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A DIPLOMACIA PONTIFÍCIA E OS REFUGIADOS JUDEUS NO BRASIL (1939 -1941): UMA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR NOS ARQUIVOS DE PIO XII1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.

PONTIFICAL DIPLOMACY AND JEWISH REFUGEES IN BRAZIL (1939-1941): A PRELIMINARY INVESTIGATION IN THE ARCHIVES OF PIUS XII

Resumo

O artigo analisa o papel da diplomacia pontifícia nas negociações entre o Vaticano e o governo de Getúlio Vargas para a concessão de vistos a refugiados judeus convertidos ao catolicismo (“católicos não arianos”) entre 1939 e 1941. Utilizando os arquivos do pontificado de Pio XII, abertos em março de 2020, e dialogando tanto com a historiografia brasileira a respeito das políticas migratórias quanto com a historiografia europeia recente dedicada ao catolicismo, a pesquisa pretende contribuir para o aprofundamento do debate acerca do papel da Igreja na questão dos refugiados judeus no Brasil.

Palavras-chave
Diplomacia; Igreja; Antissemitismo; Pio XII; Refugiados

Abstract

This paper studies the role of papal diplomacy in the negotiations between the Vatican and the government of Getúlio Vargas for the granting of visas to Jewish refugees converted to Catholicism (“non-Aryan Catholics”) between 1939 and 1941. Based on the archives of Pope Pius XII’s pontificate, opened in March 2020, it also dialogues with both the Brazilian historiography on migration policies and with the recent European historiography dedicated to Catholicism. It intends to contribute to the debates concerning the role of the Church in the issue of Jewish refugees in Brazil.

Keywords
Diplomacy; Church; Anti-Semitism; Pius XII; Refugees

Introdução

Em março de 2019, durante um discurso proferido aos membros do Arquivo Apostólico Vaticano3 3 A denominação oficial do principal arquivo pontifício, outrora chamado de “Arquivo Secreto do Vaticano”, foi alterada em 2019 por decisão do papa a fm de afastar a ideia de “secretismo” sugerida pelo adjetivo que qualificava a instituição (cf. MOTU proprio. 22 out. 2019. Disponível em: https://www. vatican.va/content/francesco/pt/motu_proprio/documents/papa-francesco-motu-proprio-20191022_archivio-apostolico-vaticano.html). Acesso em: 29 mar. 2022. , o papa Francisco anunciou que dentro de um ano os arquivos do pontificado de Pio XII seriam finalmente colocados à disposição dos pesquisadores4 4 DISCURSO do Papa Francisco aos funcionários do Arquivo Secreto Vaticano. 4 mar. 2019. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/march/documents/papa-francesco_20190304_archivio-segretovaticano.html. Acesso em: 29 mar. 2022. . Essa documentação é particularmente relevante para os estudos de História Contemporânea, pois abarca o período que vai de 1939 a 1958. Por meio de documentos provenientes dos diversos órgãos da cúria romana, será possível conhecer, por exemplo, a movimentação e as atividades desempenhadas nos confins exíguos da Cidade do Vaticano durante os anos da Segunda Guerra Mundial. Também será possível analisar de modo mais criterioso a atuação de Pio XII na gestão da crise humanitária desencadeada pelo confito bélico, assim como as relações entre a hierarquia católica e os regimes totalitários que convulsionaram a Europa. Embora as questões não sejam novas, o tom polemista de alguns dos estudos que lhes foram dedicados, evidenciado por títulos como “O Papa de Hitler” (COR N W E L L , 1999) ou “Os Judeus do Papa” (THOMAS, 2014THOMAS, Gordon. Os judeus do papa: o plano secreto do Vaticano para salvar os judeus das mãos dos nazistas. São Paulo: Geração Editorial, 2014.), sugere que o debate se presta facilmente a antagonismos que poderiam corroborar a provocadora definição de história formulada por Mario Vargas Llosa: “una rama de la fabulación que pretendía ser ciencia” (LLOSA, 2010, p. 274LLOSA, Mario Vargas. El sueño del celta. Madrid: Alfaguara, 2010.). A polêmica relativa ao posicionamento da Igreja no contexto belicoso ganhou notoriedade na década de 1960 graças a duas publicações. Em 1962, foi lançada a peça teatral “O Vigário”, escrita por Rolf Hochhuth, cujo enredo apontava o dedo contra Pio XII reprovando o seu silêncio acerca do extermínio dos judeus. A obra retratava Eugenio Pacelli como um diplomata meticuloso e preocupado em manter a qualquer preço uma posição neutra perante as potências em confito, de modo a preservar seu campo de ação e sua rede de colaboradores. Essa estratégia diplomática foi destacada na peça, em cujo quarto ato se assiste ao papa afirmar: “A razão de Estado exige que não se denuncie Hitler como fora da lei: é preciso manter uma porta aberta para negociar” (HOCHHUTH, 1964, p. 294HOCHHUTH, Rolf. Il Vicario. Milão: Feltrinelli, 1964.). Na sequência, depois de ouvir um cardeal sugerir-lhe um protesto explícito contra a prisão dos judeus em Roma, o pontífice responde: “Não, Eminência, assim não! Não tão diretamente nem particularmente: seria já uma tomada de posição no confito. O trono papal deve permanecer a sede do espírito neutral” (HOCHHUTH, 1964, p. 306HOCHHUTH, Rolf. Il Vicario. Milão: Feltrinelli, 1964.). Em seguida, o reproche à Igreja foi ampliado pelo historiador Saul Friedländer que, em 1964FRIEDLÄNDER, Saul. Pie XII et le IIIe Reich: documents. Paris: Éditions du Seuil, 1964., publicou uma breve compilação comentada de documentos diplomáticos do Terceiro Reich que demonstrariam, segundo o autor, a predileção do papa pela Alemanha e a sua omissão diante do holocausto (FRIEDLÄNDER, 1964FRIEDLÄNDER, Saul. Pie XII et le IIIe Reich: documents. Paris: Éditions du Seuil, 1964.). De resto, a inexistência de um pronunciamento explícito nos discursos públicos de Pacelli contra a perseguição aos judeus suscitou dúvidas mais pungentes sobre a relação da Igreja com os regimes totalitários.

A resposta do Vaticano às acusações que se lhe imputaram não tardou: em 1965, o pontífice Paulo VI confou a quatro historiadores jesuítas, liderados pelo francês Pierre Blet, que fzera aliás uma crítica severa ao livro de Friedländer (BLET, 1965BLET, Pierre. Pio XII e il Terzo Reich. La Civiltà Catolica, Roma, ano II, p. 251-258, 1965.), a missão de coletar e publicar documentos referentes aos anos de 1939 e 1940, conservados nos arquivos da Secretaria de Estado do Vaticano5 5 Além do Arquivo Apostólico Vaticano, onde estão conservados os fundos de todas as nunciaturas apostólicas, bem como documentos provenientes dos diversos organismos da cúria romana, outro importante depósito arquivístico na Cidade do Vaticano é o Arquivo Histórico da Secretaria de Estado (Archivio Storico della Segreteria di Stato – Sezione per i Rapporti con gli Stati), que armazena a documentação do órgão da Santa Sé encarregado de assuntos políticos e diplomáticos (PÁSZTOR, 1970). Os documentos que compõem a coletânea Actes et documents du Saint-Siège relatifs à la Seconde Guerre mondiale provêm do segundo arquivo. (NAPOLITANO, 2010NAPOLITANO, Mateo Luigi. Padre Blet e la collana degli Actes et documents: tra storia e memoria. Archivium Historiae Pontificiae, Roma, n. 48, p. 93-108, 2010.). Desse trabalho coletivo, resultaram os 12 volumes que compõem a coletânea Actes et documents du Saint-Siège relatifs à la Seconde Guerre mondiale, publicados entre 1965 e 1981 e organizados em torno da ação diplomática, pastoral e humanitária da Santa Sé durante o confito bélico (BLET, 1997BLET, Pierre. Pie XII et la Seconde Guerre mondiale d’après les archives du Vatican. Paris: Éditions Perrin, 1997.). Ainda que os volumes tenham sido alvo de críticas atinentes aos critérios de escolha dos documentos, parte considerável da vasta historiografia dedicada ao pontificado de Pio XII que se constituiu nas últimas décadas serviu-se dessa fonte (PERSICO, 2008PERSICO, Alessandro Angelo. Il caso Pio XII: mezzo secolo di dibatito su Eugenio Pacelli. Milão: Guerini, 2008.). O estudo progressivo dessa documentação permitiu à historiografia enquadrar de modo mais objetivo a linha político-diplomática neutra adotada por Pio XII nos anos da Segunda Guerra, inclusive no que diz respeito à “questão judaica”. Longe de ser um simpatizante do totalitarismo, ou “o papa de Hitler”, o pontífice optou por agir por meio das vias diplomáticas discretas, lentas e nem sempre eficazes no intuito de responder às consequências dramáticas das perseguições políticas e raciais, temendo o agravamento da situação na hipótese de um confronto direto entre a Santa Sé e Hitler ou Mussolini (MENOZZI, 2019MENOZZI, Daniele. Storia della Chiesa: l’età contemporanea. Bolonha: EDB, 2019.; MICCOLI, 2000MICCOLI, Giovanni. I dilemmi e i silenzi di Pio XII. Milão: Rizzoli, 2000.).

Um dos aspectos evidenciados pela coletânea arquivística solicitada pelo papa Paulo VI foi o socorro prestado pelo Vaticano às vítimas da guerra. O tema foi abordado no sexto volume da série, publicado em 1972, no qual são apresentados diversos documentos da Secretaria de Estado, tais como cartas, despachos, telegramas, notas e memorandos, que demonstram o envolvimento direto da Santa Sé com a questão humanitária. Eles indicam também o perfil dos indivíduos que apelaram ao auxílio do papa para escapar das ameaças totalitárias: em sua maioria, eram judeus convertidos ao catolicismo, ou, segundo a linguagem das fontes, “católicos não arianos”.

A hostilidade antissemita, conquanto possuísse raízes históricas mais profundas (YERUSHALMI, 1982YERUSHALMI, Yosef. Assimilation and racial anti-Semitism: the Iberian and the German models. New York: Leo Baeck Institute, 1982.), ganhou força na Europa no início do século XX e atingiu seu ápice na década de 1930 com a incorporação das teorias raciais no ordenamento jurídico. Em 1935, foram promulgadas na Alemanha as Leis de Nuremberg, as quais, inspirando-se nas leis de segregação racial norte-americanas (WHITMAN, 2017WHITMAN, James. Hitler’s American model: the United States and the making of Nazi Race Law. Princeton: Princeton University Press, 2017.), privavam os judeus de direitos civis e proibiam o casamento e as relações sexuais entre eles e os arianos. Do mesmo modo, em 1938, a Itália fascista promulgou as Leggi razziali, um conjunto normativo discriminatório que afastava os judeus dos cargos públicos, privava-os da cidadania italiana, vedava os matrimônios mistos e definia a “raça” como um conceito puramente biológico, sem relação com a história, com a língua ou com a religião (CAMPAGNANO, 2011CAMPAGNANO, Anna Rosa. In difesa della razza: os judeus italianos refugiados do fascismo e do antissemitismo do Governo Vargas, 1938-1945. São Paulo: Universidade de São Paulo; Fapesp, 2011.). Por isso, mesmo pessoas que não possuíam vínculos efetivos com a religião ou com a cultura hebraica, como judeus convertidos ou seculares, encontraram-se expostas às violências físicas e morais que resultaram da implementação da legislação racial. Essa era, portanto, a situação de muitos dos indivíduos que recorreram ao Vaticano: a despeito de professarem o catolicismo, estavam condenados às penas das leis raciais em função da origem judaica.

Ainda que as normas anti-hebraicas não levassem em conta a religião dos sujeitos sancionados, para o magistério oficial da Igreja, o batismo deveria sobrepôr-se à “identidade racial”, de modo que um judeu que recebesse o sacramento incorporava-se plenamente à comunidade eclesial. No entanto, a aplicação desse princípio nem sempre foi tão clara em razão da influência duradoura do antissemitismo sobre uma parte da cultura católica, mesmo no período pós-guerra (MAZZINI, 2012MAZZINI, Elena. L’antiebraismo catolico dopo la Shoah: tradizioni e culture nell’Italia del secondo dopoguerra (1945-1974). Roma: Viella, 2012.). Com efeito, estudos recentes demonstraram a intransigência persistente de alguns setores do catolicismo, influenciados tanto por esteriótipos do antigo anti-judaísmo cristão quanto por elementos do antissemitismo político, para os quais os judeus representavam uma ameaça à “civilização cristã” (DELL’ERA, 2018DELL’ERA, Tommaso. Chiesa catolica, razzismo, antisemitismo e fascismo: le letere dell’agosto 1938 tra Giovanni Cazzani, vescovo di Cremona, e Roberto Farinacci, gerarca fascista. Giornale di storia, [s.l.], n. 28, 2018. Disponível em: htps://www.giornaledistoria. net/saggi/articoli/chiesa-catolica-razzismo-antisemitismo-fascismo-le-letere-dellagosto-1938-giovanni-cazzani-vescovo-cremona-roberto-farinacci-gerarca-fascista/. Acesso em: 6 out. 2021.
htps://www.giornaledistoria. net/saggi/a...
; MENOZZI, 2014MENOZZI, Daniele. “Giudaica perfdia”: uno stereotipo antisemita fra liturgia e storia. Bolonha: Il Mulino, 2014.; MICCOLI, 2013MICCOLI, Giovanni. Antisemitismo e catolicesimo. Brescia: Morcelliana, 2013.; RICCARDI, 2020RICCARDI, Andrea (org.). La svolta del 1938: fascismo, catolicesimo e antisemitismo. Milão: Guerini, 2020.; VALBOUSQUET, 2020VALBOUSQUET, Nina. Catholique et antisémite: le réseau de Mgr Benigni, 1918-1934. Paris: CNRS Éditions, 2020.; ZANINI, 2019ZANINI, Paolo. La Chiesa e il mondo catolico italiano di fronte alle leggi antiebraiche. In: D’AMICO, Marilisa et al. (org.) L’Italia ai tempi del ventennio fascista: tra storia, scienza e dirito: a otant’anni dalla promulgazione delle leggi antiebraiche. Milão: FrancoAngeli, 2019. p. 179-190.). Apesar da reticência e da ambiguidade de alguns católicos diante da eficácia da conversão do povo hebraico ao cristianismo, prevaleceu no campo da diplomacia pontifícia a orientação segundo a qual todo judeu convertido era um membro da Igreja e, portanto, um súdito do pontífice que nisso se baseou para legitimar a sua ação no plano internacional em proveito dos pedidos de socorro que lhe foram dirigidos pelas vítimas das leis raciais. Os arquivos do pontificado de Pio XII indicam que muitas dessas súplicas foram feitas diretamente à Secretaria de Estado do Vaticano, tanto pelos próprios interessados quanto por associações ou benfeitores, e provinham de diferentes regiões da Europa, em particular da Alemanha e da Itália, somando cerca de 2.800 dossiês, os quais foram armazenados numa série arquivística específica intitulada “Serie Ebrei6 6 A série em questão integra o acervo do Arquivo Histórico da Secretaria de Estado. Os documentos desse fundo consistem em cartas enviadas por cidadãos de diferentes nacionalidades europeias (sobretudo italianos e alemães), que se dirigiam à Santa Sé solicitando assistência para emigrar para os Estados Unidos ou para países da América Latina. Alguns casos documentados nesse fundo foram recentemente analisados, com perspectivas bastante diversas, em: ICKX, 2020; KERTZER, 2022. .

Desde a publicação dos Actes et documents du Saint-Siège, já se sabia que o principal requerimento dos “católicos não arianos” consistia no auxílio para a obtenção de um visto que lhes consentisse emigrar. Também se sabia que uma das principais metas de emigração era o Brasil, em razão da chamada “action brésilienne7 7 ACTES ET DOCUMENTS DU SAINT-SIÈGE (ADSS), v. 6, p. 12, 1972. , ou seja, a negociação entre o papa e o governo brasileiro para a concessão de vistos. O acervo documental demonstrava como o Vaticano utilizou a posição internacional privilegiada em que se encontrava para colocar sua rede diplomática a serviço da questão humanitária. No entanto, as fontes não permitiam extrapolar o campo político-diplomático, pois nelas constavam essencialmente documentos dessa natureza. Em razão da escassez de documentação, pouco se sabia sobre os refugiados socorridos pelo papa, como reconhecia de antemão Avraham Milgram no livro que dedicou aos “judeus do Vaticano” (MILGRAM, 1994, p. 20MILGRAM, Avraham. Os judeus do Vaticano: a tentativa de salvação de católicos não-arianos da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942). Rio de Janeiro: Imago, 1994.). Tampouco os autores que o precederam no exame do tema puderam prestar maiores esclarecimentos sobre esse particular (CARNEIRO, 1988CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na Era Vargas (1930-1945). São Paulo: Brasiliense, 1988.; MORLEY, 1980MORLEY, John. Vatican diplomacy and the jews during the Holocaust 1939-1943. Nova Iorque: Ktav Publishing House, 1980.; REUTTER, 1971REUT TER , Lutz-Eugen. Katholische Kirche als Fluchthelfer im Driten Reich: die Betreuung von Auswanderern durch den St. Raphaels-Verein. Recklinghausen-Hamburg: Paulus Verlag, 1971.).

Os arquivos do pontificado de Pio XII abrem, por isso, novas perspectivas de estudo que permitem dar voz aos protagonistas, muitos dos quais pouco conhecidos, dessa intrincada história. Por meio dessas fontes, será possível, por exemplo, conhecer a origem e a trajetória dessas pessoas, além de detalhes acerca do contexto cultural e religioso no qual viviam. Também será possível reconstituir o itinerário dos pedidos de assistência, desde a formulação até a apreciação pelo cardeal Luigi Maglione, cuja ação à frente da Secretaria de Estado entre 1939 e 1944 fez dele um personagem central dos acontecimentos. Por fm, nos casos em que a sorte concorreu para o sucesso da empreitada, será possível investigar o destino final dos refugiados que obtiveram o visto brasileiro, através da chamada “quota do Vaticano”, e o processo de integração desses indivíduos no novo país.

Ainda é cedo para se projetar uma ampla prosopografia dos refugiados que partiram para o Brasil com o auxílio do Vaticano, tanto pela novidade dos arquivos quanto pelo volume de documentos. Por isso, limitamo-nos aqui a apresentar uma investigação preliminar que visa, por um lado, a contextualizar o debate historiográfico nacional e estrangeiro e, por outro, a introduzir na discussão novas perspectivas a partir das fontes inéditas. Em primeiro lugar, analisaremos como evoluíram as negociações entre o governo de Getúlio Vargas e o Estado do Vaticano em relação à concessão de vistos para os “católicos não arianos”. Em seguida, apresentaremos dois casos representativos da complexa trajetória percorrida pelos refugiados, desde o pedido de assistência até a chegada ao Brasil, destacando em particular a mobilização da rede diplomática da Santa Sé em torno da questão humanitária.

As negociações pela “quota do Vaticano”

A história da concessão de vistos brasileiros aos “católicos não arianos” começa na Europa e é fruto da mobilização de bispos, religiosos e diplomatas, os quais, à medida que a perseguição racial se agravava, formaram uma rede transnacional de auxílio humanitário cujo ponto de convergência era o Vaticano. Nesse cenário, foi particularmente importante o papel da Suíça, país neutro para onde confluíram muitos judeus provenientes da Alemanha e da Itália, e no qual logo se constituíram associações, como a Caritas, de assistência aos refugiados de passagem pelo território suíço. Do ponto de vista político, a iniciativa de engajar a diplomacia vaticana numa discussão com o governo de Getúlio Vargas partiu do arcebispo de Munique, cardeal Michael von Faulhaber, que numa carta de 31 de março de 1939, endereçada ao papa Pio XII, sugeriu que a Santa Sé solicitasse ao governo brasileiro a emissão de 3.000 vistos em favor dos católicos de origem judaica8 8 ADSS, v. 6, p. 64, 1972. . O mesmo foi feito por Hermann Wilhelm Berning, arcebispo de Osnabrück, que também se dirigiu ao pontífice insistindo na pertinência de uma intervenção do Vaticano em prol dos refugiados9 9 ADSS, v. 6, p. 66, 1972. .

A referência ao Brasil por parte de importantes membros da hierarquia eclesiástica europeia como via escapatória para aqueles que padeciam sob os efeitos nefastos das leis raciais na Europa merece refexão. Por que esse país sul-americano se tornou uma saída para aliviar a crise humanitária defagrada pela guerra? Em primeiro lugar, o Vaticano conhecia a longa experiência brasileira no acolhimento de estrangeiros e sabia que o país continuava a precisar deles, tanto para superar a baixa densidade demográfica quanto para suprir a demanda de mão de obra. Em segundo lugar, um dos principais interlocutores das associações católicas interessadas pelos refugiados na Suíça era Hélio Lobo, embaixador do Brasil junto à Organização

Internacional do Trabalho. Foi ele quem levou o delicado assunto da emissão de vistos brasileiros para “católicos não arianos” ao conhecimento de Oswaldo Aranha, então ministro das Relações Exteriores, depois de ter sido procurado por membros de associações católicas suíças e alemãs (MILGRAM, 1994, p. 85MILGRAM, Avraham. Os judeus do Vaticano: a tentativa de salvação de católicos não-arianos da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942). Rio de Janeiro: Imago, 1994.).

A questão dos refugiados judeus chegou ao Brasil num momento de redefinição da política migratória que resultou na adoção de regras mais restritivas. O primeiro sinal dessa mudança de rumos foi dado pelo Decreto nº 19.482 de 1930, com o qual se restringiu significativamente o acesso de cidadãos estrangeiros ao território nacional. Em 1934, a Constituição Federal fixou um critério de quotas a ser seguido na regulamentação de políticas migratórias, condicionando a entrada de imigrantes à garantia da integração étnica e determinando que o fluxo migratório proveniente de um determinado país não poderia “exceder anualmente o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos” (art. 121, §6º). Em seguida, outros textos legislativos tratando do mesmo tema foram promulgados: até o fm do Estado Novo, foram publicadas cerca de 250 normas e 64 circulares para disciplinar os fluxos migratórios (KOIFMAN, 2020, p. 159-206KOIFMAN, Fábio. Política imigratória no primeiro governo Vargas (1930-1945). In: REZNIK, Luís (org.). História da imigração no Brasil. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2020. p. 159-206.).

Além do controle quantitativo, o governo de Vargas também buscou promover uma análise qualitativa dos estrangeiros admitidos no país. Tratava-se, na prática, de uma seleção étnica dos imigrantes que se justificativa pela ideia, então difusa entre políticos e intelectuais, de que o atraso econômico do Brasil decorria de sua composição racial heterogênea. Por isso, o governo desejava interferir no perfil fortemente miscigenado da sociedade trazendo para o país novos europeus aptos ao trabalho agrícola, de religião cristã e culturalmente assimiláveis. Por meio de imigrantes cuidadosamente escolhidos, as autoridades encarregadas das políticas migratórias buscavam promover ao mesmo tempo três ações: preencher o vazio demográfico, suprir a carência de mão de obra e branquear a população brasileira. De resto, em 1938, o governo brasileiro instituiu o Conselho de Imigração e Colonização (CIC), órgão técnico de controle, estudo e coordenação das políticas migratórias. Dentre as medidas por ele tomadas, merece destaque a fundação da Revista de Imigração e Colonização, cujas publicações constituem ainda hoje fontes relevantes para a análise histórica do fenômeno migratório durante a Era Vargas (SIQUEIRA, 2006SIQUEIRA, Osvaldo Nunes de. Biotipologia do imigrante no discurso da Revista de Imigração e Colonização (1940-1955). Dissertação de Mestrado, História, Faculdade de Filosofa, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2006.). Desde o primeiro volume, publicado em janeiro de 1940, a revista destacava que, não obstante a presença estrangeira continuasse a ser um problema vital para o Brasil, a livre imigração que caracterizara os fluxos de europeus no século precedente não era mais adequada às circunstâncias do momento. Por essa razão, era necessário definir critérios para o acolhimento de imigrantes, e não apenas quantitativos.

De acordo com o artigo escrito pela secretaria do CIC para a edição inaugural da revista, “para os países novos como o Brasil a política imigratória que mais convém é a que tem em vista evitar os elementos indesejáveis e os de difícil assimilação”10 10 PRIMEIRO ano de trabalhos do Conselho de Imigração e Colonização. Revista de Imigração e Colonização, Rio de Janeiro, ano I, n. 1, p. 6, jan. 1940. . Por meio de uma distinção entre estrangeiros “desejáveis” e “indesejáveis”, o Estado poderia unir a questão migratória à questão étnica servindo-se dos imigrantes como elementos úteis de composição de uma nova identidade nacional (CARNEIRO, 2018bCARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Imigrantes indesejáveis: a ideologia do etiquetamento durante a Era Vargas. Revista USP, São Paulo, n. 119, p. 115-130, 2018b.). Os critérios que deveriam ser levados em conta eram exemplificados no mesmo artigo:

Entre os fatores favoráveis à assimilação estão a afinidade étnica, a imigração familiar, os esforços do Estado no sentido de facilitar a adaptação do elemento estrangeiro, a igualdade econômica e social entre os trabalhadores nacionais e estrangeiros, os casamentos mistos e a religião.11 11 Ibid., p. 7.

Diante de uma política migratória assim definida, algumas questões se impõem: qual era a postura do governo em relação aos imigrantes judeus? Eram eles desejáveis ou indesejáveis? Os “judeus do Vaticano”, porquanto batizados, eram tratados de modo diverso? Estudos notáveis e com perspectivas diferentes já exploraram essas interrogações trazendo à luz a incoerência do governo brasileiro no enfrentamento da questão dos refugiados de origem judaica (CARNEIRO, 1988CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na Era Vargas (1930-1945). São Paulo: Brasiliense, 1988., 2010CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Cidadão do mundo: o Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados do nazifacismo (1933-1948). São Paulo: Perspectiva, 2010.; CYTRYNOWICZ, 2005CYTRYNOWICZ, Roney. Cotidiano, imigração e preconceito: a comunidade judaica nos anos 1930 e 1940. In: GRINBERG, Keila (dir.). Os judeus no Brasil: inquisição, imigração e identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. p. 287-314.; GLASBERG, 2021GLASBERG, Rubens. Os indesejados: uma história de refugiados no tempo do nazismo. São Paulo: Terceiro Nome, 2021.; KOIFMAN, 2002KOIFMAN, Fábio. Quixote nas trevas: o embaixador Souza Dantas e os refugiados do nazismo. Rio de Janeiro: Record, 2002., 2012KOIFMAN, Fábio. Imigrante ideal: o Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012., 2020KOIFMAN, Fábio. Política imigratória no primeiro governo Vargas (1930-1945). In: REZNIK, Luís (org.). História da imigração no Brasil. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2020. p. 159-206., 2021KOIFMAN, Fábio; AFONSO, Rui. Os vistos concedidos no Consulado do Brasil em Hamburgo: 1938-1939. In: MILGRAM, Avraham; KOIFMAN, Fábio; FALBEL, Anat (org.). Judeus no Brasil: história e historiografia: ensaios em homenagem a Nachman Falbel. Rio de Janeiro: Garamond, 2021.; LESSER, 1995LESSER, Jeffrey. Welcoming the undesirables: Brazil and the Jewish question. Berkeley: University of California Press, 1995.; LEWIN, 2019LEWIN, Helena. Da colônia à república: judeus construindo sua identidade brasileira. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2019.; MILGR AM, 1995). O paradoxo que emerge desses trabalhos é este: por um lado, o Brasil prometia ao Vaticano ajudar os “católicos não arianos” concedendo-lhes uma quota de 3.000 vistos; por outro, criava empecilhos ao acolhimento de refugiados judeus, tais como a exigência de um certificado de batismo anterior a 1935, a remessa de dinheiro ao Brasil e a priorização de trabalhadores rurais.

A postura das autoridades brasileiras explica-se, por um lado, pelo endurecimento da política migratória em geral; por outro, pelo antissemitismo que circulava entre alguns membros da administração, sobretudo no Ministério das Relações Exteriores (Carneiro, 1988CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na Era Vargas (1930-1945). São Paulo: Brasiliense, 1988.). De resto, a oposição de integrantes do órgão diplomático ao acolhimento de judeus levou o Itamaraty a emitir diversas circulares secretas impondo aos consulados brasileiros um tratamento mais severo dos requerimentos apresentados por “semitas”. A Circular nº 1.127 de 1937, por exemplo, determinava que os cônsules recusassem o visto a toda pessoa cuja “origem étnica semítica” fosse conhecida, por declaração própria do interessado ou por outro meio seguro de informação, ressalvando-se, porém, os indivíduos que se declarassem católicos e apresentassem uma certidão de batismo (CARNEIRO, 1988, p. 168CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na Era Vargas (1930-1945). São Paulo: Brasiliense, 1988.). Outro opositor da imigração judaica era Francisco Campos12 12 Sobre as políticas migratórias do ministro Francisco Campos, veja-se: KOIFMAN, 2012. , ministro da Justiça, que num memorando endereçado ao presidente Vargas sustentou que o Brasil não era culpado pelas perseguições e dificuldades de vida na Europa e não deveria, por isso, “converter-se numa fácil hospedaria da massa de refugiados sem recursos nem conhecimento técnico e, muitas vezes, sem idoneidade moral” (MILGRAM, 1994, p. 133MILGRAM, Avraham. Os judeus do Vaticano: a tentativa de salvação de católicos não-arianos da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942). Rio de Janeiro: Imago, 1994.).

Além dos aspectos políticos internos, já analisados em detalhes pela historiografia nacional, é preciso investigar também como a Igreja reagiu às regras impostas pelo Brasil na questão dos refugiados. Uma leitura unilateral dos fatos poderia sugerir que o Vaticano desconhecesse as hesitações do governo brasileiro no tratamento desse dossiê e as restrições impostas pelos agentes consulares à emissão de vistos aos judeus. No entanto, ainda que não seja possível saber se as motivações antissemitas das circulares secretas do Itamaraty chegaram ao conhecimento da Santa Sé, a documentação da diplomacia vaticana demonstra que os colaboradores do papa tinham consciência da possível resistência por parte das autoridades brasileiras em viabilizar o plano de auxílio aos “católicos não arianos”. É o que indica, por exemplo, o telegrama de 28 de janeiro de 1939, enviado pelo cardeal Eugenio Pacelli, o Secretário de Estado que poucas semanas depois ascenderia ao trono pontifício com o nome de Pio XII, ao arcebispo Benedeto Aloisi Masella, núncio apostólico no Rio de Janeiro, pedindo-lhe que averiguasse se a oposição do governo brasileiro ao ingresso dos “católicos não arianos” era real. Em caso afirmativo, Pacelli sugeria que o representante do papa se valesse da influência de dom Sebastião Leme da Silveira Cintra, arcebispo do Rio de Janeiro, para pressionar o presidente Getúlio Vargas:

Da notizie qui pervenute, alcune autorità brasiliane oppongono dificoltà ingresso Brasile profughi catolici non ariani. Se ciò corrisponde realtà, voglia V. Ecc. Revma. pregare codesto cardinale Arcivescovo affinché induca Presidente della Repubblica impedire tale opposizione.13 13 Arquivo Apostólico Vaticano (AAV), Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fl. 2.

A crise humanitária agravou-se no início de 1939 quando a iminência da guerra trouxe novas preocupações às vítimas raciais. Por esse motivo, e pressionado por religiosos envolvidos com o assunto, o Vaticano iniciou uma discussão diplomática com o Brasil visando a favorecer o acolhimento de um número de refugiados acima das quotas migratórias por nacionalidade estabelecidas pelo direito brasileiro (Decreto-Lei nº 406 de 4 de maio de 1938). A princípio, falava-se em 3.000 “cristãos alemães não arianos”, os quais seriam assistidos pela Sociedade São Rafael (Raphaelsverein), associação com sede em Hamburgo e com vasta experiência no âmbito das questões migratórias (REUTTER, 1971REUT TER , Lutz-Eugen. Katholische Kirche als Fluchthelfer im Driten Reich: die Betreuung von Auswanderern durch den St. Raphaels-Verein. Recklinghausen-Hamburg: Paulus Verlag, 1971.). No dia 5 de abril de 1939, o novo Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Luigi Maglione, enviou um telegrama ao núncio Masella expondo a situação delicada dos refugiados alemães e manifestando o interesse de vários bispos europeus em salvar esses indivíduos enviando-os para o Brasil:

Atesa penosissima situazione catolici non ariani costreti abbandonare Germania al più presto senza avere un paese che li accolga. Cardinale Arcivescovo Monaco, come anche episcopato Baviera e Card. Arcivescovo Breslavia implorano intervento Santo Padre presso codesto Presidente della Repubblica affinché in via eccezionale e all’infuori quota immigrazione 1939, già esaurita, sia accordato permesso immigrare Brasile nei prossimi mesi a 3.000 cristiani tedeschi non ariani; nomi di tali 3.000 persone, insieme relative informazioni vengono tosto segnalate dell’associazione Raphaelsverein di Amburgo al competente consolato brasiliano. Dopo aver preso gli ordini del S. Padre, al quale la cosa sta sumamente a cuore, interessa V.E. fare passi opportuni a tal riguardo.14 14 AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fl. 3.

Dando providência ao telegrama da cúria romana, o núncio apostólico enviou no dia 14 de abril uma carta ao presidente Getúlio Vargas expondo o desejo do papa de que o Brasil recebesse os refugiados católicos de origem judaica, cujos nomes seriam indicados pela Sociedade São Rafael ao consulado brasileiro em Hamburgo:

Tenho a honra de comunicar a V. Excia. que o Emo. Senhor Cardeal Luigi Maglione, Secretário de Estado de S.S., o Papa Pio XII, em vista da penosa situação em que vivem atualmente os católicos alemães não arianos, enviou-me ordens, depois de ter recebido instruções do S. Padre, para dirigir-me a V. Excia. a fm de obter a necessária autorização para a entrada no Brasil de três mil alemães não arianos de religião cristã. Os nomes e as informações dessas pessoas serão entregues ao consulado brasileiro de Hamburgo pela Associação Católica de auxílio Raphaelsverein. Peço, portanto, por meio desta, a V. Excia. o obséquio de conceder esta autorização. Estou certo de que no seu coração magnânimo e generoso repercutirá favoravelmente o eco deste pedido. Posso assegurar a V. Excia. que a autorização benévola de entrada para estes alemães será mais um laço forte que unirá o coração do S. Padre, gloriosamente reinante, aos destinos desta terra.15 15 AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fl. 7.

A solicitação do Vaticano foi encaminhada ao CIC que emitiu em 23 de junho de 1939 um parecer favorável ao requerimento do pontífice, subordinando a aceitação dos refugiados às condições fixadas pela resolução nº 39, dentre as quais merecem destaque: 1) a imigração dos 3.000 católicos não arianos seria concedida no âmbito das quotas fixadas para cada nação; 2) as famílias acolhidas deveriam ser compostas de pelo menos três membros aptos a trabalhar na agricultura ou na indústria; 3) todas as despesas da viagem seriam bancadas pelos imigrantes; 4) os interessados deveriam transferir 20 contos de réis por família para o Banco do Brasil16 16 AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fl. 22. . Além disso, um regulamento enviado pelo Ministério das Relações Exteriores à embaixada do Brasil junto à Santa Sé, em março de 1940, declarava que seriam concedidos vistos apenas a católicos cujos sentimentos religiosos fossem atestados por autoridades eclesiásticas e que apresentassem um certificado de batismo anterior a 193317 17 ADSS, v. 6, p. 253, 1972. . Monsenhor Domenico Tardini, então substituto na Secretaria de Estado do Vaticano, manifestou surpresa ao embaixador brasileiro diante da última exigência: “Faccio rifetere (…) che è un po’ troppo esigere il batesimo prima del 1933. Mi risponde che in ogni caso basterà un certificato della Segreteria di Stato che garantisce la bontà e la serietà dei rifugiati”18 18 ADSS, v. 6, p. 254, 1972. . Embora não seja possível avaliar quanto tenha pesado a advertência da cúria, o Itamaraty, de fato, alterou a regra e fixou o ano de 1935 como referência para as certidões de batismo19 19 ADSS, v. 6, p. 423, 1972. .

As condições dificilmente exequíveis impostas pelo governo brasileiro também foram criticadas pela Sociedade São Rafael, cujos representantes escreveram ao cardeal Maglione expondo as inúmeras dificuldades práticas que elas impunham aos refugiados:

Se questa decisione dovesse essere comunicata a V.E., bisogna dire purtroppo che in pratica è labile l’intero valore della generosa adesione del sig. Presidente Vargas alla Santa Sede. Per dirne soltanto qualcuna, tuta la dificoltà in cui si trovano i catolici non ariani che emigrano dalla Germania è caraterizzata dal fato che essi non hanno divise (…) La beneficenza catolica d’America e di altri paesi benestanti è così impegnata che anche questi non possono venire in aiuto. È anche una condizione praticamente inatuabile, che debbano emigrare soltanto famiglie con almeno 3 persone capaci di lavorare. Proprio i più giovani, gli scapoli e le coppie senza fgli hanno bisogno di assistenza. Anche la limitazione dell’atività degli immigranti alla sola agricoltura e all’industria viene in pratica a togliere ogni valore a quella adesione, se questa è applicata rigorosamente; poiché fra i nostri proteti la percentuale di agricoltori e di operai di fabbrica è minima, e un cambiamento di atività può certo rendere un gran numero di persone ato a svariati mestieri manuali, ma non potrà in nessun modo dare utili risultati nell’industria e nell’agricoltura. Noi non possiamo nemmeno immaginarci che il sig. Presidente Getúlio Vargas, dopo di avere accordato, in omaggio al Santo Padre, i 3.000 visti per catolici non ariani, voglia porre delle condizioni che in pratica sono ineseguibili […] Perciò vorrei rispetosamente rivolgere a V.E. la caldissima preghiera di far sì, con la massima sollecitudine, e per mezzo degli opportuni argomenti, che le condizioni per l’uso dei 3.000 visti corrispondano all’efetiva situazione dei catolici non ariani della Germania.20 20 AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fls. 31-32.

Para eliminar qualquer sombra de dúvida quanto ao perfil dos refugiados, o secretário geral da Sociedade São Rafael, padre Max Grösser, escreveu a Roma no dia 1º de setembro de 1939 sugerindo que a Santa Sé enfatizasse perante o governo brasileiro a religião professada pelos assistidos. Vislumbrando a existência de alguma motivação antissemita por trás da restrição ao fluxo migratório, o sacerdote alemão julgava importante que o Vaticano deixasse claro nas negociações com os interlocutores brasileiros que os refugiados beneficiados pela quota extraordinária professavam a religião católica e não possuíam com o judaísmo nenhum vínculo além do genealógico:

Il semble opportun de faire savoir tout d’abord aux autorités Brésiliennes qu’il ne s’agit nullement ici de Juifs et, qui, pour des raisons secondaires, auraient été baptisés dans les derniers temps, mais qu’il s’agit au contraire de catholiques baptisés depuis longtemps, voire même sitôt après leur naissance. Ces personnes n’ont aucun rapport avec la Synagogue, ni avec les Juifs, mais sont au contraire des membres de toute valeur au sein de l’Église catholique et ce n’est que par suite de leur descendance qu’ils sont susceptibles d’être ateints par les lois allemandes, lois qui au contraire de l’Italie, ne tiennent aucun compte de la religion des personnes en question, mais qui touchent tous ceux qui sont de descendance non-arienne, n’importe la religion à laquelle ils appartiennent. Il ne subsiste aucun doute que ces catholiques s’assimileront rapidement et sans frotements et deviendront de dignes citoyens brésiliens.21 21 AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fls. 54-57.

Das reações da Sociedade São Rafael às disposições emanadas pelo governo brasileiro para o acolhimento dos “católicos não arianos”, emergem as duas principais dificuldades que se apresentavam a esses indivíduos: por um lado, demonstrar a sinceridade da conversão ao catolicismo nos casos em que ela fosse recente; por outro, conseguir os meios financeiros adequados não somente para arcar com as despesas da viagem ao Brasil como também para pagar os emolumentos exigidos pelo governo (valores, aliás, cobrados de todos os estrangeiros que desejassem obter um visto brasileiro, nos termos do art. 71 do Decreto-Lei nº 406 de 1938). A primeira dificuldade acentuava-se com a exigência pelas representações consulares de um certificado de batismo com data anterior a 1935, sob a suspeita de “falsas conversões” motivadas apenas pelo desejo de emigrar. A segunda, por sua vez, agravava-se pela precariedade em que viviam os refugiados: sem trabalho e expulsos do próprio país, eram poucos os que ainda possuíam bens ou dinheiro. Ciente de que esses obstáculos dificultariam a execução da medida e beneficiaram de fato poucas pessoas, a Santa Sé deu novos passos, dentro dos limites da diplomacia, para buscar alternativas que fexibilizassem a emissão de vistos. Em alguns casos, a pressão da cúria foi bem-sucedida, como exemplifica a obtenção da dispensa do requisito econômico aos refugiados indicados pela Sociedade São Rafael, comunicada pelo Itamaraty em despacho a Hildebrando Accioly, embaixador do Brasil na Cidade do Vaticano:

Cabe-me comunicar a V. Ex. que foram transmitidas instruções à embaixada do Brasil em Berlim, no sentido de ser dispensado o cumprimento da exigência monetária, para efeito do visto nos seus passaportes, quando os interessados não possuírem recursos econômicos necessários àquele fm e sejam recomendados pela Associação Católica Raphaelsverein22 22 Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), Cidade do Vaticano, Despachos 18/1/12. Despacho do Ministério ao Embaixador Hildebrando Accioly (3.1.1940). .

As instruções do Ministério, porém, não parecem ter sido seguidas fielmente pelas autoridades diplomáticas brasileiras na Alemanha, porquanto em abril de 1940 o próprio embaixador Accioly, depois de uma reclamação feita pelo núncio em Berlim de que os vistos aos “católicos não arianos” naquele país vinham sendo sistematicamente negados, enviou um ofício ao Rio de Janeiro pedindo providências:

Em nota de que Vossa Excelência se dignará encontrar cópia em anexo, a Secretaria de Estado de Sua Santidade, baseada em queixa do núncio apostólico em Berlim, pediu encarecidamente a interposição dos bons ofícios desta embaixada junto àquela a fm de que cesse semelhante situação, incompatível com o que fora aqui combinado. Por meio de cartas particulares, dirigidas ao meu colega em Berlim, solicitei a sua atenção para o caso, explicando-o da melhor maneira que me foi possível. Infelizmente, até agora, não obtive resultado algum. Nestas condições, muito agradeceria a Vossa Excelência a bondade de providenciar, como lhe parecer justo, para que a promessa feita ao Santo Padre pelo Senhor Presidente da República e a palavra dada por esta embaixada ao Vaticano, em documento oficial, nas circunstâncias acima expostas, possam ser cumpridas.23 23 AHI, Cidade do Vaticano, Ofícios recebidos (outubro de 1939 a junho de 1940), 17/3/6. Ofício do Embaixador Hildebrando Accioly ao Ministério (8.6.1940).

Alguns meses mais tarde, em agosto de 1940, os representantes da Sociedade São Rafael voltaram a sinalizar o problema a Cesare Orsenigo, núncio apostólico em Berlim. Segundo os membros da associação, as autoridades diplomáticas brasileiras na Alemanha continuavam a alegar que não dispunham de nenhuma instrução do governo acerca da distribuição de vistos aos “católicos não arianos”. Por isso, o padre Alessandro Menningen, membro da Sociedade que mantinha contatos com a embaixada brasileira na capital alemã, sugeriu ao núncio que Roma pressionasse o governo para que os vistos pudessem ser distribuídos diretamente pelo consulado em Hamburgo24 24 O governo brasileiro e o Vaticano concordaram em disponibilizar 3.000 vistos aos “católicos não arianos”, os quais seriam assim distribuídos: 2.000 ficariam a cargo do embaixador em Berlim e do cônsul em Hamburgo; os outros 1.000 seriam distribuídos pelo embaixador junto à Santa Sé a postulantes provenientes de outros países europeus e indicados pela cúria (cf. ADSS, v. 6, p. 362). Apesar disso, como demonstram as denúncias dos representantes da Sociedade São Rafael, as autoridades diplomáticas brasileiras na Alemanha não respeitaram o acordo. De fato, nem sequer as intervenções do Vaticano junto ao governo do Brasil parecem ter surtido efeito, pois nenhum dos 959 vistos concedidos a “católicos não arianos” entre 1939 e 1941 proveio de Berlim ou de Hamburgo. O caso dos consulados na Alemanha merece decerto novas investigações que também levem em conta o papel de intermediação desempenhado pela Sociedade São Rafael, em particular porque o debate historiográfico tem opiniões bastante divergentes acerca da ação do consulado do Brasil em Hamburgo na questão dos refugiados (KOIFMAN, 2021; SCHPUN, 2011). , argumentando que a embaixada do Brasil em Berlim “ayant des inclinations anti-sémitiques trouvera toujours de nouvelles dificultés”25 25 ADSS, v. 6, p. 390, 1972. . Diante da inércia dos diplomatas brasileiros na Alemanha, o cardeal Maglione enviou em 16 de setembro de 1940 um novo telegrama ao núncio Masella incitando-o a intervir no Rio de Janeiro para que o acordo fosse colocado em prática pelo governo: “Vostra Eccelenza compiacciasi intervenire nuovamente presso codesto governo affinché ambasciatore Berlino o console brasiliano Amburgo comincino finalmente pratiche emigrazione”26 26 ADSS, v. 6, p. 415, 1972. . De fato, em Berlim o acordo entre o Brasil e a Santa Sé parece ter sido conscientemente ignorado pelo embaixador Cyro de Freitas Valle (chefe daquela embaixada entre 1939 e 1942), cujo posicionamento era de oposição intransigente à entrada de judeus no Brasil (CARNEIRO, 1988, p. 327-333CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na Era Vargas (1930-1945). São Paulo: Brasiliense, 1988.; MILGRAM, 1994, pp. 113-119MILGRAM, Avraham. Os judeus do Vaticano: a tentativa de salvação de católicos não-arianos da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942). Rio de Janeiro: Imago, 1994.).

Por outro lado, as autoridades eclesiásticas empenhavam-se para levar o plano adiante concretizando-o tanto quanto possível. Apesar do pragmatismo diplomático que orientava suas ações, o Vaticano nem sempre permanecia indiferente ao contexto dos refugiados que lhe pediram auxílio. Em diversas circunstâncias, o cardeal Luigi Maglione, por intermédio do núncio apostólico no Rio de Janeiro ou em diálogo direto com o embaixador do Brasil junto à Santa Sé, tentou convencer o governo Vargas a fexibilizar a exigência relativa à data do batismo. É o que atesta, por exemplo, a carta endereçada pelo núncio Masella ao ministro Oswaldo Aranha, em 29 de julho de 1940, exprimindo o desejo do pontífice de que os judeus recentemente convertidos também pudessem ser beneficiados pela quota de vistos a “católicos não arianos”:

Tenho a honra de comunicar Vossa Excelência que o Santo Padre Pio XII, gloriosamente reinante, deseja com muito empenho que, da benévola concessão feita em junho do ano passado pelo Ex.mo Senhor Presidente da República em favor de 3.000 católicos não arianos possam usufruir também os católicos não arianos recentemente batizados, desde que sua sincera conversão seja testificada pela autoridade eclesiástica. Far-me-há Vossa Excia. um grande favor, obtendo para esse fm a necessária autorização do governo.27 27 AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fls. 90-91.

Paradoxalmente, o pedido foi formulado poucos meses depois de uma audiência do embaixador Accioly com monsenhor Domenico Tardini, substituto na Secretaria de Estado, que registrou numa nota escrita de 20 de maio de 1940 que o representante brasileiro alegara durante o encontro que os judeus que chegavam ao Brasil “fanno pessima impressione” e que muitos tinham sido batizados em 193928 28 ADSS, v. 6, p. 313, 1972. . Apesar disso, a resposta do governo à carta do núncio Masella foi positiva e os detalhes foram rapidamente comunicados a Roma, por meio de um telegrama enviado ao cardeal Maglione em 2 de agosto de 1940, confirmando que embora as autoridades do Brasil não desejassem o ingresso de muitas pessoas sem dinheiro ou sem trabalho, temendo desordens socioeconômicas, o governo estava disposto a fazer concessões:

Governo animato migliori disposizioni conferma concessioni fate, però non desidera venuta molte persone che senza denaro e lavoro creano dificoltà ordine economico. 1) Governo consente venuta 3.000 catolici che portino 20 mila lire; 2) A quelli che non portano deta somma sarà permessa entrata se hanno antecedentemente lavoro e collocazioni assicurati; 3) Se Santa Sede desidera, permete pure entrata senza portare deta somma e senza garanzia lavoro, ma solo per 50 persone al mese, per evitare aumento disoccupazione.29 29 AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fl. 94.

Apesar da promessa de fexibilização, o Itamaraty remeteu em seguida novas instruções ao embaixador Accioly reforçando o desejo do governo de ter garantias mais precisas quanto aos “sentimentos católicos” dos refugiados, razão pela qual apenas os indivíduos batizados antes de 1935 poderiam receber o visto30 30 ADSS, v. 6, p. 423, 1972. . No Ministério das Relações Exteriores, prevaleceu naquela circunstância a orientação restritiva quanto à entrada de judeus no Brasil, os quais passariam pouco tempo depois a ser classificados segundo um critério racial, independentemente da religião ou da nacionalidade, como indicava o memorando enviado pela secretaria do Itamaraty às missões no exterior em janeiro de 1941:

Para efeito de seleção a que se acham empenhadas as autoridades brasileiras de imigração, são Israelitas os descendentes dos filhos de Israel, não só os habitantes sionistas da Palestina, mas todos os Israelitas disseminados pelo mundo. O fato de um Israelita professar o catolicismo ou outra qualquer crença que não seja a mosaica, não modifica a condição do mesmo, que, para efeito da recusa do visto consular, será sempre considerado Israelita. É a etnia que deve prevalecer e não a circunstância do candidato ao visto consular abraçar alguma crença que não seja a mosaica. (MILGRAM, 1994, p. 135-136MILGRAM, Avraham. Os judeus do Vaticano: a tentativa de salvação de católicos não-arianos da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942). Rio de Janeiro: Imago, 1994.)

No fm daquele mesmo ano, um telegrama do Itamaraty ao embaixador Accioly informava a decisão do governo de anular a “quota do Vaticano”, apoiando-se no argumento de que os vistos em questão tinham-se esgotado:

Comunico a Vossa Excelência que, por ordem do Senhor Presidente da República, atendendo a que está esgotada a quota cedida a Sua Santidade, fica anulada a concessão de vistos nos passaportes de católicos não arianos.31 31 AHI, Cidade do Vaticano, Telegramas expedidos (1931-1942), 18/1/10. Telegrama do Ministério à Embaixada do Brasil na Cidade do Vaticano (6.11.1941).

No entanto, a falsidade da justificativa era tamanha que o próprio embaixador se apressou em sugerir ao Ministério uma reformulação dos termos do comunicado:

Não podendo esta embaixada declarar à Santa Sé já se ter esgotado a quota relativa a 1.000 vistos, porquanto se trata de uma questão de números, facilmente verificável, nem podendo, caso fosse verdadeiro o esgotamento, deixar de fornecer informação sobre os outros 2.000, permita-me Vossa Excelência sugerir-lhe comunicar-se aí com o núncio apostólico e autorizar-me a dizer aqui ao Vaticano que a concessão fica suspensa “sine die” ou até o fm da guerra, conforme Vossa Excelência julgar mais conveniente.32 32 AHI, Cidade do Vaticano, Telegramas recebidos (1931-1941), 18/1/6. Telegrama do Embaixador Hildebrando Accioly ao Ministério (18.11.1941).

De resto, o posicionamento de Hildebrando Accioly merece uma ponderação. Seu constrangimento diante da declaração falsa feita por seus superiores e seu papel protagonista na assistência aos “católicos não arianos” poderiam sugerir algum engajamento filo-semita. A análise de seus arquivos, porém, contraria essa hipótese e corrobora o peso de tendências antissemitas em algumas políticas migratórias. Em 1936, por exemplo, enquanto trabalhava na Secretaria-Geral das Relações Exteriores no Rio de Janeiro, antes de ser enviado ao Vaticano, o embaixador Accioly emitiu um parecer secreto endereçado a Francisco Brandão, Diretor-Geral interino do Departamento Nacional de Povoamento, a propósito do acolhimento de judeus no município de Rezende. Sua opinião era de que aquela imigração era indesejável e a justificativa se apoiava em dois argumentos: por um lado, o antigo mito do complô judaico-bolchevique; por outro, o clichê do caráter inassimilável dos judeus:

Que essa imigração seja indesejável, parece não haver dúvida alguma. A prova é que todos os países a repelem. Elementos perturbadores de toda ordem social, os judeus são frequentemente agentes do comunismo. Toda a gente sabe o papel que eles representaram na revolução russa e ninguém ignora que a grande maioria dos altos postos da direção da Rússia soviética está em suas mãos (…) Por outro lado, é natural que, conforme a Constituição Federal de 1934 previa expressamente, a entrada de imigrantes no território nacional deve sofrer as restrições necessárias à garantia da integração étnica dos mesmos na massa geral da população. Ora, todos sabemos que os Judeus constituem uma raça por assim dizer inassimilável.33 33 AHI, Arquivo Pessoal Hildebrando Accioly, Atividades diplomáticas, H.A. 123-02-38. Parecer secreto de Accioly a Francisco Brandão (05.05.1938).

A alegação da incapacidade judaica de assimilar-se em novas culturas foi retomada pelo embaixador, ainda no período em que se encontrava na Secretaria-Geral, num ofício encaminhado ao chanceler, com o qual chamava a atenção deste para a necessidade de aplicar-se mais severamente a Circular secreta nº 1.127 que restringia a entrada de judeus no Brasil: “Realmente, os judeus, em toda parte, constituem elementos subversivos ou de desagregação social. E isto se explica facilmente, porque, em geral, são indivíduos nos quais não existe o sentimento do patriotismo”34 34 AHI, Arquivo Pessoal Hildebrando Accioly, Atividades diplomáticas, H.A. 123-02-38. Ofício de Accioly ao Chanceler (23.04.1938). . Ademais, segundo Hildebrando Accioly, muitos consulados brasileiros estavam revelando indevidamente aos judeus que tinham vistos recusados o teor das circulares secretas:

Prevalecendo-se de cartas de chamada, obtidas frequentemente por meios pouco confessáveis ou baseadas em declarações falsas, os interessados de vez em quando batem à porta do Itamaraty para reclamar contra a recusa de vistos, por parte dos Consulados brasileiros. Estes, por sua vez, para se verem livres de importunações e não obstante ordens severas desta Secretaria, vão revelando, de certa forma, a existência das instruções secretas contra a imigração dos judeus.35 35 Idem.

Por fm, o ofício defendia o endurecimento das condições de entrada de judeus no país invocando um terceiro argumento: o de que esses indivíduos, ao invés de se dirigirem para o campo onde poderiam suprir com proveito a carência de mão de obra, iam para as cidades, dedicando-se ali ao comércio e fazendo por conseguinte concorrência aos brasileiros. Em seguida, Accioly concluía com um raciocínio paradoxal que sugeria obstruir a entrada de judeus para impedir, na verdade, que o antissemitismo ganhasse força no Brasil:

Os prejuízos decorrentes de tal concorrência não são apenas de ordem econômica ou política, mas também de ordem social. Criaremos assim um problema que, felizmente, ainda não existe entre nós e que fatalmente há de surgir aqui, se não pusermos empecilhos à imigração judaica: é o antissemitismo. Este, com todas as suas desagradáveis consequências, não é mais do que o resultado da revolta ou do instinto de defesa dos nacionais contra a concorrência israelita.36 36 Idem.

Diante dessas circunstâncias, é notória a atitude incongruente do governo brasileiro na questão dos “católicos não arianos”, dividido entre o desejo de preservar as boas relações com o Vaticano, testemunhando assim o apreço do povo brasileiro pelo pontífice, e a posição contrária de alguns membros da administração ao ingresso de judeus no país. Essa tensão levou à suspensão da “quota do Vaticano” já em novembro de 1941, embora àquela altura apenas 959 vistos — dos 3.000 prometidos ao papa — tenham sido efetivamente concedidos pelos serviços consulares brasileiros na Europa (MILGRAM, 1994, p. 32-55MILGRAM, Avraham. Os judeus do Vaticano: a tentativa de salvação de católicos não-arianos da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942). Rio de Janeiro: Imago, 1994.). No entanto, as estatísticas aqui exigem cautela e merecem ulteriores investigações, como sugere o relatório acerca da “entrada de semitas no Brasil em 1939”, publicado pelo Conselho de Imigração e Colonização em janeiro de 1941, no qual se afirma que naquele ano entraram no país 4.223 semitas, dos quais 1.973 em caráter permanente e 2.250 em caráter temporário, tendo sido o maior contingente fornecido pelos alemães37 37 ENTRADA de semitas no Brasil em 1939. Revista de Imigração e Colonização, Rio de Janeiro, ano II, n. 1, p. 193-194, jan. 1941. . As diversas circulares diplomáticas restringido a atribuição de vistos a judeus, os critérios ambíguos de classificação dos denominados “semitas” e a incerteza sobre a inclusão dos “católicos não arianos” nessa categoria são elementos que colocam em dúvida a exatidão dos números apresentados pela Revista de Imigração e Colonização.

Os “católicos não arianos” no Brasil

Além dos detalhes das negociações diplomáticas entre o governo brasileiro e a Santa Sé acerca da concessão de vistos, novas contribuições podem ser feitas ao tema a partir do estudo das trajetórias e do modo como agiu concretamente a diplomacia pontifícia em favor dos refugiados. Analisaremos aqui duas trajetórias38 38 Para outros exemplos de “católicos não arianos” que conseguiram chegar ao Brasil: MILGRAM, 2012. : a da jovem alemã Franziska Goldmann e a do professor Hermann Mathias Görgen. Ambas se inscrevem no contexto das tragédias familiares desencadeadas pelas leis raciais na Europa e ilustram de modo claro o envolvimento do Vaticano com os casos que chegaram ao seu conhecimento. Além dos membros da cúria romana, uma ampla rede de agentes transnacionais (núncios, religiosos e associações) foi mobilizada para viabilizar o plano de auxílio humanitário, facilitado pelo prestígio internacional da Santa Sé e por sua atividade diplomática insuspeita. Apesar disso, nem todos os que pediram auxílio ao Vaticano obtiveram o almejado socorro: muitos foram vencidos pelas circunstâncias desfavoráveis, pela lentidão da burocracia ou pelas barreiras erguidas por setores do governo brasileiro hostis aos judeus.

Franziska Goldmann nasceu em Berlim, em 1911, numa família de origem judaica. Seu pai chamava-se Paul Goldmann e foi jornalista até 1933, quando o exercício da profssão lhe foi vedado pela perseguição antissemita dos nazistas recém-chegados ao poder. Sem trabalho, e depois de sofrer ameaças pela Gestapo que o manteve em prisão durante três dias sob acusação de “atividade subversiva”, decidiu fugir com a esposa e com a filha para Viena. Sucumbindo ao peso dos infortúnios, morreu na capital austríaca em 1935. E a tragédia familiar prosseguiu: em novembro de 1937, Eva Maria, a mãe de Franziska, cometeu suicídio. Em seguida, a anexação da Áustria pela Alemanha nazista, em março de 1938, infigiu outro duríssimo golpe à vida da jovem que teve de abandonar seu emprego num jornal austríaco e fugir de novo, dessa vez na solidão da orfandade. Seu primeiro destino foi Milão e dali seguiu para a Suíça, onde recebeu auxílio de religiosos católicos que abrigavam refugiados. A notícia dos vistos brasileiros para “católicos não arianos” não demorou a correr e logo chegou aos ouvidos de Franziska. Anos mais tarde, quando já se encontrava no Brasil, a jovem relatou a um jornal carioca o entusiasmo que provocara entre os refugiados na Suíça a notícia dos vistos obtidos pelo Vaticano em benefício dos católicos:

Caiu como um raio de esperança a notícia de que três mil católicos, de ascendência não-ariana, tinham licença para entrar no Brasil. O papa Pio XII obtivera esta concessão do governo brasileiro, para os refugiados que provassem ao Vaticano: 1) pertencer à religião católica há mais de dez anos; 2) possuir ascendência judaica de qualquer lado. Éramos três milhares de náufragos que, do descalabro europeu, apenas tínhamos conseguido salvar a própria vida!… Porém, não se tinham esquecido de nós! A Igreja Católica, a representante de Cristo na terra, nos enviava para o Brasil, o país da liberdade e da igualdade, onde não mais existe distinção de raças. E tudo isto graças à “quota do Vaticano”!39 39 A ODISSEIA de uma cristã não-ariana na Europa escravizada. Diário da Noite, Rio de Janeiro, fls. 3-4, 19 jul. 1943.

Franziska fez o requerimento de visto às autoridades brasileiras por intermédio da Caritas, associação católica diretamente envolvida com o auxílio aos refugiados. Seu nome constava na lista do Itamaraty de “vistos concedidos pelo consulado do Brasil em Zurique por autorização da embaixada junto à Santa Sé e incluídos na quota dos israelitas católicos” (MILGRAM, 1994, p. 52MILGRAM, Avraham. Os judeus do Vaticano: a tentativa de salvação de católicos não-arianos da Alemanha ao Brasil através do Vaticano (1939-1942). Rio de Janeiro: Imago, 1994.). No dia 11 de outubro de 1940, a jovem escreveu ao arcebispo Filippo Bernardini, núncio apostólico em Berna, pedindo informações sobre o auxílio prestado aos refugiados no Rio de Janeiro. A preocupação ligava-se sobretudo à urgência de encontrar rapidamente um trabalho, pois segundo Franziska tanto ela quanto os demais refugiados eram praticamente indigentes40 40 AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 158. . Apesar das dificuldades, ela chegou ao Brasil em março de 1941. Dois anos depois, no mesmo artigo publicado no Diário da Noite, a jovem manifestou-se sobre a nova pátria com um otimismo que revelava certa ingenuidade:

Tudo aconteceu mais fácil do que eu pensara. Em 3 de março deixei o vapor e já no dia seguinte tinha obtido uma colocação. Há dois anos estou no Brasil e ainda não estive sem trabalho um único dia. Em liberdade e igualdade, reconstruo a minha existência e esqueço quanto sofri na Europa. A portentosa terra brasileira acolhe todos os perseguidos, qualquer que seja a sua língua, pátria ou cor. Aceita-os no seu seio imenso e os aperta de encontro ao seu coração vibrante. Aqui não há diferenças raciais ou religiosas. Todos são iguais perante a Igreja e o Estado! Na Europa fui perseguida e humilhada: aqui pude tornar a ser gente. E a todos que me ajudaram a alcançar este fm, ao Vaticano, ao presidente Getúlio Vargas e ao padre Odo von Würtemberg, digo a primeira palavra que aprendi na nova língua: obrigada!41 41 DIÁRIO DA NOITE. Rio de Janeiro, fls. 3-4, 19 jul. 1943.

A realidade, porém, mostrou-se logo menos propícia. Demonstra-o a carta escrita pela própria Franziska, em 10 de julho de 1945, à associação norte-americana Catholic Commitee for Refugees, lamentando-se da dificuldade que encontrava para se inserir profssionalmente no Rio de Janeiro. O desafo maior consistia em obter um trabalho à altura da sua qualificação profssional: Franziska era poliglota, com formação técnica em estenografia e trabalhara na Europa como jornalista. Na capital fluminense, nada obteve além de trabalhos como governanta ou professora de inglês. O tom adotado pela jovem na carta, muito diverso daquele utilizado no artigo que escrevera para o jornal carioca, evidencia sua frustração ao tentar recomeçar a vida no novo país, sem o apoio de familiares ou amigos. Também se observa no texto a desconfiança com que alguns brasileiros acolhiam os refugiados de nacionalidade alemã, confundindo-os às vezes com os próprios algozes nazistas:

I got a visa for Brazil where I arrived in 1941. Since my arrival in this country I worked myself into pieces without making any existence out of it. This country is a paradise: 1) for independent traders who arrive with some fortune and set up business for their own; 2) for young and beautiful women who get married here. Elder intellectuals unmarried and poor have no chance at all. I was governess to 5 children — a very hell — then I studied English, Shorthand and although being a trained stenographer I never could get a job with some American or English company on account of my being German born. Because up to now they don’t make any difference here between Nazis and their racial victims. Who arrived with a German passport continues to be considered as German although I was oficially expatriated 4 years ago by Nuremberg Laws.42 42 AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1806, fl. 185.

Diante dos obstáculos e na esperança de que a guerra estivesse prestes a terminar, Franziska cogitou retornar à Europa a fm de retomar a profssão de jornalista, ajudando quiçá a restabelecer a democracia por meio de contribuições a jornais antinazistas. Além disso, a jovem manifestou na carta todo o seu descontentamento ao alegar que preferiria cometer suicídio a trabalhar outra vez como governanta no Brasil:

After my opinion the nazi-poisoned souls over there need nothing more than a good pro-democratic newspaper propaganda in order to regain them for humanity. And I would be able to do a good job in this behalf. May I mention that I do not fear any “werwolves”, neither hunger nor starvation or misery. I am fully aware of what does expect me in the post-war Germany. But I am burning to exercise my profession again and before employing myself again as a governess to children I prefer to commit suicide too43 43 Ibid. .

A associação estado-unidense destinatária da mensagem não permaneceu indiferente à angústia de Franziska Goldmann. Conquanto não possuísse representantes no Brasil, o Catholic Commitee for Refugees tomou a iniciativa de escrever no dia 3 de agosto de 1945 ao núncio Benedeto Aloisi Masella, no Rio de Janeiro, levando o caso ao seu conhecimento e pedindo que alguma assistência fosse prestada à jovem. A carta da associação insistia também na importância de inserir a refugiada em algum círculo social católico de modo que ela pudesse se adaptar melhor à sociedade local:

Miss Goldmann’s leter indicates she is very much distressed due to unemployment, ill health, poor social adjustments and even talked of commiting suicide. In as much as our organization does not have a representative in Brazil we would greatly appreciate it if you would grant intervention she might find a position as stenographer where she could use her knowledge of foreign languages. We are very much concerned about this young woman and trust that she will regain her self-confdence and more than that, confdence in God and religious principles. An introductory move to have her join social circles under Catholic auspices might also be helpful.44 44 AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1806, fl. 183.

Não há na documentação da nunciatura apostólica no Brasil outras notícias sobre Franziska Goldmann, nem há evidências que revelem qual tenha sido a reposta do núncio Masella ao pedido da associação norte-americana. Sabemos, porém, que a alemã não só renunciou à ideia de retornar à Europa, como se incorporou plenamente à sociedade brasileira: em 1950, seu nome integrava a lista oficial de estrangeiros aos quais o governo concedia a nacionalidade brasileira45 45 DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO (DOU), 25 out. 1950. . Depois disso, ela viveu no Rio de Janeiro até morrer, em 19 de agosto de 1963, com 52 anos de idade46 46 MORTE de alemã em Ipanema é mistério. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 10, 20 ago. 1963. O jornal aventa a hipótese de que Franziska, que faleceu sozinha em seu apartamento e cujo corpo foi encontrado pelo porteiro do prédio, tenha cometido suicídio. Outro artigo jornalístico de julho de 1963 informa que Franziska “recolheu subsídios para um novo romance sobre as atribulações e os amores de uma refugiada alemã com um espião da Gestapo” (O Jornal, p. 9, 24 jul. 1963). O jornal menciona ainda que ela recebera um prêmio num concurso literário organizado pelo Wien Journal de Berlim. .

O segundo caso de emigração facilitada pelo Vaticano nos conduz da Europa a Juiz de Fora e envolve uma fgura mais conhecida: Hermann Mathias Görgen47 47 A história de Hermann Görgen é bastante documentada e já foi apresentada por diferentes autores, os quais, no entanto, deram pouca atenção ao envolvimento do Vaticano com o caso (BELOCH, 2021, p. 235; CARNEIRO, 2010, 2018a; KESTLER, 2003; QUEIROZ, 1998). . Ele nasceu na Alemanha em 1908 e doutorou-se em Filosofa na Universidade de Bonn. Assim como Franziska, também Görgen fugiu para a Áustria depois que os nazistas chegaram ao poder na Alemanha, embora a razão não fosse a mesma. O alemão passou a ser perseguido não por ser de origem judaica, mas sim por estar ligado ao movimento conservador cristão de oposição ao nazismo (Zentrum). Em razão do prestigioso currículo de Görgen, o arcebispo de Salzburgo tentou obter-lhe uma vaga de professor naquela cidade, mas a repentina anexação da Áustria inviabilizou o plano. Novamente uma fuga, e mais uma vez rumo à Suíça.

Como se observou no caso de Franziska Goldmann, circulava entre as associações de auxílio humanitário, muitas das quais atuavam em território suíço, a notícia dos vistos que seriam concedidos pelo governo brasileiro a europeus que almejassem emigrar. Hermann decidiu, então, que era tempo de deixar a Europa e orquestrou um plano de fuga: reuniu um grupo de 37 pessoas que gostariam de partir, composto de judeus e de opositores ao regime nazista, e entrou em contato com Milton César Weguelin de Vieira, cônsul do Brasil em Genebra, em novembro de 1940, no intuito de postular um visto coletivo. Ao mesmo tempo, Görgen escreveu ao núncio Filippo Bernardini enviando-lhe seu projeto de emigração e exprimindo sua confiança no apoio da Igreja aos refugiados:

Après tant de déceptions l’atitude si charitable de Votre Excellence m’a donné un grand espoir que l’Église catholique trouverait les moyens et les appuis nécessaires pour résoudre le problème des réfugiés politiques dans un monde devenu infernal.48 48 AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fls. 163-164.

O caso de Hermann apresenta algumas peculiaridades que merecem ser destacadas: além de ser um “católico ariano”, seu plano envolvia uma complicada articulação entre diferentes indivíduos, com nacionalidades e histórias diversas, cujo único traço comum consistia no fato de encontrarem-se todos na Suíça como refugiados. Segundo o intelectual alemão, a maioria dos integrantes do grupo sofria perseguições por motivos raciais, embora houvesse também dissidentes políticos (GÖRGEN, 1999, p. 95GÖRGEN, Hermann. Uma vida contra Hitler. Fortaleza: UFC, 1999.). Além disso, o próprio perfil de Hermann torna o seu caso especial: por se tratar de um intelectual bem relacionado, sua rede de interlocutores tornou-se útil para arquitetar a manobra. O estudo desse caso também é facilitado pelo zelo com que Hermann documentou todas as etapas da sua odisseia de refugiado, conservando cartas, documentos, telegramas e diários. Sua biografia, publicada muitos anos mais tarde, com base na documentação que ele acumulara, demonstra o cuidado de preservar a memória daqueles anos difíceis (GÖRGEN, 1999GÖRGEN, Hermann. Uma vida contra Hitler. Fortaleza: UFC, 1999.).

De resto, as negociações entre o alemão e o cônsul brasileiro na Suíça trazem à luz alguns detalhes interessantes da trama. Para fundamentar o pedido simultâneo de tantos vistos, era preciso traçar um plano que contornasse as medidas do governo brasileiro cada vez mais restritivas em matéria de imigração, mirando sobretudo os judeus. Görgen decidiu apresentar ao consulado brasileiro o projeto de criação de uma “empresa para desenvolvimento, produção e venda de artigos elétricos e rádio-técnicos bem como para a exploração de patentes”49 49 AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 165. , da qual seriam empregados os membros do seu grupo. A ideia foi aprovada pelo cônsul Milton Vieira que num telegrama enviado ao Itamaraty referiu-se ao projeto de Görgen como “de grande interesse para o nosso país, sob o ponto de vista econômico e da defesa nacional”50 50 AHI, Consulado do Brasil em Genebra, 60/5/14. Telegrama de 28.11.1940 do cônsul Milton Vieira ao Ministério. . Mas havia outra dificuldade: muitos integrantes do plano tiveram de escapar de seus países às pressas e sem documentos. Como, então, solicitar vistos para pessoas desprovidas de passaportes? Segundo Görgen, a solução foi apelar para o famoso “jeito brasileiro”, traço cultural que o alemão definiu nestes termos:

A emocionante história de como conseguimos os vistos não poderia ter sido inventada por nenhum romancista ou diretor de cinema. Foi um “jeito” que acabou abrindo as portas do Brasil para nós. “Jeito” é a palavra mágica no cotidiano brasileiro, uma palavra com diferentes significados. É impossível traduzir “jeito” para o alemão. Uma tradução fria e objetiva seria “saída” ou então “solução” para um problema qualquer. Mas “dar um jeito” é bem mais do que simplesmente encontrar saídas ou soluções. É superar de forma humana uma situação difícil, inclusive uma situação jurídica. É um diálogo quase ritualístico entre aquele que pede e aquele que dá o jeito, uma interpretação humana e o mais fexível possível das leis e dos regulamentos. Jeito é uma vontade motivada, que vem do coração, de querer ajudar o necessitado ou o pedinte a sair de uma situação difícil e sem solução, tanto nas grandes quanto nas pequenas circunstâncias de sua vida. (GÖRGEN, 1999, p. 121-122GÖRGEN, Hermann. Uma vida contra Hitler. Fortaleza: UFC, 1999.)

O desapego às formalidades e a predisposição do cônsul Vieira a fexibilizar as exigências burocráticas facilitaram a concretização do plano. Como visto, era exigência do Ministério das Relações Exteriores que os judeus postulando um visto brasileiro apresentassem um certificado de batismo com data anterior a 1935, de modo a provar que eram “católicos não arianos”. No entanto, muitos dos judeus alemães que acompanhavam Görgen possuíam um passaporte com o carimbo “J” (Juden) que deixava nítida a situação comprometedora de seu titular. Para superar esse obstáculo, Görgen obteve passaportes tchecos para os judeus alemães e passaportes Nansen para os que não possuíam nenhum documento. Em seguida, no momento de apresentar os pedidos ao consulado do Brasil, apelou de novo para o “jeito brasileiro”:

O jeito funcionou também no caso de minhas negociações com o cônsul-geral brasileiro: eu precisava conseguir passaportes, certidões de batismo e atestados de ariano para os membros de meu grupo que não eram arianos. É claro que o cônsul-geral não sugeriu nada de concreto ou ilegal, mas, como ele me explicou, no Brasil não havia nenhuma legislação sobre raça. “Judeu” eram todos que pertenciam à religião judaica. A legislação brasileira proibia todo e qualquer comportamento ou tendência racista no país. Se, portanto, os membros de meu grupo escrevessem no espaço reservado para “religião” a palavra “católico”, ele não os consideraria judeus e lhes concederia os vistos. (GÖRGEN, 1999, p. 122GÖRGEN, Hermann. Uma vida contra Hitler. Fortaleza: UFC, 1999.)

Hermann Görgen não buscou alternativas apenas para a viabilização dos passaportes e para a regularização das formalidades consulares. Outro aspecto relevante do seu ousado plano de fuga ligava-se ao clero, em particular no que diz respeito à emissão das certidões de batismo exigidas pelas autoridades. O intelectual afirmou que contava com o apoio de sacerdotes dispostos a assinar falsas certidões de batismo e que, de resto, o cônsul brasileiro estava a par dessa arriscada manobra:

Sempre que constava em um passaporte ou em qualquer outro documento assinado ou ainda por assinar que o portador do mesmo não era ariano, eu me valia dos serviços ou de nosso insubstituível padre Franz Weber, membro do grupo de emigração e capelão-auxiliar em Zurique, ou de outros religiosos dentro e fora de meu grupo. Eles sempre atestavam — sem mencionar datas — que a pessoa citada no documento era batizada e ariana. Para que os funcionários do consulado não suspeitassem desses atestados, eu prestava atenção para que eles fossem formulados de forma diferente (…) O cônsul-geral do Brasil, Milton César Weguelin de Vieira, um homem cristão e de formação humanista, não só estava por dentro desse jogo arriscado, como dele também participava. Eu lhe entregava os passaportes e documentos manipulados e ele então carimbava os vistos nos passaportes. (GÖRGEN, 1999, p. 124GÖRGEN, Hermann. Uma vida contra Hitler. Fortaleza: UFC, 1999.)

O plano, porém, levantou suspeitas: por que um acadêmico, professor de Filosofa, sem qualquer experiência no mundo empresarial ou industrial, desejaria mudar-se para o Brasil e criar ali uma empresa? As autoridades brasileiras, desconfiando das motivações apresentadas, hesitaram em acolher o requerimento. Em razão da demora em obter uma resposta do Rio de Janeiro, o professor Görgen, por sugestão do cônsul brasileiro, escreveu ao núncio Bernardini sugerindo que o representante pontifício interviesse de alguma maneira junto ao governo brasileiro para desobstruir os trâmites:

Je me permets maintenant d’expliquer à Votre Excellence l’opinion du Consul général qui disait qu’une intervention énergique de la part de Votre Excellence devait finir avec succès. Pour obtenir ce succès il faudrait un télégramme soulignant que le nonce apostolique à Berne atend une décision positive et favorable. En outre, le Consul général propose que Votre Excellence adresse un câblogramme cordiale et suppliant au nonce apostolique à Rio de Janeiro, car celui-ci pouvait obtenir avec facilité une décision favorable. Maintenant tout dépend de ne plus perdre aucune heure. Avant hier j’ai déjà télégraphié à Rio de Janeiro, demandant une révision de la décision gouvernementale. Si l’intervention de Votre Excellence n’arrive pas à temps, le grand danger subsiste que nous recevons une deuxième réponse négative et que nous pouvons enterrer tous nos espoirs.51 51 AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 170.

A intervenção do núncio parece ter sido bem-sucedida, pois o pedido de Görgen foi acatado e os 37 vistos foram concedidos aos membros do grupo, conforme o certificado emitido pelo cônsul Vieira, em 18 de fevereiro de 194152 52 AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 181. Compunham a “lista de Görgen” as seguintes pessoas: Arnost Gieler, Jan Gloss, Marketa Glossa, Valerie Glossa (e três filhos), Walter Kreiser, Dora Schindel, Heinrich Beckmann, Günter Dinkelmann, Ester Dinkelmann, Jan Dorfmann, Suzanne Eisenberg, Hermann Fuerstenthal, Max Gefter, Leopoldine Gefter, Fred Goldschmidt, Ulrich Becher, Dana Becher, Waldemar Halek, Jean-Jacques Hofman, Jan Grünbaum, Filip Horak, Oto Walter Kämpfer, Hans Lackler, Cecile Löffel, Alfred Mahlmann, Jaroslav Marianek, Gerhard Metsch, Pavel Philipp, Ester Raichmanas, Josef Simoncsicz, Alice Fehlmann, Bedrich Schadler, Grete Schadler, Maria Schlesinger, Gebhard Schmid, Jiri Wassermann, Petr Wygodzinsky. . Vencida a primeira batalha, logo surgiu a segunda: para viajar ao Brasil, era preciso deslocar-se até um porto de onde ainda partissem navios rumo ao Rio de Janeiro (GÖRGEN, 1999, p. 124-127GÖRGEN, Hermann. Uma vida contra Hitler. Fortaleza: UFC, 1999.). As opções mais próximas da Suíça — Hamburgo e Gênova — estavam descartadas, pois além do perigo evidente de retornar à Alemanha ou à Itália, daqueles portos já não zarpavam embarcações para a América do Sul em razão da guerra. Restava, então, a Península Ibérica, mas com um desafo suplementar: eram necessários vistos de trânsito da França (sob o regime de Vichy), da Espanha e de Portugal para que o grupo pudesse atravessar esses territórios e chegar a Lisboa, de onde poderiam deixar a Europa em segurança. Para desatar esse nó, Görgen recorreu de novo à única instituição que naqueles anos estava presente em todos os países da Europa e podia discutir com os governos nacionais com relativa facilidade: a Igreja. O alemão correspondeu-se, portanto, com o núncio Bernardini solicitando a intervenção da diplomacia vaticana visando a facilitar a emissão dos vistos de trânsito ao grupo que já possuía os vistos brasileiros. Consciente das dificuldades, o representante do papa escreveu ao cardeal Luigi Maglione em 20 de fevereiro de 1941:

Ancora una volta imploro la cooperazione del Santo Padre e quella dell’Eminenza Vostra Reverendissima in un’opera di vera carità. Si trova in Svizzera un gruppo di 37 poveri rifugiati, in grande maggioranza di nazionalità ceca e quasi tuti catolici, che dopo aver superato dificoltà di ogni genere hanno finalmente otenuto il visto per recarsi in Brasile. Si trata ora di otenere dal governo spagnolo il semplice visto di transito che viene tanto raramente concesso. Qualche tempo fa, d’intesa con il Ministro di Spagna, pregai Mons. Nunzio a Madrid d’interessarsi presso il governo spagnolo per otenere una mitigazione alle disposizioni vigenti in favore di poveri emigranti direti in America, per i quali io garantivo che si sarebbero fermati in Spagna soltanto il tempo stretamente necessario per raggiungere la frontiera portoghese. Mons. Cicognani mi rispose che il governo spagnolo era disposto a considerare benevolmente le richieste raccomandate dalla Santa Sede, e il ministro di Spagna mi confermava di avere ricevuto istruzioni nello stesso senso. Queste 37 persone dovrebbero lasciare la Svizzera il 19 del prossimo mese, però la concessione del visto di transito deve essere notificata prima del cinque, a fine di otenere il visto di transito per la Francia. Potrebbe l’E.V. interessare per posta aerea l’Ecc. Nunzio a Madrid per otenere questi visti? Accludo copia fotografica della dichiarazione del Console Generale brasiliano, nella quale si assicura che i visti sono stati concessi (io ho veduto l’originale) e quella della lista delle persone componente il gruppo con tute le indicazioni necessarie.53 53 AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fls. 179-180.

No mês de março de 1941, a correspondência entre Görgen e o núncio apostólico na Suíça intensificou-se. No dia 3, Bernardini comunicou que escrevera ao cardeal Maglione pedindo a intervenção da cúria junto ao núncio em Madrid para a obtenção do visto espanhol para o grupo de Görgen54 54 AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 187. . No dia 12, o alemão fez um novo apelo ao núncio em Berna alegando que já tinha em mãos os vistos francês e espanhol, faltando-lhe apenas o português. Pediu, portanto, que se notificasse o arcebispo Pietro Ciriaci, núncio apostólico em Lisboa, a fm de que ele viabilizasse a emissão dos vistos portugueses, a última barreira a ser superada antes de cruzar o Atlântico:

Nous devons quiter la Suisse le 19 de ce mois. Les billets et le wagon spécial pour le transport sont prêts à être délivrés. Il nous manque seulement le visa portugais et si nous n’obtiendrons pas ces derniers jusqu’au 15 mars cete circonstance peut faire échouer tout notre plan […] Dans cete situation plus que pénible je viens vers Votre Excellence pour vous prier de bien vouloir vous metre en rapport avec Son Excellence le nonce apostolique Pietro Ciriaci, soit par téléphone, soit par télégramme, car Son Excellence pourrait, selon la conviction de Monsieur le Consul portugais, par un simple mot au téléphone régler cete affaire.55 55 AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 200.

Atendendo mais uma vez ao apelo de Hermann, o núncio Bernardini enviou um telegrama a Ciriaci, no dia 14, pedindo-lhe que se interessasse pela questão: “Pregoti interessarti otenere sollecita concessione visto domandato più volte telegraficamente da console portoghese Ginevra per Hermann Görgen e gruppo ariani direti Brasile”56 56 AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 199. . A viagem do grupo da Suíça para Portugal realizou-se sob grande tensão, sobretudo nos momentos de controle policial nos trens, como relata Görgen em suas memórias. Apesar dos percalços, o grupo chegou a Lisboa e pôde enfm viajar para o Rio de Janeiro no dia 27 de abril. Antes de partir, Görgen escreveu a Bernardini solicitando uma carta de recomendação endereçada ao núncio no Rio de Janeiro e agradecendo pelo auxílio prestado. Seu agradecimento é também uma demonstração significativa da importância que assumiu a diplomacia vaticana na questão dos refugiados: “Je tiens à vous exprimer (…) tous mes remerciements pour votre aide précieuse qui m’a montré combien grande est l’influence de la diplomatie papale dans les affaires d’ordre caritatif”57 57 AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 203. . Do mesmo modo, em suas memórias o professor alemão atribuiu o êxito da viagem à ação diplomática do Vaticano:

Quando finalmente tomamos no Cabo de Hornos o navio para o Brasil no dia 27 de abril de 1941, todo o grupo, homens e mulheres, agradeceu de joelhos ao Papa em Roma por ter possibilitado a todos nós — independentemente de nossa crença, origem, raça e destino — um caminho que acabasse com o nosso desespero. (GÖRGEN, 1999, p. 127GÖRGEN, Hermann. Uma vida contra Hitler. Fortaleza: UFC, 1999.)

Meses depois, uma nova carta de Görgen, escrita em 20 de junho de 1941, desde Juiz de Fora, e destinada ao núncio Bernardini, atestava que o grupo chegara ao Brasil em segurança e dava notícias da vida que se reconstruía na pacata cidade mineira:

C’est avec grande joie que je prends la liberté d’annoncer à Votre Excellence l’heureuse arrivée de tout mon groupe au Brésil. Notre voyage sur mer s’est très bien passé et à present quatre semaines seulement après notre débarquement l’entreprise que nous avions projetée se trouve déjà en fondation et les membres de mon groupe y trouvent du travail et un gagne-pain. Plein de sincère gratitude pour l’aide divine, je ne voudrais pas manquer d’exprimer une nouvelle fois à Votre Excellence toute ma reconnaissance pour l’appui précieux que vous, ainsi que Son Excellence le Cardinal Secrétaire d’État de Sa Sainteté, ont bien voulu nous accorder. À présent, nous vivons ici dans une petite ville de province qui se trouve en plein développement. Elle possède un grand nombre de fabriques et actuellement nous sommes en train de monter notre fabrique à nous où nous produirons des instruments de précision, notamment des appareils médicaux […] Je ne doute pas qu’il y aura encore bien de problèmes à résoudre avant que tous mes projets ne se soient réalisés et que bien du temps s’écoulera avant que je ne puisse à nouveau me vouer à mes chères sciences. Mais à présent où mon oeuvre a déjà réussi à un tel point je ne pourrais pas prendre la responsabilité de ne pas l’amener à une bonne fin. Ainsi il ne me reste qu’à orienter pour le proche avenir tous mes projets sur Juiz de Fora58 58 AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 205. .

Conquanto as primeiras impressões tenham sido positivas, um episódio da vida de Görgen no Brasil corrobora um fato já evocado no caso de Franziska Goldmann: a confusão feita por alguns brasileiros entre os nazistas e os refugiados alemães. Depois que o governo brasileiro entrou em guerra junto aos Aliados, não apenas os alemães passaram a ser vistos com desconfiança, como lhes foi proibida a comunicação em público em língua alemã. Alguns integrantes do grupo de Görgen, desconhecendo o idioma português, foram denunciados à polícia de Juiz de Fora sob suspeita de atividade nazista. Também o exército espalhou rumores de que a fábrica dos alemães lhe fornecia material defeituoso com o objetivo de sabotar a indústria bélica brasileira (GÖRGEN, 1999, p. 161GÖRGEN, Hermann. Uma vida contra Hitler. Fortaleza: UFC, 1999.). Apesar disso, a atividade industrial dos alemães seguiu adiante e Hermann Görgen conseguiu mais tarde retomar a atividade acadêmica, tornando-se professor na Faculdade de Economia de Juiz de Fora. Ele viveu no Brasil até 1953, quando regressou à Alemanha para assumir encargos políticos. Na terra natal, trabalhou pelo fortalecimento das relações entre a Alemanha e o Brasil: foi presidente da Sociedade Teuto-Brasileira, encarregado do Departamento de Imprensa e Informações para Assuntos Especiais na América Latina e editor dos Cadernos Germano-Brasileiros. Morreu em 1994, deixando em seu epitáfo a prova inequívoca da estima pelo país que um dia o acolheu: “aqui jaz um amigo do Brasil”.

Considerações finais

Num artigo de 1998, o jesuíta Pierre Blet, um dos principais curadores dos volumes dos Actes et documents du Saint-Siège, ousou fazer uma previsão provocadora acerca da futura abertura dos arquivos de Pio XII: “senza voler scoraggiare i ricercatori futuri, dubito molto che l’apertura dell’archivio del periodo bellico modificherà la nostra conoscenza di tale periodo” (BLET, 1998, p. 541BLET, Pierre. La leggenda nera alla prova degli archivi: le ricorrenti accuse contro Pio XII. La Civiltà Catolica, Roma, ano I, p. 531-541, 1998.). Passados apenas dois anos desde a disponibilização do acervo, ainda é cedo para decidir sobre a profecia do historiador francês que será julgada pelo tempo e pelos estudos que virão. De antemão, parece certo que o acesso a novas fontes consente aos historiadores, no mínimo, a oportunidade de formular novas perguntas. No que diz respeito ao tema da intervenção da diplomacia pontifícia na questão dos “católicos não arianos” no Brasil, buscamos demonstrar, embora de modo preliminar, que além dos componentes já descritos e analisados pela historiografia brasileira (em particular, as políticas de restrição à entrada de judeus durante a Era Vargas e o peso do antissemitismo sobre elas), outras pistas podem ser buscadas, por exemplo, em três novas direções. Em primeiro lugar, na trajetória dos refugiados diretamente ajudados pela Santa Sé, cujas histórias podem ser agora melhor documentadas; em seguida, na ação complexa da diplomacia vaticana que envolvia a articulação de uma ampla rede de interlocutores espalhados por toda a Europa; por fm, nos agentes terceiros, tais como a Sociedade São Rafael, a Caritas e as demais associações transnacionais de ajuda humanitária que tiveram papel ativo nas discussões entre a diplomacia brasileira e a Santa Sé na negociação dos vistos para refugiados judeus e cujas conexões com o Brasil ainda carecem de aprofundamento.

Fontes manuscritas

A) Arquivo Apostólico Vaticano (AAV), Cidade do Vaticano:

  • Nunciatura no Brasil, caixa 290.

  • Nunciatura na Suíça, caixa 211.

B) Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), Rio de Janeiro:

  • Cidade do Vaticano, Ofícios, 17/3/5-8.

  • Cidade do Vaticano, Despachos, 18/1/2.

  • Cidade do Vaticano, Telegramas recebidos, 18/1/6.

  • Cidade do Vaticano, Telegramas expedidos, 18/1/10.

  • Genebra, Telegramas recebidos, 60/5/14.

  • Arquivo pessoal do embaixador Hildebrando Accioly, Atividades diplomáticas, H.A. 123-02-38.

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.
  • 3
    A denominação oficial do principal arquivo pontifício, outrora chamado de “Arquivo Secreto do Vaticano”, foi alterada em 2019 por decisão do papa a fm de afastar a ideia de “secretismo” sugerida pelo adjetivo que qualificava a instituição (cf. MOTU proprio. 22 out. 2019. Disponível em: https://www. vatican.va/content/francesco/pt/motu_proprio/documents/papa-francesco-motu-proprio-20191022_archivio-apostolico-vaticano.html). Acesso em: 29 mar. 2022.
  • 4
    DISCURSO do Papa Francisco aos funcionários do Arquivo Secreto Vaticano. 4 mar. 2019. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2019/march/documents/papa-francesco_20190304_archivio-segretovaticano.html. Acesso em: 29 mar. 2022.
  • 5
    Além do Arquivo Apostólico Vaticano, onde estão conservados os fundos de todas as nunciaturas apostólicas, bem como documentos provenientes dos diversos organismos da cúria romana, outro importante depósito arquivístico na Cidade do Vaticano é o Arquivo Histórico da Secretaria de Estado (Archivio Storico della Segreteria di Stato – Sezione per i Rapporti con gli Stati), que armazena a documentação do órgão da Santa Sé encarregado de assuntos políticos e diplomáticos (PÁSZTOR, 1970PÁSZTOR, Lajos. Guida delle fonti per la storia dell’America Latina negli archivi della Santa Sede e negli archivi ecclesiastici d’Italia. Cidade do Vaticano: Archivio Vaticano, 1970.). Os documentos que compõem a coletânea Actes et documents du Saint-Siège relatifs à la Seconde Guerre mondiale provêm do segundo arquivo.
  • 6
    A série em questão integra o acervo do Arquivo Histórico da Secretaria de Estado. Os documentos desse fundo consistem em cartas enviadas por cidadãos de diferentes nacionalidades europeias (sobretudo italianos e alemães), que se dirigiam à Santa Sé solicitando assistência para emigrar para os Estados Unidos ou para países da América Latina. Alguns casos documentados nesse fundo foram recentemente analisados, com perspectivas bastante diversas, em: ICKX, 2020ICKX, Johan. Le Bureau: les Juifs de Pie XII. Paris: Michel Lafon, 2020.; KERTZER, 2022KERTZER, David. The Pope at War. The secret history of Pius XII, Mussolini and Hitler. Nova Iorque: Random House, 2022..
  • 7
    ACTES ET DOCUMENTS DU SAINT-SIÈGE (ADSS), v. 6, p. 12, 1972.
  • 8
    ADSS, v. 6, p. 64, 1972.
  • 9
    ADSS, v. 6, p. 66, 1972.
  • 10
    PRIMEIRO ano de trabalhos do Conselho de Imigração e Colonização. Revista de Imigração e Colonização, Rio de Janeiro, ano I, n. 1, p. 6, jan. 1940.
  • 11
    Ibid., p. 7.
  • 12
    Sobre as políticas migratórias do ministro Francisco Campos, veja-se: KOIFMAN, 2012KOIFMAN, Fábio. Imigrante ideal: o Ministério da Justiça e a entrada de estrangeiros no Brasil (1941-1945). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012..
  • 13
    Arquivo Apostólico Vaticano (AAV), Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fl. 2.
  • 14
    AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fl. 3.
  • 15
    AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fl. 7.
  • 16
    AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fl. 22.
  • 17
    ADSS, v. 6, p. 253, 1972.
  • 18
    ADSS, v. 6, p. 254, 1972.
  • 19
    ADSS, v. 6, p. 423, 1972.
  • 20
    AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fls. 31-32.
  • 21
    AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fls. 54-57.
  • 22
    Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), Cidade do Vaticano, Despachos 18/1/12. Despacho do Ministério ao Embaixador Hildebrando Accioly (3.1.1940).
  • 23
    AHI, Cidade do Vaticano, Ofícios recebidos (outubro de 1939 a junho de 1940), 17/3/6. Ofício do Embaixador Hildebrando Accioly ao Ministério (8.6.1940).
  • 24
    O governo brasileiro e o Vaticano concordaram em disponibilizar 3.000 vistos aos “católicos não arianos”, os quais seriam assim distribuídos: 2.000 ficariam a cargo do embaixador em Berlim e do cônsul em Hamburgo; os outros 1.000 seriam distribuídos pelo embaixador junto à Santa Sé a postulantes provenientes de outros países europeus e indicados pela cúria (cf. ADSS, v. 6, p. 362). Apesar disso, como demonstram as denúncias dos representantes da Sociedade São Rafael, as autoridades diplomáticas brasileiras na Alemanha não respeitaram o acordo. De fato, nem sequer as intervenções do Vaticano junto ao governo do Brasil parecem ter surtido efeito, pois nenhum dos 959 vistos concedidos a “católicos não arianos” entre 1939 e 1941 proveio de Berlim ou de Hamburgo. O caso dos consulados na Alemanha merece decerto novas investigações que também levem em conta o papel de intermediação desempenhado pela Sociedade São Rafael, em particular porque o debate historiográfico tem opiniões bastante divergentes acerca da ação do consulado do Brasil em Hamburgo na questão dos refugiados (KOIFMAN, 2021KOIFMAN, Fábio; AFONSO, Rui. Os vistos concedidos no Consulado do Brasil em Hamburgo: 1938-1939. In: MILGRAM, Avraham; KOIFMAN, Fábio; FALBEL, Anat (org.). Judeus no Brasil: história e historiografia: ensaios em homenagem a Nachman Falbel. Rio de Janeiro: Garamond, 2021.; SCHPUN, 2011SCHPUN, Mônica Raisa. Justa: Aracy de Carvalho e o resgate de judeus: trocando a Alemanha nazista pelo Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.).
  • 25
    ADSS, v. 6, p. 390, 1972.
  • 26
    ADSS, v. 6, p. 415, 1972.
  • 27
    AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fls. 90-91.
  • 28
    ADSS, v. 6, p. 313, 1972.
  • 29
    AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1808, fl. 94.
  • 30
    ADSS, v. 6, p. 423, 1972.
  • 31
    AHI, Cidade do Vaticano, Telegramas expedidos (1931-1942), 18/1/10. Telegrama do Ministério à Embaixada do Brasil na Cidade do Vaticano (6.11.1941).
  • 32
    AHI, Cidade do Vaticano, Telegramas recebidos (1931-1941), 18/1/6. Telegrama do Embaixador Hildebrando Accioly ao Ministério (18.11.1941).
  • 33
    AHI, Arquivo Pessoal Hildebrando Accioly, Atividades diplomáticas, H.A. 123-02-38. Parecer secreto de Accioly a Francisco Brandão (05.05.1938).
  • 34
    AHI, Arquivo Pessoal Hildebrando Accioly, Atividades diplomáticas, H.A. 123-02-38. Ofício de Accioly ao Chanceler (23.04.1938).
  • 35
    Idem.
  • 36
    Idem.
  • 37
    ENTRADA de semitas no Brasil em 1939. Revista de Imigração e Colonização, Rio de Janeiro, ano II, n. 1, p. 193-194, jan. 1941.
  • 38
    Para outros exemplos de “católicos não arianos” que conseguiram chegar ao Brasil: MILGRAM, 2012MILGRAM, Avraham. Os judeus do Vaticano: postscriptum. Devarim, Rio de Janeiro, ano 7, n. 17, p. 41-45, 2012..
  • 39
    A ODISSEIA de uma cristã não-ariana na Europa escravizada. Diário da Noite, Rio de Janeiro, fls. 3-4, 19 jul. 1943.
  • 40
    AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 158.
  • 41
    DIÁRIO DA NOITE. Rio de Janeiro, fls. 3-4, 19 jul. 1943.
  • 42
    AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1806, fl. 185.
  • 43
    Ibid.
  • 44
    AAV, Nunciatura no Brasil, caixa 290, fasc. 1806, fl. 183.
  • 45
    DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO (DOU), 25 out. 1950.
  • 46
    MORTE de alemã em Ipanema é mistério. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 10, 20 ago. 1963. O jornal aventa a hipótese de que Franziska, que faleceu sozinha em seu apartamento e cujo corpo foi encontrado pelo porteiro do prédio, tenha cometido suicídio. Outro artigo jornalístico de julho de 1963 informa que Franziska “recolheu subsídios para um novo romance sobre as atribulações e os amores de uma refugiada alemã com um espião da Gestapo” (O Jornal, p. 9, 24 jul. 1963). O jornal menciona ainda que ela recebera um prêmio num concurso literário organizado pelo Wien Journal de Berlim.
  • 47
    A história de Hermann Görgen é bastante documentada e já foi apresentada por diferentes autores, os quais, no entanto, deram pouca atenção ao envolvimento do Vaticano com o caso (BELOCH, 2021, p. 235BELOCH, Israel (coord.). Dicionário dos refugiados do nazifascismo no Brasil. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2021.; CARNEIRO, 2010CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Cidadão do mundo: o Brasil diante do Holocausto e dos judeus refugiados do nazifacismo (1933-1948). São Paulo: Perspectiva, 2010., 2018aCARNEIRO, Maria Luiza Tucci. Histórias de vida: refugiados do nazifascismo e sobreviventes da Shoah: Brasil 1933-2017. São Paulo: Editora Maayanot, 2018a. Coleção Vozes do Holocausto, v. 3.; KESTLER, 2003KESTLER, Izabela Maria Furtado. Exílio e Literatura: escritores de fala alemã durante a época do nazismo. São Paulo: EDUSP, 2003.; QUEIROZ, 1998QUEIROZ, Maria José de. Os males da ausência ou a literatura do exílio. Rio de Janeiro: Top-books, 1998.).
  • 48
    AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fls. 163-164.
  • 49
    AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 165.
  • 50
    AHI, Consulado do Brasil em Genebra, 60/5/14. Telegrama de 28.11.1940 do cônsul Milton Vieira ao Ministério.
  • 51
    AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 170.
  • 52
    AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 181. Compunham a “lista de Görgen” as seguintes pessoas: Arnost Gieler, Jan Gloss, Marketa Glossa, Valerie Glossa (e três filhos), Walter Kreiser, Dora Schindel, Heinrich Beckmann, Günter Dinkelmann, Ester Dinkelmann, Jan Dorfmann, Suzanne Eisenberg, Hermann Fuerstenthal, Max Gefter, Leopoldine Gefter, Fred Goldschmidt, Ulrich Becher, Dana Becher, Waldemar Halek, Jean-Jacques Hofman, Jan Grünbaum, Filip Horak, Oto Walter Kämpfer, Hans Lackler, Cecile Löffel, Alfred Mahlmann, Jaroslav Marianek, Gerhard Metsch, Pavel Philipp, Ester Raichmanas, Josef Simoncsicz, Alice Fehlmann, Bedrich Schadler, Grete Schadler, Maria Schlesinger, Gebhard Schmid, Jiri Wassermann, Petr Wygodzinsky.
  • 53
    AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fls. 179-180.
  • 54
    AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 187.
  • 55
    AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 200.
  • 56
    AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 199.
  • 57
    AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 203.
  • 58
    AAV, Nunciatura na Suíça, caixa 211, fasc. 599, fl. 205.

Fontes impressas

  • Actes et documents du Saint-Siège relatifs à la Seconde Guerre mondiale (ADSS), v. 6, Cidade do Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1972.
  • Revista de Imigração e Colonização, Rio de Janeiro, ano I, n. 1, 1940.
  • Revista de Imigração e Colonização, Rio de Janeiro, ano II, n. 1, 1941.
  • Diário da Noite, Rio de Janeiro, 19 de julho de 1943.
  • Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 20 de agosto de 1963.
  • O Jornal, Rio de Janeiro, 24 de julho de 1963.
  • Diário Oficial da União, 25 de outubro de 1950.

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Editores Responsáveis
Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Out 2021
  • Aceito
    29 Abr 2022
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