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O lúdico como estratégia no cuidado à criança com câncer

Resumos

OBJETIVOS:

Compreender a influência do lúdico para o processo de cuidar, na percepção de crianças com câncer.

MÉTODO:

Estudo qualitativo, exploratório descritivo, realizado em um setor de oncopediatria em Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. Os dados foram coletados entre os meses de outubro de 2013 e janeiro de 2014, por meio de registros fotográficos e entrevista semiestruturada, com oito crianças, e analisados conforme a Análise de Conteúdo, destacando-se duas categorias de discussão: Os instrumentos auxiliares na ludicidade; e A influência do lúdico no processo de cuidar.

RESULTADOS:

As atividades lúdicas envolvem o assistir à televisão, o uso de computadores, os jogos e os brinquedos, a realização de desenhos, a brinquedoteca e o palhaço, os quais proporcionam diversão, sentimentos de alegria, distração e interação com outras pessoas.

CONCLUSÃO:

Existem diversas atividades, no hospital, entendidas como lúdicas, todas as quais, para a criança, proporcionam benefícios para o seu processo de cuidar.

Ludoterapia; Enfermagem oncológica; Criança hospitalizada


OBJECTIVE:

To understand the influence of play in the care process as perceived by children with cancer.

METHOD:

A descriptive, exploratory and qualitative study conducted in a children's cancer unit in Natal, Rio Grande do Norte, Brazil. Data were collected between October 2013 and January 2014 by means of photographic records and semi-structured interviews with eight children, and content analysis with emphasis on two categories: Auxiliary instruments during play; and The influence of play in the process of care.

RESULTS:

Recreational activities involve watching television, using computers, games and toys, drawing, the playroom and the clown, which provide fun, feelings of joy, distraction and interaction with other people.

CONCLUSION:

There are several activities at the hospital that are considered play-related and, for the children, they all benefit their care process.

Play therapy; Oncology nursing; Child, hospitalized


OBJETIVO:

Comprender la influencia de lo lúdico en el proceso de atención, en la percepción de los niños con cáncer.

MÉTODO:

Estudio cualitativo, exploratorio descriptivo, realizado en un sector de oncología pediátrica en Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. Los datos fueron recogidos entre los meses de octubre de 2013 y enero de 2014, a través de los registros fotográficos y entrevistas semiestructuradas con ocho hijos, y analizados según el análisis de contenido, destacando dos categorías de discusión: Los instrumentos auxiliares en la alegría; La influencia de lo lúdico en el proceso de atención.

RESULTADOS:

Las actividades recreativas implican ver televisión, usar computadoras, juegos y juguetes, la realización de dibujos y el payaso, que proporcionan diversión, sentimientos de alegría, distracción y la interacción con los demás.

CONCLUSIÓN:

Hay varias actividades, en el hospital, entendido como lúdico y que, para el niño, todos proporcionan beneficios para su proceso de atención.

Ludoterapia; Enfermería oncológica; Niño hospitalizado


INTRODUÇÃO

A infância é uma fase da vida em que as crianças apresentam como principal ocupação, o brincar, essa ação é fundamental para manter a saúde física e mental das mesmas e, pode incluir objetos e ocorrer de forma individual ou em grupo(1)Lira ACM, Mate CH. Jogos e brincadeiras nas práticas pedagógicas na educação infantil: entre o dito e o escrito. Currículo sem Fronteiras. 2013;13(1):5-19..

Nas atividades lúdicas, entendidas como àquelas que visam ao brincar, divertir-se e, também, o desenvolvimento psicossocial, experimentam-se novas sensações, criam-se e recriam-se situações do cotidiano e descobre-se o mundo. Além disso, favorecem o encontro com a realidade, transformando-a e a adaptando-a aos desejos da criança(2)Monteiro LS, Corrêa VAC. Reflexões sobre o brincar, a brinquedoteca e o processo de hospitalização. Rev Para Med. 2012;26(3):3..

No entanto, algumas situações, por vezes, dificultam a realização dessas atividades, sendo a hospitalização uma delas. O câncer infantil é uma doença que requer vários momentos de internação, pois a criança sai de seu lar e do convívio com seus entes queridos para habituar-se ao ambiente hospitalar e tudo que o envolve.

O adoecimento e a hospitalização de uma criança, nesse sentido, representam rupturas em seu cotidiano. Ela passa a estar em um local limitado, onde rotinas hospitalares e o próprio ambiente diminuem o repertório de atividades com as quais estava habituada a executar, o que pode interromper seu desenvolvimento natural(2)Monteiro LS, Corrêa VAC. Reflexões sobre o brincar, a brinquedoteca e o processo de hospitalização. Rev Para Med. 2012;26(3):3..

Além disso, pela própria condição de saúde da criança, ela é instruída a evitar determinadas ações e o contato com outros pacientes, o que reduz a interação da criança com as pessoas e, por vezes, causa medo diante da doença e tratamento. Assim, a internação significa agressão ao seu mundo lúdico e mágico, o que pode se refletir em sentimentos negativos tais como raiva, tristeza e depressão(2)Monteiro LS, Corrêa VAC. Reflexões sobre o brincar, a brinquedoteca e o processo de hospitalização. Rev Para Med. 2012;26(3):3..

Diante disso, o lúdico apresenta-se como uma estratégia que pode minimizar os desconfortos ocasionados pela internação e auxiliar no enfrentamento da doença, além de se constituir como recurso facilitador da intervenção de enfermagem, devendo ser incorporado como uma face do cuidar de crianças com câncer(3)Jansen MF, Santos RM, Favero L. Benefícios da utilização do brinquedo durante o cuidado de enfermagem prestado à criança hospitalizada. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(2):247-53..

Nesse sentido, o brincar deve ser considerado, pelo enfermeiro, a maneira mais adequada de desenvolver a empatia, sendo uma possibilidade de entender o mundo a partir das concepções da criança e, assim, favorecer o estabelecimento de vínculos(4)Cunha GL, Silva LF. Lúdico como recurso para o cuidado de enfermagem pediátrica na punção venosa. Rev RENE. 2012;13(5):1056-65..

Deste modo, o cuidar de crianças com câncer em situação de hospitalização requer dos profissionais, além de habilidades técnicas e conhecimento, a empatia e envolvimento entre eles e o paciente, de modo a permitir a identificação das reais demandas físicas e psicossociais da criança e, a partir disso, construir um plano de cuidados adequado à sua individualidade.

Assim, ao perceber a importância das atividades lúdicas durante a hospitalização com vistas ao desenvolvimento da criança e à humanização das relações existentes na instituição, questionou-se: Quais atividades são consideradas, pelas crianças com câncer, como lúdicas no contexto da internação? Qual a influência dessas atividades no processo de cuidar, na visão das crianças? Diante disso, o presente estudo tem como objetivo compreender a influência do lúdico para o processo de cuidar, na percepção de crianças com câncer.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratório descritivo, com abordagem qualitativa, o qual faz parte dos resultados da dissertação intitulada "Processo de cuidar de crianças hospitalizadas com câncer"(5) 5. LimaKYN.. Processo de cuidar de crianças hospitalizadas com câncer dissertação Natal(RN): Departamento de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte; 2014 ., desenvolvido em um setor de oncopediatria, no município de Natal, Rio Grande do Norte, Brasil.

Para o atendimento da criança com câncer, o hospital conta com três enfermarias, uma com três leitos e duas com dois leitos, além do isolamento e o ambulatório. O setor é decorado com pinturas infantis e possui em cada quarto: televisão, ar-condicionado e armários. Além disso, para diversão e entretenimento dos pacientes, a instituição conta com uma brinquedoteca, a qual possui horários específicos para funcionamento. Quanto à equipe de enfermagem, esta é composta por cinco técnicos de enfermagem pela manhã, cinco à tarde e apenas dois à noite. Sempre há um enfermeiro durante os turnos, para oferecer os cuidados necessários no setor de internação e ambulatório.

Os participantes da pesquisa foram crianças com idade entre seis e doze anos internadas para tratamento oncológico. Utilizou-se como critérios de inclusão: estar internada para tratamento do câncer; e apresentar condições físicas favoráveis para realização da coleta de dados. E os critérios de exclusão correspondiam a: não conseguir manusear o instrumento para registro de imagens; e crianças sem condições físicas e/ou emocionais de participar do estudo. Levando em consideração o critério de saturação de dados, a amostra do estudo constituiu-se de oito crianças.

Os dados foram coletados entre os meses de outubro de 2013 e janeiro de 2014, da seguinte forma: após entrar em contato com a enfermeira do setor em busca de crianças com diagnóstico confirmado de câncer, responsável e criança foram abordados, na enfermaria, esclarecidos sobre o estudo e convidados para participar mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Em seguida, disponibilizou-se uma câmera fotográfica e solicitou-se à criança que registrasse os momentos considerados por ela como cuidado no hospital. Após esta etapa, as imagens fotografadas foram projetadas em um computador, e realizou-se concomitantemente a entrevista semiestruturada, a qual continha três questões norteadoras: Você pode me explicar o que tem na fotografia? Porque você escolheu esta fotografia? Onde está o cuidado na fotografia?

Ressalta-se que o período oferecido para a etapa dos registros das imagens correspondeu a um turno, em que a pesquisadora permaneceu no setor de estudo, e todas as fotografias foram utilizadas durante a entrevista, excluindo-se àquelas repetidas e com baixa qualidade. Ademais, apesar dos pais/responsáveis pelas crianças permanecerem durante a coleta de dados, os mesmos não participavam dos procedimentos metodológicos, desta forma, os dados coletados referem-se a experiência e percepção apenas das crianças.

Foi utilizado, ainda, um diário de campo, no qual eram anotados os fenômenos observados e que poderiam ter relevância para a análise dos dados. Para melhor registro e posterior transcrição das informações, as entrevistas foram gravadas mediante autorização do responsável pela criança.

Os dados foram analisados e interpretados com base na Análise de Conteúdo, modalidade temática. Deste modo, na fase de pré-análise, organizou-se o material coletado por meio das entrevistas; na fase de exploração, realizou-se a análise dos documentos selecionados, codificação e seleção dos temas de estudo. E, por fim, no tratamento dos resultados, buscou-se a interpretação dos dados coletados, estabelecendo relações entre o objeto de estudo e o seu contexto mais amplo(6)Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa:Edições 70; 2011..

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Liga Norte Riograndense contra o Câncer com parecer 329.015 e CAAE 16097613.9.0000.5293, em concordância com a Resolução Nº. 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde. Todos os responsáveis pelas crianças assinaram o TCLE. Para garantir o anonimato dos participantes da pesquisa, estes foram identificados no estudo por nomes de personagens de desenhos infantis.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresentando as crianças

Homem-Aranha, sexo masculino, tinha dez anos e há sete apresentava o diagnóstico de leucemia, com recidiva e tratamento em fase de manutenção. Estava internado na instituição há dois dias para realização de quimioterapia, acompanhado de sua mãe. Foi abordado enquanto assistia televisão no seu quarto.

Draculaura, sexo feminino, com diagnóstico há um ano e dez meses de leucemia, em fase de manutenção, tinha seis anos e estava internada há um dia, acompanhada de sua mãe, quando foi abordada para participar do estudo.

Minnie, sexo feminino, tinha onze anos, acompanhada do pai, com diagnóstico de leucemia há cinco anos, em fase de consolidação. Na instituição estava internada há um dia. No momento da abordagem para realização da pesquisa, estava desenhando em seu leito.

Thor, sexo masculino, tinha oito anos, estava acompanhado da mãe e tinha diagnóstico de leucemia há três anos, em fase de manutenção. Estava internado na instituição, em pós-operatório de apendicectomia, há dois dias. Assistia à televisão no momento do convite para esta pesquisa.

Mickey, sexo masculino, com nove anos de idade, tinha diagnóstico de leucemia há dois anos e três meses, em fase de manutenção. Estava internado há um dia, na companhia da mãe. Utilizava o computador para jogar, em seu leito, na ocasião da abordagem para participar da pesquisa.

Júlio, sexo masculino, tinha seis anos, com diagnóstico de leucemia há três anos, em fase de manutenção, e tempo de internação de dois dias. Estava acompanhado da mãe e mantinha uma caixa de jogos sobre o leito.

Pica Pau, sexo masculino, com sete anos de idade, tinha diagnóstico de leucemia há cinco anos, com recidiva em fase de manutenção, e estava internado há dois dias, acompanhado de sua mãe. Assistia à televisão, na enfermaria.

Ben 10, sexo masculino, tinha doze anos e diagnóstico de meduloblastoma há seis anos. Estava internado, na companhia da mãe, há um dia. Assistia à televisão, na enfermaria, no momento em que foi convidado a participar da pesquisa.

Com base nas entrevistas e análise dos dados emergiram duas categorias de discussão: Os instrumentos auxiliares na ludicidade; e A influência do lúdico no processo de cuidar.

Os instrumentos auxiliares na ludicidade

A maioria das crianças tem uma imagem do hospital como um ambiente de limitações, seja pelo afastamento dos familiares e rotinas, seja no que se refere à condição física, devido ao uso de medicamentos, cateteres, dentro outros(7)Luz J H, Martini JG. Compreendendo o significado de estar hospitalizado no cotidiano de crianças e adolescentes com doenças crônicas. Rev Bras Enferm. 2012;65(6):916-21., que, por vezes, dificultam sua movimentação e deambulação pela enfermaria. Nesse sentido, uma forma de reduzir os desconfortos gerados pela internação ocorre por meio das atividades lúdicas.

As principais estratégias lúdicas utilizadas por enfermeiros no cuidado às crianças, de acordo com a literatura, são o teatro clown, fantoches, brincadeiras e o boneco terapêutico(8)Santos DC, Maranhão DG. O brincar como uma dimensão do cuidado de enfermagem à criança. Rev Enferm UNISA. 2012;13(1):27-32., evidenciando uma variedade de formas de trazer o brincar para o hospital.

No presente estudo, as crianças discorreram da seguinte forma sobre as atividades lúdicas:

Ali é um paciente, ele tá com um computador no colo. Ta mexendo nele [...] eu brinco no computador. (Minnie) A televisão... porque sem a televisão ficaria chato...ah dá para assistir os programas e outras coisas. É bom. [...] tem o computador. (Mickey) A televisão [...] pra assistir, vê desenho, DVD. (Pica Pau)

Observa-se que as crianças utilizam os equipamentos eletrônicos disponíveis como forma de diversão, no hospital. Destacando-se o computador como um aparelho de uso individual, indisponível na instituição, mas que as crianças podem levá-lo de suas casas para se divertirem.

Ao longo do tempo, as formas lúdicas têm-se modificado em virtude da influência do avanço tecnológico e, consequentemente, crescente numero de brinquedos industrializados(9)Avelar LFS, Teixeira LH. Jogos populares: pesquisa sociocultural e importância lúdica para o desenvolvimento infantil. Cad Pesq. 2009;16(3):76-80., o que fez com que as crianças se voltassem para os equipamentos eletrônicos como forma de diversão. Além disso, esses objetos podem ter sido mencionados pela facilidade de manuseio, pois a criança não precisa sair do leito para utilizá-los.

Sabe-se que as crianças internadas para tratamento oncológico, normalmente, estão em uso de medicações e/ou instrumentos que dificultam a movimentação, além de, muitas vezes, apresentarem fadiga para realizarem outras atividades. Por isso, elas podem preferir atividades fáceis de realizar em seu próprio leito.

Destarte, o uso de ferramentas tecnológicas na área da saúde, como computadores, pode se constituir em uma excelente forma lúdica, informativa e que ocupa e tira o foco da criança com relação à doença e terapêutica, por meio de jogos e softwares que promovem a educação em saúde como, também, a manutenção de vínculos com parentes e amigos que estão fora do ambiente hospitalar(10)10 Ellis SJ, Drew D, Wakefield CE, Saikal SL, Punch D, Cohn RJ. Results of a nurse-led intervention: connecting pediatric cancer patients from the hospital to the school using videoconferencing technologies. J Pediatr Oncol Nurs. 2013;30(6):333-41.. Diante disso, acredita-se que o acesso à internet e o uso de programas específicos devem ser mais explorados pela enfermagem e equipe multiprofissional como mais uma estratégia de cuidado à criança com câncer.

Outros instrumentos citados como auxiliares no processo de cuidar foram os jogos, brinquedos e desenhos:

Jogar...joguinho... por que ele é legal. (Julio)

Tem os brinquedos também, gosto de desenhar. (Minnie)

O brincar de forma independente ou em grupo é uma estratégia utilizada por crianças internadas e profissionais. Nesse tipo de atividade, o profissional estimula a criança a brincar de forma livre ao utilizar jogos, brinquedos, massinhas de modelar, figuras de revista, fantoches(11)11 Maia EBS, Ribeiro CA, Borba RIG. Compreendendo a sensibilização do enfermeiro para o uso do brinquedo terapêutico na prática assistencial à criança. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(4):839-46. constituindo-se, assim, em uma atividade puramente recreativa em que a presença do profissional não se faz obrigatória.

Na referida instituição, às vezes, alguns jogos, canetas e folhas são disponibilizados para a criança. Contudo, o joguinho citado por Júlio pertencia a ele e foi trazido de sua casa para o hospital.

O brincar vem sendo valorizado e estudado em diversas pesquisas na área da saúde. Sobre isso, em 2005 foi instituída a lei nº 11.104, a qual em seu artigo 1 determina que os hospitais que oferecem atendimento pediátrico contarão, obrigatoriamente, com brinquedotecas nas suas dependências, sendo estas compreendidas como espaços providos de brinquedos e jogos educativos, destinados a estimular as crianças e seus acompanhantes a brincar(12)12 Presidência da República (BR). Lei nº 11.104, de 21 de março de 2005. Dispõe sobre a obrigatoriedade de instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação[internet]. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2005 [acesso em 2014 maio 01]. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11104.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
.

Assim, esse instrumento foi citado da seguinte forma pelas crianças:

Tem aquela salinha também que tem brinquedo, tem um monte de coisa lá. (Minnie) Também tem a brinquedoteca, os livros, a professora. (Mickey) Lápis, coleção [lápis de cor]... Eu gosto de desenhar, pintar... é legal. Tem a sala de brinquedos também, lá tem um monte de coisa... pode brincar, pintar, fazer um monte de coisa lá... [...] a canetinha... é bom escrever, desenhar. (Pica Pau)

Desse modo, conforme referido no estudo, no hospital existe a brinquedoteca e nela há uma grande possibilidade de atividades a serem realizadas, que vão desde a realização de desenhos à utilização de brinquedos.

Vale destacar que o momento de brincar nesses espaços também se constitui em uma ocasião de interação social(13)13 Oliveira IM, Gebara A. Interação, afeto e construção de sentidos entre crianças na brinquedoteca. Educ Pesqui. 2010;36(1):373-87., pois normalmente, a sala é utilizada por mais de uma criança ao mesmo tempo, como pôde ser visualizado durante a realização da pesquisa.

Observou-se, também, a ansiedade das crianças entrevistadas pela oportunidade que teriam para usar a brinquedoteca. Ao mencioná-la como uma forma de cuidado, Pica-Pau e Mickey se voltaram para a enfermeira da unidade para questionar quando a sala estaria aberta e se poderiam utilizá-la.

Outra possibilidade de se trabalhar o lúdico durante a internação é por meio do palhaço:

O palhaço [...] ele vem para brincar com a pessoa. (Homem-Aranha)

O palhaço mencionado era representado por um voluntário na instituição, este desenvolvia atividades com as crianças uma ou duas vezes por semana, durante um turno. Ele visitava todos os quartos no intuito de divertir as crianças ao fazer animais com bolas de encher e estimulando-as a participarem de jogos e brincadeiras.

Esse tipo de atividade pode ser realizada pelo profissional da instituição ou por um voluntário. Estes criam uma identidade e se caracterizam conforme desejado. Normalmente, utilizam nariz de palhaço, estetoscópios coloridos e maletas, e interagem com as crianças por meio de músicas, contação de histórias, mágicas e até dramatização(14)14 Lima RAG, Azevedo EF, Nascimento LC, Rocha SMM. A arte do teatro clown no cuidado a crianças hospitalizadas. Rev Esc Enferm USP. 2009;49(1):186-93., conforme presenciado durante a pesquisa.

Importante destacar que nenhuma das atividades mencionadas envolvia algum profissional da instituição. Nesse aspecto, observa-se que este ainda não desenvolve ações lúdicas com as crianças. Deste modo, acredita-se que o trabalho em equipe multiprofissional, que envolva o terapeuta ocupacional e o profissional da pedagogia, auxiliaria à ludicidade, a ocupação criativa e instrutiva.

Além disso, a capacitação técnica dos profissionais acerca do lúdico e a atuação multiprofissional podem potencializar as consequências positivas da brincadeira no contexto hospitalar, ao proporcionar saúde e educação em saúde para as crianças e suas famílias(15)15 Oliveira LDB, Gabarra LM, Marcon C, Silva JLC, Macchiaverni J. A brinquedoteca hospitalar como fator de promoção no desenvolvimento infantil: relato de experiência. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2009;19(2):306-12.

Outro fato, é que a maioria das crianças utilizava alguma estratégia lúdica referida no momento em que foram convidadas para participar da pesquisa, evidenciando que o brincar é realmente uma atividade realizada e importante durante a hospitalização da criança com câncer.

A influência do lúdico no processo de cuidar

As atividades lúdicas possuem diversos significados para as crianças internadas. Compreendê-los deve fazer parte da rotina profissional, pois cuidar do outro envolve o seu conhecimento, de modo que se identifiquem suas necessidades de cuidado(16)16 Waldow VR. Cuidar de sí, cuidar del otro, cuidar del todo: implicaciones para la salud y enfermería. Enfermería: Cuidados Humanizados. 2013;2(1):53-6..

Para as crianças, as atividades lúdicas divertem e as tornam felizes, conforme pode ser visto nas falas a seguir:

[...] Aí eu fico sem fazer nada as vezes...ai é bom brincar também, pintar, desenhar, eu gosto [...] eu gosto de ver os desenhos. Se eu assisto fico feliz. (Draculaura) Sim, quando eu posso, eu vou. Acho que é importante para as crianças, para o cuidado delas... se divertir também {sobre a brinquedoteca}. (Mickey)

Os principais sentimentos observados nas crianças durante momentos de ludicidade são alegria e contentamento(17)17 Borges EP, Nascimento MDSB, Silva SMM. Benefícios das atividades lúdicas na recuperação de crianças com câncer. Bol Acad Paul Psicol. 2008; 18(2):211-21., como relatado pelos sujeitos desse estudo. O brincar reduz a tensão e torna o ambiente mais agradável, sendo reconhecido como uma medida terapêutica necessária no cuidado ao paciente pediátrico(15)15 Oliveira LDB, Gabarra LM, Marcon C, Silva JLC, Macchiaverni J. A brinquedoteca hospitalar como fator de promoção no desenvolvimento infantil: relato de experiência. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2009;19(2):306-12.

Não obstante, estudos já apontam relações entre as emoções e a imunidade. Pacientes submetidos a situações agradáveis e que são estimulados ao riso apresentaram discreto aumento das células de defesa, além da melhora do bem estar(18)18 Abreu GRF. A terapia do (bom)humor nos processos de cuidado em saúde. Rev Baiana Enferm. 2011;25(1):69-74.. Diante isso, tem-se a seguinte fala:

[...] é divertido, ele brinca com a pessoa, deixa a pessoa feliz quando está triste {sobre o palhaço}. [...] o palhaço brinca com a gente e a gente se distrai... se diverte, é cuidado com a gente. (Homem-Aranha)

Os palhaços, que atuam em hospitais, visam reduzir traumas inerentes à internação ao aliar o riso como uma medida terapêutica no cuidar da criança com câncer. A satisfação em interagir com o palhaço estimula o riso e traz benefícios para o organismo e às relações com os outros(18)18 Abreu GRF. A terapia do (bom)humor nos processos de cuidado em saúde. Rev Baiana Enferm. 2011;25(1):69-74.. Além disso, conforme percebeu-se, o palhaço estimulava as crianças de um mesmo quarto a conversarem e a participarem juntas das atividades propostas. Assim, a diversão proporcionada pelo palhaço, na instituição, faz a criança relaxar, sorrir e facilita a interação com outras pessoas e, favorece deste modo, o estabelecimento de vínculos e o bem estar dos sujeitos envolvidos.

Outro fator apontado, pelas crianças, como benéfico ao se utilizar as atividades lúdicas foi a sensação de distração que elas oferecem:

Ah não sei... é porque com a televisão eu fico pensando em outras coisas, eu me distraio, acho que isso é cuidado, faz bem. O computador [...]é uma distração para não ficar só assistindo. (Mickey) Porque ficar no hospital as vezes é chato, não tem o que a gente fazer... e quando eu assisto é legal. (Draculaura)

O brincar pode significar uma fuga da realidade, além de tornar o hospital mais agradável e controlável pela criança(1414 Lima RAG, Azevedo EF, Nascimento LC, Rocha SMM. A arte do teatro clown no cuidado a crianças hospitalizadas. Rev Esc Enferm USP. 2009;49(1):186-93. , 1717 Borges EP, Nascimento MDSB, Silva SMM. Benefícios das atividades lúdicas na recuperação de crianças com câncer. Bol Acad Paul Psicol. 2008; 18(2):211-21. ).

Logo, o recurso lúdico proporciona a distração, e desta forma, permite que a criança esqueça por alguns instantes o sofrimento inerente à doença e hospitalização, além disso, oferece a oportunidade de a criança resgatar algumas brincadeiras realizadas em casa, melhorando a qualidade de vida. Conforme estudo realizado com população semelhante, as crianças permanecem envolvidas nas atividades e parecem esquecer o motivo de sua internação e doença(17)17 Borges EP, Nascimento MDSB, Silva SMM. Benefícios das atividades lúdicas na recuperação de crianças com câncer. Bol Acad Paul Psicol. 2008; 18(2):211-21., conforme identificado nessa pesquisa.

As atividades lúdicas também podem promover uma relação de confiança, tranquilidade e segurança entre os sujeitos envolvidos:

Eu me sinto bem, é divertido [...] as pessoas virem brincar comigo com esse jogo. (Julio)

A fala de Júlio denota a importância do componente relacional durante a internação. Algumas vezes, devido ao próprio tratamento, que reduz a imunidade, as crianças ficam em quartos isolados ou, então, interagem muito pouco com as outras crianças da instituição.

Esse fato promove, muitas vezes, sentimentos de solidão em um ambiente estranho e onde há apenas adultos, os quais nem sempre estão dispostos ou com tempo livre para brincar ou conversar com elas. Diante disso, o brincar surge como uma oportunidade de promover a aproximação entre os sujeitos durante a internação.

Nesse sentido, o lúdico pode se constituir em um meio de interação, pelo qual a socialização da criança é intensificada(19)19 Melo LL, Valle ERM. A brinquedoteca como possibilidade para desvelar o cotidiano da criança com câncer em tratamento ambulatorial. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(2):517-25.. Além do mais, o relacionamento com outras pessoas de idade semelhante é necessário para o seu desenvolvimento, sendo as atividades lúdicas uma forma efetiva para proporcionar bem estar e interação durante a hospitalização. Identifica-se, portanto, que o lúdico pode ser utilizado para recrear, estimular, socializar e cumprir sua função terapêutica(3)Jansen MF, Santos RM, Favero L. Benefícios da utilização do brinquedo durante o cuidado de enfermagem prestado à criança hospitalizada. Rev Gaúcha Enferm. 2010;31(2):247-53., com base nos depoimentos das crianças. Desta forma, cabe ao profissional um papel ativo no reconhecimento dos momentos em que as atividades lúdicas podem ser empregadas e as suas finalidades de acordo com a individualidade e necessidade de cada criança.

CONCLUSÃO

De acordo com os achados desse estudo, as atividades lúdicas descritas pelas crianças com câncer internadas envolvem o assistir televisão, o uso de computadores, os jogos e os brinquedos, a realização de desenhos, a brinquedoteca e o palhaço. Essas atividades, segundo as crianças, proporcionam diversão, sentimentos de alegria, distração e interação com outras pessoas, elementos essenciais no processo de cuidar que favorecem seu bem estar e reduzem os desconfortos provenientes da hospitalização.

O estudo aponta, também, que os profissionais ainda não participam dessas atividades de forma efetiva e como parte do processo de cuidar, sendo uma fonte de reflexão, e de posteriores estudos sobre os motivos relacionados a essa realidade, bem como a busca por estratégias que permitam a aproximação destes com os instrumentos lúdicos, com vistas à qualidade do cuidado prestado a criança com câncer.

Vale destacar que os resultados obtidos com esse estudo podem ser o reflexo das peculiaridades do ambiente onde a pesquisa foi realizada e das experiências pessoais das crianças internadas, diante do adoecimento de câncer, sendo pertinente, portanto, o desenvolvimento de novas investigações, em outras instituições, no intuito de melhor compreender as concepções da criança acerca do lúdico.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    12 Nov 2014
  • Aceito
    19 Mar 2015
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