1953.); a oferta ilimitada de mão-de-obra (Lewis, 1954LEWIS, A. W. “Economic development with unlimited supply of labour”. The Manchester School, maio/1954. Reproduzido em Agarwala e Singh (orgs.), 1958.); o baixo nível de poupança; a falta de motivação para empreendimentos produtivos (McClelland, 1961McCLELLAND, D. C. The Achieving Society. Princeton, D. Van Nostrand, 1961.; Haegen, 1962HAGEN, E. On the Theory of Social Change. Homewood, Ili., Dorsey Press, 1962.); a deterioração dos termos de troca para os produtores de bens primários (Prebisch, 1950PREBISCH, R The Economic Development of Latin America and its Principal Problems. Nova York, Organização das Nações Unidas - ONU, 1950.; Singer, 1950SINGER, H. “The Distribution of Gains between Investing and Borrowing Countries”. American Economic Review nº 40, maio/1950.); a forma mercantilista de colonização, em oposição à colonização de ocupação que foi dominante em algumas regiões da Nova Inglaterra (Prado, 1945PRADO JR., C. História econômica do Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1956. Primeira edição, 1945.; Furtado, 1961FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1961.). As últimas duas causas poderiam ser relacionadas com um tipo de explicação baseada na exploração imperialista, dominante entre os marxistas. A ênfase da TDE, entretanto, como Hirschman (1979bHIRSCHMAN, A. O. “The turn to autoritharianism in Latin America”. In Collier, D. (org.). The New Authoritarianism in Latin America. Princeton, Princeton University Press, 1979a.) bem observou, não foi colocada nesse aspecto, mas sim no “argumento da existência de benefícios mútuos. Os economistas da TDE não negavam a importância do colonialismo e do imperialismo, mas eles estavam mais interessados em explorar as oportunidades de ganhos mútuos entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos. A TDE é uma teoria não ortodoxa, mas em momento algum foi uma teoria radical.

O argumento do benefício mútuo aparece claramente em uma das duas estratégias que a TDE formulou para promover a industrialização: o big push ou a estratégia de crescimento equilibrado (Rosenstein-Rodan, 1943ROSENSTEIN-RODAN, P. “Problems of industrialization in Eastem Europe and South-Eastern Europe”. Economic Journal nº 53, junho/1943. Reproduzido em Agarwala & Singh, (orgs.), 1958., 1961ROSENSTEIN-RODAN, P. “Notes on the theory of the big-push”, In Ellis & Wallich (orgs.) 1961.; Nurkse, 1953NURKSE, R. Problems of Capital Formation in Underdeveloped Countries. Oxford, Basil Blackwell, 1953.). A ideia do big push - um aumento dramático e planejado do investimento com base em apoio internacional - era uma das bases teóricas para a estratégia do Banco Mundial de dar prioridade ao financiamento à infraestrutura. A segunda estratégica básica - a proteção à indústria nascente e substituição de importações - também recebeu apoio do Banco. Entretanto, já nos anos 60, o Banco mudou sua visão sobre esse tema, à medida que as indústrias deixaram de ser nascentes e a estratégia de substituição de importações deixou de ser uma estratégia de industrialização, transformando-se em mero protecionismo.

A Teoria do Desenvolvimento Econômico está baseada na existência de externalidades. A industrialização não pode ser o resultado de esforços graduais ou incrementais. É necessário ou recomendável um big push, um “esforço crítico mínimo” inicial (Leibenstein, 1957LEIBENSTEIN, H. D. Economic backwardness and Economic Growth. Nova York, John Willey & Sons, 1957.), a determinação de “polos de crescimento” (Perroux, 1955PERROUX, F. “Note sur la notion de pôle de croissance”. Economie Appliquée nº 8, Série D, janeiro/1955.). O crescimento econômico é um processo histórico, em que descontinuidades e saltos são parte do jogo. A transição de uma sociedade agrária - tradicional ou mercantilista - para uma sociedade industrial é o salto fundamental através do qual historicamente inicia-se o processo de desenvolvimento. Para industrializar um país, os projetos industriais têm que ser lucrativos. Mas se as empresas, ao considerar projetos de investimento, não puderem levar em conta os lucros provenientes de economias externas produzidas por outras empresas já existentes, o projeto pode não ser economicamente atraente. O investimento pode não ocorrer. Assim, “a complementaridade entre diferentes indústrias fornece o mais importante conjunto de argumentos em favor de uma industrialização planejada e de larga escala” (Rosenstein-Rodan, 1943ROSENSTEIN-RODAN, P. “Problems of industrialization in Eastem Europe and South-Eastern Europe”. Economic Journal nº 53, junho/1943. Reproduzido em Agarwala & Singh, (orgs.), 1958., p. 249). Esta era a teoria do “crescimento equilibrado”: os investimentos deveriam ocorrer simultaneamente em diversas indústrias, de acordo com um projeto planejado, de modo que os benefícios trazidos pelas externalidades fossem totalmente aproveitados.4 4 É interessante, entretanto, notar que Rosenstein-Rodan criticava o big push baseado em grandes investimentos de infraestrutura e de insumos básicos, defendendo, alternativamente, os investimentos coordenados em indústrias leves, trabalho-intensivas, de consumo, sendo que uma parte das quais deveria ser necessariamente orientada também para a exportação. Nesses termos, o fundador da teoria do desenvolvimento econômico não subscreveu a substituição de importações, nem identificou sua proposta com a estratégia que depois seria amplamente adotada com ênfase total nos grandes investimentos estatais. Sua estratégia parece-se mais com a adotada em Taiwan do que com aquela adotada na América Latina.

Hirschman (1957HIRSCHMAN, A. O. The Strategy of Economic Development. New Haven, Yale University Press, 1958.), com a ideia de encadeamentos (linkages) para a frente e para trás, tomou emprestado o conceito de externalidades, mas descartou o de crescimento equilibrado, propondo, em vez disso, o desenvolvimento desequilibrado. Segundo Hirschman, o desenvolvimento econômico não pode ser planejado. O que os policy-makers podem fazer é promover investimentos estratégicos que criem oportunidades aos empreendimentos produtivos. Para Hirschman já estava claro naquela época que a ação econômica do Estado não deveria ser confundida com planejamento econômico e com restrições ao mercado. Em vez de substituir ao mercado, o Estado deveria orientá-lo e complementá-lo, estimulando as iniciativas confusas, mas criativas dos empresários. O desenvolvimento não é um processo linear, como pretendem os neoclássicos, nem um processo de saltos discretos, como pretendia a hipótese do desenvolvimento equilibrado, mas um processo dialético, eminentemente contraditório, de desequilíbrios e equilíbrios sucessivos.

Para financiar os primeiros passos da industrialização, três métodos fundamentais foram defendidos: (i) concentração de renda em favor da classe capitalista (industrial);5 5 Lewis, seguindo a trilha de Smith e Marx, compreendeu muito bem que os estágios iniciais de desenvolvimento implicam concentração de renda nas mãos dos capitalistas. Seu modelo é explicitamente um modelo de concentração de renda: “A ocorrência fundamental para o desenvolvimento econômico é que a distribuição de renda seja alterada em favor da classe poupadora. Praticamente toda a poupança é feita por indivíduos que recebem lucros ou rendas. A poupança dos trabalhadores é muito pequena” (1954, p. 417). (ii) poupança forçada, que deveria ser extraída do setor primário-exportador através de tributação, ou de toda a sociedade através da inflação, e transferida aos industriais ou às empresas estatais para investimentos em infraestrutura;6 6 Nurkse (1953) já se referia a uma poupança forçada (collective thrift) através da tributação. escreveu um paper clássico sobre esse tema (Kaldor 1963). Poupança forçada através da inflação está presente em Rosenstein-Rodan e é extensivamente analisada por Lewis (1954). e (iii) financiamento externo, em que o papel do Banco seria crucial, particularmente no financiamento a projetos governamentais.

A última frase sugere porque eu fiz uma resenha das ideias da TDE. Essas ideias, aliadas à falta de capitais e à convicção de que havia considerável espaço para melhorar a administração dos recursos disponíveis, formavam o núcleo da estratégia do Banco. A TDE forneceu uma racionalidade adicional, mas essencial para a existência do Banco Mundial. Ele foi criado por governos nacionais, tendo como propósito específico e como estratégia financiar exclusivamente o Estado. Por quê? Porque estava bastante claro, nas primeiras décadas de funcionamento do Banco, que o desenvolvimento capitalista era uma tarefa dos empresários privados, mas pressupunha-se que o Estado desempenharia um papel estratégico nesse processo. Os empresários poderiam ser financiados pelos bancos comerciais e por bancos de desenvolvimento locais, mas grande parte dos investimentos em infraestrutura deveria ser financiada por uma agência de desenvolvimento especial: o Banco Mundial. Esperava-se que, além de preservarem condições macroeconômicas corretas, os Estados realizassem diretamente os investimentos em infraestrutura, que possuíssem amplos linkages para a frente e estimulassem os investimentos privados, com amplos linkages para trás. Os projetos de investimento seriam avaliados e financiados pelo Banco. O objetivo era criar uma economia capitalista, não uma economia centralmente planejada, mas assumia-se que algum grau de planejamento indicativo era necessário.7 7 De acordo com Albert Hirschman, o apelo em favor do planejamento não veio apenas da CEPAL, mas foi “fortemente apoiado por empréstimos vindos de uma inatacável fortaleza do establishment como é o Banco Mundial” (1979a, p. 84). Análises de custo-benefício, preço-sombra, métodos de avaliação de projetos ocupavam o centro das atividades do Banco Mundial. Não apenas projetos industriais, mas também projetos agrícolas deveriam seguir os procedimentos gerais de planejamento estipulados pelo Banco.8 8 Little, por exemplo, observa: “Várias análises de custo-benefício para investimentos agrícolas e rurais foram realizadas nos anos 70, algumas poucas o foram por analistas privados e muitas outras pelo Banco Mundial e outras agências” (1982, p. 131).

É verdade que, originalmente, quando o Banco Mundial foi criado, em Bretton Woods, em 1944, não estava claro aos delegados presentes que o seu papel seria essencialmente financiar governos nacionais, nem tampouco que o Estado deveria ter um papel estratégico no desenvolvimento. O objetivo fundamental do Banco com relação aos países menos desenvolvidos era “promover investimentos privados estrangeiros por meio da garantia de participação em empréstimos e outros investimentos realizados por investidores privados; e, quando o capital privado não estiver disponível em termos razoáveis, suplementar os investimentos privados fornecendo-lhes, segundo condições adequadas, financiamento para atividades produtivas que estejam acima de sua própria capacidade de financiamento, através de fundos criados por esses e outros recursos”.9 9 Retirado dos Articles of Agreement of the International Bank for Reconstruction and Development. Assim, apenas em condições extraordinárias o Banco poderia ou deveria financiar projetos governamentais.

Durante o primeiro ano de operação do Banco, Mason e Asher afirmaram que “a direção do Banco se opunha a financiar empresas estatais”. Em seus primeiros cinco anos, o Banco financiou poucas empresas estatais, principalmente na França e na Finlândia. Mas, logo em seguida, “projetos de desenvolvimento da infraestrutura energética e de transportes foram, na verdade, considerados especialmente apropriados a receberem financiamentos do Banco” (1973, pp. 150-151).

Essa mudança resultou, certamente, de pressões dos países em desenvolvimento, mas também foi consequência da firme convicção da burocracia interna do Banco Mundial. Em termos mais gerais, essa visão traduzia as crenças dominantes naquela época com relação ao desenvolvimento entre os economistas, líderes políticos e até mesmo entre os líderes empresariais; reconhecia o sucesso econômico da industrialização da União Soviética; reagia ao fracasso das ideias neoclássicas no enfrentamento da Grande Depressão; revelava a predominância do pensamento keynesiano; expressava o otimismo em relação ao futuro do capitalismo e da democracia após a vitória contra o nazismo; refletia o surgimento da ideologia gerencial ou tecnoburocrática em todo o mundo, em um momento em que os Estados e as grandes sociedades anônimas assumiam a liderança dos setores dinâmicos, tanto nas economias capitalistas quanto nas comunistas, tanto no Primeiro quanto no Terceiro Mundo. Essa atribuição ao Estado de um papel relevante no desenvolvimento econômico foi confirmada pelas taxas de crescimento do PIB em todo o mundo, as quais, de meados dos anos 40 ao final dos anos 60, dobraram em relação ao século XIX e à primeira metade do século XX.

Nesse contexto econômico e ideológico, o Banco definiu e ampliou crescentemente sua estratégia com relação ao desenvolvimento econômico, particularmente nos anos 60. Com certeza, o Banco não formulou ele próprio uma teoria de desenvolvimento, nem definiu uma estratégia precisa para tanto. O Banco é uma instituição prática ou pragmática, que, tanto quanto possível, evita a retórica e as ideologias. Além disso, é uma grande instituição. Seus diretores e seu staff vêm de todas as partes do mundo e representam um diversificado e contraditório conjunto de interesses e ideologias. Dessa forma, o Banco nunca produziu um documento oficial definindo sua visão com relação ao desenvolvimento. Entretanto, o Banco é “um autor intelectual”, que cria, interage, simplifica, absorve, dissemina e aplica ideias (Nick Stern, 1991STERN, N. “The World Bank as ‘Intellectual Acto’”. Versão preliminar apresentada em seminário em Washington, The Brookings Institution, World Bank History Project, abril/1992.). Assim, ele não pôde evitar nem a teoria nem a ideologia. Sempre prudente, nos trinta anos entre as décadas de 50 e 70, o Banco não definiu uma estratégia coerente, em reação às visões dominantes da época. Mas, .de diversas maneiras, ele participou ativamente delas. Rosenstein-Rodan afirmou certa vez que o Banco tem sido normalmente “um discípulo” e, às vezes, mais propriamente, um “discípulo relutante”.10 10 Retirado de uma entrevista de Paul Rosenstein-Rodan, Oral history project of Columbia University. Citado em Mason e Asher (1973, p. 468). Como discípulo, o Banco essencialmente seguiu as ideias básicas da TDE. Além de exigir uma atmosfera favorável aos investimentos domésticos e externos e políticas macroeconômicas corretas - os requisitos que a teoria econômica ortodoxa normalmente considera suficientes para promover o crescimento, o Banco afirmava que era necessário financiar projetos estratégicos de infraestrutura conduzidos por empresas estatais, financiar projetos agrícolas e industriais, educação, planejamento familiar, e, finalmente, com Robert McNamara, combater diretamente a pobreza. Seus empréstimos deveriam ser orientados por esses objetivos. Entretanto, no final dos anos 70, indícios de uma crise já eram percebidos, pois os países do Terceiro Mundo, cujas estratégias de crescimento tinham sido até aquele momento bem-sucedidas, apresentavam agora crescentes problemas. Ao mesmo tempo, haviam aumentado as distorções na condução dos projetos financiados pelo Banco. Estes não eram concluídos como havia sido planejado, e isso se tornou um objeto de crescente preocupação por parte do Banco.

Nos anos 80, a estratégia original do Banco entrou em crise, ao mesmo tempo em que as taxas de crescimento econômico diminuíram no Terceiro Mundo, o welfare state no Norte, o nacional-desenvolvimentismo no Sul e o estatismo no Leste Europeu foram contestados, o consenso keynesiano se rompeu, a TDE entrou em colapso, a teoria neoclássica recuperou suas forças com o monetarismo, com a teoria das expectativas racionais e com a escola da escolha racional, a onda conservadora, neoliberal, ganhou os governos na Inglaterra e nos Estados Unidos e este afinal tornou-se ideologicamente hegemônico em todo o mundo, o mercado triunfou e todos os pecados econômicos foram atribuídos ao Estado.

A queda do comunismo com a revolução democrática de 1989 na Europa Oriental foi apenas o ato final - ou a consequência inevitável - da exaustão de um modelo estatista de desenvolvimento cujas potencialidades eram por definição limitadas no tempo - um modelo que era efetivo em promover a acumulação primitiva de capital, mas ineficiente na alocação de recursos e no estímulo à criatividade empresarial. Esse modelo nunca foi totalmente adotado pelos países em desenvolvimento, muito menos pelo Banco Mundial, mas seu fracasso apareceu, ao menos inicialmente, também como a confirmação do fracasso das estratégias moderadas de crescimento com base na ação do Estado que o Banco Mundial havia originalmente adotado.

4. A NOVA DIREITA E A CRISE DA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

A queda da taxa de crescimento no Primeiro Mundo e a aceleração das taxas de inflação nos anos 70 provocaram o fenômeno da estagflação. O consenso keynesiano foi rompido e surgiu a oportunidade para o surgimento de uma nova direita intelectualmente bem equipada para combater o Estado. O ataque ao Estado, liderado pela nova direita, veio no momento certo - após um longo período de excessivo e distorcido crescimento do Estado - e foi bem-sucedido. A partir de então foi possível detectar a retórica e os argumentos neoliberais em toda parte, mas especialmente nos Estados Unidos, país ainda política e ideologicamente dominante no mundo. O welfare state foi objeto de crítica severa. Em todo o mundo o Estado e sua burocracia foram postos na defensiva, a liberalização comercial, a privatização e a desregulamentação tornaram-se parte da agenda de praticamente todos os governos.

A nova direita criticou com sucesso o Estado, mas não foi capaz de oferecer uma alternativa real de organização social e de desenvolvimento. O Estado mínimo por ela sugerido é utópico, só fazendo sentido do ponto de vista retórico. Suas críticas pontuais, entretanto, aos excessos de intervenção estatal tiveram êxito porque respondiam a uma necessidade de reforma do Estado. Por exemplo, a proteção das indústrias nacionais contra as importações, que foi o primeiro e mais correto objeto do ataque conservador, não era um elemento fundamental do welfare state, ou do Estado social-democrata, mas apenas uma estratégia de industrialização para a primeira fase desse processo. Muito antes de o Banco ter sido capturado pela onda neoliberal seus economistas haviam criticado a substituição de importações e propugnado a liberalização comercial.11 11 Um estudo contendo a crítica à estratégia de substituição de importações foi apoiado pelo Banco no começo dos anos 70 (Balassa et al., 1971). Esse estudo foi precedido pelo de Harry Johnson (1967), patrocinado pelo The Brookings Institute. Referindo-se ao neoliberalismo, Claus Offe observa que é significativo “seu fracasso em demonstrar que a combinação de um capitalismo avançado com um mínimo welfare state poderia ser, de fato, um modelo factível” (1980OFFE, C. “Some contradictions of the welfare state”. Paper apresentado em Perúgia, Itália. In Offe, C. Contradictions of the Welfare State. Cambridge, Mass., The MIT Press, 1989., pp. 152-3).

O fato de o neoliberalismo ser mais retórico do que prático não significa que a onda conservadora não foi significativa. Apesar de sua falta de realismo em relação à sua proposta de deixar a coordenação da economia exclusivamente por conta do mercado, ela foi efetiva em promover as reformas orientadas para o mercado que há muito se faziam necessárias.

Na esfera da teoria econômica, o principal alvo da nova direita era, além de Keynes, a TDE, que, desde meados da década de 70, estava em crise. Essa crise foi dramaticamente percebida por um de seus pioneiros, Sir Arthur Lewis, que disse em 1982: “A Teoria do Desenvolvimento Econômico está morta”.12 12 Essa frase Sir Arthur Lewis disse em 1982 para seus estudantes na Universidade de Princeton. Sérgio Werlang, que a escutou, foi a minha fonte. Menos dramaticamente, Albert Hirschman escreveu um trabalho sobre o tema, “The Rise and Decline of Development Economics, em que diz: “O avanço de nossa subdisciplina sofreu uma notável desaceleração ... dificilmente surgem novas ideias e o campo de pesquisas não está se reproduzindo adequadamente” (1979b, p. l).

Se a TDE estava em crise, a estratégia de desenvolvimento do Banco também estava. O Banco, foi desde os anos 50, uma instituição dos economistas da TDE. Na realidade, o Banco abriga o maior grupo de economistas do desenvolvimento econômico do mundo. Por ser uma imensa instituição burocrática, embora nunca tenha sido completamente subordinado a qualquer teoria econômica, incluindo-se a TDE, o declínio dessa teoria representou um grande problema para o Banco Mundial e seu staff. Hirschman apresenta duas possíveis explicações para esse declínio: uma é que os problemas aos quais a TDE estava endereçada talvez tenham, de fato, desaparecido; outra explicação é a decepcionante percepção de que as “soluções” não estavam ao alcance das mãos. Após descartar as duas explicações, ele atribui a crise à “excessivamente heterogênea composição ideológica da nova disciplina e às esperanças e ambições insensatas que a sobrecarregaram. O primeiro caso está relacionado com a aliança entre os neomarxistas e a monoeconomia ortodoxa”. A TDE criticou a monoeconomia ortodoxa, afirmando que a análise econômica utilizada nos países industrializados deveria ser modificada para poder dar conta das características particulares dos países subdesenvolvidos, mas adotou a ideia de que os benefícios mútuos prevaleceriam sobre os conflitos na relação entre os países industrializados e os subdesenvolvidos. Entretanto, a adesão neomarxista à TDE dividiu o campo de discussão, pois provocou dúvidas a respeito da harmonia básica de interesses entre o Norte e o Sul. Por outro lado, “os monoeconomistas ou economistas neoclássicos ... estavam afiando suas próprias armas para um ataque contra as políticas desenvolvimentistas”. Eles “se concentraram sobre um único, simples, mas, para eles, capital defeito dessas políticas: a má alocação de recursos” (1979b, p. 18). E a TDE não foi capaz de responder adequadamente a essas críticas, (i) porque o desenvolvimento ocorreu a taxas muitos diferentes entre os diversos países, de forma que o conceito de um único corpo de análise e de recomendações de política econômica tornou-se vítima de seu próprio sucesso; (ii) porque “uma série de desastres políticos golpeou muitos países do Terceiro Mundo a partir dos anos 60, desastres esses que estavam de alguma forma conectados com a ênfase e a pressão a favor do desenvolvimento e da ‘modernização’” (1979b, p. 20); e porque, eu acrescentaria, com a intervenção estatal, as distorções na alocação de recursos de fato aumentaram.

A primeira dessas explicações merece ser enfatizada. A crise da TDE ocorreu, em grande parte, em função de seu sucesso, e não de seu fracasso. A revolução industrial, a decolagem do processo de industrialização, que era a principal preocupação da TDE, de fato ocorreu em muitos países da América Latina e da Ásia. Nos anos 40 ou 50 eles eram economias agrícolas, pré-capitalistas, ou capitalistas-mercantis. A poupança era muito pequena. A burguesia doméstica e a tecnoburocracia privada mal existiam. Quarenta anos depois, a situação tinha mudado drasticamente. O subdesenvolvimento não foi superado, mas suas principais características e problemas tinham se alterado. Como Fishlow observa, “pressupostos que eram apropriados em meados dos anos 50 tornaram-se inválidos em parte devido à própria transformação que os economistas do desenvolvimento haviam procurado promover” (1991FISHLOW, A. “Review of Handbook of Development Economics”. Journal of Economic Literature 29(4), dezembro/1991., p. 1730).

O nível de poupança cresceu, o mercado foi desenvolvido, a renda cresceu, mas se concentrou. A partir daí os principais problemas que os países semi-industrializados ou “subdesenvolvidos industrializados’?13 13 Eu utilizei essa expressão, “subdesenvolvimento industrializado”, nos anos 70. Ela foi o título deum dos meus livros: A economia do subdesenvolvimento industrializado (São Paulo, Brasiliense, 1977). passaram a enfrentar não eram mais o reduzido nível de poupança, a insuficiente proteção para a indústria local nascente, a falta de mercados institucionalizados, a ausência de empresários, mas a excessiva dívida externa, crescentes problemas de balanço de pagamentos, indisciplina fiscal, altas taxas de inflação, protecionismo, preços distorcidos, excessiva intervenção estatal - tudo isso levando a uma deficiente alocação de recursos e a uma crise fiscal do Estado, e também à concentração de renda em favor de uma nova classe média e principalmente de uma pequena classe de indivíduos muito ricos, enquanto a massa da população permanecia imersa na pobreza. A ênfase da estratégia de crescimento não poderia mais ser baseada na substituição de importações, na poupança forçada, na intervenção estatal, mas sim em um desenvolvimento voltado à exportação, na redução do Estado, na disciplina macroeconômica, na educação, na promoção do desenvolvimento tecnológico como parte de uma nova e direcionada política industrial, e na proteção ambiental.

As mudanças produzidas nas economias subdesenvolvidas pelas políticas de industrialização foram tão profundas, tão bem-sucedidas de um lado, e tão distorcidas de outro, que propiciaram as análises econômicas que as criticavam. Assim, a crise da TDE não deveria ter surpreendido seus adeptos e o Banco Mundial como o fez. Os economistas da TDE não deveriam estar tão desarmados - ou tão ligados a ideias datadas - quando novos fatos econômicos minaram seus modelos e estratégias, especialmente se lembrarmos que, criticando os economistas ortodoxos, eles normalmente adotavam uma abordagem histórica ou estruturalista. Isto é, em contraste com os economistas neoclássicos, eles aprenderam a ver o sistema econômico como sendo historicamente situado, cada fato histórico novo exigindo a adaptação ou revisão das teorias e a redefinição das estratégias econômicas propostas. Os economistas do desenvolvimento deveriam estar conscientes desse fato, mas há uma grande distância entre estar consciente e agir de acordo com isso. O simples reconhecimento dos novos fatos históricos, que exige a rejeição das velhas teorias, é sempre uma tarefa muito difícil, muito dolorosa. Mais dolorosa e difícil é realizar a necessária transição intelectual depois que os fatos novos foram identificados.

5. A ASCENSÃO DE UMA NOVA ORTODOXIA

Uma tarefa muito mais fácil foi enfrentada pelos economistas ortodoxos. Eles nunca adotaram uma abordagem histórica. E sempre se declararam adeptos do monoeconomicismo. Assim, quando a TDE enfrentou uma crise, eles anunciaram que ela estivera errada desde sempre. Que, finalmente, a verdade da ortodoxia havia prevalecido. Eles tinham a seu favor dois fatores fundamentais: (i) a crescente distorção na intervenção do Estado provocada por agressivos grupos de interesse e governos incompetentes que, em nenhum momento, estavam seguindo as prescrições da TDE, mas estavam apenas agindo de acordo com padrões populistas ou desenvolvimentistas; e (ii) as diferenças cada vez menores entre as economias subdesenvolvidas e desenvolvidas, à medida que os países subdesenvolvidos se industrializaram e adotaram modernas instituições capitalistas.

O ataque contra a TDE começou por seu ponto mais fraco: a substituição de importações. Os economistas da TDE estavam absolutamente conscientes das fraquezas dessa estratégia. Eles sabiam muito bem que seu único argumento - a proteção à indústria nascente - seria válido apenas por um curto período de tempo. Mas uma coisa é o que eles diziam e em que acreditavam e outra coisa é em que os seus autodeclarados seguidores (os epígonos) acreditavam e o que faziam. Na América Latina, a TDE foi cooptada pelo populismo e pelo nacional-desenvolvimentismo. Portanto, não foi surpreendente que Celso Furtado, ministro do Planejamento em 1963, e um dos pioneiros da TDE, tenha sido severamente criticado pelo “caráter ortodoxo” das políticas incluídas em seu Plano Trienal. Eu tive a mesma experiência como ministro da Fazenda, tendo sido acusado de “conservador” e de “aliado do FMI” em função de meu comprometimento com a disciplina fiscal.

No Banco, os trabalhos de Bella Balassa (1971BALASSA, B. et al. The Structure of Protection in Developing Countries. Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1971.) e, externamente, as contribuições de Harry Johnson (1967JOHNSON, H. G. Economic Policies Toward the Less Developed Countries, Washington, The Brookings Institution, 1967.), Little, Scitovsky e Scott (1970LITTLE, I., SCITOVSKY, T. & SCOTT, M. Industry and Trade in Some Developing Countries. Oxford, Oxford University Press, 1970.) e Max Corden (1971CORDEN, M. The Theory of Protection. Oxford, Clarendon Press, 1971.) tiveram um efeito devastador sobre a visão dos economistas a respeito da estratégia de substituição de importações. O conceito de taxa efetiva de proteção, que se tomou popular nos anos 70, e vários estudos sobre o tema desmascararam a excessiva proteção e revelaram as distorções de preços ocultas. Em meados dos anos 70, Jadish Bhagwati (1978BHAGWATI, J. N. Anatomy and Consequences of Exchange Contra! Regimes. Cambridge, Mass., Ballinger for the National Bureau of Economic Research, 1978.) e Anne Krueger (1978KRUEGER, A. O. Liberalization Attempts and Consequences. Cambridge, Mass., Ballinger for the National Bureau of Economic Research, 1978.) - apoiados pelo National Bureau of Economic Research (NBER)- publicaram um influente estudo sobre experiências de liberalização comercial. Mais tarde, Krueger seria a economista chefe do Banco. Nos anos 80, um estudo abrangente e persuasivo sobre experiências de liberalização comercial foi conduzido por três influentes economistas do Banco Mundial, Papageorgiou, Michaely e Choksi (1991PAPAGEORGIOU, D., MICHAELY, M. & CHOKSI, A. (orgs.). Liberalizing Foreign Trade (sete volumes). Cambridge, Mass., Basil Blackwell, 1991.).14 14 Em 1987, um mês após eu ter assumido o Ministério da Fazenda, Armeane Choksi foi designado no Banco Mundial como diretor para o Brasil. Eu já estava trabalhando em um programa de liberalização comercial, com Yoshiaki Nakano e José Tavares de Araújo Jr. Iríamos desenvolver uma íntima cooperação, além de nos termos tomado bons amigos.

Na verdade, o ataque contra a estratégia de substituição de importações e a adoção da liberalização comercial como uma reforma fundamental a ser realizada nos países em desenvolvimento não estavam necessariamente relacionados à onda neoliberal. O livre comércio é uma proposta de longo prazo de todo bom economista. O protecionismo pode ser justificável, mas apenas em condições históricas especiais. Não é preciso ser um economista neoliberal, ou mesmo neoclássico, para se opor ao protecionismo. Entretanto, a liberalização comercial foi utilizada em todo lugar como uma bandeira neoliberal, inclusive no Banco Mundial.

No Banco Mundial, onde a influência intelectual de Anne Krueger foi decisiva, isso deveria provavelmente ser creditado a ela. Seu comprometimento ideológico já era bastante claro em seu clássico paper “The political economy of the rent-seeking Society” (1974). Após seu influente estudo de 1987 sobre experiências de liberalização comercial, sua influência sobre os policy-makers da comunidade de Washington cresceu significativamente. Quando se tomou economista chefe no Banco, no começo dos anos 80, essa influência foi potencializada. Ela tinha um bom projeto: a liberalização comercial. Para sustentá-lo, adotou uma engenhosa estratégia retórica. Ela e vários outros economistas identificaram a liberalização comercial com o êxito de economias orientadas ao mercado e à exportação, cooptando, dessa forma, o extraordinário desempenho econômico dos tigres asiáticos para as ideias neoliberais, quando, na verdade, a coordenação mista, pelo Estado e pelo mercado, que não é a mesma coisa que orientação competitiva para mercados externos, foi sempre uma característica daqueles países.15 15 V., por exemplo, Krueger (1985). Obviamente, Krueger não diz que os tigres asiáticos seguem uma política neoliberal, mas insistentemente sublinha que economias orientadas à exportação são inconciliáveis com intervenção estatal. Em nenhum momento ela reconhece que a intervenção estatal é bastante forte nesses países.

Essa astuta estratégia - uma excelente demonstração da importância da retórica na economia - foi alegremente adotada pelos economistas asiáticos.16 16 Com relação ao decisivo papel da retórica na ciência econômica, v. McCloskey (1983) e Arida (1984). Como uma “economia positiva” não é uma possibilidade realista, o critério básico para a validação de uma proposição é khuniano: é sua aceitação pela comunidade científica de economistas. Nesse processo, o papel da retórica, ou da arte da persuasão, toma-se fundamental. Eles estão perfeitamente conscientes do grau de intervenção do Estado em suas economias, mas, como estas são de fato orientadas à exportação e altamente competitivas internamente em comparação com outros países, elas podem ser chamadas corretamente de economias voltadas ao mercado. Ao denominar suas economias “orientadas para o mercado”, e dada a não-distinção entre orientação para o mercado e coordenação mista ou pelo mercado, os policy-makers asiáticos deliberadamente dissimulam o poderoso papel que o Estado desempenha em seus países. E, dessa forma, não entram em conflito aberto com a ideologia dominante no Ocidente. Assim como é conveniente aos neoliberais apresentar os tigres asiáticos como a confirmação de suas teorias, é conveniente para os tigres asiáticos aceitar para suas economias o rótulo de market-oriented.17 17 A princípio, após ter participado de um simpósio em Tóquio onde a maioria dos economistas era oriental, eu concluí que sua insistência em denominar suas economias market-oriented era uma forma de dissimulação (v. Bresser-Pereira, 1990a). Mais tarde, quando fiz a distinção conceitual entre market-orientation e market-coordination (Bresser-Pereira, 1993a), concluí que eles eram mais que politicamente espertos. Na verdade, suas economias são market-oriented , mas isso significa apenas que eles são fortemente competitivos. Em termos de coordenação, eles não são puros, o Estado complementa o mercado na alocação de recursos.

Já em 1987, em um simpósio promovido pelo Banco Mundial, Jeffrey Sachs realizou uma crítica competente à nova estratégia do Banco, enfatizando que “os exemplos das economias voltadas para fora no Leste Asiático demonstram a distinção prática entre promoção das exportações e liberalização, isto é, políticas do tipo laissez faire - uma distinção que lança dúvidas sobre algumas recomendações de política econômica emanadas das instituições internacionais” (1987BRESSER-PEREIRA, L. & NAKANO, Y. The Theory of Inertial Inflation. Boulder, Lynne Rienner Publishers, 1987. Primeira edição em português, 1984., p. 293). Entretanto, essa crítica não impediu que o Banco e, mais genericamente, Washington identificassem as economias asiáticas orientadas para a exportação ou para o mercado como coordenadas pelo mercado e, portanto, como economias que seguiam os ideais neoliberais. O Banco possuía sólidos estudos que demonstravam cabalmente as vantagens de uma estratégia voltada às exportações, quando comparada com a estratégia de substituição de importações.18 18 V., particularmente, o estudo de Bela Balassa (1981) promovido pelo Banco Mundial. Como a estratégia voltada às exportações é, a princípio, menos intervencionista que a estratégia de substituição de importações, a orientação para as exportações foi facilmente identificada com a completa liberalização da economia.

Dessa forma, o Banco, no começo dos anos 80, adotou crescentemente uma “nova ortodoxia” (Sachs, 1987SACHS, J. “Trade and exchange rate policies in growth-oriented adjustment programs”. In Corbo, V., Godstein, M. & Khan, M. (orgs.). Growth-oriented Adjustment Programs. Washington, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, 1987.), que alguns anos mais tarde John Williamson iria chamar de “consenso de Washington” (1990WILLIAMSON, J. (orgs.) Latin American adjustment. Washington, Institute of Intemational Economics, 1990.). A nova estratégia, fortemente influenciada pela dogmática abordagem neoliberal, estava baseada em um diagnóstico elementar. A crise que os países latino-americanos e, mais abrangentemente, os países altamente endividados enfrentam tem duas causas básicas: o populismo econômico, conduzindo à indisciplina fiscal, e o excessivo crescimento do Estado, relacionado com o protecionismo. A crise da dívida foi minimizada e, desde o Plano Brady (1989GATTEI, G. “Every 25 years? Strike waves and long economic cycles”, Paper apresentado no colóquio “The long waves in the economic conjuncture - The present state of the international debates”, Bruxelas, janeiro, 1989.), dada como solucionada.19 19 Eu discuti esse problema, mostrando que a crise da dívida não foi efetivamente solucionada pelo Plano Brady, em “The vanishing motivation to solve the debt crisis” (1992). A crise fiscal, isto é, a insolvência fundamental do Estado, era vista apenas como um problema interno a ser atacado através de um ajuste fiscal. A deficiente alocação de recursos, de acordo com a nova ortodoxia, seria automaticamente resolvida pela liberalização comercial e pela privatização. De acordo com Ffrench-Davis e Meller, os ajustes estruturais na América Latina foram condicionados ou direcionados a servir a dívida: “Uma visão preconceituosa dos países latino-americanos parece predominar nos Structural Adjustment Loans. Há uma visível hostilidade dirigida aos governos e às empresas públicas à medida que, ambos, de acordo com a visão do Banco Mundial, normalmente provocam um retardamento do crescimento. O envolvimento do governo na esfera econômica inevitavelmente introduz ‘distorções’; e, por essa razão, a participação do governo na economia deveria ser severamente restringida ... A evidência na América Latina com relação a essas questões indica que elas não podem ser vistas em termos de certo e errado, mas sim como uma matéria muito mais complexa”. (1990FFRENCH-DAVIS, R. & MELLER, P. “Structural adjustment and World Bank conditionality: a Latin American perspective”. Santiago do Chile, Estudios Cieplan nº 137, novembro/1990., p. 5)

Entretanto, dado esse diagnóstico, o novo papel do Banco estava bastante claro: enquanto o Fundo iria continuar a cuidar dos problemas de curto prazo do balanço de pagamentos e da estabilização, o Banco iria pressionar pelas reformas estruturais, isto é, a liberalização comercial, a privatização e a desregulamentação. Esse papel já estava claramente definido no Plano Baker, em 1985, que pretendia solucionar a crise da dívida com uma fórmula básica: “ajuste com crescimento e reformas estruturais”.

O moderado tom crítico contido nessa descrição pode sugerir que eu me oponho às reformas estruturais. Na verdade, eu não tenho dúvidas sobre a necessidade de redução do aparato do Estado, da liberalização comercial, da privatização e da desregulamentação. Eu estou de acordo com o sentido geral das reformas estruturais que o Banco promove. Como ministro da Fazenda do Brasil, em 1987, eu lutei por essas reformas. O apoio técnico do Banco foi precioso para mim naquele momento, particularmente na área da liberalização comercial. Mas eu nunca aceitei o caráter dogmático e ideológico que essas reformas assumiram no Banco - caráter tal que é mais fácil perceber em conversas com os funcionários do Banco do que na leitura de pronunciamentos e documentos oficiais.20 20 Eu fiz uma cuidadosa análise dos World Development Reports desde 1980. Como é normal nesse tipo de literatura, eles adotam um estilo burocrático. Eu não fui capaz de encontrar qualquer mensagem abertamente neoliberal. Entretanto, a influência neoliberal é perceptível. Essa tendência foi revertida no World Development Report 1991: the Challenge of Development, que já revela uma autocrítica dentro do Banco, a qual irei discutir mais tarde.

De fato, as visões dogmáticas neoliberais são mais evidentes na retórica do que na prática do Banco. A prática é necessariamente mais pragmática. A retórica, especialmente em conversas particulares, é mais ousada, pondo-se de acordo com as visões que eram predominantes em Washington no final dos anos 80. O problema é que, em certos casos, essas visões ideológicas podem levar à adoção de políticas radicais, que são, na verdade, inconsistentes com as reformas estruturais. Políticas radicais, de choque, por exemplo, podem ser, em certas circunstâncias, a única alternativa para estancar a alta inflação ou a hiperinflação, mas é muito difícil apresentar argumentos convincentes a favor de uma abrupta, drástica, privatização ou liberalização comercial.

A liberalização comercial é uma necessidade na América Latina, mas deve ser conduzida cuidadosa e pragmaticamente.21 21 Fernando Dall’Acqua, um dos meus mais próximos companheiros no Ministério da Fazenda e um firme defensor da liberalização comercial, observou recentemente, em um paper sobre liberalização comercial agrícola, que nos países desenvolvidos os respectivos custos transitórios são compensados pelos governos com generosos subsídios, enquanto “a maioria dos países em desenvolvimento é incapaz de suportar os custos fiscais envolvidos na prevenção (in preventing) das ramificações políticas e econômicas da liberalização comercial. Em meio a uma profunda crise fiscal, eles simplesmente não podem sustentar esse tipo de custo de transição, a menos que sejam incluídos explicitamente como um componente especial da policy-based ending do Banco Mundial” (1991, p. 364). Alguns perigos estão bastante presentes atualmente. Por exemplo, a liberalização comercial acoplada a uma taxa de câmbio valorizada pode ter efeitos desastrosos sobre a indústria doméstica. Uma verdadeira liberalização comercial envolve sempre desvalorização cambial e aumento do coeficiente de exportações. Ora, as altas taxas de juros predominantes na maioria dos países latino-americanos estão atraindo um novo fluxo de capitais para a região, o que automaticamente provoca uma valorização cambial. Por outro lado, os governos hesitam em promover a necessária desvalorização da moeda local, temendo o ressurgimento da inflação. Isso está acontecendo atualmente na Argentina e no México, e começa a ocorrer no Brasil, mas em nenhum momento ouvi o Banco Mundial propor uma desaceleração do processo de liberalização comercial até que a taxa de câmbio atinja o seu nível correto.

Minha experiência pessoal com o Banco em relação à liberalização comercial foi bastante positiva. Logo após eu ter assumido o Ministério da Fazenda, Armeane Choksi foi indicado como diretor do Departamento do Brasil. Choksi, que mais tarde iria se tornar um dos meus melhores amigos em Washington, é um funcionário enérgico e cordial do Banco Mundial e um brilhante economista, que, juntamente com Dimitri Papageorgiou, que veio com ele para o Departamento do Brasil, e com Michael Michaely, estava acabando de finalizar um amplo estudo sobre casos de liberalização comercial. Eles estavam fortemente comprometidos com a liberalização comercial - assunto ao qual estavam mais familiarizados do que eu ou do que meu economista chefe, Yoshiaki Nakano. Entretanto, em minha equipe eu contava com José Tavares de Araújo Jr., um especialista no assunto, que já estava preparando a reforma tarifária - a precondição essencial para a liberalização comercial. Assim, Choksi não teve de convencer a mim nem à minha equipe a levar em frente a abertura comercial. Ela já fazia parte de nossos planos. Minha experiência pessoal, portanto, não sugere que haja imposição de políticas pelo Banco Mundial, nem a adoção de políticas padrão para países em diferentes condições econômicas e políticas. Mas estou convencido de que a retórica predominante no Banco favorece soluções como essa, de forma indiscriminada, se não dogmática.

Estava claro para mim que a liberalização comercial era um instrumento essencial para melhorar a alocação de recursos e elevar a competitividade internacional do Brasil, desde que fosse obtida de forma gradual e planejada. A minha equipe e a equipe do Banco trabalharam conjuntamente na reforma, que não foi implementada em 1988 apenas porque decidi renunciar antes, em dezembro de 1987. Eu ainda era ministro, quando Choksi - muito prudente, como se espera que seja um funcionário do Banco em negociações com países em desenvolvimento - disse-me que estava interessado em organizar um seminário fechado em Brasília sobre a liberalização comercial. Eu sugeri que o seminário deveria ser público e em São Paulo ou no Rio, para que empresários pudessem participar. Em 1988 o seminário foi de fato realizado no Rio de Janeiro, com um grande comparecimento.

Em nenhum momento o Banco exerceu qualquer pressão indevida sobre esse assunto. Estava claro para mim que eu poderia favorecer reformas orientadas ao mercado e lutar por disciplina fiscal e, ao mesmo tempo, desaprovar as ideias dogmáticas neoliberais direcionadas para o Estado mínimo. Eu acreditava que meus amigos do Banco Mundial compartilhavam da mesma visão. Não há conflitos em apoiar a liberalização comercial e a privatização e em acreditar que um Estado mais enxuto, porém mais forte é necessário para complementar o mercado em seu papel de coordenação da economia.

6. O BANCO E A CRISE DA DÍVIDA EXTERNA

A transformação ideológica dentro do Banco só foi possível graças, por um lado, à onda conservadora, neoliberal, que varreu os departamentos de economia das universidades americanas desde o começo dos anos 70 e conduziu a TDE a uma crise, e, por outro lado, à presença de um presidente conservador na Casa Branca, a partir de 1981.

Com a vitória de Ronald Reagan nas eleições presidenciais americanas de 1980, os bancos ficaram sob crescente pressão de seu principal acionista.22 22 Escrevendo nesse momento, Cheryl Payer nota: “A crise de relacionamento é evidente: a ascensão de Ronald Reagan à Presidência significa que, pela primeira vez em sua história, o apoio do Poder Executivo dos Estados Unidos à contínua expansão do Banco Mundial está sendo questionado” (1982, p. 44). Robert Gilpin é ainda mais claro: “Alguns conservadores nos países desenvolvidos veem o Banco Mundial e o FMI [sic] como provedores do socialismo e doadores de riqueza a países dissolutos, que vivem além de seus próprios meios. Essa era certamente a visão do governo Reagan até que ele compreendesse que necessitava do FMI para salvar o sistema bancário americano, então atingido pela crise da dívida” (1987, p. 313). Logo depois, o governo Reagan percebeu que o Banco Mundial, embora menos confiável, poderia desempenhar um papel similar. Primeiro, como observa Karim Lissakers (1991LISSAKERS, K. Banks, Borrowers, and the Establishment. Nova York, Basic Books, 1991., p. 16), foi realizada uma “purificação ideológica” dentro do governo americano; as instituições de Bretton Woods vieram em seguida. Devido a seus comprometimentos anteriores com a TDE, o Banco - ou melhor, seu corpo de funcionários - era visto pelo governo americano como suspeito de ter visões “liberais” - no sentido americano do termo, ou seja, social-democratas, se não esquerdistas e moderadamente estatistas. O papel do Banco como um fornecedor de financiamentos para projetos estratégicos de infraestrutura foi questionado. A visão de que o Banco tinha perdido a sua raison d’être, a menos que alterasse suas estratégias, a menos que financiasse empresas privadas em vez de governos, tornou-se dominante dentro do governo americano.

É nesse clima desfavorável que eclode a crise da dívida externa, em 1982. As expectativas dos países em desenvolvimento quanto ao papel do Banco nessa crise eram positivas. Enquanto o Fundo era visto como um instrumento dos bancos comerciais, ou, mais abrangentemente, da comunidade financeira internacional, presumia-se que o Banco mantivesse sua fidelidade aos países altamente endividados, pois, supunha-se, seu compromisso era com o desenvolvimento e não com o ajuste do balanço de pagamentos. Entretanto, o Banco não correspondeu às expectativas dos países em desenvolvimento. Cedo tornou-se claro que o Banco e o Fundo eram os dois instrumentos fundamentais que os países credores utilizaram para administrar a crise da dívida externa e proteger seus bancos comerciais.23 23 The Economist , em um longo levantamento sobre o Banco (27/9/86, p. 4), escreveu: “Os anos 80 têm sido um capítulo infeliz para a história do Banco Mundial. O Banco fracassou em antecipar a crise da dívida que eclodiu em 1982. Quatro anos depois, ele ainda está tentando encontrar a sua resposta à crise”.

A abordagem pró-países credores que o Banco adotou define o segundo aspecto de sua crise de identidade. A crise foi definida por um conflito de interesses entre os países devedores e credores, isto é, entre países em desenvolvimento e países desenvolvidos. Os aspectos conflitantes da crise claramente sobrepujaram os interesses comuns nesse caso. Não é uma questão de imperialismo ou não imperialismo. As ideias imperialistas para explicar o subdesenvolvimento perderam definitivamente terreno nos anos 70, quando a nova teoria latino-americana da dependência se tornou dominante na esquerda moderada na América Latina e entre os social-democratas no Primeiro Mundo. Apenas a velha esquerda, os comunistas tradicionais e os nacionalistas radicais continuaram fiéis à interpretação imperialista do subdesenvolvimento.24 24 A teoria da nova dependência, cuja obra básica é o livro de Cardoso e Falletto (1969), deve ser claramente diferenciada da “velha teoria da dependência” ou da “teoria imperialista” do desenvolvimento, baseada em Lenin. V. Cardoso (1977) e Bresser-Pereira (1982). Entretanto, mesmo para aqueles que essencialmente acreditam no predomínio do mutual-benefit claim (Hirschman, 1979bHIRSCHMAN, A. O. “The turn to autoritharianism in Latin America”. In Collier, D. (org.). The New Authoritarianism in Latin America. Princeton, Princeton University Press, 1979a.), que foi de fato adotado pela TDE, sobre a prevalência de interesses conflitantes, tomou-se claro que, no caso da crise da dívida externa, predominava o conflito de interesses nacionais: os países credores desejavam que os juros sobre a dívida fossem pagos, os devedores, incapazes de pagá-los, precisavam cancelar parte do principal da dívida. O Banco, que foi criado segundo a pressuposição da existência dos benefícios mútuos, mas que tem como principal objetivo promover o crescimento nos países em desenvolvimento, foi pego em uma profunda contradição.

Ele se esforçou ao máximo para encontrar soluções que fossem mutuamente benéficas - que, até um certo ponto, de fato existem-, mas quando, no limite, essa alternativa não foi possível, ele se posicionou a favor dos países credores.

De fato, os governos credores organizaram informalmente nos anos 80 um sistema de poder para administrar a crise da dívida (Fig. 1), que tinha, no comando, o Tesouro americano e o FED; como grupos consultores, os ministros das finanças dos países do G-7 e os presidentes (por volta de vinte) dos principais bancos comerciais; e, como agências executivas, o FMI e o Banco Mundial. O FMI diretamente encarregado da tarefa de negociar com os governos devedores, o Banco desempenhando um papel complementar e intermediário nas negociações. Ambas as instituições utilizaram a imposição de condicionalidades como forma de obter a concordância dos países devedores.

Figura 1
O Banco Mundial como parte do sistema de Poder da Dívida

Alguns acreditam que o Banco, ao adotar esse papel, perdeu uma oportunidade de desempenhar seu papel genuíno como um banco de desenvolvimento. De acordo com essa visão, o Banco fracassou ao não adotar um papel mais ativo na busca de soluções para a crise da dívida, ao não defender o perdão da dívida desde o começo. Feinberg, por exemplo, diz que “o Banco ocupou o assento do FMI, não prevendo adequadamente que a severa austeridade iria desprover de recursos os projetos de investimento que eram o capital do Banco, bem como provocaria uma devastação nos planos de desenvolvimento das nações” (1986BOYER, R. La Flexibilité du Travail en Europe. Segunda parte: “Segmentations ou solidarité: quel model por l’Europe?” Paris, Editions La Decouverte, 1986a., p. 7).

Na verdade, entretanto, e considerando-se as pressões que o Banco estava sofrendo por parte dos setores conservadores nos Estados Unidos no começo dos anos 80, a crise da dívida representou uma oportunidade de ouro da qual ele se beneficiou para reconstruir suas estremecidas relações com os governantes de seus principais acionistas.

A crise da dívida abriu, de facto, a oportunidade para o Banco transformar-se, de uma instituição que financia e promove o desenvolvimento, em uma instituição que impõe condições as quais obrigam os países em desenvolvimento a seguir as diretrizes econômicas que o Primeiro Mundo julga serem adequadas. A prioridade para os governos credores era proteger seus bancos, e, mais amplamente, a saúde do sistema financeiro internacional. Enquanto o FMI permaneceu responsável pelos ajustes fiscais e pelo balanço de pagamentos, o Banco ficou responsável pelas “reformas estruturais”. E, dessa forma, o Banco - cujo papel, baseado na TDE, de fornecedor de financiamentos para investimentos estratégicos estatais estava sob ataque - assumiu um novo papel, que os governos dos países credores acreditavam ser essencial: promover a privatização, a liberalização comercial e a reforma financeira através da imposição de condicionalidade negativa (deixar de renovar os empréstimos que venciam).

Feinberg observa que, dessa forma, “o Banco está arriscado a se transformar em algo como o FMI - defendendo fórmulas simplistas, padronizadas, que menosprezam a história, a cultura e a política particulares de cada nação” (Feinberg, 1986FEINBERG, R. E. “An open letter to the World Bank’s new president”. In Feinberg (org.) Between Two Worlds: the World Bank’s Next Decade. Washington, Overseas Development Council, 1980., p. 12). Isso ocorreu de fato. Embora os objetivos originais dos empréstimos para ajustes estruturais não fossem servir de instrumento para impor aos países em desenvolvimento reformas neoliberais padronizadas, mas “apoiar - através de uma série de empréstimos pontuais (possivelmente três ou quatro), durante um período de aproximadamente cinco anos - medidas especialmente destinadas a reforçar, a médio prazo, o balanço de pagamentos dos países” (Stern, 1983STERN, E. World Bank financing of structural adjustment”. In John Williamson (orgs.) 1983., p. 92), o resultado final foi esse. A ênfase sobre a estabilização econômica transformou-se em ênfase no objetivo de “tomar os preços corretos”, eliminando todas as formas de intervenção do Estado que distorcessem esses preços. A privatização, que não era um objetivo original dos empréstimos estruturais de ajuste, recebeu uma esmagadora importância.25 25 O objetivo básico dos empréstimos para os ajustes estruturais, propostos pelo Banco em seu Encontro Anual de 1979, era: “Apoiar um programa de mudanças específicas de política econômica e reformas institucionais elaborado para reduzir o déficit de conta corrente a níveis sustentáveis” (Stern, 1983, p. 89). Isso deveria ser feito através da utilização mais eficiente de recursos em setores-chave. De acordo com Ernest Stern, “as medidas recaem principalmente sobre quatro áreas: (1) a reestruturação dos incentivos, o que cobre as políticas de preço, reformas tarifárias, tributação, subsídios orçamentários, e política com relação à taxa de juros; (2) a revisão das prioridades dos investimentos públicos à luz da nova estrutura de preços internacionais e das disponibilidades de recursos; (3) melhoria da administração do orçamento e da dívida pública; e [sic] fortalecimento das instituições, particularmente das empresas públicas” (1983, p. 93). Dentro do próprio corpo de funcionários do Banco surgiu uma nova preponderância de unidades e analistas voltados para o gerenciamento macroeconômico, enquanto os analistas setoriais e os formuladores de projetos foram discriminados.26 26 A tremenda importância dada ao ajustamento macroeconômico pode ser ilustrada por um fato anedótico, mas significativo: em 1991, o vice-presidente para a América Latina visitou o Brasil e convidou um grupo de economistas para jantar. Por quase três horas, os problemas macroeconômicos de curto prazo da economia brasileira foram discutidos. Em nenhum momento o vice-presidente demonstrou interesse por problemas relacionados ao desenvolvimento de longo prazo. Ele estava interessado apenas na disciplina fiscal, e em uma política monetária restritiva, cuja ausência ou deficiência ele assumia ser a causa principal da alta inflação brasileira. Esse fato não apenas ilustra a predominância dos problemas macroeconômicos no Banco, mas também o tipo de teoria macroeconômica dominante. No ano anterior, o Plano Collor tinha acabado de fracassar após um imenso ajuste fiscal (foi obtido um superávit de 4% do PIB naquele ano) e uma tentativa de impor à economia uma política monetária completamente ortodoxa. Essa política fracassou não em função de um populismo econômico, mas porque a oferta monetária é endógena quando a inflação é inercial, como é o caso brasileiro (v. Bresser-Pereira, 1994). Mas, em compensação, o Banco, como uma organização burocrática que se esforça para sobreviver e crescer, recuperou seu prestígio entre as autoridades de Washington, um prestígio que era essencial ao cumprimento de seu objetivo organizacional básico: a sobrevivência.27 27 The Economist, em uma segunda pesquisa sobre o Banco e o FMI (12/10/91, p. 4), observou: “Seus papéis [do Banco e do FMI] na economia mundial permanecem tão fundamentais atualmente quanto pretendiam os arquitetos de Bretton Woods. Isso ocorre parcialmente porque eles provaram ser extremamente adaptáveis - e parcialmente também porque, sem dúvida, as burocracias internacionais são ainda mais difíceis de ser eliminadas do que instituídas”.

7. A CONTRADIÇÃO FINANCEIRA

Há, entretanto, uma contradição mais séria que a falta de uma estratégia definida para o desenvolvimento e que o comportamento insatisfatório com relação à crise da dívida externa. É uma contradição que deriva diretamente de sua auto definição como um banco de desenvolvimento. Como tal, o Banco Mundial está comprometido com o crescimento econômico e social dos países subdesenvolvidos. Esse papel é plenamente desempenhado quando o Banco conta com os fundos da IDA (International Development Association). Mas, exceto nesse caso, ele não conta com recursos gratuitos. Assim, ele é obrigado a cobrar, pelos serviços de seus empréstimos, taxas de juros e gratificações normais - as mesmas taxas e gratificações que os bancos comerciais cobram. Se é assim, a lógica que ele está compelido a seguir é a lógica dos bancos privados: a lógica dos lucros, a regra financeira padrão de que, em médio prazo, os desembolsos devem ser menores que a amortização mais os juros e comissões.

Entretanto, como o Banco é uma organização que não visa o lucro, seus clientes - e, às vezes, seus próprios funcionários - se recusam a vê-lo como um banco comercial, e, então, eles resistem à regra de ouro do bom devedor: apenas tomar emprestado quando a taxa de retorno sobre o investimento for claramente maior que os custos do empréstimo. Por outro lado, no momento em que o Banco deixa de garantir aos países em desenvolvimento um fluxo de caixa positivo, restam apenas duas alternativas: ou o país se torna desenvolvido antes que as transferências líquidas recebidas do Banco se tornem negativas - o que foi o caso dos países da Europa Ocidental depois da Segunda Guerra - ou o Banco deixa de desempenhar o papel de um banco de desenvolvimento stricto sensu. Isto é essencialmente o que está ocorrendo em relação aos países em desenvolvimento.

Existe uma contradição intrínseca na própria ideia de um banco de desenvolvimento. O conceito de banco de desenvolvimento, a começar pelo Banco Mundial, está baseado em uma analogia com os bancos de investimento. Desde que os irmãos Pereire criaram o primeiro banco de investimento na França, no século passado, a ideia por trás desse tipo de instituição financeira é muito simples. O banco irá fornecer empréstimos de longo prazo para um dado projeto-normalmente um projeto industrial ou de infraestrutura. Por algum tempo, o banco de investimento terá um fluxo de caixa negativo com relação à empresa que apresentou o projeto. Mas, assim que o projeto se torna operacional, seus lucros gerados serão suficientes para pagar os empréstimos. Será a vez do banco de investimento ter um fluxo de caixa positivo com relação à empresa, recebendo o reembolso do principal acrescido dos juros.

O banco de desenvolvimento deveria, em princípio, atuar como um banco de investimentos. A única diferença é que, por trás do projeto e da empresa estatal, há um país ou Estado nacional em desenvolvimento. Da mesma forma que o fluxo de caixa das empresas deveria tomar-se negativo com relação ao banco de investimento quando o projeto é completado, o fluxo de caixa dos países também deveria tomar-se negativo quando o desenvolvimento fosse alcançado.

Entretanto, esse raciocínio simples está essencialmente equivocado. Uma coisa é haver concluído os projetos de desenvolvimento, outra é alcançar o desenvolvimento. Um projeto de desenvolvimento pode ser completado e produzir um fluxo de fundos que irá pagar o empréstimo, mas isso não significa que o país, que continuou subdesenvolvido, conseguiu obter capacidade financeira para acumular superávits no balanço de pagamentos e pagar a dívida. Se o país em desenvolvimento não está ainda plenamente desenvolvido, isso significa que seu estoque de capital per capita é insuficiente; que, além de mais educação e tecnologia, ele necessita de mais capital físico. Se nesse momento - antes da efetiva promoção dos países em desenvolvimento à categoria de países desenvolvidos - o banco de desenvolvimento atingir o ponto em que se torna necessário para ele tomar de volta os recursos emprestados porque não pode mais continuar a aumentar seu capital ou seus próprios empréstimos nos mercados financeiros, é sinal de que ele também se tornou incapaz de desempenhar o papel genuíno de um banco de desenvolvimento. Ele não é mais um provedor líquido de fundos. Se, a partir daí, o fluxo de caixa tomar-se nulo para o país, o banco de desenvolvimento ficará parecido com um banco comercial que rola as suas dívidas. Se ele se tornar negativo, o banco de desenvolvimento será de fato um obstáculo ao desenvolvimento desse país.

O Banco Mundial está alcançando o primeiro estágio - o estágio do fluxo de caixa neutro com relação aos países em desenvolvimento. A Tabela 1 é clara quanto a isso. Mesmo incluindo os desembolsos do IDA o fluxo de caixa do Banco está tendendo a zero. Para a América Latina ele é fortemente negativo. Excluindo-se o IDA, as transferências líquidas do Banco Mundial, que antes eram sempre positivas, tornaram-se negativas em 1987 e permaneceram assim nos anos seguintes, como mostra a Tabela 2. Assim, o Banco está deixando de ser um banco de desenvolvimento e está se transformando em um tipo de banco comercial.

Tabela 1
Transferências líquidas provenientes do Banco Mundial por região (US$ milhões; anos fiscais)
Tabela 2
Transferências líquidas totais provenientes do Banco Mundial (US$ milhões, em termos nominais)

O ponto, ou o estágio em que um banco necessita deixar de ter um fluxo de caixa negativo com relação aos seus devedores depende de duas variáveis: o capital do banco e a capacidade dos devedores de tomar empréstimos. Ambos são limitados. O banco não pode aumentar indefinidamente seu capital. A capacidade de um país de tomar empréstimos está limitada por sua futura capacidade de pagá-los. Como o fluxo de caixa global do Banco está tendendo a zero nos anos mais recentes, é claro que ambos os limites estão sendo alcançados. Não existem perspectivas de um novo substancial incremento do capital do Banco, e a maioria dos países em desenvolvimento são atualmente países altamente endividados.28 28 O altamente esperado aumento de capital de 1988 dobrou o capital do Banco, mas sua efetiva capacidade de empréstimo permanece limitada, como demonstra o crescimento real dos empréstimos nos últimos anos. É verdade que o baixo crescimento dos empréstimos é também resultado do comportamento da demanda: os empréstimos do Banco não são de fato suficientemente competitivos.

A TDE e os criadores do Banco não estavam suficientemente atentos ao fato de que os fluxos de capital na forma de empréstimos seriam necessariamente, mais cedo ou mais tarde, revertidos. Como observa Cheryl Payer, “qualquer um que usa cartão de crédito sabe que não pode gastar mais do ganha durante um período de tempo prolongado sem que arrume problemas. E, entretanto, o senso comum da TDE tem sido o de que, porque são pobres, gastar mais do que ganham é exatamente o que as nações do Terceiro Mundo deveriam fazer” (1991PAYER, C. Lent and Lost. Londres, Zed Books, 1991., p. 3). Com certeza a TDE e o Banco se preocuparam com o problema. Durante um certo período, muitas simulações matemáticas foram feitas sobre esse assunto. Mas prevaleceu um fundamental otimismo, embora debilmente embasado. Pressões dos países em desenvolvimento, a busca de lucro pelos bancos comerciais, a força expansionista da burocracia dentro do Banco estavam por trás desse otimismo.

Entretanto, o Banco hoje é incapaz de fato de proporcionar uma entrada global líquida de capital para os países em desenvolvimento. Ele pode ter um fluxo de caixa negativo com alguns países e regiões, mas à custa defluxo de caixa positivo com outros.

8. A RESPOSTA DO BANCO MUNDIAL

Durante os anos 80, enquanto o Banco Mundial colocava-se do lado dos países credores no caso da dívida externa, as duas outras contradições que vínhamos examinando se aprofundaram. O Banco não tem mais uma estratégia positiva para o desenvolvimento, isto é, uma estratégia que envolva formulação de projetos e necessite de financiamento externo, justificando a existência de um banco de desenvolvimento. Tampouco dispõe de formas de financiamento que lhe permitam sustentar um fluxo de caixa negativo com relação aos países em desenvolvimento. Por outro lado, para os altamente endividados países subdesenvolvidos não faz mais sentido aumentar a sua dívida externa. Eles devem, sim, reduzi-la.

O Banco foi forçado a abandonar sua primeira estratégia de desenvolvimento, a ideia do big push, não apenas por razões teóricas (a crise da TDE), ideológicas (a onda neoliberal) e políticas (o governo Reagan), mas também por causa do baixo desempenho de muitos projetos financiados por ele. O Banco foi forçado a reduzir sua provisão líquida de fundos para os países em desenvolvimento devido às suas próprias limitações financeiras e às limitações dos países receptores de recursos. Ambas as crise representaram um desafio à instituição. Qual foi a resposta dada pelo Banco a esses desafios?

Eu já sugeri a resposta específica dada às pressões políticas que o Banco sofreu do governo Reagan: aceitar o papel de gerenciador da crise da dívida externa. Entretanto, as respostas mais gerais à crise de identidade que eu venho analisando foram (i) a adoção de reformas estruturais orientadas ao mercado e (ii) a criação de empréstimos destinados especificamente a incentivar ajustes macroeconômicos. Mais recentemente, após a queda do comunismo, uma terceira resposta foi definida: ajudar a Europa Oriental e a ex-União Soviética na transição para o capitalismo.

As reformas estruturais orientadas ao mercado vieram em boa hora. Elas respondem a uma real necessidade dos países desenvolvidos, dado que a estratégia anterior, desenvolvimentista, protecionista e baseada na atuação do Estado, tinha exaurido as suas potencialidades. Inevitavelmente elas foram confundidas com o neoliberalismo: algumas vezes indevidamente, quando eram apenas políticas econômicas sensatas; outras vezes, apropriadamente, quando foram radicais, ignoraram as particularidades do país, e enfraqueceram o Estado ao invés de fortalecê-lo.

Como o neoliberalismo visa obter o Estado mínimo, ele ignora um fato simples. Os mercados são instituições, não são fenômenos naturais. Para que eles simplesmente existam e também para evitar a predominância de forças monopolistas que são a sua própria negação, os mercados dependem de um Estado forte e não de um Estado fraco. Esse Estado pode ser, ele mesmo, uma fonte de poder monopolista, um obstáculo ao bom funcionamento dos mercados, mas quando isso é verdade deparamos provavelmente com um Estado fraco e disfuncional, e não com um Estado forte e enxuto do tipo que o mercado necessita para o seu bom funcionamento.

Entretanto, não é em função do apoio às reformas orientadas ao mercado que as visões neoliberais predominantes no Banco representam um obstáculo à definição de uma estratégia de desenvolvimento, mas devido ao fato de que o neoliberalismo induz o Banco a limitar a ação do Estado a um papel “negativo”. Na maioria dos casos é necessário liberalizar, privatizar, desregular, mas essas são políticas “negativas”. São políticas que buscam reformar e reduzir o Estado. Este, de acordo com visões neo­liberais moderadas (consenso de Washington), deveria limitar-se a investir em educação e políticas sociais, enquanto o neoliberalismo radical também propõe a privatização da educação, da saúde e da proteção ambiental. Nesse contexto, as políticas industrial, agrícola, de comércio externo e os próprios investimentos em infraestrutura são esquecidos ou subestimados. Essas políticas não seriam orientadas ao mercado e, portanto, seriam ilegítimas. Ora, a partir do momento em que o Banco Mundial aceita essa visão ideológica, transforma-se antes em um obstáculo do que em um estimulador do desenvolvimento. Além disso, se não cabe ao Estado realizar essas tarefas, por que se necessitaria de um banco de desenvolvimento?

A segunda resposta às contradições internas do Banco foi a criação de empréstimos para ajustamento estrutural e setorial condicionados à adoção de reformas na política econômica. Muitos projetos financiados pelo Banco não estavam funcionando bem. Um sentimento de frustração com relação a esses projetos tomou-se comum no Banco nos anos 80. Por outro lado, a crise da estratégia de desenvolvimento liderada pelo Estado tinha provocado enormes desequilíbrios nos países em desenvolvimento, exigindo com urgência, da parte dos credores, financiamentos emergenciais para o balanço de pagamentos e redução da dívida externa, e, da parte dos devedores, disciplina fiscal, liberalização comercial e privatização, além de reformas financeiras e administrativas. O FMI era tradicionalmente o responsável pelos ajustes, fiscais e do balanço de pagamentos, de curto prazo. Havia também no FMI alguma coisa relativa ao longo prazo através da concessão de empréstimos para o ajustamento estrutural. Mas o Fundo sempre concedia empréstimos segundo condições muito rígidas. Por que o Banco não poderia fazer um movimento complementar, oferecendo empréstimos de longo prazo para o ajustamento estrutural? Dessa forma, ajudaria os países em desenvolvimento nos seus problemas de balanço de pagamentos, substituiria parcialmente os bancos comerciais no financiamento dos países altamente endividados e incentivaria as reformas econômicas. Além disso, empréstimos para o ajustamento estrutural poderiam ser realizados de forma mais coerente com os limites financeiros do Banco e dos países receptores dos empréstimos. Esses empréstimos poderiam ser mais diretamente comparados com o financiamento do capital de giro próprio dos bancos comerciais. O Banco, porém, conservaria seu caráter de banco de desenvolvimento à medida que continuaria também a financiar projetos, como os bancos de investimento.

Assim, com os empréstimos para o ajustamento estrutural, o Banco realizou uma manobra realista mas também política. Os novos empréstimos permitiriam a passagem do Banco para o reino da condicionalidade.29 29 Entretanto, essa mudança não deve ser superestimada. Durante os anos 80, por volta de 75% do total dos empréstimos concedidos continuaram sendo destinados ao financiamento de projetos. O Banco Mundial foi sempre um banco político. Lichtensztejn e Baer (1986LICHTENSZTEJN, S. & BAER, M. Fondo Monetario Internacional y Banco Mundial: Estrategias y Politicas del Poder Financiero. San Jose, Costa Rica, Editorial Nueva Sociedad, 1986., pp. 206-215), por exemplo, mostram como os empréstimos destinados a projetos foram concedidos segundo considerações políticas; como os regimes comunistas do Leste Europeu e os líderes políticos não confiáveis na América Latina foram excluídos dos financiamentos do Banco. A imposição de condicionalidades, entretanto, era restrita ao Fundo. Com os empréstimos para ajustamento estrutural o Banco estava formalmente autorizado a influir diretamente sobre a política econômica. Como observou Miles Khaler, “os empréstimos para ajustamento estrutural fornecidos pelo Banco Mundial refletiram também a nova ortodoxia e representaram uma ruptura ainda mais dramática para essa instituição do que a nova ênfase do Fundo na questão da condicionalidade” (1990KHALER, M. “Orthodoxy and its altematives: explaining approaches to stabilization and adjustment”. In Nelson, J. (orgs.), 1990., p. 42).

Os empréstimos para financiamento de projetos foram objeto de inúmeras críticas, mas a lógica por trás deles era sólida, a necessidade de um banco para financiar projetos de investimento era clara. Além disso, alcançaram resultados satisfatórios, de acordo com a própria avaliação interna do Banco. Os resultados dos empréstimos para o ajuste estrutural foram menos claros, devido, por um lado, à sua inevitável subordinação às visões neoliberais, e, por outro lado, às dificuldades intrínsecas de impor as reformas econômicas a governos relutantes ou a governos que até se dispõem a colaborar, mas a quem falta capacidade política e/ou técnica. Conforme um estudo do Banco sobre os empréstimos de ajustamento (1990aWORLD BANK. “Adjustment lending: policies for sustainable growth”, Policy and Research Series nº 2. Washington, The World Bank, 1990a.), países que receberam empréstimos para ajustamento estrutural apresentaram taxas de crescimento econômico apenas pouco maiores do que as apresentadas pelos países que não os receberam. O ajuste estrutural foi geralmente acompanhado por um crescimento mais rápido do PIB, mas também por um declínio da taxa de investimento. (Banco Mundial, 1990bWORLD BANK. Report on adjustment lending II: policies for the recovery of growth. Washington, The World Bank, Report for Executive Directors’ Meeting, março/1990b., pp. 3-4)

Entretanto, um estudo mais recente (1992ZINI JR., Á. (org.) The Market and the State in Economic Development in the 1990s. Amsterdan, North Holland, 1992.) apresenta resultados mais favoráveis. De acordo com esse estudo, “empréstimo para ajustamento está associado com a retomada do crescimento ... e com a melhoria das políticas públicas” (1992WORLD BANK. The Third Report on Adjustment Lending: Private and Public Resources for Growth. Washington, The World Bank, Report for Executive Directors’ Meeting, março/1992., p. 2). Mas o relatório do Banco acrescenta: “O processo de ajuste normalmente leva anos e pode existir custos significativos na transição. A maioria dos países do grupo que recebeu intensamente empréstimos para ajustamento deu início ao processo de ajustamento no início da década, mas, na média, usufruiu dos benefícios apenas na segunda metade dos anos 80” (1992WORLD BANK. The Third Report on Adjustment Lending: Private and Public Resources for Growth. Washington, The World Bank, Report for Executive Directors’ Meeting, março/1992., p. 3).

Assim, a influência do Banco, assim como a do Fundo, sobre os países em desenvolvimento não deveria ser subestimada em razão do fracasso de alguns dos programas apoiados pelas duas instituições. Vimos que o movimento dos países em desenvolvimento em direção às políticas orientadas ao mercado correspondeu a uma profunda mudança na economia e na política em nível mundial - a uma crise do Estado indicativa da reversão de seu padrão cíclico de crescimento. Isso também correspondeu a um padrão histórico de crescimento, que normalmente começa com a substituição de importações e um Estado forte, mas que, mais cedo ou mais tarde, à medida que a estratégia de substituição de importações se esgota e o Estado, inflado, se enfraquece, tenderá para a liberalização comercial e uma crescente coordenação da economia via mercado. Assim, o movimento na direção das reformas orientadas ao mercado ocorrido nos anos 80 correspondeu à tendência histórica normal, particularmente na América Latina, onde essa tendência havia sido artificialmente adiada durante a década de 70.30 30 V. Gustav Ranis (1981). Esse raciocínio levou Paul Mosley a sustentar que a conveniência dos programas de ajustamento estrutural depende do estágio de desenvolvimento de cada país. Países de renda média já alcançaram o estágio de desenvolvimento em que faz sentido a transição de estratégias orientadas ao mercado interno para estratégias orientadas à exportação. Mas isso não é verdade para países em uma fase menos adiantada de desenvolvimento, como é o caso da maior parte dos países africanos.

Entretanto, é impossível entender esse movimento se não levarmos em consideração a influência externa, especialmente a influência do Banco e do Fundo. A imposição de condicionalidades pode não ter funcionado em casos específicos. Como Barbara Stallings observa, “pode ser bem o caso de que muitos programas individuais do Banco e do Fundo tenham fracassado, tanto em seus aspectos formais quanto em seu espírito, de forma que suas influências pareçam pequenas. Mas, se a questão é por que o impulso geral das políticas econômicas do Terceiro Mundo foi tão diferente nos anos 80 em relação aos anos 70, os fatores internacionais aparecem de forma importante” (1991WORLD BANK. World Bank Development Report 1991. Washington, The World Bank, 1991., p. 3).

A imposição de condicionalidade foi sempre a principal preocupação dos críticos das instituições de Bretton Woods. De acordo com eles, ela seria uma intromissão nos negócios internos dos países em desenvolvimento, que assumiria a incapacidade das autoridades locais. Contudo, como Joan Nelson sublinha, “a efetiva concordância é maior onde os governos já estão fortemente comprometidos com as reformas” (1989NELSON, J. M. “The politics of long-haul economic reform”. In Nelson, J. (org.), 1989., p. 19). Por outro lado, Nelson e Khaler distinguem o comprometimento com as reformas da capacidade de que dispõem os governos locais para realizá-las. Governos sem capacidade política, mesmo desejando adotar as reformas, não são capazes de fazê-lo. Como Khaler observa, “muitos governos divididos e paralisados não puderam ser induzidos a adotar tais programas (de reforma estrutural), apesar da clara pressão externa; suas autoridades políticas internas tinham sido erodidas, e a resistência doméstica revelou-se ser muito grande” (1989KHALER, M., KENEN, P. “International financial institutions and the politics of adjustment”. In Nelson, J. et al., (orgs.), 1989., p. 147).31 31 Na mesma linha, o Group of Twenty-Four Report (1990, p. 11) afirma: “Dado que a realidade se constitui daquelas chamadas ‘considerações não econômicas’ que normalmente têm consequências econômicas, o Fundo (e o Banco) colocaria em risco o sucesso dos programas de ajustamento ao ignorá-los”.

Quando os governos estão divididos e paralisados, isso normalmente significa que o próprio Estado está em uma crise profunda. Se a condicionalidade não levar em consideração esse fato, se os funcionários do Banco não tentarem expressamente ajudar o governo favorável à reforma a fortalecer o Estado que esse governo administra e a superar os obstáculos políticos que ele enfrenta, as reformas provavelmente irão fracassar.32 32 Paul Mosley, analisando os empréstimos estruturais condicionados, conclui que os dois casos de maior sucesso entre 1980 e 1986 foram os da Jamaica e da Turquia, e observa: “Como são radicais, esses programas dificilmente podem ser considerados como bem-sucedidos com relação às condicionalidades, pois ambos os governos insistiram em que eles iriam implementá-los mesmo sem a pressão do Banco Mundial e do Fundo” (1987, p. 33).

Como ministro da Fazenda, eu não tinha uma visão crítica das condições impostas pelo Banco, por duas razões: porque eu essencialmente compartilhava das mesmas visões sobre as reformas necessárias, e também porque eu estava seguro de que o Brasil iria adotar apenas as reformas que eu e minha equipe acreditássemos serem necessárias. Por essa perspectiva, as condicionalidades poderiam ajudar as reformas, mais do que atrapalhá-las, pois eu poderia “usá-las” para obter a aquiescência do Congresso, dos governadores e dos outros ministros às reformas que estávamos convencidos serem necessárias. Entretanto, no momento em que a condicionalidade representa uma imposição, suas chances de sucesso são muito pequenas. E a possibilidade de que ela esteja errada é muito grande. Por outro lado, o pressuposto, frequentemente assumido em Washington, de que a oposição a ela decorre sempre de visões populistas e estatistas é perigoso, se não simplesmente errado.

Conforme escrevi em um paper recente com Gesner de Oliveira (1993WORLD BANK. The East Asian Miracle: Economic Growth and Public Policy. Nova York, Oxford University Press, 1993.), as condicionalidades deveriam estar relacionadas com as transferências líquidas do Banco para o país. Podemos ter transferências positivas e negativas e altos e baixos níveis de condicionalidades. A combinação dessas variáveis nos indica quatro situações ou jogos. No primeiro, um país com baixo nível de condicionalidades e transferências negativas é, em princípio, um país que já superou sua condição de país subdesenvolvido. No segundo, se o Banco está apostando nas perspectivas futuras do país, seus empréstimos serão elevados, suas transferências serão positivas e as condicionalidades podem ser altas. Esse é um jogo cooperativo. Os países que recebem do Banco Mundial empréstimos para o ajuste estrutural estão provavelmente nessa situação. Em contraposição, no terceiro tipo de jogo, quando há um clima de conflito entre o Banco e o país, como tem sido o caso do Brasil na maior parte dos últimos anos, as transferências líquidas serão negativas, as condicionalidades serão altas, e os resultados, em termos de produto e de investimentos, serão fracos. O quarto jogo seria aquele no qual as transferências líquidas são positivas para o país, e as condicionalidades, baixas. Nesse caso teremos um jogo permissivo, como aconteceu com a Índia durante os anos 80.

A terceira e mais recente resposta do Banco à sua crise de identidade - ajudar os antigos países comunistas em sua transição para o capitalismo - está em pleno desenvolvimento. Um perigo ameaça claramente essa ação: o perigo de se ignorar que assim como a América Latina enfrentou tempos anormais durante os anos 80, a Europa Oriental e particularmente a Rússia estão enfrentando tempos anormais nos anos 90.33 33 Fazer uma distinção consistente entre “tempos normais” e “tempos anormais” não é fácil. Entretanto, creio que é possível oferecer uma definição de tempos anormais: eles ocorrem quando uma aguda crise fiscal prevalece sobre a economia, o crédito do Estado desaparece ou é reduzido dramaticamente, e o país enfrenta uma hiperinflação ou está prestes a isso. A maior parte dos países da América Latina nos anos 80 e da Europa Oriental no começo dos anos 90 estava nessa situação. Em tempos anormais é preciso combinar soluções convencionais e não convencionais, ortodoxas e heterodoxas. A ortodoxia fracassou na resolução dos problemas de estabilização latino-americanos nos anos 80 porque políticas fiscal e monetária ortodoxas são condições necessárias, porém não suficientes para enfrentar uma profunda crise fiscal do Estado e a hiperinflação. As estabilizações na América Latina tiveram que ser conduzidas de forma radical. A Bolívia (1985), o México (1987), a Argentina (1991), o Brasil (1994) são bons exemplos. Por outro lado, as reformas estruturais têm que ser implantadas mais vagarosamente. A abordagem do big bang para a privatização, para a liberalização comercial, para a desregulamentação é temerária, pois ela enfraquece um Estado já demasiado fraco, ao invés de fortalecê-lo. Ora, nesse momento cabe ao Estado institucionalizar os novos mercados, os quais devem coordenar essas economias. Em tempos anormais, é necessário pensar de maneira inovadora. Para uma grande burocracia como é o Banco Mundial esse é, portanto, um desafio difícil.

9. CONCLUSÃO

Os países em desenvolvimento normalmente concentram suas críticas ao FMI e ao Banco Mundial na excessiva severidade, no caráter padronizado e na arrogância sutil que estão presentes nas condicionalidades. Eu não vou prolongar esse tema. A questão real é saber se a concessão de empréstimos destinados ao ajuste estrutural acoplados com as condicionalidades unilaterais se constitui em uma estratégia consistente para solucionar a crise de identidade do Banco Mundial. Eu acredito que não. E, na verdade, em relação ao Banco Mundial, espero ter demonstrado que o problema básico não é de severidade, mas de uma verdadeira crise de identidade.

Para tentar resolver a sua crise de identidade, o Banco deverá começar por realizar uma melhor avaliação dessa crise. Deverá criticar a abordagem neoliberal, deverá reconhecer o ressurgimento da TDE, o que vem ocorrendo nos últimos anos com base na retomada dos conceitos de externalidades e no desenvolvimento da estratégia de learning by doing34 34 Para um survey sobre esse assunto, v. Grossman (1990) e Bradford (1991). ; terá que admitir que a onda neoliberal conservadora já está se enfraquecendo por falta de propostas eficazes de política econômica35 35 A vitória do presidente Clinton nas eleições presidenciais de 1992 dos Estados Unidos é uma importante sinalização nessa direção. , terá que adotar uma abordagem mais pragmática para a teoria econômica e para a política econômica; terá que, finalmente, rever a crise da dívida externa, que não foi resolvida, embora tenha desaparecido a preocupação dos países credores com relação a ela desde que um acordo baseado no Plano Brady tem aparentemente dado resultados no México.36 36 Efetivamente, a contribuição do acordo da dívida ao relativamente bom desempenho da economia mexicana é provavelmente pequena. Muito mais importantes foram o ajuste fiscal, a estabilização alcançada em dezembro de 1987 através de um choque heterodoxo, as reformas estruturais, especialmente a liberalização industrial, e as perspectivas de ser aceito na North American Free Trade Association. Essa estratégia de construção da confiabilidade, mais o grande diferencial entre as taxas de juros mexicanas e as taxas de juros internacionais, trouxe elevados investimentos externos ao México, promovendo algum crescimento interno apesar da negociação insatisfatória da dívida externa e da persistência- embora atenuada- de uma crise fiscal (v. Bresser-Pereira, 1993a).

Eu creio que isso já está ocorrendo no Banco Mundial. Antes de Bill Clinton ser eleito presidente dos Estados Unidos, o World Development Report 1991 foi uma indicação dessa nova tendência. Apesar de alguma tendenciosidade ideológica ainda presente, esse relatório representa um extraordinário avanço para o Banco. O staff do Banco Mundial foi capaz de sumariar o estado da arte de suas pesquisas de alto nível, e a abordagem neoliberal esteve quase ausente, exceto em algumas afirmações genéricas. No overview o relatório é bastante claro: “Um consenso está gradualmente se formando a favor de uma abordagem market-friendly com relação ao desenvolvimento. O relatório descreve vários elementos dessa estratégia e sua implementação em uma grande variedade de países e contextos. Ele vai mais além. Ele destaca de que formas os mercados e os governos podem cooperar complementariamente. Se os mercados podem funcionar bem, e estão livres para tanto, pode haver um ganho considerável. Se os mercados fracassam, e os governos intervêm de forma cautelosa e prudente, há um ganho adicional” (1991THE WORK BANK. “The IMF and the World Bank”. The Economist. Ensaio especial, 12 de outubro, 1991., p. 1).37 37 Entretanto, essas mudanças não convenceram três eminentes economistas argentinos, que escreveram uma longa análise crítica sobre o World Bank Development Report 1991, em que criticam o Banco por ter atribuído a queda da taxa de crescimento das economias mundiais entre 1960-73 e 1973-87 ao baixo crescimento da produtividade total dos fatores de produção (que seria derivado principalmente das melhorias educacionais e tecnológicas), relegando a um segundo plano a acumulação de capital. E acrescentam: “Na Tabela 2.2 pode-se facilmente observar que enquanto não há nenhuma alteração importante na taxa de crescimento do capital depois de 1973 para a amostra como um todo, o mesmo não é verdade para um nível menor de agregação. Houve um declínio de 1,8 pontos porcentuais entre os dois períodos na América Latina, e de 0,8 para o Sudeste Asiático. Consequentemente, a constância da taxa global de crescimento médio do estoque de capital depende do Leste Asiático e da Europa, que, se considerados, realmente fazem a diferença. Mas os países de maior renda da amostra estão localizados nessas regiões: os resultados seriam os mesmos caso eles tivessem sido desconsiderados? Os choques externos (digamos, a crise da dívida) não teriam nenhum papel na explicação das diferenças das taxas de acumulação de capital entre as regiões?” (Fanelli, Frenkel e Taylor, 1992, p. 4).

No mesmo ano, no Annual Meetings of the Board of Governors of the World Bank, em Bangkok, o novo presidente, Lewis T. Preston, anunciou que o Banco iria realizar um estudo comparativo sobre o crescimento econômico e as políticas públicas do Leste Asiático.38 38 O primeiro volume desse estudo foi publicado em 1993. É um relatório apócrifo: World Bank: the East Asian miracle. O papel do governo japonês nessa decisão foi importante. Seus representantes já estavam desde há algum tempo manifestando seu desconforto com o padrão neoliberal que o Banco estava adotando.39 39 Em outubro de 1091 circulou no Banco um documento editado por uma organização governamental japonesa, The Overseas Economic Cooperation Fund , “Issues related to the World Bank’s approach to structural adjustment - proposal from a major partner“, no qual um sólido e insistente argumento foi construído sobre os limites dos mecanismos de mercado. Por exemplo: “É impossível obter uma alocação ótima de recursos somente através dos princípios do mercado, negligenciando-se o nível de desenvolvimento. Existem muitos setores que não podem ser conduzidos pelos mecanismos de mercado (Market failure), e a intervenção governamental é necessária para lidar com essas situações” (p. 11).

É muito cedo, entretanto; para se falar de um “novo consenso” ou de uma “nova estratégia”. Isso será possível somente quando a crítica da abordagem neoliberal avançar e tomar-se mais explícita. Além disso, alguma autocrítica da parte do Banco seria bem-vinda. Autocrítica em relação ao seu comportamento na crise da dívida externa, que está longe de estar totalmente resolvida. Autocrítica em relação à falta de pragmatismo, em função do ideologismo, que, em alguns momentos, tomou-se dominante no Banco.

Uma parte essencial do novo consenso terá que ser a percepção dos limites das possibilidades das condicionalidades unilaterais. É essencial ser modesto nessa matéria. A influência externa é bastante poderosa sobre os países em desenvolvimento. Mas essa influência é eficaz somente se ela tiver como contrapartida governos locais críticos e competentes, que desejam realizar a reforma e os ajustes, e Estados que não tenham perdido sua capacidade básica de sustentar a moeda local e de regular o bom funcionamento dos mercados. Obter a concordância de governos incompetentes, corruptos ou autoritários, que apenas capitularam, ajuda muito pouco.

Por outro lado, o Banco terá que reconhecer uma dupla limitação financeira: seus limitados recursos financeiros e a limitada capacidade que países altamente endividados possuem para aumentar os seus níveis de endividamento. Em outras palavras, terá que reconhecer que o tempo em que ele podia fornecer substanciais recursos líquidos aos países em desenvolvimento está superado. Mais do que um banco de desenvolvimento propriamente dito, o Banco está se transformando em um banco comercial público e em uma instituição prestadora de serviços direcionados ao desenvolvimento econômico. Como tal, modestamente, uma utilização limitada do poder de impor condicionalidades e uma forte cooperação com governos competentes e cooperativos deverão ser a regra.

Contra essa abordagem, o Banco pode ter a oposição de todos os seus acionistas. Os países em desenvolvimento se recusarão a admitir que o tempo dos cash flows fortemente positivos está encerrado. Eles irão solicitar maiores aumentos de capital, mais empréstimos. Os países desenvolvidos tentarão limitar o aumento de capital, ao mesmo tempo em que pressionarão por mais efetivas condicionalidades. Entre essas duas forças opostas, o Banco terá que encontrar o seu caminho. Um caminho autônomo? Isso somente será possível se o Banco deixar de ser dependente de novos aumentos de capital. E também se as elites e os governos nos países em desenvolvimento entenderem que é conveniente ter uma instituição internacional que não necessariamente representa o seu ponto de vista, mas sim a visão tanto dos países em desenvolvimento quanto dos países desenvolvidos. Os anos 80 foram um década difícil para o Banco - uma década em que ele teve que se sujeitar às demandas dos países credores e às influências ideológicas de um pensamento essencialmente antidesenvolvimentista: o neoliberalismo. Entretanto, há indícios de que os anos 90 serão mais favoráveis ao Banco.

Neste artigo, parti do pressuposto que uma instituição grande e necessariamente política como é o Banco Mundial enfrenta permanentemente crises, à medida que os ambientes econômico e político se modificam, em que teorias econômicas e ideologias perdem e ganham prestígio, e à medida que a dinâmica interna do Banco, sua estrutura de capital e sua organização se alteram ao longo do tempo. E procurei também demonstrar que essas crises assumiram um caráter mais profundo nos anos 80 - o caráter de uma verdadeira crise de identidade, relacionada com o papel do Estado e da TDE, com a crise da dívida externa, e com o problema das transferências negativas para os países em desenvolvimento. Vinte e um anos atrás, quando a história dos seus primeiros 25 anos foi escrita (Mason e Ascher, 1973MASON, E. & ASHER, R. The World Bank since Bretton Woods. Washington, The Brookings Institution, 1973.), o Banco era uma organização muito diferente da que é hoje, quando completa 50 anos. Ele será certamente muito diferente daqui a outros 25 anos. Se continuará a ser uma organização bem-sucedida ou não, entretanto, dependerá de sua capacidade de enfrentar e resolver suas recorrentes crises, e principalmente de sua capacidade de contribuir efetivamente para o desenvolvimento econômico dos países em desenvolvimento, em vez de ser um mero representante dos interesses e ideologias dos seus principais acionistas.

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  • 1
    Ou “em desenvolvimento”, ou menos desenvolvidos, como eufemisticamente se prefere dizer no Primeiro Mundo.
  • 2
    A existência do “consenso de Washington” foi destacada por John Willianson (1990WILLIAMSON, J. “What Washington means by policy reform” e “The progress of policy reform in Latin America”. In Williamson, J. (org.), 1990.). Para uma crítica a esse consenso v. Fanelli, Frenkel e Rozenwurcel (1990FANELLI, J., FRENKEL, R. & ROZENWURCEL, G. “Growth and structural reform in Latin America. Where we stand”. Paper apresentado na conferência “The Market and the State in Economic Development in the 1990s”. São Paulo, outubro/1990. In Zini Jr., Á. (org.), 1992.) e Bresser-Pereira (1990bBRESSER-PEREIRA, L. C. “The perverse macroeconomics of debt, deficit and inflation in Brazil”, In Fukuchi & Kagami (orgs.), 1990. Paper apresentado no simpósio “The present and the future oft he Pacific basin economy”, Institute of Developing Economies, Tóquio, julho/1989. e 1993aBRESSER-PEREIRA, L. C. “Economic reforms and the cycles of the state”. World Development 21 (8), September/1993. Paper apresentado no simpósio “Democratizing economics”, São Paulo, julho/1988, e revisado em 1992. Versão original publicada em português na Revista de Economia Política 9(3), julho/1989.). Esse consenso estava atingindo um clímax neoliberal naquele momento. Desde então, e particularmente desde a eleição do Presidente Bill Clinton, ele começou a amainar.
  • 3
    Lewis foi bastante específico quanto a essa questão: “O problema central da teoria de desenvolvimento econômico é entender o processo pelo qual uma comunidade que anteriormente poupava e investia 4% ou 5% de sua renda, ou até menos, transforma-se em uma economia na qual a poupança voluntária corresponde a 12% ou 15% da renda nacional, ou até mais” (1954, p. 416).
  • 4
    É interessante, entretanto, notar que Rosenstein-Rodan criticava o big push baseado em grandes investimentos de infraestrutura e de insumos básicos, defendendo, alternativamente, os investimentos coordenados em indústrias leves, trabalho-intensivas, de consumo, sendo que uma parte das quais deveria ser necessariamente orientada também para a exportação. Nesses termos, o fundador da teoria do desenvolvimento econômico não subscreveu a substituição de importações, nem identificou sua proposta com a estratégia que depois seria amplamente adotada com ênfase total nos grandes investimentos estatais. Sua estratégia parece-se mais com a adotada em Taiwan do que com aquela adotada na América Latina.
  • 5
    Lewis, seguindo a trilha de Smith e Marx, compreendeu muito bem que os estágios iniciais de desenvolvimento implicam concentração de renda nas mãos dos capitalistas. Seu modelo é explicitamente um modelo de concentração de renda: “A ocorrência fundamental para o desenvolvimento econômico é que a distribuição de renda seja alterada em favor da classe poupadora. Praticamente toda a poupança é feita por indivíduos que recebem lucros ou rendas. A poupança dos trabalhadores é muito pequena” (1954, p. 417).
  • 6
    Nurkse (1953NURKSE, R. Problems of Capital Formation in Underdeveloped Countries. Oxford, Basil Blackwell, 1953.) já se referia a uma poupança forçada (collective thrift) através da tributação. escreveu um paper clássico sobre esse tema (Kaldor 1963KALDOR, N., “Taxation for economic development”. Journal of Modern African Studies 1 (1), março/1963.). Poupança forçada através da inflação está presente em Rosenstein-Rodan e é extensivamente analisada por Lewis (1954LEWIS, A. W. “Economic development with unlimited supply of labour”. The Manchester School, maio/1954. Reproduzido em Agarwala e Singh (orgs.), 1958.).
  • 7
    De acordo com Albert Hirschman, o apelo em favor do planejamento não veio apenas da CEPAL, mas foi “fortemente apoiado por empréstimos vindos de uma inatacável fortaleza do establishment como é o Banco Mundial” (1979a, p. 84).
  • 8
    Little, por exemplo, observa: “Várias análises de custo-benefício para investimentos agrícolas e rurais foram realizadas nos anos 70, algumas poucas o foram por analistas privados e muitas outras pelo Banco Mundial e outras agências” (1982LITTLE, I. M. D. Economic Development. Nova York, Basic Books, 1982., p. 131).
  • 9
    Retirado dos Articles of Agreement of the International Bank for Reconstruction and Development.
  • 10
    Retirado de uma entrevista de Paul Rosenstein-Rodan, Oral history project of Columbia University. Citado em Mason e Asher (1973MASON, E. & ASHER, R. The World Bank since Bretton Woods. Washington, The Brookings Institution, 1973., p. 468).
  • 11
    Um estudo contendo a crítica à estratégia de substituição de importações foi apoiado pelo Banco no começo dos anos 70 (Balassa et al., 1971BALASSA, B. et al. The Structure of Protection in Developing Countries. Baltimore, The Johns Hopkins University Press, 1971.). Esse estudo foi precedido pelo de Harry Johnson (1967JOHNSON, H. G. Economic Policies Toward the Less Developed Countries, Washington, The Brookings Institution, 1967.), patrocinado pelo The Brookings Institute.
  • 12
    Essa frase Sir Arthur Lewis disse em 1982 para seus estudantes na Universidade de Princeton. Sérgio Werlang, que a escutou, foi a minha fonte.
  • 13
    Eu utilizei essa expressão, “subdesenvolvimento industrializado”, nos anos 70. Ela foi o título deum dos meus livros: A economia do subdesenvolvimento industrializado (São Paulo, Brasiliense, 1977).
  • 14
    Em 1987, um mês após eu ter assumido o Ministério da Fazenda, Armeane Choksi foi designado no Banco Mundial como diretor para o Brasil. Eu já estava trabalhando em um programa de liberalização comercial, com Yoshiaki Nakano e José Tavares de Araújo Jr. Iríamos desenvolver uma íntima cooperação, além de nos termos tomado bons amigos.
  • 15
    V., por exemplo, Krueger (1985KRUEGER, A. “The political economy of the rent-seeking society”. American Economic Review 64(3), junho/1974.). Obviamente, Krueger não diz que os tigres asiáticos seguem uma política neoliberal, mas insistentemente sublinha que economias orientadas à exportação são inconciliáveis com intervenção estatal. Em nenhum momento ela reconhece que a intervenção estatal é bastante forte nesses países.
  • 16
    Com relação ao decisivo papel da retórica na ciência econômica, v. McCloskey (1983McCLOSKEY, D. N. “The rethoric of economics”. Journal of Economic Literature 21(2), junho/1983.) e Arida (1984ARIDA, P. “A história do pensamento econômico como teoria e retórica”. In José Márcio Rego (org.). Revisão da crise: metodologia e retórica na história do pensamento econômico. São Paulo, Bienal, 1991. Paper originalmente veiculado como working paper em 1983 e revisado em 1984.). Como uma “economia positiva” não é uma possibilidade realista, o critério básico para a validação de uma proposição é khuniano: é sua aceitação pela comunidade científica de economistas. Nesse processo, o papel da retórica, ou da arte da persuasão, toma-se fundamental.
  • 17
    A princípio, após ter participado de um simpósio em Tóquio onde a maioria dos economistas era oriental, eu concluí que sua insistência em denominar suas economias market-oriented era uma forma de dissimulação (v. Bresser-Pereira, 1990aBRESSER-PEREIRA, L. C. “A pragmatic approach to state intervention”. Revista de la CEPAL nº 41, agosto/1990a.). Mais tarde, quando fiz a distinção conceitual entre market-orientation e market-coordination (Bresser-Pereira, 1993aBRESSER-PEREIRA, L. & OLIVEIRA, G. de. “Conditionality and net transference games between World Bank and LDCs”. Paper apresentado ao Grupo dos 24, Organização das Nações Unida - ONU, fevereiro/1993.), concluí que eles eram mais que politicamente espertos. Na verdade, suas economias são market-oriented , mas isso significa apenas que eles são fortemente competitivos. Em termos de coordenação, eles não são puros, o Estado complementa o mercado na alocação de recursos.
  • 18
    V., particularmente, o estudo de Bela Balassa (1981BALASSA, B. The Newly Industrializing Countries in the World Economy. Nova York, Pergamon Press, 1981.) promovido pelo Banco Mundial.
  • 19
    Eu discuti esse problema, mostrando que a crise da dívida não foi efetivamente solucionada pelo Plano Brady, em “The vanishing motivation to solve the debt crisis” (1992WORLD BANK. The Third Report on Adjustment Lending: Private and Public Resources for Growth. Washington, The World Bank, Report for Executive Directors’ Meeting, março/1992.).
  • 20
    Eu fiz uma cuidadosa análise dos World Development Reports desde 1980. Como é normal nesse tipo de literatura, eles adotam um estilo burocrático. Eu não fui capaz de encontrar qualquer mensagem abertamente neoliberal. Entretanto, a influência neoliberal é perceptível. Essa tendência foi revertida no World Development Report 1991: the Challenge of Development, que já revela uma autocrítica dentro do Banco, a qual irei discutir mais tarde.
  • 21
    Fernando Dall’Acqua, um dos meus mais próximos companheiros no Ministério da Fazenda e um firme defensor da liberalização comercial, observou recentemente, em um paper sobre liberalização comercial agrícola, que nos países desenvolvidos os respectivos custos transitórios são compensados pelos governos com generosos subsídios, enquanto “a maioria dos países em desenvolvimento é incapaz de suportar os custos fiscais envolvidos na prevenção (in preventing) das ramificações políticas e econômicas da liberalização comercial. Em meio a uma profunda crise fiscal, eles simplesmente não podem sustentar esse tipo de custo de transição, a menos que sejam incluídos explicitamente como um componente especial da policy-based ending do Banco Mundial” (1991DALL’ACQUA, F. L’ajustement macro-économique et libéralisation des echanges agricoles: un défi por l’ Amérique Latine. In Chominot, A. (orgs.), L ‘agriculteur, le marché et l ‘Etat. Paris, Economica, 1991., p. 364).
  • 22
    Escrevendo nesse momento, Cheryl Payer nota: “A crise de relacionamento é evidente: a ascensão de Ronald Reagan à Presidência significa que, pela primeira vez em sua história, o apoio do Poder Executivo dos Estados Unidos à contínua expansão do Banco Mundial está sendo questionado” (1982PAYER, C. The World Bank: A Critical Analysis. Nova York, Monthly Review Press, 1982., p. 44). Robert Gilpin é ainda mais claro: “Alguns conservadores nos países desenvolvidos veem o Banco Mundial e o FMI [sic] como provedores do socialismo e doadores de riqueza a países dissolutos, que vivem além de seus próprios meios. Essa era certamente a visão do governo Reagan até que ele compreendesse que necessitava do FMI para salvar o sistema bancário americano, então atingido pela crise da dívida” (1987GILPIN, R. The Political Economy of International Relations. Princeton. Princeton University Press, 1987., p. 313). Logo depois, o governo Reagan percebeu que o Banco Mundial, embora menos confiável, poderia desempenhar um papel similar.
  • 23
    The Economist , em um longo levantamento sobre o Banco (27/9/86, p. 4), escreveu: “Os anos 80 têm sido um capítulo infeliz para a história do Banco Mundial. O Banco fracassou em antecipar a crise da dívida que eclodiu em 1982. Quatro anos depois, ele ainda está tentando encontrar a sua resposta à crise”.
  • 24
    A teoria da nova dependência, cuja obra básica é o livro de Cardoso e Falletto (1969CARDOSO, F. H. e FALETTO, E. Dependency and Development in Latin America. Berkeley, University of Califomia Press, 1979. Primeira edição em espanhol, 1969.), deve ser claramente diferenciada da “velha teoria da dependência” ou da “teoria imperialista” do desenvolvimento, baseada em Lenin. V. Cardoso (1977CARDOSO, F. H. “The consumption of the dependency theory in the United States”. Latin American Research Review 10(3), outono/1977.) e Bresser-Pereira (1982BRESSER-PEREIRA, L. C. “Six interpretations on the Brazilian social formation”. Latin American Perspectives 11(1), inverno/1984. Originalmente publicado em português em 1982.).
  • 25
    O objetivo básico dos empréstimos para os ajustes estruturais, propostos pelo Banco em seu Encontro Anual de 1979, era: “Apoiar um programa de mudanças específicas de política econômica e reformas institucionais elaborado para reduzir o déficit de conta corrente a níveis sustentáveis” (Stern, 1983STERN, E. World Bank financing of structural adjustment”. In John Williamson (orgs.) 1983., p. 89). Isso deveria ser feito através da utilização mais eficiente de recursos em setores-chave. De acordo com Ernest Stern, “as medidas recaem principalmente sobre quatro áreas: (1) a reestruturação dos incentivos, o que cobre as políticas de preço, reformas tarifárias, tributação, subsídios orçamentários, e política com relação à taxa de juros; (2) a revisão das prioridades dos investimentos públicos à luz da nova estrutura de preços internacionais e das disponibilidades de recursos; (3) melhoria da administração do orçamento e da dívida pública; e [sic] fortalecimento das instituições, particularmente das empresas públicas” (1983KENEN, P. “A bail-out for the banks”. New York Times, 6/3/83., p. 93).
  • 26
    A tremenda importância dada ao ajustamento macroeconômico pode ser ilustrada por um fato anedótico, mas significativo: em 1991, o vice-presidente para a América Latina visitou o Brasil e convidou um grupo de economistas para jantar. Por quase três horas, os problemas macroeconômicos de curto prazo da economia brasileira foram discutidos. Em nenhum momento o vice-presidente demonstrou interesse por problemas relacionados ao desenvolvimento de longo prazo. Ele estava interessado apenas na disciplina fiscal, e em uma política monetária restritiva, cuja ausência ou deficiência ele assumia ser a causa principal da alta inflação brasileira. Esse fato não apenas ilustra a predominância dos problemas macroeconômicos no Banco, mas também o tipo de teoria macroeconômica dominante. No ano anterior, o Plano Collor tinha acabado de fracassar após um imenso ajuste fiscal (foi obtido um superávit de 4% do PIB naquele ano) e uma tentativa de impor à economia uma política monetária completamente ortodoxa. Essa política fracassou não em função de um populismo econômico, mas porque a oferta monetária é endógena quando a inflação é inercial, como é o caso brasileiro (v. Bresser-Pereira, 1994BRESSER-PEREIRA, L. C. Economic Crisis and the State in Brazil. Boulder, CO, Lynne Rienner Publishers, 1994. No prelo.).
  • 27
    The Economist, em uma segunda pesquisa sobre o Banco e o FMI (12/10/91, p. 4), observou: “Seus papéis [do Banco e do FMI] na economia mundial permanecem tão fundamentais atualmente quanto pretendiam os arquitetos de Bretton Woods. Isso ocorre parcialmente porque eles provaram ser extremamente adaptáveis - e parcialmente também porque, sem dúvida, as burocracias internacionais são ainda mais difíceis de ser eliminadas do que instituídas”.
  • 28
    O altamente esperado aumento de capital de 1988 dobrou o capital do Banco, mas sua efetiva capacidade de empréstimo permanece limitada, como demonstra o crescimento real dos empréstimos nos últimos anos. É verdade que o baixo crescimento dos empréstimos é também resultado do comportamento da demanda: os empréstimos do Banco não são de fato suficientemente competitivos.
  • 29
    Entretanto, essa mudança não deve ser superestimada. Durante os anos 80, por volta de 75% do total dos empréstimos concedidos continuaram sendo destinados ao financiamento de projetos.
  • 30
    V. Gustav Ranis (1981RANIS, G. “Challenges and opportunities posed by Asia’s super exporters: implications for manufactured exports from Latin America”. The Quarterly Review of Economics and Business, Summer/1981. Republicado em J. Dietz & J. Street (orgs.), Latin America‘s Economic Development. Boulder, Lynne Rienner Publishers, 1987.). Esse raciocínio levou Paul Mosley a sustentar que a conveniência dos programas de ajustamento estrutural depende do estágio de desenvolvimento de cada país. Países de renda média já alcançaram o estágio de desenvolvimento em que faz sentido a transição de estratégias orientadas ao mercado interno para estratégias orientadas à exportação. Mas isso não é verdade para países em uma fase menos adiantada de desenvolvimento, como é o caso da maior parte dos países africanos.
  • 31
    Na mesma linha, o Group of Twenty-Four Report (1990GROUP OF TWENTY-FOUR. “The role of the Fund and the World Bank in the context of the debt strategy”. Washington, Report to the Ministers by the G-24 Deputies, agosto/1990., p. 11) afirma: “Dado que a realidade se constitui daquelas chamadas ‘considerações não econômicas’ que normalmente têm consequências econômicas, o Fundo (e o Banco) colocaria em risco o sucesso dos programas de ajustamento ao ignorá-los”.
  • 32
    Paul Mosley, analisando os empréstimos estruturais condicionados, conclui que os dois casos de maior sucesso entre 1980 e 1986 foram os da Jamaica e da Turquia, e observa: “Como são radicais, esses programas dificilmente podem ser considerados como bem-sucedidos com relação às condicionalidades, pois ambos os governos insistiram em que eles iriam implementá-los mesmo sem a pressão do Banco Mundial e do Fundo” (1987MOSLEY, P. (1987) “Conditionality as bargaining process: structural-adjustment lending”. Princeton, Princeton University Press, essays in International Finance nº 168, outubro/1987., p. 33).
  • 33
    Fazer uma distinção consistente entre “tempos normais” e “tempos anormais” não é fácil. Entretanto, creio que é possível oferecer uma definição de tempos anormais: eles ocorrem quando uma aguda crise fiscal prevalece sobre a economia, o crédito do Estado desaparece ou é reduzido dramaticamente, e o país enfrenta uma hiperinflação ou está prestes a isso. A maior parte dos países da América Latina nos anos 80 e da Europa Oriental no começo dos anos 90 estava nessa situação.
  • 34
    Para um survey sobre esse assunto, v. Grossman (1990GROSSMAN, G. M. “Promoting new industrial activities: a Survey of Recent Arguments and Evidence”, OECD Economic Studies nº 14, primavera/1990.) e Bradford (1991BRADFORD Jr., COLINI. “New theories on old issues: perspectives on the prospects for restoring economic growth in Latin America in the nineties”. In Emmerij L., & Iglesias E., (orgs.). Restoring Financial Flows to Latin America. Paris e Washington, Development Centre of the OECD and Interamerican Development Bank, 1991.).
  • 35
    A vitória do presidente Clinton nas eleições presidenciais de 1992 dos Estados Unidos é uma importante sinalização nessa direção.
  • 36
    Efetivamente, a contribuição do acordo da dívida ao relativamente bom desempenho da economia mexicana é provavelmente pequena. Muito mais importantes foram o ajuste fiscal, a estabilização alcançada em dezembro de 1987 através de um choque heterodoxo, as reformas estruturais, especialmente a liberalização industrial, e as perspectivas de ser aceito na North American Free Trade Association. Essa estratégia de construção da confiabilidade, mais o grande diferencial entre as taxas de juros mexicanas e as taxas de juros internacionais, trouxe elevados investimentos externos ao México, promovendo algum crescimento interno apesar da negociação insatisfatória da dívida externa e da persistência- embora atenuada- de uma crise fiscal (v. Bresser-Pereira, 1993aBRESSER-PEREIRA, L. C. “Economic reforms and economic growth: efficiency and politics in Latin America”. In Bresser-Pereira, Maravall & Przeworski. Economic Reforms in new Democracies. Cambridge, Cambridge University Press, 1993a.).
  • 37
    Entretanto, essas mudanças não convenceram três eminentes economistas argentinos, que escreveram uma longa análise crítica sobre o World Bank Development Report 1991, em que criticam o Banco por ter atribuído a queda da taxa de crescimento das economias mundiais entre 1960-73 e 1973-87 ao baixo crescimento da produtividade total dos fatores de produção (que seria derivado principalmente das melhorias educacionais e tecnológicas), relegando a um segundo plano a acumulação de capital. E acrescentam: “Na Tabela 2.2 pode-se facilmente observar que enquanto não há nenhuma alteração importante na taxa de crescimento do capital depois de 1973 para a amostra como um todo, o mesmo não é verdade para um nível menor de agregação. Houve um declínio de 1,8 pontos porcentuais entre os dois períodos na América Latina, e de 0,8 para o Sudeste Asiático. Consequentemente, a constância da taxa global de crescimento médio do estoque de capital depende do Leste Asiático e da Europa, que, se considerados, realmente fazem a diferença. Mas os países de maior renda da amostra estão localizados nessas regiões: os resultados seriam os mesmos caso eles tivessem sido desconsiderados? Os choques externos (digamos, a crise da dívida) não teriam nenhum papel na explicação das diferenças das taxas de acumulação de capital entre as regiões?” (Fanelli, Frenkel e Taylor, 1992FANELLI, J., FRENKEL, J. & TAYLOR, L. “The World Development Report 1991: a critical assessment”. Buenos Aires, Documento Cedes nº 78. Documento preparado para o Grupo dos 24, Organização das Nações Unidas - ONU, 1992., p. 4).
  • 38
    O primeiro volume desse estudo foi publicado em 1993. É um relatório apócrifo: World Bank: the East Asian miracle.
  • 39
    Em outubro de 1091 circulou no Banco um documento editado por uma organização governamental japonesa, The Overseas Economic Cooperation Fund , “Issues related to the World Bank’s approach to structural adjustment - proposal from a major partnerOVERSEAS ECONOMIC COOPERATION FUND. “Issues related to the World Bank’s approach to structural adjustment - proposal from a major partner”. Washington, The Overseas Economic Cooperation Fund, OECD Occasional Paper nº 1, outubro, 1991.“, no qual um sólido e insistente argumento foi construído sobre os limites dos mecanismos de mercado. Por exemplo: “É impossível obter uma alocação ótima de recursos somente através dos princípios do mercado, negligenciando-se o nível de desenvolvimento. Existem muitos setores que não podem ser conduzidos pelos mecanismos de mercado (Market failure), e a intervenção governamental é necessária para lidar com essas situações” (p. 11).
  • 40
    JEL Classification: O10; F34.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 1995
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