Resumos
Este estudo objetivou compreender os principais conflitos vivenciados pelos enfermeiros-líderes no ambiente hospitalar, bem como as estratégias adotadas para seu enfrentamento. A pesquisa retrata uma abordagem qualitativa do tipo descritiva, na qual foi usado o estudo de caso como estratégia de investigação. Participaram do estudo 25 enfermeiros que trabalhavam em três hospitais da cidade de Florianópolis, Santa Catarina. As informações foram obtidas de maio a dezembro de 2010, por meio de entrevistas semiestruturadas, observação não participante e oficinas dialógicas. Os dados foram analisados conforme a Análise Temática. Os resultados apontaram o predomínio de conflitos de origem interpessoal envolvendo a equipe multiprofissional e também entre o enfermeiro e a equipe de enfermagem. A adoção de uma liderança participativa, baseada no diálogo, surge como estratégia para o enfrentamento dos conflitos no ambiente hospitalar.
Enfermagem; Liderança; Relações interpessoais
This study aimed to understand the main conflicts experienced by nurses-leaders in the hospital environment, as well as the strategies adopted to face them. The study reflects a qualitative descriptive type approach, which was used in the case study as research strategy. The study included 25 nurses who worked in three hospitals in the city of Florianopolis, Santa Catarina. Information where obtained in the months of May to December of 2010 through semi-structured interviews, non-participant observation and dialogical workshops. Data were analyzed using the Thematic Analysis. The results demonstrated the predominant of interpersonal conflicts involving the multidisciplinary team, nurses and the nursing staff. Adopting a participatory leadership, based on dialogue emerges as a strategy for coping with conflicts in the hospital environment.
Nursing; Leadership; Interpersonal relations
Este estudio tuvo como objetivo comprender los principales conflictos vividos por los enfermeros-líderes en el hospital, así como las estrategias adoptadas para su enfrentamiento. La investigación retrata un abordaje cualitativo, de tipo descriptivo, en la cual se utilizó el estudio de caso como estrategia de investigación. Participaron del estudio 25 enfermeros que trabajaban en tres hospitales de la ciudad de Florianópolis, Santa Catarina. La recogida de datos fue de mayo a diciembre de 2010, por medio de entrevistas semiestructuradas, observación no participante y talleres dialógicos. Los datos fueron analizados conforme Análisis Temático. Los resultados señalaban el predominio de conflictos de origen interpersonal involucrando al equipo multiprofesional y también entre el enfermero y el personal de enfermería. La adopción de un liderazgo participativo, basada en el diálogo surge como estrategia para el enfrentamiento de los conflictos en el ambiente del hospital.
Enfermería; Liderazgo; Relaciones interpersonales
INTRODUÇÃO
A educação em enfermagem no país vem enfrentando transformações, ao longo dos anos, a fim de atender as demandas geradas a partir da complexidade do cuidado, dos modelos assistenciais, dos avanços tecnológicos e de modificações no perfil demográfico e epidemiológico da população, repercutindo em mudanças na formação acadêmica( 1 ).
Convém relembrar que no ano de 2001 foram estabelecidas as novas Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Enfermagem, tornando-se imprescindível que o acadêmico de enfermagem desenvolva as seguintes competências: atuar na atenção à saúde, tomada de decisões, comunicação, administração e gerenciamento, educação permanente e liderança( 2 ).
No contexto atual, o exercício da liderança representa uma realidade que permeia as ações do enfermeiro, em virtude da frequente ocupação de cargos de chefia nos serviços de saúde( 3 ). O domínio de competências gerenciais contribui para atuação deste profissional nestes novos espaços, por meio da aplicação de seus conhecimentos administrativos, técnicos e relacionais( 4 ). Isto se deve também a mudanças no modelo assistencial que busca distanciar-se do paradigma médico hegemônico e de relações de poder verticalizadas, abrindo espaço para novas formas de fazer saúde e para o fortalecimento e credibilidade nas ações do enfermeiro.
Complementa-se que no ambiente hospitalar, os enfermeiros, enquanto gerentes, necessitam estar preparados para assumir o papel de líder, representando uma condição básica para alcançar transformações no trabalho, conciliando as metas das organizações com as prioridades da equipe de enfermagem( 5 ). Neste sentido, compreende-se a liderança como a habilidade do enfermeiro-líder de influenciar sua equipe, visando alcançar objetivos compartilhados pelo grupo, tendo como finalidade central o atendimento das necessidades de saúde dos pacientes e suas famílias.
Todavia, em algumas situações, a pessoa influenciada acaba por não reconhecer o poder exercido pelo agente influenciador ou se opõe a ele, passando a agir de modo contrário ao esperado pelo agente, gerando tensões e conflitos no ambiente de trabalho( 6 ). Por esse motivo, o enfermeiro enquanto líder precisa desenvolver algumas habilidades que incluem a capacidade de ver o todo, incentivar pensamento criativo de sua equipe, tomar decisões sensatas, sintetizar pontos de vista, identificar e resolver conflitos( 7 ).
Diante da multiplicidade de atividades atribuídas ao enfermeiro, buscando realizar o gerenciamento do cuidado e da equipe, surge a necessidade de gerenciar conflitos, prática inerente do processo de trabalho do enfermeiro. Esta competência também se faz necessária, ao analisar o trabalho da enfermagem no campo da saúde, que é desenvolvido, majoritariamente, como um trabalho coletivo( 8 ), com necessárias aproximações com demais núcleos profissionais. Frente a esta perspectiva, torna-se relevante investigar as relações conflituosas, pois as mesmas, por vezes emergem do distanciamento entre as ações e o discurso do enfermeiro e da equipe multiprofissional.
O conflito pode ser considerado como a quebra da ordem, uma experiência negativa, gerada por erro ou falha. Sendo assim, o gerenciamento de conflitos consiste na forma de administração destes problemas, podendo ser contornados por meio de quatro estratégias: acomodação, que consiste no encobrimento dos problemas; a dominação quando a parte mais forte impõe sua solução preferida; a barganha, na qual cada parte cede um pouco e a solução integrativa dos conflitos que tem por finalidade satisfazer as exigências de ambas as partes, por meio da busca de soluções alternativas( 9 ).
Neste sentido, torna-se relevante na enfermagem a construção de novas maneiras de gerenciar que abranjam o conhecimento das políticas de saúde e sua operacionalização, além do aprimoramento de competências e habilidades de liderança, capazes de contribuir para práticas mais dialógicas e interacionais, nas quais os conflitos não podem ser omitidos( 10 ).
Frente ao exposto, emerge a questão que norteou esta pesquisa: quais os principais conflitos vivenciados pelos enfermeiros-líderes no ambiente hospitalar, bem como as estratégias adotadas para seu enfrentamento? A partir desta, objetivou-se compreender os principais conflitos vivenciados pelos enfermeiros-líderes no ambiente hospitalar, bem como as estratégias adotadas para seu enfrentamento.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo qualitativo, no qual foi utilizado o estudo de caso como estratégia de investigação, por ser um método aplicado em situações que desejam estudar um fenômeno singular que possua valor em si mesmo( 11 ). Optou-se por ser um estudo de caso múltiplo, a fim de revelar a multiplicidade de dimensões presentes no objeto de estudo, focalizando-o em sua totalidade. Esse tipo de abordagem enfatiza a complexidade natural das situações, evidenciando a inter-relação dos seus componentes( 11 ).
Compuseram o estudo 25 enfermeiros que trabalhavam em três hospitais de grande destaque em assistência à saúde na cidade de Florianópolis, Santa Catarina. O número de participantes ocorreu por inclusão progressiva, até alcançar o critério de saturação dos dados. Adotaram-se como critérios de inclusão dos sujeitos: ser enfermeiro; possuir até no máximo seis anos de formação, sendo formados a partir das Novas Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Enfermagem e estar em contato com a equipe de trabalho. Foram excluídos os enfermeiros que excederam este tempo de formação; afastados por qualquer motivo (férias, licença maternidade ou doença) e enfermeiros que exerciam atividades sem contato com a equipe de trabalho.
Utilizou-se entrevistas semi-estruturadas, observação não-participante e oficinas dialógicas como técnicas para coleta dos dados. As entrevistas foram realizadas no ambiente de trabalho dos sujeitos, de forma individual, com data e hora pré-estabelecida, conforme contato prévio. As mesmas foram gravadas e transcritas logo após seu término. Os depoimentos de cada participante foram identificados pelas letras E de entrevista e o número ordinal correspondente a sua realização com os enfermeiros (E1, E2... E25).
A observação não-participante foi a segunda técnica de coleta dos dados utilizada. Observou-se em média quatro horas a rotina de trabalho de cada participante, totalizando 100 horas. As observações foram identificadas pela letra O de observação, seguidas do número ordinal correspondente a cada enfermeiro (O1, O2...O25).
Depois das observações foram realizadas três oficinas, uma em cada hospital, para que os participantes pudessem construir e reconstruir coletivamente seu olhar crítico sobre a temática. Informa-se que os enfermeiros participaram das oficinas realizadas no hospital em que trabalhavam. Cada oficina dialógica durou em média 1 hora e 30 minutos, sendo gravadas em áudio. Os depoimentos advindos das oficinas dialógicas foram identificados com as letras OD, mais o número ordinal representando cada enfermeiro (OD1, OD2...OD25). Uma das pesquisadoras exerceu o papel de moderadora dos encontros. As informações foram obtidas de maio a dezembro de 2010.
Com a finalidade de analisar os dados utilizou-se a Análise Temática( 12 ). Respeitaram-se os princípios éticos estabelecidos pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, com aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o Protocolo nº 658/10.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ao analisar os resultados obtidos, identificou-se que os conflitos oriundos dos relacionamentos interpessoais predominaram. Assim, em virtude de sua magnitude emergiram duas categorias: Gerenciamento de conflitos interpessoais e Estratégias para o enfrentamento de conflitos interpessoais.
Gerenciamento de conflitos interpessoais
Os problemas nas relações interpessoais se caracterizaram como a situação que mais dificultou o desempenho da liderança do enfermeiro no âmbito hospitalar. Conforme exposto nos depoimentos abaixo:
A minha maior dificuldade é lidar com o conflito, ver os funcionários brigando uns com os outros, não se falando ou não colaborando, e aí tu tens que chamar a atenção daquele funcionário, isso pra mim é o pior (E15).
[...]fica complicado quando não está legal o relacionamento. Eu sempre falo pra eles que aqui a gente não é obrigada a amar ninguém, mas temos que nos respeitar (E21).
Um dos plantões é mais complicado porque são pessoas com personalidade forte, que não aceitam opiniões e críticas. Então, eu passo um pouquinho de trabalho (E25).
[...] é complicado, pois tu não vai agradar a todos, vai ter sempre um que vai estar descontente (OD2).
Os conflitos interpessoais são aqueles que possuem caráter relacional, podendo ocorrer entre as pessoas, entre um grupo e uma pessoa, entre uma organização e um grupo, e assim por diante( 9 ). Além disso, o relacionamento interpessoal é considerado um potencial estressor, pois este envolve diversas variáveis individuais e grupais, tornando-se inviável encontrar uma medida capaz de contentar a todos( 6 ).
Diante da complexidade do trabalho em saúde, os conflitos surgem também entre as diversas categorias profissionais. Comumente, no ambiente hospitalar vivenciam-se desentendimentos entre enfermeiros e médicos. Os conflitos interpessoais entre estes profissionais costumam interferir no andamento do trabalho em saúde e por consequência, afetam o desempenho e motivação destes trabalhadores, de certo modo implicando na qualidade da assistência aos usuários. As afirmações dos sujeitos ilustram esses conflitos:
O Enfermeiro perde muito tempo arrumando os prontuários e pedidos de exames e, muitas vezes, referiu que se sente secretário dos médicos, pois esses profissionais pedem tudo para ele, em termos de papéis (O6).
Eu atendi uma intercorrência de um paciente com traqueostomia [...] o médico estava bem exaltado e começou a gritar e brigar com todo mundo. É bem complicado trabalhar com pessoas, às vezes, dá vontade de sair correndo (E7).
[...] aqui tem bastante disso assim, os médicos aqui gostam de pisar, se deixar eles pisam na gente sabe, eles querem mandar e gritar (E16).
O conflito instituído entre médico e enfermeiro pode ser um dos principais problemas nos serviços de saúde. A partir desse conflito, surgem problemas éticos que acabam afetando de modo negativo a relação, acarretando prejuízos no cuidado prestado ao paciente. Sendo assim é necessário destinar esforços para que esses problemas sejam evitados ou amenizados( 13 ). Observou-se que a organização do trabalho dos profissionais da saúde no ambiente hospitalar é permeada pela maior valorização e o domínio da classe médica e por isso, muitas vezes, o enfermeiro é levado a solucionar problemas que não são de sua alçada.
Quanto à história da organização das profissões de saúde, tem-se um processo de institucionalização centrado na medicina como detentora legal do saber. Mesmo com a relativização do controle médico sobre as demais profissões, os médicos ainda continuam preservando o poder legal sobre o ato assistencial em saúde. Convém enfatizar que parte dos conflitos que ocorrem nas organizações é oriundo de uma distribuição desigual do poder, exigindo dos gestores uma capacidade maior de compreensão e negociação, a fim de solucioná-los( 14 ). No entanto, a relação entre médico-enfermeiro pode gerar conflitos, os quais são, muitas vezes, velados e apresentados como uma discreta disputa de poder, em que ambos desejam confirmar o seu papel principal no tratamento dos pacientes, ou seja, o que prescreve ou o que administra os medicamentos( 15 ).
Um estudo revelou que na área de enfermagem, quando um trabalhador presencia um médico agindo fora da rotina, procede conforme o seu lugar na hierarquia. Deste modo, uma técnica de enfermagem, geralmente, irá suportar que o médico atue da forma que lhe convir, porém, posteriormente, irá informar a situação vivenciada para sua supervisora. Frequentemente, a enfermeira ao presenciar o problema, tomará uma atitude, caso o médico mantenha a conduta anterior, esta profissional tende a levar o problema a instâncias superiores( 14 ). Esse resultado é visto como um avanço já que, por vezes, o enfermeiro adota uma postura de conformismo frente às rotinas e contradições das atividades hospitalares, consequência, de relações de mando e poder( 15 ).
Os conflitos envolvendo a equipe multiprofissional, principalmente o médico representam um desafio para o enfermeiro. Assim, a causa destes conflitos deve ser desvelada, a fim de buscar soluções e estratégias para seu enfrentamento, pois ambientes onde os conflitos não são enfrentados interferem no rendimento, na motivação profissional, afetando a qualidade da assistência.
A falta de compromisso dos membros da equipe com algumas atividades, que acaba acarretando prejuízos à continuidade do cuidado e desconfortos entre os trabalhadores, também foi vivenciado pelos sujeitos do estudo. O trecho de observação representa este tipo de conflito:
Quando terminou a passagem do plantão o Enfermeiro tomou conhecimento que um paciente não havia sido preparado para cirurgia. O Enfermeiro chamou uma funcionária e lhe contou o fato, ela ficou revoltada com a situação e disse que a obrigação de ter dado o banho era do pessoal do plantão da noite. Após expor sua opinião, a técnica de enfermagem foi auxiliar o paciente no banho (O6).
Os conflitos entre os profissionais da equipe de enfermagem são marcantes para grande parte dos enfermeiros. Sobram evidências de que esses profissionais se dividem entre o legalismo e as necessidades primordiais, a emoção e a aplicabilidade das normas, os dilemas éticos e a permanência em sua função( 10 ). Complementa-se que estes conflitos podem ser expressos claramente, representados pelo aumento das críticas, implicâncias ou discussões entre os membros da equipe. Por outro lado, quando não abertamente demonstrado, o conflito pode causar desmotivação e insatisfação da equipe, repercutindo na qualidade do trabalho( 16 ), bem como em sofrimento para o trabalhador.
A dificuldade do trabalhador em dar continuidade às ações da equipe que o precedeu também emergiu no estudo como problema no ambiente hospitalar. Deixar alguma atividade para outro horário, tornando-se frequente, é visto como falta de comprometimento e responsabilidade, negligenciando o bom andamento das atividades de enfermagem, e por consequência, o cuidado prestado. Problema enfrentado pelo enfermeiro-líder.
Um conflito implica a desorganização de todos os integrantes da equipe, além disso, repercute no aumento do estresse, devido à falta de participação na tomada de decisão, falta de apoio da gerência, sobrecarga de trabalho e rápidas mudanças de cunho tecnológico. Ainda, outros fatores colaboram para o desencadeamento de conflitos, dentre eles: alta rotatividade dos profissionais, desrespeito ao trabalhador, déficit de confiança e desvalorização profissional( 16 ). A rotatividade é ilustrada nos depoimentos a seguir:
A rotatividade atrapalha, porque na verdade você não consegue criar vínculo. Eu acho que atrapalha muito, estruturalmente, então isso pra gente é negativo (E11).
A gente percebe muita rotatividade no nível técnico, a pessoa fica uma semana, duas, três e algumas não agüentam, porque tem muita cobrança (E19).
É muita rotatividade, a gente vê como culpa da instituição porque muita gente sai do hospital, por estar descontente. Muita gente faz concurso, passa e vai embora (E23).
No sábado faltaram quatro, eu tive que tirar gente da cartola pra poder colocar no plantão geral [...] Eu sei que é ruim, ninguém gosta de sair da sua ala. Antes quando tinha aquele rodízio, mas tinha que ser (OD10).
A intensa rotatividade de profissionais nas unidades é compreendida como um aspecto prejudicial que interfere na qualidade do cuidado( 17 ), pois o remanejo constante de profissionais dificulta a formação de vínculos profissionais e a construção de um trabalho em equipe respaldado na união e no estabelecimento de objetivos claros e comuns.
Outro resultado relevante foi à sobrecarga de trabalho também lembrada como um fator gerador de conflitos.
[...] se os funcionários ficassem com menos pacientes a qualidade seria maior (E8).
No momento, a sobrecarga de trabalho é o grande desafio que a gente está vivendo, estamos com poucos funcionários. Está sendo bem difícil(E12).
É bem difícil trabalhar sobrecarregado, chega uma hora que tu diz: eu vou sair correndo, mas eu não posso abandonar meus pacientes e meus funcionários (E14).
[...] a fragilidade que me encontro é uma sobrecarga de trabalho muito grande, é uma rotina muito estressante é uma ala grande e complexa (E22).
A sobrecarga de trabalho, vivenciada pelos participantes do estudo, pode interferir diretamente na satisfação do trabalhador e por consequência, acaba gerando conflitos, dificultando o exercício da liderança e interferindo na qualidade do cuidado. Destaca-se ainda que a sobrecarga de trabalho costuma gerar cansaço e exaustão no profissional e pode levar a situações extremas como o descuidado ao paciente, problemática importante no gerenciamento do cuidado.
Tive um atrito com um funcionário da noite que era muito grosseiro com os pacientes. Todos os dias os pacientes vinham reclamar. Eu não cheguei ao extremo com ele, pois esse não é o meu perfil, mas eu fui pra chefia e acabaram tirando ele do setor (E5).
[...] acontece de um funcionário maltratar um paciente, às vezes, a pessoa tem dois ou três empregos e vem pra cá ainda, ela não consegue administrar isso e acaba descontando em alguém, por exemplo, desconta no paciente (E17).
Ao presenciar esse tipo de situação, o enfermeiro não pode hesitar em tomar uma atitude ou optar por exercer uma liderança liberal, ou seja, não se posicionando e esperando que a equipe resolva o problema. A partir do momento que o cuidado é negligenciado e o ser humano está exposto a riscos é imprescindível que o enfermeiro, enquanto responsável legal pela coordenação das ações realizadas pela equipe de enfermagem adote uma conduta repreensiva e, se necessário informe a situação a esferas superiores.
Estratégias para o enfrentamento de conflitos interpessoais
Quanto ao gerenciamento de conflitos, emergiram no estudo algumas estratégias que promovem um melhor encaminhamento para a resolução dos mesmos, dentre elas a adesão do enfermeiro ao um estilo de liderança participativo e dialógico.
[...] liderança bem participativa, bem democrática, onde eu penso que a gente em equipe tem que conseguir a melhor assistência possível para o paciente (E9).
Tento exercer essa liderança de uma forma participativa. Eu deixo bem aberto porque estamos aqui para trabalhar em prol do paciente (E13).
[...] eu procuro ouvir os outros para juntos poder chegar a uma conclusão do que é melhor fazer. Então, a minha liderança é bem participativa (E20).
[...] tudo é conversar, não chegar impondo uma situação sem saber o que a equipe pensa, tem que ter participação e consenso entre todos (E24).
O estilo de liderança consiste no comportamento adotado pelo líder, a fim de influenciar os seus colaboradores, o qual pode ser autoritário, baseado no uso do poder ou democrático, no qual as pessoas têm maior liberdade para participar na tomada de decisões. Identifica-se na literatura, que o estilo democrático aproxima-se de uma liderança autêntica, a qual envolve todos os membros da equipe não somente no processo decisório, mas na elaboração e planejamento de estratégias de atuação e resolução de problemas. Vislumbra-se a liderança autêntica, centrada na comunicação, como um instrumento para o alcance de melhores resultados em saúde( 18 ).
A participação surge como um instrumento que colabora para a cooperação e a solução de conflitos. Ao admitir que o conflito possui sua origem em fatores organizacionais e individuais, acredita-se que utilizar métodos participativos torna-se uma forma eficaz de solução, acomodações ou equilíbrio entre as pessoas e os grupos divergentes( 14 ).
Autores mencionam a escuta, o respeito e o diálogo como estratégias de enfrentamento de conflitos, ou seja, como mola propulsora de saída de uma situação problemática para uma possibilidade de resolução( 15 ). O diálogo foi lembrado pelos participantes:
[...] eu converso bastante com elas, eu nunca precisei tomar uma conduta assim mais ríspida sempre consegui resolver tudo na conversa (E1).
Eu tento conversar muito com o pessoal, eu não gosto de impor nada, até porque eu não aceito que imponham alguma coisa pra mim (E3).
Eu gosto de sempre ser mais democrática, estar conversando, dialogando. Eu não venho com uma mentalidade fechada, não tem que ser assim por que eu acho (E4).
[...] sempre me coloquei a disposição para conversar e para discutir os assuntos com toda a equipe, para que se sintam a vontade e tragam os problemas para eu poder ajudar a resolver (E18).
Para haver participação é preciso o florescimento de relações interpessoais dialógicas no ambiente de trabalho. Destaca-se uma nova proposta de liderar, denominada liderança dialógica, que se fundamenta no estabelecimento de um processo comunicacional horizontal, com o intuito de potencializar a autonomia, a co-responsabilização e a valorização dos integrantes da equipe de trabalho e dos usuários dos serviços de saúde, além de auxiliar na tomada de decisões, no planejamento e na implementação das práticas de cuidado( 19 - 20 ).
Por meio da fomentação de relações pautadas no diálogo, acredita-se que o enfermeiro poderá gerenciar de forma mais coerente os conflitos emergidos no ambiente de trabalho. Diálogo este, que se difere de conversas vazias, pois valoriza conhecimentos prévios dos sujeitos, enquanto seres históricos e sociais, que possa despertar nas pessoas sua capacidade de tornar-se um ator político, ou seja, um profissional que defenda suas convicções, que esteja disposto a agir, que tenha coerência entre suas ações e seus discursos, sendo uma referência nas unidades, bem como no serviço de saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do desenvolvimento deste estudo compreendeu-se os principais conflitos vivenciados pelos enfermeiros-líderes que exercem sua prática no ambiente hospitalar. Destacou-se, como desafios enfrentados pelos enfermeiros, os conflitos de cunho interpessoal envolvendo alguns integrantes da equipe multiprofissional, devido a relações de poder na área da saúde.
Identificou-se que os conflitos interpessoais entre o enfermeiro e a equipe de enfermagem interferem na continuidade do cuidado. Reforçou-se que a coletividade é a essência do cuidado de enfermagem, sem esta compreensão as pessoas replicam práticas individualistas, fragmentadas e alienantes. Nesse contexto, cabe ao enfermeiro evitar a reprodução destas condutas negativas, já que é de sua competência legal coordenar as atividades realizadas pela equipe de enfermagem. Além disso, estes problemas repercutem em posturas inadequadas e, até no negligenciamento do cuidado aos pacientes.
A pesquisa sinalizou para algumas estratégias que podem contribuir para o gerenciamento de conflitos, entre elas a prática da liderança dialógica. Por se tratar de um estudo de caso, os resultados não podem ser generalizados, no entanto, supõe-se que outras instituições e profissionais também enfrentam situações semelhantes. Por este motivo, defende-se a importância da apresentação destes resultados na comunidade científica e a população em geral.
Como limitação do estudo, destaca-se que durante a coleta dos dados, não foi possível reunir todos os enfermeiros em uma oficina dialógica, devido à falta de horário disponível dos participantes, já que alguns possuíam outros vínculos empregatícios e outros trabalhavam oito horas diárias, dificultando a realização dos encontros. Acredita-se que a oficina dialógica, contando com a participação de enfermeiros dos três cenários, poderia contribuir para uma discussão mais aberta e consciente sobre o gerenciamento de conflitos.
Almeja-se que esta temática seja abordada com mais profundidade pelos docentes, durante o processo de formação de novos enfermeiros-líderes, a fim de que os mesmos desenvolvam habilidades relacionais que contribuam para sua segurança e competência profissional no enfrentamento de situações conflituosas.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jun 2014
Histórico
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Recebido
27 Maio 2013 -
Aceito
17 Mar 2014