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Pessoas com úlceras venosas: estudo do modo psicossocial do modelo adaptativo de Roy

People with venous ulcers: a study of the psychosocial aspects of the adaptive model of Roy

Personas con úlceras venosas: estudio de los aspectos psicosociales del modelo de adaptación de Roy

Resumos

Estudo transversal, descritivo, quantitativo, realizado com 50 pessoas com úlcera venosa (UV) em um Hospital Universitário, que objetivou verificar o nível de adaptação psicossocial do Modelo de Roy das pessoas com UV. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da instituição. Os dados foram coletados com formulário estruturado e após a organização dos dados das alterações ocorridas na vida das pessoas com UV classificamos segundo o modo psicossocial de Roy. Verificamos que no modo autoconceito, 36% sentiam-se insatisfeitos com aparência física, 18% apresentavam sentimentos negativos; no modo desempenho de papéis: alteração no papel laboral (52,0%), atividades domésticas (34,0%), conjugal (6,0%), restrições de lazer, dor, social, escolar e locomoção (82,0%); no modo de interdependência: apoio no tratamento (82,0%), discriminação (58,0%). A identificação do modo psicossocial direciona as ações de enfermagem abrangendo a pessoa que recebe o cuidado considerando-a no todo em suas relações com ambiente promovendo melhor nível de adaptação.

Úlcera varicosa; Teoria de enfermagem; Modelos de enfermagem


A transversal descriptive quantitative study, conducted with 50 people with Venous Ulcer (VU) at an University Hospital, that aimed to ascertain the level of psychosocial adaptation of the Roy Model of people with VU. The study was approved by the Ethics Committee. The data were collected with a structured form. After organizing the data, composed of changes in the lives of people with VU, we classified it according to Roy's psychosocial aspects. We found that in the self-concept mode, 36% felt dissatisfied with physical appearance, and 18% had negative feelings; in the role-function mode: change in the working role (52.0%), housework (34.0%), marital (6.0%), leisure, pain, social, educational and transportation restrictions (82.0%); interdependence mode: support in treatment (82.0%), discrimination (58.0%). The identification of the psychosocial aspects directs nursing actions to consider the whole of the person receiving care in its relations with the environment, thus promoting a better level of adaptation.

Varicose ulcer; Nursing theory; Models, nursing


Estudio transversal, descriptivo, cuantitativo realizado con 50 personas con úlcera venosa (UV) en el Hospital Universitario que objetivó conocer nivel de adaptación psicosocial del modelo de Roy de las personas con UV. Estudio aprobado por el Comité de Ética (nº 279/09). Los datos fueron recogidos mediante formulario y después de organizar los datos de los cambios en la vida de las personas con UV, fueron clasificados de acuerdo con los aspectos psicosociales de Roy. Verificamos en el modo de auto-concepto: 36% insatisfacción con apariencia física, 18% sentimientos negativos, desempeño de papel: cambio en el papel de trabajo (52,0%), tareas domésticas (34,0%), estado civil (6,0%), restricción de ocio, dolor, sociales, educativos y transporte (82,0%); modo de interdependencia: apoyo en el tratamiento (82,0%), discriminación (58,0%). La identificación de aspectos psicosociales dirige las acciones de enfermería cubriendo estas personas que reciben atención en la totalidad de sus relaciones con el medio ambiente promoviendo mayor nivel de adaptación.

Úlcera varicosa; Teoría de enfermería; Modelos de enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Pessoas com úlceras venosas: estudo do modo psicossocial do modelo adaptativo de Roy

Personas con úlceras venosas: estudio de los aspectos psicosociales del modelo de adaptación de Roy

People with venous ulcers: a study of the psychosocial aspects of the adaptive model of Roy

Isabelle Katherinne Fernandes CostaI; Walkíria Gomes da NóbregaII; Isabel Karolyne Fernandes CostaIII; Gilson de Vasconcelos TorresIV; Ana Luiza Brandão de Carvalho LiraV; Francis Solange Vieira TourinhoVI; Bertha Cruz EndersVII

IMestre em Enfermagem, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

IIMestre em Enfermagem, Enfermeira do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) Metropolitano, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

IIIEnfermeira, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRN, Enfermeira do SAMU Metropolitano, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

IVDoutor em Enfermagem, Professor Titular do Departamento de Enfermagem da UFRN, Bolsista de Produtividade em Pesquisa PQ2 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (2009/2012), Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

VDoutora em Enfermagem, Professora Adjunta I do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFRN, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

VIDoutora em Saúde da Criança e do Adolescente, Professora do Departamento de Enfermagem da UFRN, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

VIIEnfermeira, Professora Titular do Departamento de Enfermagem da UFRN, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Isabelle Katherinne Fernandes Costa Rua do Motor, 39, Praia do Meio 59010-090, Natal, RN E-mail: isabellekfc@yahoo.com.br

RESUMO

Estudo transversal, descritivo, quantitativo, realizado com 50 pessoas com úlcera venosa (UV) em um Hospital Universitário, que objetivou verificar o nível de adaptação psicossocial do Modelo de Roy das pessoas com UV. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da instituição. Os dados foram coletados com formulário estruturado e após a organização dos dados das alterações ocorridas na vida das pessoas com UV classificamos segundo o modo psicossocial de Roy. Verificamos que no modo autoconceito, 36% sentiam-se insatisfeitos com aparência física, 18% apresentavam sentimentos negativos; no modo desempenho de papéis: alteração no papel laboral (52,0%), atividades domésticas (34,0%), conjugal (6,0%), restrições de lazer, dor, social, escolar e locomoção (82,0%); no modo de interdependência: apoio no tratamento (82,0%), discriminação (58,0%). A identificação do modo psicossocial direciona as ações de enfermagem abrangendo a pessoa que recebe o cuidado considerando-a no todo em suas relações com ambiente promovendo melhor nível de adaptação.

Descritores: Úlcera varicosa. Teoria de enfermagem. Modelos de enfermagem.

RESUMEN

Estudio transversal, descriptivo, cuantitativo realizado con 50 personas con úlcera venosa (UV) en el Hospital Universitario que objetivó conocer nivel de adaptación psicosocial del modelo de Roy de las personas con UV. Estudio aprobado por el Comité de Ética (nº 279/09). Los datos fueron recogidos mediante formulario y después de organizar los datos de los cambios en la vida de las personas con UV, fueron clasificados de acuerdo con los aspectos psicosociales de Roy. Verificamos en el modo de auto-concepto: 36% insatisfacción con apariencia física, 18% sentimientos negativos, desempeño de papel: cambio en el papel de trabajo (52,0%), tareas domésticas (34,0%), estado civil (6,0%), restricción de ocio, dolor, sociales, educativos y transporte (82,0%); modo de interdependencia: apoyo en el tratamiento (82,0%), discriminación (58,0%). La identificación de aspectos psicosociales dirige las acciones de enfermería cubriendo estas personas que reciben atención en la totalidad de sus relaciones con el medio ambiente promoviendo mayor nivel de adaptación.

Descriptores: Úlcera varicosa. Teoría de enfermería. Modelos de enfermería.

ABSTRACT

A transversal descriptive quantitative study, conducted with 50 people with Venous Ulcer (VU) at an University Hospital, that aimed to ascertain the level of psychosocial adaptation of the Roy Model of people with VU. The study was approved by the Ethics Committee. The data were collected with a structured form. After organizing the data, composed of changes in the lives of people with VU, we classified it according to Roy's psychosocial aspects. We found that in the self-concept mode, 36% felt dissatisfied with physical appearance, and 18% had negative feelings; in the role-function mode: change in the working role (52.0%), housework (34.0%), marital (6.0%), leisure, pain, social, educational and transportation restrictions (82.0%); interdependence mode: support in treatment (82.0%), discrimination (58.0%). The identification of the psychosocial aspects directs nursing actions to consider the whole of the person receiving care in its relations with the environment, thus promoting a better level of adaptation.

Descriptors: Varicose ulcer. Nursing theory. Models, nursing.

INTRODUÇÃO

Os avanços tecnológicos e científicos na área da saúde, bem como o processo de transição demográfico-epidemiológica possibilitaram, sem dúvida, o aumento da expectativa de vida da população brasileira nestes últimos anos. No entanto, em pleno século XXI, ainda são inúmeros e relevantes os problemas que continuam a afetar a saúde das pessoas no mundo e no Brasil. Essas repercussões do desenvolvimento científico e tecnológico nas condições de vida da população vêm preocupando os cientistas, não somente com a efetividade das intervenções terapêuticas, mas também com as melhorias obtidas na Qualidade de Vida (QV) dos pacientes, principalmente dos que apresentam as doenças degenerativas e não degenerativas(1).

O impacto na mortalidade, morbidade e altos custos, as doenças crônicas não-transmissíveis vêm se tornando prioridade na maioria dos países. No Brasil, ainda hoje são pouco conhecidos a incidência dessa parcela de doenças e os fatores de risco associados, apesar das estatísticas oficiais de mortalidade, dos dados de vigilância epidemiológica de doenças crônicas e dos estudos que determinam a frequência de fatores de risco para essas doença(2). Sendo assim, de extrema importância as informações sobre a incidência das doenças crônicas para o desenvolvimento de programas preventivos e a formulação de políticas públicas que reduzam o impacto dessas doenças no País(2).

A Insuficiência Venosa Crônica (IVC) é uma das enfermidades crônicas que afeta o homem, estando relacionada à presença de hipertensão venosa prolongada que se desenvolve quando a pressão venosa está aumentada e o retorno do sangue é diminuído através de vários mecanismos, podendo ser resultado da incompetência valvular das veias superficiais e profundas, da obstrução venosa, ou uma combinação destes. Esses fatores são agravados pela disfunção no músculo da panturrilha(3). Apesar de a mortalidade ser praticamente inexistente, apresenta elevada morbidade e é caracterizada principalmente pela ocorrência de Úlcera Venosa (UV) nos membros inferiores, quando em estágio avançado(4).

A UV apresenta-se como complicação mais séria da IVC, é caracterizada pela perda irregular do tegumento de forma superficial, podendo se tornar profunda, bordas definidas, comumente com exudato amarelado, iniciando de forma espontânea ou traumática. As úlceras podem ser únicas ou múltiplas, de tamanhos e localizações variáveis, em geral ocorre no terço médio distal da perna, com maior incidência nas proeminências ósseas, especialmente nos maléolos mediais, podendo envolver toda a circunferência da perna se não tratada(5).

Esse tipo de lesão de perna apresenta-se com alta prevalência, caráter recidivante, o que provoca sofrimento tanto ao paciente como a sua família. Além de gerar dependência dos serviços de saúde, constituindo um importante problema de saúde pública, e assumir uma importante magnitude no que se refere à repercussão social e econômica em termos de dias de trabalho perdidos, acarreta uma diminuição da qualidade de vida(1,4).

O impacto da alteração do estilo de vida da população acometida pelas úlceras atinge diretamente a qualidade de vida, uma vez que esta é marcada pela subjetividade, e envolve todos os componentes essenciais da condição humana, quer seja físico, psicológico, social, cultural ou espiritual(1).

Viver com a condição de ter uma ferida acarreta uma série de mudanças na vida das pessoas e, consequentemente, de seus familiares(6). Nesta situação aparecem dificuldades que muitas vezes nem o paciente e nem a família estão preparados para ajudar e compreender todos os aspectos que envolvem o problema.

Surge, então, a necessidade de adaptação dos pacientes com UV sob a sua nova condição de vida que compromete seu bem estar mental, físico e social. Tudo isso gera a necessidade de obtenção de novas habilidades incluindo revisão de valores, conhecimento científico e prático sobre a enfermidade, adaptação ao tratamento, além do enfrentamento da sociedade.

Comportamentos como os apresentados por esses pacientes com relação à sua enfermidade são abordados pela teoria de Roy em quatro modos de adaptação: o modo fisiológico; o modo de autoconceito; o modo de desempenho de papéis e o modo de interdependência. Este trabalho se propôs a estudar os três últimos modos que, juntos, constituem o modo psicossocial(7).

O modo do autoconceito evidencia aspectos psicológicos e espirituais do ser humano. Esse modo refere-se à fusão de crenças e sentimentos de um indivíduo em determinada circunstância. O modo de desempenho de papéis explora padrões de interação pessoal, destacando os fatores relacionados aos papéis que o sujeito cumpre no meio social em que vive, bem como seu desempenho. O modo de interdependência destaca as interações de dar e receber afeto, respeito e valor. É considerado um modo social por que suas necessidades são atendidas por meio da interação social(7-9).

Considerando que o ser humano é um sistema biopsicossocial com a capacidade de ajustar-se ao ambiente bem como modificá-lo, buscamos neste estudo verificar o nível de adaptação psicossocial dos portadores de UV, a fim de se compreender de que forma essas pessoas estão enfrentando a condição de ter uma doença crônica.

Por acreditarmos que a UV, surge em decorrência da falta de adaptação do cliente à doença e ao tratamento, neste estudo trabalharemos com o modelo conceitual de enfermagem proposto por Roy e Andrews, conhecido como Modelo de Adaptação, com o objetivo de verificar o nível de adaptação psicossocial destas pessoas(7).

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, descritivo de abordagem quantitativa realizado em um Hospital Universitário localizado no município de Natal no Rio Grande do Norte (RN), o qual pertence ao Complexo de Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), especificamente no ambulatório da clínica cirúrgica, com atendimento em angiologia e cirurgia vascular.

A amostra foi composta por 50 pacientes portadores de UV, selecionados a partir de uma amostra de acessibilidade, com base nos critérios de inclusão a seguir: ser portador de UV; ter mais de 18 anos; e ser atendido no ambulatório de clínica cirúrgica do referido hospital no período da coleta de dados. Critérios de exclusão: paciente que não concluiu a coleta de dados, por motivo de ausência do setor no momento da coleta e o paciente que não apresentou condições cognitivas de responder os instrumentos.

A pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética e Pesquisa do referido hospital (protocolo nº 279/09), respeitando a normatização da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, no que se refere aos aspectos éticos observados quando da realização da pesquisa envolvendo seres humanos(10).

O processo de coleta de dados ocorreu entre os meses de maio a julho de 2009. Os dados foram coletados através da aplicação de um formulário estruturado contendo dados sócio-demográficos, de saúde, clínicas, assistenciais do paciente, e referentes ao modo de adaptação psicossocial de Roy.

Os pacientes foram abordados durante a troca de curativos e convidados a participarem da pesquisa, após uma explanação sobre o objetivo do estudo e obtenção da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Os dados coletados foram organizados em um banco de dados eletrônico do aplicativo Microsoft Excel e analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 15.0, sendo codificados, tabulados e apresentados na forma de tabelas e quadros com suas respectivas distribuições percentuais. Para tratamento dos dados utilizou-se estatística descritiva.

Após a organização dos dados referentes às alterações ocorridas na vida referidas pelas pessoas com UV neste estudo, os classificamos segundo os modos adaptativos do Modelo de Adaptação de Roy.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Na Tabela 1 apresentamos a distribuição da caracterização sócio-demográfica dos 50 portadores de UV, com predomínio de pacientes do sexo feminino (76,0%) e faixa etária menor do que 59 anos (74,0%). No tocante ao grau de escolaridade, 68,0% tinham baixa escolaridade, dos quais 76,0% eram mulheres.

Em relação ao estado civil, 62,0% dos pesquisados eram casados ou mantinham união estável, e 22,0% dos pacientes eram solteiros. Sobressaiu a religião católica (68,0%). Em relação ao número de filhos, 38,0% dos pesquisados tinham mais de três filhos, desses 42,0% do sexo feminino.

No que diz respeito à vida laboral, 70,0% não possuíam vínculo empregatício, 72,0% tinham uma renda de até dois salários mínimos e 32,0% mudaram sua ocupação em detrimento ao surgimento da úlcera venosa.

Estudos nacionais e internacionais revelam que há uma predominância do sexo feminino nos pacientes com UV, representando uma relação de 3:1 entre os sexos(11,12).

Autores já sinalizam um crescente número de adultos jovens com ulceração venosa em perna de condição crônica, apesar da prevalência desta patologia ser maior na população idosa(13).

Estudo realizado em 2003 aponta que aproximadamente 22,0% das pessoas que desenvolvem úlceras venosas, foram acometidas por volta dos 40 anos de idade e 13,0% antes dos 30 anos de idade, o que representa um substancial efeito sobre a produtividade do trabalho(14).

De acordo com alguns autores, há evidências de que a baixa renda influencia de maneira negativa o comportamento saudável no ambiente domiciliar, o acesso aos serviços de saúde, os cuidados com a saúde e o acesso aos recursos materiais(1,14).

A diminuição da QV dos pacientes, entre outros fatores, está fortemente associada à perda de dias de trabalho, que gera aumento de atestados médicos e até mesmo o desemprego(13).

Além disso, os indivíduos acometidos pela UV necessitam se afastar do trabalho inúmeras vezes e com frequencia, são aposentados precocemente, pelo fato destas lesões exigirem terapêuticas prolongadas, causando um importante ônus aos sistemas de saúde e previdenciário; além dos incalculáveis custos humanos associados à necessidade de ajustar as atividades no trabalho, perda dos dias de trabalho ou do emprego, aumento da demanda por recursos de saúde e diminuição do prazer nas atividades da vida cotidiana(15,16).

A partir do Quadro 1 percebemos diversos fatores sócio-demográficos, clínicos e assistenciais que sofrem influência da úlcera venosa e refletem na vida dos pacientes.


Corroborando com o estudo, alguns autores referem que a cronicidade da UV atinge os indivíduos em sua fase mais produtiva da vida, acarretando dor, perda de mobilidade e afastamento de atividades, o que interfere diretamente na QV(16).

As discussões das vivências desses pacientes em relação à úlcera venosa crônica foram aprofundadas com os modos de adaptação psicossocial autoconceito, desempenho de papéis e interdependência de Roy que serão discutidos a seguir.

A Tabela 2 seguinte apresenta as categorias que se enquadram no modo autoconceito, em que 36% dos entrevistados sentiam-se insatisfeito com sua aparência física ou se sentiam discriminados, e 18% apresentavam sentimentos negativos, devido a falta de adaptação com a doença e com o desenvolvimento de uma úlcera venosa crônica.

O autoconceito é um dos três modos psíquico social que enfoca especificamente os aspectos psicológicos e espirituais da pessoa(7).

Observou-se que a insatisfação dessas pessoas, frente às sensações corporais, aponta para um baixo sentido de sua autovalorização. Esse sentimento pode diminuir a habilidade dessas pessoas para enfrentamentos das situações. Por outro lado, a imagem corporal significa a percepção da pessoa sobre o seu corpo. Nessa categoria, detectou-se comportamento inefetivo em 36,0% dos pesquisados.

Na UV, a lesão nos membros inferiores, pode levar a pessoa a sentir que sofreu perda de partes ou função do corpo. Esse fato pode conduzi-la, também, a questionar seu valor, alterando, dessa forma, seu autoconceito físico. Se uma pessoa tem baixa auto-estima, ela tende a perceber o meio ambiente como negativo e ameaçador(17).

A auto-estima é o aspecto penetrante do componente eu pessoal, que se relaciona ao valor que a pessoa tem de si, e a redução da auto-estima é vista como um sentimento negativo de desânimo, desvalorização e isolamento o que dificulta a capacidade de uma pessoa para se adaptar ao meio ambiente(18). Comumente, os valores contribuintes para a baixa auto-estima são as limitações físicas e as mudanças corporais ocorridas, nesse caso, relacionada a presença da lesão(19).

Na Tabela 3, temos as categorias que apresentaram alterações no modo desempenho de papéis, que focaliza os papéis ocupados pela pessoa na sociedade, buscando a integridade social da pessoa(7).

Quanto aos papéis, estes podem ser classificados como primários, secundários e terciários. O papel primário é determinado pela idade, sexo e estado desenvolvimental(7).

No presente estudo, observamos que os entrevistados, em relação ao seu papel primário, encontravam-se no estágio desenvolvimental correspondente a idade adulta (até 59 anos) e início da senilidade (a partir dos 60 anos).

O papel secundário é aquele assumido pela pessoa para complementar os deveres associados com o estado desenvolvimental e o papel primário(7). Quanto aos papéis secundários, os pesquisados apresentaram essencialmente os papéis de mãe, pai, marido, mulher e responsáveis pela renda familiar.

Observamos, contudo, alteração nos papéis laboral (52,0%), atividades domésticas (34,0%) e conjugal (6,0%).

O papel terciário é de livre escolha da pessoa, temporário e natural, podendo incluir atividades como clubes e passatempos(7). Quanto aos papéis terciários, verificamos restrições relacionadas ao lazer, dor, restrição social, escolar e relacionada a locomoção (82,0%).

Conviver com a insuficiência venosa crônica, e, principalmente com a úlcera venosa crônica é um processo de aprendizagem, o qual requer tempo. Muitas pessoas enfrentam melhor se forem ativas, especialmente quando se determinam a fazer atividades, adaptando-se as suas limitações, promovendo uma melhor QV.

No que diz respeito ao modo de interdependência, temos aqueles pacientes que receberam ou não apoio no tratamento, o que os que sentem que sofreram algum tipo de discriminação, devido a presença da úlcera, sendo explanado na Tabela 4.

O modo de interdependência envolve interação com as outras pessoas, focalizando relacionamentos íntimos implicados em papéis ou na posição na sociedade(7).

A enfermidade, de certa forma, é compartilhada por toda família. Desta forma, quando os familiares estão presentes apoiando-os o processo de enfrentamento é compartilhado e possibilita um processo de adaptação(19,20).

A maneira de reagir frente à doença difere de pessoa para pessoa. Alguns buscam apoio na fé, outros nos amigos e familiares e outros, nos profissionais de saúde(19).

No entanto, é importante destacar que nas famílias, os comportamentos relacionados à pessoa com UV, em sua maioria, não foram adaptativos, visto que a maioria não recebe apoio no tratamento e ainda sofrem discriminação principalmente da família. As relações de interdependência, em geral, sofreram alterações negativas, o que demonstra um enfrentamento insatisfatório do problema, necessitando, portanto de um apoio maior e orientações.

Diante deste resultado observamos que a falta da adaptação ao tratamento dentro dos modos de autoconceito, desempenho de papéis e de interdependência, que constituem o modo psicossocial, contribui para a cronicidade das lesões, o que acarreta numa QV deteriorada.

Neste contexto, o sistema de cuidado de saúde pode ser um sistema de suporte, em que os profissionais atuantes, no tratamento dos pacientes com úlcera venosa, empreguem esforços contínuos para o reconhecimento das necessidades humanas afetadas e, a partir delas, contribuam para a adaptação deles a sua nova condição de vida(7,19).

CONCLUSÕES

As pessoas do estudo apresentam um perfil com predominância no sexo feminino, com a faixa etária de 18 a 59 anos, de religião católica, com o nível de escolaridade baixo, em sua maioria casado, com até três filhos. Verificamos que o nível de adaptação psicossocial dessas pessoas é baixo em decorrência da dificuldade na adesão ao tratamento, contribuindo para a cronicidade dessas lesões, deteriorando ainda mais a QV dessas pessoas.

Nesse sentido, o cuidado de enfermagem visualizado a partir da ótica da teoria da adaptação de Roy possibilita um trabalho de efetivo desempenho. A identificação do modo psicossocial direciona as ações de enfermagem de forma a abranger a pessoa que recebe o cuidado considerando-a no todo em suas relações com ambiente interno e externo. As metas visam ao restabelecimento e/ou à manutenção do equilíbrio sendo possível relacioná-las às intervenções necessárias.

Neste modelo, é válido salientar que alguns modos adaptativos, por se fazerem presentes no âmbito interno da pessoa, necessitam de um trabalho mais cuidadoso englobando a participação de outras pessoas, sobretudo de familiares. Isto demonstra que os modos adaptativos psicossocial requerem um trabalho aprofundado de conscientização, educação e sensibilização constante, de forma a permitir uma reestruturação e equilíbrio da pessoa que recebe o cuidado.

Tratando-se de doença crônica, torna-se imprescindível que a clientela conheça sua doença para saber o quê e quando esperar em cada situação, colaborando, dessa forma, com sua própria adaptação.

Para tanto, sugere-se a abordagem terapêutica interdisciplinar em saúde, formada por grupo de profissionais (enfermeiros, médicos, psicólogos, assistentes sociais, dentre outros) para assistência aos clientes com úlcera venosa, em seus diversos aspectos, buscando seu melhor nível de adaptação.

Ressalta-se o papel peculiar do enfermeiro como educador junto a esta clientela, com intuito de orientar os pacientes a procurar meios adaptativos, que os façam superar sua condição clínica, com vistas a uma recuperação efetiva e melhoria da sua QV.

Recebido em: 14/10/2010

Aprovado em: 30/06/2011

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  • Endereço da autora:
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    59010-090, Natal, RN
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      14 Out 2010
    • Aceito
      30 Jun 2011
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