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UMA “ENGRAÇADA E REDONDA ANNA”: A DEVOÇÃO A SANTANA E O MODELO DE FEMINILIDADE VIRTUOSA NAS MINAS COLONIAIS (1720-1820)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.

A “GRACEFUL AND ROUND ANNE”: DEVOTION TO SAINT ANNE AND THE MODEL OF VIRTUOUS FEMININITY IN COLONIAL MINAS GERAIS (1720-1820)

Resumo

A observação da abundância de imagens esculpidas de Santa Ana em Minas Gerais datadas entre os séculos XVIII e XIX instigou a pesquisa da qual este artigo resulta e cujo objetivo inicial era identificar os agentes e os motivos da ampla difusão dessa devoção em terras mineiras. Partindo de uma perspectiva da História da Arte, um grupo de aproximadamente 200 imagens foi analisado em termos de fatura, tipologia e iconografia, e os resultados dessa análise foram confrontados com dados provenientes de diferentes áreas do conhecimento. Contra o pano de fundo patriarcal dominante, observou-se que as representações de Santa Ana se tornaram um modelo simbólico de feminilidade para uma burguesia que desejava construir sua imagem e legitimidade. Esse modelo, contudo, acabou por percorrer em profundidade os diferentes extratos sociais, que dele se apropriaram diferentemente.

Palavras-chave
Santa Ana; imaginária devocional; devoções femininas; Minas Gerais do século XVIII; sociedade patriarcal

Abstract

The observation of the abundance of Saint Anne’s sculpted imagery in Minas Gerais dated between the 18th and 19th centuries instigated the research from which this article results and whose initial aim was to identify the agents and the reasons for the wide diffusion of this devotion in Minas Gerais. Departing from an art history perspective, a group of approximately 200 images was analyzed in terms of its craftsmanship, typology, and iconography, and the results of this analysis were confronted with data from different areas of knowledge. Against the dominant patriarchal backdrop, it was observed that the representations of Saint Anne became a symbolic model of femininity for a bourgeoisie that wished to build its image and legitimacy. This model, however, ended up crossing in depth the different social strata, which appropriated it differently.

Keywords
Saint Anne; devotional imagery; female devotions; 18th century Minas Gerais; patriarchal society

Não escapam aos visitantes das Minas Gerais os indícios da ampla devoção que seus habitantes do período colonial dedicaram a Santana, a mítica mãe de Maria e avó de Jesus. Objetos devocionais por excelência, as abundantes esculturas de Ana e sua menina são, por si, prova material e testemunho incontestável desse fato. Este artigo vem apesentar os resultados de uma investigação que buscou compreender os motivos e os modos pelos quais essa devoção católica se espalhou tão intensamente pelas Minas sete e oitocentistas. Partindo do universo formal da História da Arte, reunimos centenas de imagens da santa, observamos as variedades tipológicas das representações e as especificidades das faturas e estudamos o desenvolvimento histórico das variações iconográficas. Com o objetivo primeiramente de entender o significado lato – ‘iconológico’, nos moldes panofskyanos3 3 Partimos do processo analítico de identificação e classificação dos ‘tipos’ iconográficos para, depois, observando-os em perspectiva, reconstituir suas ‘séries’ históricas. A identificação dos nexos históricos entre os fatos artísticos (ou de suas inflexões) é o que permite avançar hipóteses interpretativas sobre estes últimos. No entanto, a identificação de tais nexos requer o maior alargamento possível do contexto sociocultural das épocas em que as imagens artísticas foram produzidas. Neste ponto, foram úteis os textos litúrgicos (especialmente os da parenética), os comentários teológicos, a literatura das vitae, as narrativas e canções folclóricas, bem como os objetos artísticos de formas, técnicas e funções variadas. A síntese interpretativa resultante desse processo se insere na ideia de ‘iconologia’ como definida por Erwin Panofsky (1986). Também apontamos as obras de Jean-Claude Schmitt (2007) e de Meyer Schapiro (1945) como referencial metodológico para nossa abordagem da imagem devocional. – da figura de Santana nesse contexto específico e sempre inquirindo as possibilidades de interpretação dos significados subjacentes às imagens, cruzamos esses estudos iniciais com dados provenientes de pesquisas de diversas áreas do saber. Ao buscar avançar hipóteses para o delineamento do perfil do devoto mineiro da santa e também para a definição de suas motivações, deparamo-nos com uma personagem tornada modelo simbólico de feminilidade, diferentemente apropriada pelos variados extratos sociais. Tal modelo, promulgado pelo clero, que vê na perfeição circular, “redonda”, do nome Anna – o mesmo de frente para trás e de trás para a frente – a imagem universal da perfeição, serve preponderantemente ao universo patriarcal e burguês, mas encontra ressonância em todos os demais extratos.

Diante do vasto material artístico recolhido, relativo a obras de origem muitas vezes incerta, optamos por pautar as conclusões desta pesquisa na análise do conjunto das cerca de 200 peças referenciadas como de procedência mineira do Museu de Sant’Ana, em Tiradentes, Minas Gerais.

Para o claro entendimento da polissemia da figura de Ana, é indispensável uma breve retomada do trajeto da construção da personagem,4 4 Consideramos o conhecimento do longo processo de construção da personagem de Santa Ana fundamental para o entendimento dos sentidos do alcance da devoção. Tratamos desse polêmico processo em detalhes em artigo recentemente publicado (ANDRADE, 2022). de seu culto e devoção na Europa medieval até sua chegada às Minas, observando que se trata de um longo processo no qual se imbricam de forma complexa as normativas do culto oficial e a piedade popular.

A construção da devoção

Ausente dos textos canônicos, Ana é uma personagem fictícia, sem qualquer vestígio de historicidade, cujo nome emerge entre os anos de 150 e 175, no apócrifo Protoevangelho de Tiago:5 5 Utilizamos a versão organizada e apresentada por France Quéré (1983). um texto escrito em grego, de larga difusão no Oriente e que serve de base para várias reformulações posteriores. O Protoevangelho narra a história do casal Joaquim e Ana que, após 20 anos de matrimônio, não tinha gerado um filho para Israel. Sendo por este motivo humilhado, Joaquim se retira para o campo, deixando Ana em Jerusalém, lastimando sua condição até o dia em que um anjo anuncia que ela irá conceber. Joaquim recebe a mesma visita e o pedido para ir ao encontro da esposa na cidade. O casal se reencontra sob a Porta Dourada e, no tempo certo, Ana dá à luz uma menina a quem chama Maria. Quando a pequena completa três anos, é entregue para ser educada no templo, de onde sairá apenas para desposar José.

À cena do reencontro de Joaquim e Ana se vincula a polêmica construção do dogma da Imaculada Conceição, uma discussão que remonta indiretamente ao concílio de Éfeso (431), proclamador de Maria como Theotokos, a mãe do Deus encarnado. O momento que se segue ao concílio marca o início do culto mariano e desperta interesse em relação à ascendência de Maria, incitando também a devoção a Ana, cujo culto chega à Europa apenas no século VIII. Mas é a partir da distribuição de relíquias trazidas pelos cruzados que a devoção se dissemina e que se acentua o descolamento do culto a Ana daquele à sua filha. Em paralelo, as primeiras narrativas apócrifas sobre a santa são reelaboradas por personalidades influentes do clero regular, contribuindo para a legitimação de seu culto. O autor do Epitome Historiae Sacrae, Haymo de Auxerre (†853), acrescenta à vida de Ana a história de seus três casamentos – o trinubium (NIXON, 2004NIXON, Virginia. Mary’s mother: Saint Anne in Late Medieval Europe. University Park: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 16), retomada pela Legenda Áurea (c. 1260-1298), do dominicano Jacopo de Varazze (†1298), texto de grandíssima difusão em todo o Ocidente. Varazze (2003, p. 74) narra que Ana ficou viúva duas vezes, casou-se três e teve três filhas, as três Marias. Esses personagens e sua descendência criam um desdobramento iconográfico que conhecerá imensa popularidade entre os séculos XV e XVI – a ‘Sacra Parentela’.

As primeiras esculturas devocionais de Ana são estátuas de pequeno porte e baixo custo vendidas nos santuários que abrigam suas relíquias. A tipologia dessas imagens é a de simples bustos ou a de grupos representando Ana, Maria e Jesus (BOESPFLUG, 2013BOESPFLUG, François. La Sainte Anne des peintres et des sculpteurs. Poitiers: Institut Géopolitique et Culturel Jacques Cartier, 2013. Disponível em: <https://www.institut-jacquescartier.fr/2013/01/la-sainte-anne-des-peintres-et-des-sculpteurs/>. Acesso em: 20 jul. 2018.
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, p. 4). Este último tipo, do qual os exemplares mais antigos remontam ao final do século XIII (NIXON, 2004NIXON, Virginia. Mary’s mother: Saint Anne in Late Medieval Europe. University Park: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 18), foi denominado ‘Santana Trina’ ou ‘Tríplice’ e ressalta a ascendência materna de Cristo. No início do século seguinte, aparecem as imagens de mãe e filha lendo um livro, batizadas de ‘Santana Mestra’ ou ‘A educação da Virgem’ (SHEINGORN, 1993SHEINGORN, Pamela. “The Wise Mother”: the image of St. Anne teaching the Virgin Mary. Gesta, Chicago, v. 32, n. 1, p. 69-80, 1993. Disponível em: <https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.2307/767018>. Acesso em: 02 mar. 2023. doi: <https://doi.org/10.2307/767018>.
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, p. 70).

O surgimento dessa segunda iconografia, que mostra Ana como uma matrona ensinando Maria a ler, acompanha o aumento da popularidade da santa, fato provavelmente relacionado a fatores sociais como a mudança na estrutura familiar, que chega à formulação moderna da família nuclear, levando a uma valorização do ambiente doméstico. A urbanização e os grandes centros comerciais trazem o desenvolvimento de uma classe intermediária, que repete e valoriza essa estrutura. Ana, nesse momento, é identificada com a matriarca das famílias de classe alta ou burguesas. O ambiente da casa se torna então seu reino, e ela é invocada em situações de urgência doméstica, na proteção aos casamentos, à gravidez, às parturientes, aos recém-nascidos, ao aleitamento, à primeira infância e à viuvez. Do século XII em diante, seu nome é dado a meninas de todas as classes sociais, e na França vai compor até prenomes masculinos (BOESPFLUG, 2013BOESPFLUG, François. La Sainte Anne des peintres et des sculpteurs. Poitiers: Institut Géopolitique et Culturel Jacques Cartier, 2013. Disponível em: <https://www.institut-jacquescartier.fr/2013/01/la-sainte-anne-des-peintres-et-des-sculpteurs/>. Acesso em: 20 jul. 2018.
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, p. 5). Copiosos são os relatos de graças e curas obtidas por seu intermédio, e sua popularidade é atrelada a poderes taumatúrgicos.

No século XV, a imagem de Ana sai às ruas em procissão, em festas ou em momentos de necessidade coletiva ou de catástrofes. Seu nome batiza inúmeros topônimos e é invocado contra a peste. Ela apadrinha confrarias religiosas laicas e corporações de ofício, protegendo os marinheiros, os cavalariços, os mineiros, os artesãos da madeira (carpinteiros, marceneiros, entalhadores), os que lidam com os trabalhos domésticos, especialmente os femininos (fiandeiras, rendeiras, costureiras, criadas), e os professores.

No final desse mesmo século, o culto atinge o ápice, com a instituição oficial da festa de Santana em 26 de julho por Sisto IV (1481). Outro estímulo fundamental vem do beneditino Johannes Trithemius (†1516), que em 1494 publica seu De laudibus sanctissimae matris Annae Tractatus, impulsionando a encomenda de obras, a fundação de irmandades e contribuindo para o desenvolvimento das ideias místicas em torno da santa (CHARLAND, 1921CHARLAND, Paul. Le culte de Sainte Anne en Occident : seconde période : de 1400 (environs) à nos jours. Québec: Imprimerie Franciscaine Missionaire, 1921. Disponível em: <https://archive.org/details/lecultedesaintea00charuoft>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 11). Logo, “novas” biografias de Ana se multiplicam, provenientes sobretudo do norte europeu, escritas pelo clero regular e destinadas ao consumo de um público burguês. O desenvolvimento da imprensa permite a rápida difusão de tais narrativas que, acompanhadas de gravuras, colaboram para a cristalização dos tipos iconográficos.

Porém, o século XVI traz novidades. Na esfera da liturgia oficial, a polêmica em torno da imaculada concepção de Maria se inflama com as teses dos protestantes que levarão à cisão com a Igreja católica. O próprio Lutero, que havia se tornado monge em troca do socorro de Santana durante uma tempestade, aponta agora seu caráter de ficção (NIXON, 2004NIXON, Virginia. Mary’s mother: Saint Anne in Late Medieval Europe. University Park: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 38-39). Além da falta de historicidade, a fragilidade estava no ponto do trinubium e nos ares de feitiçaria envolvendo seus milagres. Jean Wirth (2003)WIRTH, Jean. Sainte Anne est une sorcière et autres essais. Genebra: Librairie Droz, 2003., que analisa a iconografia da santa em relação a relatos de suas intervenções milagrosas no período entre a Reforma protestante e a Contrarreforma, afirma: “Santana é uma feiticeira”. Entre seus poderes estavam a ressurreição de recém-nascidos, a cura de cegos e aleijados e os exorcismos. Wirth destaca o caráter mágico de suas intercessões em três situações em que ela é invocada para acudir jovens viúvas atacadas por homens: eis onde Ana assume as feições de uma feiticeira “feminista” com poderes sobrenaturais (LAMONTAGNE, 2002LAMONTAGNE, Denise. Le culte à Sainte Anne en Acadie : étude éthno-historique. Tese de Doutorado em Estudos Quebequenses, Université du Quebec à Trois Rivières, 2002. Disponível em: <https://depot-e.uqtr.ca/id/eprint/6663/>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 138).

Com o estabelecimento do controle sobre a produção e promoção das histórias e imagens sagradas engendrado pela Contrarreforma, há um esforço para o apagamento das personagens de historicidade questionável. Santana, sabidamente fictícia, tem então seu papel redimensionado, e o tema do trinubium é proscrito. Obras como o Tratado das Santas Imagens (1570), de Johannes Molanus (†1585), serão decisivas nessa reorientação. É Molanus (1996, p. 413-14)MOLANUS, Johannes. Traité des Saintes Images. Tomo I. Paris: Editions du Cerf, 1996 [1570]. quem aconselha aos artistas a limitação da iconografia de Santana ao grupo trino ou que este seja acompanhando, no máximo, pelas figuras de José e Joaquim, reduzindo ao essencial a parentela de Maria. Paralelamente, há o estímulo a uma redução ainda maior representada pelo grupo nuclear da ‘Sagrada Família’: Maria, José e o Menino. Neste rearranjo, Ana é eventualmente incluída, sempre em postura subalterna, num reescalonamento que diminui nitidamente sua importância. Um novo fortalecimento do culto, no entanto, ocorre em torno da virada para o século XVII, na coincidência do advento do Barroco (MÂLE, 1951MÂLE, Emile. L’Art religieux de la fin du XVIe siècle, du XVIIe siècle e du XVIII siècle: étude sur l’iconographie après le Concilie de Trente. Paris: Armand Colin, 1951., p. 347), e, pelos duzentos anos seguintes, na iconografia de Santana é o tipo ‘Mestra’ que predomina absoluto.

A devoção chega ao Brasil nesse instante, por via ibérica, trazida tanto pelo clero regular quanto pelos colonizadores. As primeiras imagens vieram provavelmente ao mesmo tempo, “divulgadas simultaneamente nos cultos oficial e doméstico” (OLIVEIRA, 2001OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. Sant’Ana na imaginária sacra brasileira. In: GUTIERREZ, Angela (org.). O Livro de Sant’Ana. Belo Horizonte: Instituto Cultural Flávio Gutierrez, 2001, p. 8-19., p. 10). Segundo Maria Beatriz de Mello e Souza (2002, p. 234)SOUZA, Maria Beatriz de Mello e. Mãe, mestra e guia: uma análise da iconografia de Sant’Anna. Topoi, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 223-250, 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/topoi/a/rqK4SbNnNLBt5yyN6hkcC6k/?format=pdf⟨=pt>. Acesso em: 02 mar 2023.
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, a mais antiga manifestação conhecida da devoção no Brasil estaria no primeiro poema escrito na América portuguesa por José de Anchieta (1563). Por outro lado, a força popular nesse processo é testemunhada pelo fato de que a primeira capela erguida em honra à santa em terras brasileiras, em 1590, teria sido obra de um castelhano, Alonço Pellaes, no termo da vila de São Vicente (PAES LEME, 1976PAES LEME, Pedro Taques de Almeida Paes; TAUNAY, Afonso de Escragnolle. Nobiliarchia Paulistana histórica e genealógica. 3 vol. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1976. Disponível em: <https://bibliotecadigital.seade.gov.br/view/listarPublicacao.php?lista=0&opcao=5&busca=Nobiliarchia%20paulistana%20historica%20e%20genealogica&listarConteudo=T%C3%ADtulo%20%20%C2%BB%20Nobiliarchia%20paulistana%20historica%20e%20genealogica>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 124).

Em Minas Gerais, assume-se que a devoção teria sido trazida por paulistas, chegando “com os bandeirantes, em seus oratórios ambulantes” (ALVES, 2005ALVES, Célio Macedo. Quantidade de imagens por invocação. In: COELHO, Beatriz (org.). Devoção e arte. Imaginária religiosa em Minas Gerais. São Paulo: Edusp, 2005., p. 74). Um caso exemplar é o do arraial de Santana das Lavras do Funil, fundado por descendentes de bandeirantes saídos de Santana do Parnaíba, sugerindo a transferência do orago paulista.

As formas da devoção a Santana nas Minas Gerais

Várias são as formas pelas quais a devoção a Ana se manifestou nas Minas coloniais. Além das expressões artísticas (imaginária e pintura), outras manifestações notáveis estão na ereção de capelas, na constituição de irmandades, na toponímia e na antroponímia. Discorreremos sobre cada uma delas, apresentando dados quantitativos e, sempre que possível, avançando hipóteses interpretativas.

A respeito da antroponímia, acreditamos que a abundância do nome de batismo ‘Ana’ – e das formas compostas ‘Ana Maria’ e ‘Mariana’ – esteja vinculada à devoção, embora tal relação seja difícil de comprovar. O hábito de batizar os filhos homenageando santos de devoção pessoal se difundiu no Brasil colonial (DEL PRIORE, 2009DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. São Paulo: Edunesp, 2009., p. 268) e é uma constante no Ocidente desde o desenvolvimento do culto aos santos na Idade Média (GUÉRIOS, 1973GUÉRIOS, Rosario Mansur. Dicionário etimológico de nomes e sobrenomes. São Paulo: Ave Maria, 1973., p. 25). O empenho da Igreja em que seus fiéis tivessem nomes de santos é assinalado por José L. de Vasconcellos (1928, p. 82)VASCONCELLOS, José Leite de. Antroponímia portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1928. ao mencionar o Ritual de Paulo V (1614), que aconselha “se escolham quanto possível nomes santificados” à pia de batismo.

Robert Rowland (2008, p. 24)ROWLAND, Robert. Práticas de nomeação em Portugal durante a Época Moderna: ensaio de aproximação. Etnográfica, Lisboa, v. 12, n. 1, p. 17-43, 2008. Disponível em: <https://journals.openedition.org/etnografica/1590>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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mostra que, em Portugal, o prenome ‘Ana’ esteve em constante ascensão a partir do século XVI e pertencia a 9,3% das mulheres implicadas em processos da Inquisição de Lisboa entre os séculos XVIII e XIX. O aumento da popularidade do nome neste caso corresponde perfeitamente ao crescimento da devoção na Europa no mesmo período. É provável que a colônia brasileira espelhasse esse fato.

Sobre a presença do prenome ‘Ana’ em Minas Gerais, uma amostra de sua popularidade é fornecida, de maneira transversal, na enumeração de 27 Anas vinculadas à descendência de um único casal direta ou indiretamente (na escravaria), acompanhando os sucessivos testamentos e inventários familiares.6 6 Trata-se do casal Diogo Garcia (1690-1762) e Júlia Maria da Caridade (1707-1777), cuja descendência se espalha pela Comarca do Rio das Mortes. Disponível em: <http://www.projetocompartilhar.org/Familia/DiogoGarcia.htm> Acesso em: 30 ago. 2020. Paulo Nacif (2014, p. 84)NACIF, Paulo Cezar Miranda. Diante da pia batismal: as alianças de compadrio em Minas Gerais durante o período colonial. Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2014. Disponível em: <https://app.uff.br/riuff;/handle/1/14910>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, investigando as relações de compadrio nas Minas do Setecentos, aponta que nas três freguesias por ele pesquisadas, 1.148 (34%) “inocentes e africanas adultas batizadas receberam os prenomes Ana, Maria e Mariana”. O autor vincula esses prenomes à popularidade da devoção às duas figuras santas, mencionando que 72,5% das invocações de santas em batismos dizem respeito a Santana e 23,5% a Maria.

Observe-se ainda a recorrência do termo composto Santana/Santa Ana como sobrenome ou alcunha. Uma certa Maria Emerenciana de Santa Ana solicitava em agosto de 1763 ao Conselho Ultramarino a confirmação de uma carta de sesmaria na freguesia da Aiuruoca.7 7 AHU-Minas Gerais, cx. 81, doc. 78; AHU_CU_011, Cx. 81, D. 6735. Catálogo de documentos manuscritos avulsos referentes à Capitania de Minas Gerais existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa/IICT/Portugal. Disponível em: <https://actd.iict.pt/eserv/actd:CUc011/CU-MinasGerais.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2022. Neste caso, a devoção se manifesta também no nome ‘Emerenciana’, a personagem da parentela tardo-medieval que encarna a mãe de Ana e bisavó de Jesus.

Os topônimos, bem como os antropônimos, comunicam fatos culturais, e a toponímia é um dos campos em que superabundam os testemunhos da proeminência do lugar ocupado por Santana nas Minas. O estudo de Ana Paula Carvalho (2014, p. 348-353)CARVALHO, Ana Paula Mendes Alves de. Hagiotoponímia em Minas Gerais. Tese de Doutorado em Estudos Linguísticos, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/MGSS-9PMR2U>. Acesso em: 31 ago. 2020.
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a propósito da hagiotoponímia mineira apresenta “em dados contemporâneos”, 277 ocorrências com o nome de Santana: 127 acidentes físicos e 150 acidentes humanos. A autora, que trabalha sobre cartas topográficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indica 48 ocorrências do topônimo entre o século XVIII e a primeira metade do XIX, das quais apenas duas datariam da primeira metade do Setecentos (p. 350 e 752). Uma análise histórica da evolução dos topônimos mineiros elevaria de forma considerável o número indicado pelas cartas. Isso se pode afirmar a partir da estreita relação entre topônimos e capelas primitivas. Capelas que tinham Santana como orago, ainda que não mais existentes, estão na origem das denominações de várias localidades que incluíam inicialmente a referência à matriarca em seu nome, mesmo que nem o nome original nem a capela primitiva sejam remanescentes.

Assim, um dos indícios mais concretos da devoção mineira a Santana é a ereção de capelas, e em Minas Gerais o surgimento das primeiras acompanha pari passu os caminhos abertos pela descoberta do ouro. Documentos arrolados pelo Cônego Raimundo da Trindade (1945, p. 85, 87)TRINDADE, Cônego Raimundo. Instituições de igrejas no Bispado de Mariana. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1945. Disponível em: <https://ia804509.us.archive.org/33/items/instituicoesdeig00trin/instituicoesdeig00trin.pdf >. Acesso em: 02 mar. 2023.
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permitem vincular uma capela de Santana ao “Arrayal de Santa Anna intitulado hoje [1770] o Abre Campo”, cuja freguesia foi criada em 1741 sob o título de Santa Ana e Senhora do Rosário da Casa da Casca, “lugar onde se afirma que colheu o primeiro ouro das Minas o bandeirante Antônio Rodrigues Arzam, em 1693”.

Uma das mais antigas capelas dedicadas à Ana é a de Santana do Morro, erguida no Morro de Santana em Mariana e demolida em 1970. Salomão de Vasconcellos (1938, p. 104)VASCONCELLOS, Salomão de. Mariana e seus templos (era colonial): 1703-1797. Belo Horizonte: Queiroz Breyner, 1938. nos diz que sua edificação pode ser filiada “ao período inicial da exploração do Morro, ou seja, mais ou menos entre 1712 e 1718”, afirmando não haver dúvida de ter sido levantada “no correr de 1712”, quando a mineração saiu da “praia para as encostas”. Muito significativo é o fato de Mariana ter erguido uma segunda capela dedicada à mesma santa – Santana ‘de baixo’ – também relacionada “aos primórdios da mineração em Ribeirão do Carmo” (OLIVEIRA; CAMPOS, 2010OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de; CAMPOS, Adalgisa Arantes. Barroco e Rococó nas igrejas de Ouro Preto e Mariana, 2 v. Brasília, DF: IPHAN, Programa Monumenta, 2010., p. 115), datada dos primeiros anos de 1720.

Também entre as primeiras capelas dedicadas a Santana no âmbito da mineração está a do Morro de Santana (ou da Queimada) em Ouro Preto, para cuja construção se apresenta uma data anterior a 1720 (TRINDADE, 1945TRINDADE, Cônego Raimundo. Instituições de igrejas no Bispado de Mariana. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1945. Disponível em: <https://ia804509.us.archive.org/33/items/instituicoesdeig00trin/instituicoesdeig00trin.pdf >. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 160). Bastante antiga era ainda a primitiva capela de Santana das Congonhas, de Congonhas do Norte, um povoado do início do século XVIII surgido, segundo Affonso Ávila (1994, p. 111), “em decorrência indireta do fenômeno econômico da descoberta e mineração do ouro”, datada em torno de 1722.

Outro arraial criado em torno da mineração sob o patrocínio da santa foi o de São Luiz de Sant’Ana das Minas do Paracatu, com uma capela de Santana erguida entre 1730 e 1736 (BARBOSA, 1971BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico-geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Saterb, 1971., p. 338). Santana desapareceu desse topônimo, e a localidade é hoje nomeada apenas Paracatu. Da mesma maneira, o arraial de Santana do Sapucaí (atual Silvianópolis) surgiu com a descoberta das minas que, em 1746, foram motivo da disputa que levou à divisão das capitanias de São Paulo e Minas do Ouro. Igualmente, a capela de Santana do Guapiara, “ereta por mineiros às margens do rio Aiuruoca em 1749 e confirmada em 1752” (SANTÍSSIMA TRINDADE, 1998SANTÍSSIMA TRINDADE, Frei Dom José; POLITO, Ronald. Visitas Pastorais de Frei Dom José da Santíssima Trindade – 1821-1825. Belo Horizonte Fundação João Pinheiro; IEPHA, 1998. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/consultaDetalheDocumento.php?iCodDocumento=49459>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 204, 377).

Ao todo, 29 capelas curadas dedicadas à Ana e edificadas durante o século XVIII foram relatadas nas visitas de Frei D. José da Santíssima Trindade entre 1821 e 1825. Escrevendo no século XX, Raimundo da Trindade (1945, p. 263-66)TRINDADE, Cônego Raimundo. Instituições de igrejas no Bispado de Mariana. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1945. Disponível em: <https://ia804509.us.archive.org/33/items/instituicoesdeig00trin/instituicoesdeig00trin.pdf >. Acesso em: 02 mar. 2023.
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retoma dados de seu homônimo antecessor e já nos indica as mudanças em alguns topônimos que com o tempo eliminaram o dado hagiológico. Se a historiografia relativa a Minas Gerais nas primeiras décadas do século XVIII correlaciona naturalmente “o povoamento minerador, o arraial e a sua capela” (ANDRADE, 2007ANDRADE, Francisco Eduardo de. A conversão do sertão. Capelas e a governamentalidade nas Minas Gerais. Varia História. Belo Horizonte, v. 23, nº 37, 2007, p.151-166. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/vh/a/xXGjqWCwXMz8QsxrdDhD6TM/?lang=pt>. Acesso em: 02 mar. 2023. doi: <https://doi.org/10.1590/S0104-87752007000100009>.
https://www.scielo.br/j/vh/a/xXGjqWCwXMz...
, p. 152), pode-se deduzir a partir do exposto uma correlação entre a atividade mineradora, a ereção de capelas dedicada à Ana e o hagiotopônimo correspondente.

O vínculo entre a devoção a Santana e a mineração é atestado historicamente desde o fim da Idade Média e nas Minas setecentistas deve ser entendido como a continuidade de uma tradição europeia iniciada entre os séculos XV e XVI que batizou cidades mineradoras inteiras, como três Annaberg (literalmente ‘morro de Ana’), “na Saxônia, Silésia e Estíria” (BURKE, 2010BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. Tradução de Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p. 64, 73). O patrocínio dos mineiros por Ana, embora não fosse exclusivo, foi comum por toda a Europa, mas nem Santana era a única patrona dos mineiros, nem estes monopolizavam Santana (NIXON, 2004NIXON, Virginia. Mary’s mother: Saint Anne in Late Medieval Europe. University Park: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 186). Ressaltamos que não encontramos manifestações evidentes de outros patrocínios de Ana para ofícios nas Minas, como foi o caso, na Europa, para os carpinteiros e marinheiros.

Há dados suficientes para afirmar que a relação de Santana com o ouro e com sua proteção às atividades mineradoras era bem conhecida em Minas Gerais e, portanto, não deve ser subestimada num território cuja ocupação foi impulsionada pela extração desse metal. É sugestiva, por exemplo, a denominação “pedra-de-santana” dada aos cristais de ferro (pirita) encontrados no processo da mineração conforme relatam, no início do século XIX, os naturalistas Von Langsdorff (1997, vol. I, p. 286, 307)LANGSDORFF, George Heirtich von; SILVA, Danuzio Gil B. (org.). Os diários de Langsdorff. Vol. 1. Rio de Janeiro e Minas Gerais, 8 de maio de 1824 a 17 de fevereiro de 1825. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997. e Pohl (1832, p. 257-58)POHL, Johann Emanuel. Reise im innern von Brasilien. Vol. 1. Viena: A. Strauss’s Sel. Witwe; J. B. Wallishausser, 1832. Disponível em: <https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/17962>. Acesso em 05 mai. 2021.
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. Sérgio da Mata (2002, p. 123)MATA, Sérgio da. Chão de Deus: catolicismo popular, espaço e proto-urbanização em Minas Gerais, Brasil: séculos XVIII e XIX. Berlin: Vissenschaftlicher, 2002. destaca da narrativa de Pohl o fato de que as pedras-de-santana seriam “usadas como talismã para a dor de cabeça e outras doenças”, emprego que evoca a proteção tardo-medieval da santa contra enfermidades (NIXON, 2004NIXON, Virginia. Mary’s mother: Saint Anne in Late Medieval Europe. University Park: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 77), numa sobreposição de atribuições.

Segundo Boespflug (2013, p. 5), o patrocínio dos mineiros pode vir do paralelo entre o fato de Ana ter dado à humanidade seu maior tesouro, a mãe do Salvador, e os mineiros trazerem à luz as riquezas ocultas pela terra. Estrella Ruiz-Calvez (1992, p. 127) desenvolve a questão: “[Ana] é a mãe-terra, a mina de ouro da qual se extraem riquezas ocultas: prata, comparada à Maria, e ouro, comparado a Jesus. Em seu patrocínio relativo à alquimia, leva à transmutação da matéria bruta: Ana em ouro, que é Jesus”.

Também a criação de irmandades leigas dedicadas a Santana testemunha a amplitude de sua devoção em Minas. Caio Boschi (1986, p. 187, 198-199, 223) relata ali a existência de 11 irmandades entre 1720 e 1802, ficando Santana em sétimo lugar entre os oragos patrocinadores de irmandades no estado. Acrescentem-se a estas a irmandade criada na matriz de Santana das Lavras do Funil (após 1766) e a de Santana de Paracatu.

As irmandades leigas no Brasil Colônia cumpriram múltiplos papéis. Entre eles, o mais evidente é o da promoção das devoções específicas em torno das quais essas congregações surgiram. Depois, tiveram destaque na provisão material dos cultos e se encarregaram, no lugar do Estado, das ações assistencialistas. Em relação a este último aspecto, Boschi (1986, p. 65-66) realça o caso das Misericórdias, que se difundiram por Portugal e pelo Brasil.

Em Mariana, a irmandade de Santana foi responsável pelo estabelecimento de uma Casa de Misericórdia anexa à igreja de Santana de baixo. Em 1732, uma petição dos confrades dirigida ao Rei falava da “necessidade, conveniencia e o interesse publico” que resultariam do “estabelecimento da Casa de Misericórdia com Hospital”, ressaltando ser isto “indispensável a esta populosa cidade, falta de estabelecimentos públicos e de caridade para empregar socorros à classe indigente e miserável de que abunda” (SALLES, 2007SALLES, Fritz Teixeira de. Associações religiosas no ciclo do ouro. São Paulo: Perspectiva, 2007 [1963]., p. 129).

Tal documento indica, portanto, o estabelecimento de uma irmandade de Santana em Mariana já em tempos precoces e seu empenho na criação de uma Casa de Misericórdia para atender, como hospital, os necessitados. O Códice Costa Matoso, de meados do século XVIII, ao se referir à mesma capela, relata que o hospital anexo “se conservou alguns anos” e ainda menciona

casas de romagem, em que antigamente se recolhiam infinitos devotos, que de partes muito distantes vinham antigamente de romaria a visitar a mesma santa e lhe deixavam copiosíssimas esmolas, com que foi feita a capela e as ditas hospedarias e um recolhimento, onde, em algum tempo se clausuravam algumas mulheres (...)

(FIGUEIREDO; CAMPOS, 1999FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida; CAMPOS, Maria Verônica (orgs.). Códice Costa Matoso. Coleção das notícias dos primeiros descobrimentos das minas na América que fez o doutor Caetano da Costa Matoso sendo ouvidor geral das do Ouro Preto, de que tomou posse em fevereiro de 1749. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro; Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1999. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/verDocumento.php?iCodigo=53683&codUsuario=0>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 254, fl.73).

Por este trecho se entende que a estrutura anexa à capela de Santana de baixo tinha também a função de hospedaria de romeiros devotos da matriarca, além de recolhimento. Em 1744, o testamento do padre Matias Fernandes Afonso mostra seu envolvimento na efetivação dessas obras. Afonso doava então “moradas de casa (…) que eu fiz a minha custa para o hospital da dita Senhora e para a assistência dos medicos, boticarios, surgiões e religiosos (…) casas do Hospício para a habitação de religiosos (…) casas (…) para assistirem nelas os romeiros e mais devotos que vierem de romaria à Senhora Santa Anna”. O padre citava ainda que a irmandade de Santana lhe devia “a porção de vinte e quatro annos de ser capellam desta capella...” (TRINDADE, 1945TRINDADE, Cônego Raimundo. Instituições de igrejas no Bispado de Mariana. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1945. Disponível em: <https://ia804509.us.archive.org/33/items/instituicoesdeig00trin/instituicoesdeig00trin.pdf >. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 158-60). Dos trechos transcritos, pode-se afirmar o empenho de particulares – irmãos e devotos de Santana – em doações de várias naturezas que ajudaram a criar e manter o hospital.

Já em Vila Rica, a irmandade da Santa Casa de Misericórdia, fundada em 1730 sob o patrocínio de N. Sra. Santana (OLIVEIRA, 2010OLIVEIRA, Marcelo Almeida. Igreja de N. Senhora das Mercês e Misericórdia em Ouro Preto: religiosidade e rivalidade nas Minas setecentistas. In: FERREIRA-ALVES, Natália Marinho (coord.). A Misericórdia de Vila Real e as misericórdias no mundo de expressão portuguesa. Porto: Cepese, 2010. p. 421-440. Disponível em: <https://www.cepese.pt/portal/pt/publicacoes/obras/a-misericordia-de-vila-real-e-as-misericordias-no-mundo-de-expressao-portuguesa/igreja-de-nossa-senhora-das-merces-e-misericordia-em-ouro-preto-religiosidade-e-rivalidade-nas-minas-setecentistas>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 430), construiu um hospital onde atendia não apenas os confrades (mediante pagamento), mas também pessoas sem recursos, funcionando como instituição de caridade (VOLPE, 1997VOLPE, Maria Alice. Irmandades e ritual em Minas Gerais sob o período colonial: o Triunfo Eucarístico de 1733. Música, São Paulo, v. 8, n. 1-2, p. 6-55, 1997. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/revistamusica/article/view/59977>. Acesso em: 02 mar. 2023. doi: <https://doi.org/10.11606/rm.v8i1/2.59977>.
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, p. 20-21).

Myriam Oliveira (2001, p. 11)OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. Sant’Ana na imaginária sacra brasileira. In: GUTIERREZ, Angela (org.). O Livro de Sant’Ana. Belo Horizonte: Instituto Cultural Flávio Gutierrez, 2001, p. 8-19. explica a relação dessa devoção com as “Santas Casas de Misericórdia, pela reconhecida competência de Sant’Ana na cura de enfermidades”. Tal relação se observa na narrativa feita pelo Agiologio Lusitano da celebração da festa de Santana pela Santa Casa de Misericórdia de Lisboa, que anualmente, em 26 de julho, expunha a relíquia de um braço da santa, com a qual eram benzidas “quartinhas de água (…) para os doentes, que experimentão os maravilhosos effeitos do soberano patrocínio desta grande santa.” (SOUSA, 1744SOUSA, Antonio Caetano de. Agiologio Lusitano, dos santos, e varões ilustres em virtude do Reino de Portugal e suas conquistas. Tomo IV. Lisboa: Regia Officina Sylviana, 1744. Disponível em: <https://bdlb.bn.gov.br/acervo/handle/20.500.12156.3/661>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 308-09). Nas Minas coloniais, todavia, o papel curativo de Ana se destaca mais no âmbito individual e privado, como se verá, do que no coletivo e público ao qual pertencem as Misericórdias.

As irmandades de Santana, nas Minas Gerais compostas por membros da população branca (SALLES, 2007SALLES, Fritz Teixeira de. Associações religiosas no ciclo do ouro. São Paulo: Perspectiva, 2007 [1963]., p. 52), parecem decalcar o modelo europeu originado no século XV: congregações historicamente formadas por uma elite econômica, em condições de financiar obras assistencialistas motivadas, entre outras coisas, pela ansiedade em relação à salvação (ANDERSON, 2014ANDERSON, Michael Alan. St. Anne in Renaissance Music. Devotion and Politics. Nova York: Cambridge University Press, 2014., p. 15). Doações, de trabalho ou de bens móveis e imóveis, feitas durante a vida ou deixadas em testamento, são documentadas como propulsores da salvação individual dos irmãos de Santana (NIXON, 2004NIXON, Virginia. Mary’s mother: Saint Anne in Late Medieval Europe. University Park: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 42-45). O compromisso da irmandade de Santana de Paracatu deixa explícito, em seu artigo segundo, que sua função era a de “socorrer os irmãos com os auxílios espirituais e temporaes possíveis (…) dar sepultura aos corpos e sufragar as almas dos irmãos falecidos.”8 8 Livro de Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora Sant’Anna de Paracatu, Arquivo Público Municipal Olímpio Michael Gonzaga, caixa 03, maço 03. fl. 1r. Em Mariana, a figura singular de Matias F. Afonso se encaixa nesse modelo tardo-medieval, embora atitudes como a dele não coubessem apenas a confrades de Santa Ana.

É, contudo, na produção artística que se evidencia a real dimensão alcançada pela santa. Os exemplos, que na pintura escasseiam, são copiosos na imaginária, de modo que a absoluta maioria das representações pertence ao meio escultórico. Entre as peças retabulares, Célio Alves (2005, p. 89)ALVES, Célio Macedo. Quantidade de imagens por invocação. In: COELHO, Beatriz (org.). Devoção e arte. Imaginária religiosa em Minas Gerais. São Paulo: Edusp, 2005. contou 55 exemplares a partir do inventário estadual realizado entre 1986 e 2002, o que faz da matriarca a oitava devoção mineira mais frequente, dentro dos limites do culto oficial, num universo de 180 listadas.9 9 Não são especificadas as datas aproximadas dessas obras.

Da mesma forma, um vasto número de imagens integra coleções públicas, das quais o melhor exemplo é o Museu de Sant’Ana em Tiradentes, onde 308 peças de faturas e dimensões as mais variadas comprovam que a influência da matriarca ultrapassou todas as barreiras de classe social. Destas, 208 (67,5%) são de origem mineira. Um outro número de imagens da santa, impossível de se estimar, participa de coleções privadas, e significativas amostragens dessa frequência podem ser conferidas nas obras de José Nemer (2008)NEMER, José Alberto. A mão devota: santeiros populares das Minas Gerais nos séculos 18 e 19. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2008., que reúne a imaginária de fatura popular mineira de sua coleção, e do pioneiro colecionador Stanislaw Herstal (1956)HERSTAL, Stanislaw. Imagens religiosas do Brasil. São Paulo: [s. n.], 1956..

Essas imagens foram majoritariamente empregadas no culto doméstico (SOUZA, 2002SOUZA, Maria Beatriz de Mello e. Mãe, mestra e guia: uma análise da iconografia de Sant’Anna. Topoi, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 223-250, 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/topoi/a/rqK4SbNnNLBt5yyN6hkcC6k/?format=pdf⟨=pt>. Acesso em: 02 mar 2023.
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, p. 240). Myriam Oliveira (2001, p. 15-16)OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. Sant’Ana na imaginária sacra brasileira. In: GUTIERREZ, Angela (org.). O Livro de Sant’Ana. Belo Horizonte: Instituto Cultural Flávio Gutierrez, 2001, p. 8-19. nos diz que as peças de grande porte (acima de 50 cm de altura) teriam função retabular ou processional; as de altura intermediária (entre 25 e 50 cm) poderiam ser colocadas em “retábulos laterais de igrejas ou em oratórios-ermida, oratórios de salão ou mesmo em capelas urbanas ou rurais”. Já as peças de pequeno porte, de até 25 cm de altura, indicariam seu pertencimento a oratórios ou nichos de tipologia e localização diversificadas dentro do ambiente doméstico. Lucas Rodrigues (2020, p. 378-79)RODRIGUES, Lucas. As formas do perene: os oratórios domésticos em Minas Gerais e seus antecedentes europeus: estudo histórico, estilístico e iconográfico (Séc. XVIII-XIX). Dissertação de Mestrado em História, Universidade Federal de São João del-Rei, São João del-Rei, 2020. Disponível em: <https://ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/pghis/DissertacaoLucasRodrigues.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, que listou as devoções presentes em um conjunto de 263 oratórios mineiros (num total de 656 imagens), traz como resultado a posição de Santana (Mestra) como a terceira devoção mais corrente, com 46 exemplares. Este dado ratifica a relevância de Ana no culto doméstico mineiro e afirma que seu papel dentro dos lares ultrapassou em muito o destaque no culto oficial, já bastante importante.

As esculturas mineiras retomam as três tipologias luso-brasileiras tradicionais: Trina, Mestra e Guia. Nos tipos trinos tardo-medievais, o grupo se apresentava em pé ou sentado, e Ana podia trazer Maria menina em um dos braços e Jesus bebê no outro. Ou então Maria vinha miniaturizada no colo da mãe, segurando ela própria o filho no colo (Figura 1). Era comum que o corpo de Ana abrigasse visualmente todo o grupo, numa solução formal sugestiva do espelhamento feminino e terreno da Trindade – masculina e espiritual. Santana Trina representaria assim a Trindade da Encarnação, a linhagem terrena de Cristo. Maria e Jesus, diminutos, funcionavam como atributos de Ana, em subordinação. No universo luso-brasileiro, contudo, essa tipologia é denominada ‘Santas Mães’, o que parece se dar mais tarde, em consonância com a inflexão de forma e significado que denuncia o abandono dos aspectos semânticos mais abstratos.

Figura 1
Santana Trina (Santas Mães)

Portugal, século XIV-XV. Madeira policromada; h: 90 cm. Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga. Fonte: © MNAA.

A iconografia Trina em território brasileiro é uma persistência do “tipo banco”10 10 Bench type. (NIXON, 2004NIXON, Virginia. Mary’s mother: Saint Anne in Late Medieval Europe. University Park: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 125) tardo-medieval, de ascendência norte europeia, e sua datação pode ser seguramente colocada em tempos mais precoces em relação às peças do grupo Mestra, que triunfa isolado no período barroco em ambos os continentes. Trata-se de um tipo relativamente raro em Minas Gerais – apenas quatro exemplares do conjunto de 208 peças do Museu de Sant’Ana (Figura 2) – no qual as figuras femininas se sentam lado a lado, com o Menino entre elas, como num grupo de gênero, num claro reflexo da apropriação e transfiguração de um tema salvífico por uma sociedade burguesa que vinha redefinindo a noção de família. O rosto de Ana então é envelhecido – sua característica iconográfica mais distinta nos tempos pós-tridentinos (BERGMANN, 2011BERGMANN, Emilie Louise. Learning at her mother’s knee? Saint Anne, the Virgin Mary, and the Iconography of women’s literacy. In: CRUZ, Anne & HERNÁNDEZ, Rosilie (ed.). Women’s literacy in early Modern Spain and the New World. Farnham: Ashgate, 2011, p. 243-261., p. 243). Ela é mostrada como a avó (terrena) que ajuda a criar o neto, perdendo seu lugar de relevância na economia da salvação para se tornar um apêndice da Sagrada Família.

Figura 2
Santana Trina (Santas Mães)

A tipologia Mestra é de longe a mais recorrente nas Minas Gerais do período colonial, em acordo com o que ocorria na Europa contemporânea. Nela, Ana vem comumente sentada em um cadeirão de alto espaldar (61,5% das imagens mineiras do Museu de Sant’Ana), tendo um livro aberto sobre os joelhos. Maria, em idade de alfabetização, acompanha a leitura de pé, ao seu lado (Figura 3) ou, mais raramente, em seu colo, segurando ela mesma o livro. Menos frequente é Ana vir em pé com a menina no colo (4,32%) e muito comum é a cadeira ser omitida, coberta pelas vestes (25,4%).

Figura 3
Santana Mestra, do norte de Minas

No tipo ‘Guia’, o mais raro em Minas Gerais, Ana é representada em pé, levando Maria pela mão e indicando com um braço erguido o caminho à filha, que carrega o livro fechado (Figura 4). Observando as denominações aplicadas a peças dessa tipologia por diversos estudiosos e pela catalogação de museus, fica aparente a dificuldade de uma definição concordante. Acreditamos que o tipo possa ser entendido como uma variação formal da iconografia de Santana Mestra, referendando Myriam Oliveira (2001, p. 16-17)OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. Sant’Ana na imaginária sacra brasileira. In: GUTIERREZ, Angela (org.). O Livro de Sant’Ana. Belo Horizonte: Instituto Cultural Flávio Gutierrez, 2001, p. 8-19., que o classifica como uma variante dinâmica, “caminhante” desta última. Na realidade, acreditamos que a atitude caminhante que marca essa iconografia possa ter derivado de representações do momento iconográfico correspondente à apresentação de Maria no templo.

Figura 4
Santana Guia

Encontram-se ainda imagens de Ana independentes, fazendo par com as de São Joaquim. O livro e as marcas da idade são seus atributos principais. Essas peças são comuns em retábulos ou compõem a extensão da Sagrada Família denominada novamente ‘Sacra Parentela’. É importante ressaltar que não se trata do numeroso grupo medieval surgido com o trinubium. A nova Sacra Parentela louva a família nuclear, que estava se afirmando como paradigma para os cristãos, numa devoção intensamente estimulada pela Igreja pós-tridentina e, portanto, pelo culto oficial. Na antiga matriz de Sant’Ana das Lavras do Funil, uma pintura atribuída a José Joaquim da Natividade é um exemplar dessa iconografia incomum na pintura colonial mineira (Figura 5). Já a Mestra comparece ao menos em duas pinturas remanescentes em igrejas dedicadas à Ana: na capela do Inhaí, por José Soares de Araújo, e na matriz de Congonhas do Norte, obra de Manoel Antônio da Fonseca (ÁVILA, 1994ÁVILA, Affonso. Barroco 16: Minas Gerais: monumentos históricos e artísticos: Circuito do Diamante. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994., p. 119-120). Outras representações pictóricas se encontram nas tabuinhas votivas, de que se falará adiante.

Figura 5
Joaquim José da Natividade (atr.). Sacra Parentela

Muito provavelmente também circulavam gravuras e ‘registos’ de santos, que podem ter servido de modelo compositivo para pinturas. Beatriz Coelho e Maria Regina Quites (2014, p. 2)COELHO, Beatriz; QUITES, Maria Regina Emery. Tesouro das Minas: análise da Santana Mestra de Sabará. Boletim do CEIB, Belo Horizonte, v. 18, n. 57, p. 1-6, 2014. Disponível em: <https://www.eba.ufmg.br/boletimceib/index.php/boletimdoceib/article/view/7>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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assinalam a interpretação feita pela pintura do forro da matriz de Congonhas do Norte de uma das muitas gravuras derivadas de um original de Rubens. Entre fins do século XV e início do XVI, gravuras em forma de folhetos acompanhados de orações tiveram papel determinante no incentivo às devoções na Europa, inclusive em Portugal. O Inventário da colecção dos registos de santos da Biblioteca Nacional de Portugal testemunha a predominância das representações da Mestra (SOARES, 1955SOARES, Ernesto. Inventário da colecção de registos de santos. Lisboa: Biblioteca Nacional, 1955. Disponível em: <https://purl.pt/700>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 348-351). Vários desses registos retomam a composição rubeniana e podem ser vinculados perfeitamente à pintura de Congonhas do Norte.11 11 Sobretudo os registos de número 04728 a 04731.

Essa mesma iconografia é a que frequenta as tabuinhas de ex-votos, que assim representam um novo formato de manifestação pictórica da devoção. No estudo de 92 ex-votos mineiros empreendido por Weslley Rodrigues (2012, p. 90)RODRIGUES, Weslley Fernandes. A história em ponto pequeno: prática votiva e culto santoral nas Minas (séculos XVIII e XIX). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Minas Gerais, 2012. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/VGRO-92MGRU>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, Ana Mestra está entre os santos mais invocados. Nesses quadros, sempre horizontais, a imagem de Ana e sua menina vem comumente colocada à direita das composições, envolta total ou parcialmente por um halo de nuvens alusivo ao feito sobrenatural. À esquerda se veem os miraculados acamados ou participando de cenas que representam os fatos na origem do pedido de intervenção. Na parte inferior, legendas dão notícia do sucedido e seu desfecho. Os ex-votos mineiros de Ana retomam formalmente aqueles da Metrópole.

A intercessão dos santos, confirmada pela igreja católica pós-tridentina, permitiu que um sem-número deles fosse acessado em socorro aos fiéis, povoando os quadros votivos tanto em Portugal quanto no Brasil. Nesse suporte, a função da imagem pintada se liga de maneira inequívoca ao poder curativo de Santana, como ocorreu com Franca, que, “perigosamente enferma e já sem esperança de vida, fez promessa a Santa Ana, ficando sã em 1798” (ABREU, 2005ABREU, Jean Luiz Neves. As tábuas votivas e a religiosidade popular nas Minas do século XVIII. História Social, Campinas, n. 11, p. 193-210, 2005., p. 204). Em alguns casos, como no de Maria Joaquina de Menezes, (Figura 6) a intervenção da santa se relaciona à proteção e soluções de problemas ocorridos durante o parto (ABREU, 2005ABREU, Jean Luiz Neves. As tábuas votivas e a religiosidade popular nas Minas do século XVIII. História Social, Campinas, n. 11, p. 193-210, 2005., p. 204; RODRIGUES, 2012RODRIGUES, Weslley Fernandes. A história em ponto pequeno: prática votiva e culto santoral nas Minas (séculos XVIII e XIX). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Minas Gerais, 2012. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/VGRO-92MGRU>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 106-107). Essa função específica da proteção às parturientes é uma persistência das atribuições da santa no final da Idade Média e início da Moderna (BOESPFLUG, 2013BOESPFLUG, François. La Sainte Anne des peintres et des sculpteurs. Poitiers: Institut Géopolitique et Culturel Jacques Cartier, 2013. Disponível em: <https://www.institut-jacquescartier.fr/2013/01/la-sainte-anne-des-peintres-et-des-sculpteurs/>. Acesso em: 20 jul. 2018.
https://www.institut-jacquescartier.fr/2...
, p. 4; WELSH, 2017WELSH, Jennifer. The cult of St. Anne in Medieval and early Modern Europe. London: Routledge, 2017., p. 24) colocada em destaque por Trithemius (1624TRITHEMIUS, Johannes. De laudibus venerabilis & beatissimae matris Dei genitricis Annae. In: Paralipomena opusculorum Petri Blesensis, et Ioannis Trithem. Colônia, 1624, p. 621-685. [1494-1498]. Disponível em: <https://books.google.be/books?id=agxcAAAAQAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 676; NIXON, 2004NIXON, Virginia. Mary’s mother: Saint Anne in Late Medieval Europe. University Park: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 77, 182). Ana era invocada nessas ocasiões pelas mulheres em busca de um parto sem dor ou intercorrências. Myriam Oliveira entende essa função da santa, juntamente com a de favorecer a gravidez, como uma das principais na motivação popular à devoção, justificando a presença massiva das imagens em pequenos oratórios de alcova. Para tanto, a autora sugere a influência da edição de 1767 do Flos Sanctorum, de Frei Diogo do Rosário, que, segundo ela, “circulou amplamente pelo Brasil colonial” (OLIVEIRA, 2001OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. Sant’Ana na imaginária sacra brasileira. In: GUTIERREZ, Angela (org.). O Livro de Sant’Ana. Belo Horizonte: Instituto Cultural Flávio Gutierrez, 2001, p. 8-19., p. 12-13) e narra o parto fácil de Ana.

Figura 6
Ex-voto da coleção Marcia Moura Castro. 1701

No texto do Protoevangelho de Tiago (V, 2), não há qualquer detalhe sobre o evento. Trata-se de um acréscimo. No entanto, esse destaque do parto indolor já se encontrava na literatura oficial. É o caso do Ceo Mystico, de Sebastião de Azevedo, publicado em Lisboa em 1725, cujas fontes incluem Trithemius. No segundo parágrafo do capítulo XXV, intitulado “Fecunda estereis, & favorece em perigosos partos”, o autor faz uma compilação de intervenções em que a “Senhora Santa Anna, pela singular excellencia de seu imaculado parto, he advogada especialíssima” (AZEVEDO, 1725AZEVEDO, Sebastião. Ceo mystico. A gloriosíssima senhora S. Anna, mãy da mãy deos e avó de Christo. Lisboa: Antonio Pedrozo Galram, 1725. Disponível em: < https://books.google.com.br/books?id=LboUvwEACAAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false>. Acesso em 02 mar. 2023.
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, p. 474-75). Ainda sobre a relação de Ana com o parto, Mary del Priore (2009, p. 241)DEL PRIORE, Mary. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. São Paulo: Edunesp, 2009. relata a contraditória crença, no Brasil Colônia, de que “se casar em dia de Sant’Ana fadava a morrer de parto”.

Porém, outros escritos narram diversos milagres atribuídos a Santana em várias ocasiões, não apenas no momento de trazer à luz uma criança. Ana socorria quem viesse a seu encontro, sem distinção de classe social, raça ou gênero. Weslley Rodrigues (2012, p. 114)RODRIGUES, Weslley Fernandes. A história em ponto pequeno: prática votiva e culto santoral nas Minas (séculos XVIII e XIX). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Federal de Minas Gerais, 2012. Disponível em: <https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/VGRO-92MGRU>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, que afirma serem poucos os ex-votos mineiros remanescentes representando negros miraculados, nos apresenta quatro deles em seus dois estudos distintos (2012, 2018): todos os quatro são dedicados a Ana Mestra. Em relação aos três do primeiro estudo, se tratava de cativos, e o autor deixa claro que os ex-votos foram oferecidos pelos senhores como resultado de promessas que estes fizeram, demonstrando “preocupação com sua mão-de-obra” e “portando-se como um bom cristão senhor de escravos deveria se comportar” (2012, p. 100). Ainda se reconhece aí a velha taumaturga medieval à qual se atribuiu poder curativo, mesmo que nos três casos de cativos o voto tenha sido feito e o ex-voto ofertado pelos respectivos senhores.

O socorro aos serviçais e escravizados, entretanto, era preconizado pela Igreja e entendido como ação virtuosa. Mas por que os senhores recorreram a Santana no auxílio a seus escravizados e não a outro santo? Talvez porque a relação de Ana com o cuidado da casa e da família fosse muito conhecida e expressa, por exemplo, em sermões como o que proferiu João Alvares Soares na Sé de Salvador por ocasião da festa consagrada à santa pelos moedeiros. Ali, Ana é destacada como um exemplo de virtude cristã fundamental para o funcionamento da família. Soares diz:

Não estão a hi os vossos escravos, que vos servem, criados, e fâmulos, que vos assistem, officiaes, e operários, que vos trabalhão, mal pagos huns, e outros maltratados, mal curados, e mal assistidos? (…) Cuidais que sois Pays de familias, deixando perecer a vossa casa, passando pelos fâmulos, e servos necessitados sem os remediar, nem acodirlhes? Isso não é ser Pays de famílias...

(SOARES, 1733SOARES, João Alvares. Sermão da Gloriosa Santa Anna Mãy de Maria SS. Senhora Nossa, na festa que lhe consagrão os Moedeiros na Cathedral da Cidade da Bahia. Lisboa, 1733. Disponível em: <https://purl.pt/28733/4/1674974_PDF/1674974_PDF_24-C-R0150/1674974_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf >. Acesso em: 23 abr. 2021.
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, p. 15-16)

Voltando à discussão sobre a iconografia da educação da Virgem, já foi sublinhado pela historiografia o fato de ser esta completamente desamparada de fontes textuais, apresentando uma passagem que não consta sequer dos evangelhos apócrifos, segundo os quais Maria teria recebido sua educação no templo. As representações de Ana ensinando a filha são favorecidas, mais uma vez, pela publicação do De laudibus… de Trithemius, que propaga sua imagem como “uma mãe exemplar porque soube criar muito bem sua filha (…) modelo de mãe educadora” (RUIZ-CALVEZ, 1992RUIZ-CALVEZ, Estrella. Religion de ma mère ; religion des mères Sainte-Anne éducatrice : les images de la mère selon l’iconographie de Sainte-Anne : XVe-XVIIe siècles. In: DELUMEAU, Jean (org.). La religion de la mère. Les rôles des femmes dans la transmission de la foi. Paris: Editions du Cerf, 1992, p. 123-155., p. 128). Assim, entre os séculos XV e XVI, é do clero regular que vem um importante destaque ao papel de Ana Mestra e a promoção da iconografia correspondente. No entanto, uma invenção iconográfica que contradiz substancialmente todas as fontes textuais conhecidas até o final do medievo e, principalmente, que resiste à revisão da Contrarreforma, sugere que sua tenacidade tenha sustento na piedade popular.

A cena da educação da Virgem merece a atenção do pintor-censor e tratadista espanhol Francisco Pacheco. Em sua obra Arte de la pintura (1649), na qual orienta os artistas sobre como representar corretamente a iconografia sagrada, ele reprova uma pintura do tema em que o artista teria abandonado o decoro e anulado a aura sagrada do grupo ao mergulhá-lo no cotidiano banal. Além disso, diz que “com menos fundamento e maior frequência, pinta-se hoje a bem-aventurada Santana ensinando a mãe de Deus, cuja pintura é muito nova, porém abraçada pelo vulgo” (PACHECO, 1649PACHECO, Francisco. Arte de la pintura, su antiguedad, y grandezas. Sevilha, 1649. Disponível em: <https://digibug.ugr.es/handle/10481/12000>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 488-89). Mais tarde, Juan Interián de Ayala (1728, p. 323)AYALA, Juan Interián de. El pintor christiano y erudito, o tratado de los errores que suelen cometerse frequentemente en pintar y esculpir las imágenes sagradas, tomo II. Madri: Joachín Ibarra 1782. Disponível em: <https://www.cervantesvirtual.com/obra/el-pintor-christiano-y-erudito-o-tratado-de-los-errores-que-suelen-cometerse-frequentemente-en-pintar-y-esculpir-las-imagenes-sagradas--0/>. Acesso em 02 mar. 2023.
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ainda considera “absurda a pintura em que costumam representar a Virgem em idade de sete ou oito anos, junto a Santana, sua mãe, que em um livro que traz em suas mãos a ensina a soletrar, e os primeiros rudimentos das letras (...)”. O fato de a tratadística artística seguir referendando as prescrições tridentinas ao repreender a valorização de uma tipologia iconográfica anômala é sintomático da resistência dessa tipologia e indica novamente o predomínio da motivação piedosa do “vulgo”.

O atributo essencial dessa iconografia é o livro, mas o livro da Ana barroca não tem o mesmo significado do livro da Ana medieval, quando participava da cena como uma metáfora do Verbo tornado carne, sugerindo a antevisão do mistério da Encarnação e o destino da Maria como corredentora da humanidade. Nos sermões pregados em Salvador da Bahia por Frei Manoel Bulhoens, permanecem vestígios dessa ideia, e a metáfora do livro é explorada em diversas passagens. Em 1729, ele diz que “Maria em si nos deo a ler a Palavra Divina, o Filho Eterno de Deos, que nella como em livro se imprimio.” (BULHOENS, 1737BULHOENS. Frei Manoel da Madre de Deus. Sermões em varias solemnidades de Maria SS. Mãy de Deos e Senhora Nossa, pregados na cidade da Bahya. Lisboa,1737. Disponível em: <https://purl.pt/24633>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 49). Acreditamos que tal questão esteja na origem da formulação dessa cena na baixa Idade Média e que esse sentido foi obliterado pela sobreposição de novas significações. Persiste, portanto, o livro metafórico na parenética barroca, mas esse livro guarda antes um significado denotativo. Ele é identificado com o “livro da doutrina (…) assimilado às sagradas escrituras” (OLIVEIRA, 2001OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. Sant’Ana na imaginária sacra brasileira. In: GUTIERREZ, Angela (org.). O Livro de Sant’Ana. Belo Horizonte: Instituto Cultural Flávio Gutierrez, 2001, p. 8-19., p. 11), num processo que confere autoridade à matriarca, colocando-a no papel de guardiã e transmissora da palavra.

Porém, o livro na cena da educação da Virgem é também o objeto de luxo consumido pela elite letrada. A imagem de Ana ensinando a filha com um livro durante a Idade Média foi entendida como uma evidência de que as mães eram as mestras de suas filhas. Pamela Sheingorn (1993, p. 69)SHEINGORN, Pamela. “The Wise Mother”: the image of St. Anne teaching the Virgin Mary. Gesta, Chicago, v. 32, n. 1, p. 69-80, 1993. Disponível em: <https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.2307/767018>. Acesso em: 02 mar. 2023. doi: <https://doi.org/10.2307/767018>.
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demonstra que já então essa iconografia promulgava “a noção da mãe como educadora e professora”, celebrando “a alfabetização, especialmente entre as classes alta e média”. Diversos textos europeus dos séculos seguintes confirmam tal função materna nos patamares elevados da sociedade. Em 1523, Juan Luis Vives (2000, p. 59-60, 72)VIVES, Juan Luis; FANTAZZI, Charles. The Education of a Christian Woman: a Sixteenth Century Manual. Chicago; Londres: University of Chicago Press, 2000. preconiza a leitura como a melhor ocupação para as meninas, ao lado de atividades manuais, que deveriam ser ensinadas preferencialmente por outras mulheres, mais doutas.

Na Europa moderna, Santana Mestra continuava a refletir o fato cultural de que as mulheres liam e ensinavam as filhas a ler. Tal significado é subjacente ao desenvolvimento da iconografia na Espanha setecentista (BERGMANN, 2011BERGMANN, Emilie Louise. Learning at her mother’s knee? Saint Anne, the Virgin Mary, and the Iconography of women’s literacy. In: CRUZ, Anne & HERNÁNDEZ, Rosilie (ed.). Women’s literacy in early Modern Spain and the New World. Farnham: Ashgate, 2011, p. 243-261.), onde a popularidade do tema foi vinculada à promoção da leitura trazida pelo Iluminismo (VILLASEÑOR-BLACK, 2003VILLASEÑOR-BLACK, Charlene. St. Anne imagery and maternal archetypes in Spain and Mexico. In: GREER, Alan; BILINKOFF, Jodi (ed.). Colonial Saints: discovering the holy in Americas, 1500-1800. London: Routledge, 2003, p. 3-29., p. 6), convertendo a pequena Maria leitora em um modelo para a sociedade ilustrada (BERGMANN, 2008BERGMANN, Emilie Louise. A Maternal Genealogy of Wisdom: The Education of the Virgin in Early Modern Spanish Iconography. Confluencia, vol. 24, n° 1, 2008, p.154-160. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/27923327>. Acesso em 02 mar. 2023.
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, p. 155). Já em Portugal, onde o analfabetismo grassava e a educação formal das meninas teve pouca atenção, pouquíssimas mulheres sabiam ler e escrever (RIBEIRO, 2002RIBEIRO, Arilda Inês Miranda. Vestígios da educação feminina no século XVIII em Portugal. São Paulo: Arte & Ciência, 2002., p. 41-42). Uma obra como a de Luis Verney (Verdadeiro método de estudar, 1746) explicita uma preocupação concernente à primeira educação das meninas pelas mães, tendo em vista a repercussão dessa educação em sua relação com os homens. António Ribeiro Sanches (Cartas sobre a educação da mocidade, 1763) se interessa pela educação das meninas nobres por razões semelhantes.

Contudo, pouco se diz sobre o processo específico do letramento das meninas. No Brasil, o jesuíta Alexandre de Gusmão (1685, p. 387)GUSMÃO, Frei Alexandre de. Arte de crear bem os filhos na idade da puericia. Lisboa, 1685. escreve que “he (…) muy louvavel ensinar as boas artes às filhas desde mininas” e aconselha que “ao menos o ler, & escrever devem aprender todas”. Na América portuguesa, diante da ausência, até o século XVIII, de “espaços institucionais especializados para a instrução das meninas, como conventos, escolas e institutos de ensino” (ALGRANTI, 2014ALGRANTI, Leila Mezan. Educação de meninas na América portuguesa: das instituições de reclusão à vida em sociedade (séc. XVIII e início do XIX). Revista de História Regional, Ponta Grossa, v. 19, n. 2, p. 282-297, 2014. Disponível em: <https://revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/view/7190>. Acesso em 19 set. 2021.
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, p. 283) e de preocupações como as expressas por Gusmão, entende-se que a educação das meninas brancas de estratos sociais elevados, incluindo eventualmente o letramento, mas sobretudo “as tarefas consideradas próprias de seu sexo” se dava dentro de casa (2012, p. 26). Se para os meninos havia a possibilidade de receberem instrução doméstica de um tutor, a instrução das meninas ficava ao encargo da mãe, como mostra Sílvia Vartuli (2012, p. 33)VARTULI, Silvia Maria Amâncio Rachi. Senhoras da Colônia: cultura escrita e inserção feminina em Minas Gerais (1784-1822). Cadernos de História, Belo Horizonte, v. 13, n. 18, p. 32-63, 2012. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/cadernoshistoria/article/view/1861>. Acesso em: 10 abr. 2023. doi: <https://doi.org/10.5752/P.2237-8871.2012v13n18p32>.
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com a história de Quitéria Maria de Barros. Quitéria, que após a morte do marido, contratou tutores para a instrução de seus filhos homens, “comprou livros e joias” e “preocupou-se em ensinar (…) os bons costumes, além da costura, da leitura e escrita” às suas quatro meninas – das quais, aliás, uma se chamava Anna e outra, Mariana.

Nas Minas coloniais, onde a instalação das ordens monásticas foi proibida, restavam os recolhimentos. Dois deles são conhecidos: o das Macaúbas, em Jaboticatubas, fundado na segunda década do século XVIII, e o de São João da Chapada, em Minas Novas (1780), dedicado a Santa Ana (FURTADO, 2007FURTADO, Júnia Ferreira. As mulheres nas Minas do ouro e dos diamantes. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos (org.). História de Minas Gerais: as Minas setecentistas, v. 2. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo, 2007, p. 481-504., p. 496). Essas instituições, que recebiam mulheres da elite, de idades variadas e por variados motivos, zelavam por sua reputação e visavam à sua educação para uma vida virtuosa, sendo o casamento ou os votos religiosos os únicos encaminhamentos possíveis. Entretanto, eram espaços que, mesmo a serviço da doutrinação religiosa, prezavam a literacia e a prática da leitura e onde se podia aprender as primeiras letras (VILLALTA, 2007VILLALTA, Luiz Carlos. Educação: nascimento, “haveres” e gêneros. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos (org.). História de Minas Gerais: as Minas setecentistas, v. 2. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo, 2007, p. 253-287., p. 272).

Nas imagens setecentistas da Mestra, Maria assume, mais frequentemente, a aparência e as roupagens de uma menina em idade de letramento, acompanhando atenta a leitura do livro. A enorme popularidade dessa iconografia na região e o conhecimento da realidade da educação doméstica sugerem a possibilidade de um nexo entre a devoção (e suas imagens) e a relação educacional de mães e filhas. Ao se projetarem nas representações da Mestra, estas poderiam encontrar aí um estímulo para a devoção. Ou, ao contrário, a devoção poderia lhes instigar a imitação da relação educacional, como demonstrou Sheingorn (1993, p. 76)SHEINGORN, Pamela. “The Wise Mother”: the image of St. Anne teaching the Virgin Mary. Gesta, Chicago, v. 32, n. 1, p. 69-80, 1993. Disponível em: <https://www.journals.uchicago.edu/doi/10.2307/767018>. Acesso em: 02 mar. 2023. doi: <https://doi.org/10.2307/767018>.
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para a Europa medieval, quando as imagens de Santana e sua filha serviam como veículo para comunicar a responsabilidade materna da alfabetização. Para Maria Beatriz de Mello e Souza (2002, p. 243)SOUZA, Maria Beatriz de Mello e. Mãe, mestra e guia: uma análise da iconografia de Sant’Anna. Topoi, Rio de Janeiro, v. 3, n. 5, p. 223-250, 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/topoi/a/rqK4SbNnNLBt5yyN6hkcC6k/?format=pdf⟨=pt>. Acesso em: 02 mar 2023.
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, “o papel da mãe educadora em Minas Gerais elucida o significado sociocultural dessa iconografia”. A autora afirma que “o vínculo entre a devoção a Sant’Anna e a educação de meninas é explícito no discurso de Gabriel Malagrida” (2002, p. 243), sem, contudo, precisar qual seria esse discurso.

Malagrida, jesuíta italiano missionário no Brasil, foi queimado em 1761 pela Inquisição de Lisboa sob acusação de heresia baseada em dois livros que teria escrito, um dos quais era uma rocambolesca vida de Santa Ana.12 12 Um manuscrito de 20 páginas intitulado Heróica e admirável vida da gloriosa Sant’Anna, Mãe de Maria Santíssima, ditada pela mesma Santa com assistência, aprovação e concurso da mesma Soberaníssima Senhora e de seu Santíssimo Filho (MOTT, 1998, p. 503), dentro do processo PT/TT/TSO-IL/028/08064. Disponível em: <https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=2308165>. Acesso em: 14 nov. 2021. O texto do jesuíta narrava que Ana teria fundado em Jerusalém um recolhimento para mulheres convertidas (MOTT, 1998MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998., p. 503). Tal narrativa repercutia um interesse pessoal do padre, que se empenhou na fundação de recolhimentos para moças no Norte e Nordeste (LEITE, 1945LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus. Tomo III. Fundações e entradas, sec. XVII e XVIII. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, 1945., p. 124-25, 225) e, mais tarde, em Portugal, sonhou com um seminário onde elas não apenas pudessem aprender a ler e escrever, mas também “latim, francês, italiano, e arte…” (GOVONI, 2012GOVONI, Ilario. Gabriel Malagrida: cartas e escritos. Belém: Paka-Tatu, 2012., p. 136). Fica evidente, portanto, que a educação feminina era ponto central para Malagrida, e a localização da conexão “explícita” desse fato com a devoção a Santana em seu discurso, conforme afirmado por Souza, viria a confirmar uma notável sobreposição de significados por parte de uma figura do clero regular.

Entretanto, numa sociedade majoritariamente iletrada como a do Brasil colonial, a condição feminina por si determinava, via de regra, o não saber ler e escrever (ALGRANTI, 1993ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas: mulheres da colônia: condição feminina nos conventos e recolhimentos do Sudeste do Brasil, 1750-1822. Brasília, DF: Editora da UnB, 1993., p. 251; FURTADO, 2007FURTADO, Júnia Ferreira. As mulheres nas Minas do ouro e dos diamantes. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos (org.). História de Minas Gerais: as Minas setecentistas, v. 2. Belo Horizonte: Autêntica; Companhia do Tempo, 2007, p. 481-504., p. 496). Leda Rodrigues (1962, p. 36)RODRIGUES, Leda Maria. A instrução feminina em São Paulo. São Paulo: Faculdade de Filosofia Sedes Sapientiae, 1962. lembra que somente duas mulheres sabiam assinar o próprio nome em um universo de 450 inventários da vila de São Paulo entre 1578 e 1700. Leila Algranti (1993, p. 251)ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas: mulheres da colônia: condição feminina nos conventos e recolhimentos do Sudeste do Brasil, 1750-1822. Brasília, DF: Editora da UnB, 1993., a seu turno, menciona apenas 2,2% de mulheres livres capazes de assinar o nome em termos da polícia no Rio de Janeiro do início do século XIX. Trata-se de dados parciais e não coincidentes com o recorte de estudo aqui proposto. Mas se esses dados refletirem aproximadamente o que ocorria em Minas Gerais, pode-se afirmar que a popularidade da devoção a Santana ali não se justificaria pela valorização do fato social da transmissão do letramento pela linhagem matrilinear. De toda forma, nada impedia que mães e filhas se vissem representadas pelo par sagrado que tinham cotidianamente diante dos olhos, ainda que elas não dominassem as letras ou dispusessem de livros, uma vez que a mãe colonial era a mestra de outros ensinamentos.

Assim, Ana Mestra e sua menina devem ter sido, em alguma medida, lidas como espelhando a relação educacional mãe-filha em Minas, mas não necessariamente o letramento. Se isso ocorre, é com a elite branca. Para este segmento social e para todos os demais, cabe o entendimento do livro sobretudo como guardião da doutrina cristã e de Ana como a mestra do ensino doméstico da piedade e do comportamento virtuoso. Eduardo Hoornaert (2008, p. 370-371)HOORNAERT, Eduardo. História da Igreja no Brasil: primeira época: período colonial, v. 2. Petrópolis: Vozes, 2008. vê em Santana a imagem da mulher branca “guardiã e transmissora da religião (…) símbolo da casa grande ensinando o catecismo ao pessoal da senzala” e interpreta o livro como símbolo da “tentativa, por parte da casa grande, de marginalizar culturalmente a senzala”. Já Laura de Mello e Souza (1986, p. 256)SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. identifica Santana “com o paternalismo dos senhores de escravos”. No que concerne a Minas Gerais, certamente a devoção a Santana encontra acolhida na casa grande e ecoa a imposição cultural e o paternalismo da elite branca em relação à escravaria. Mas basta observar a ingente quantidade de esculturas remanescentes de Ana Mestra em fatura popular, singelas e expressivas, feitas a fim de suprir uma grande demanda a custos mais baixos, para entender que tal devoção jamais se restringiu à casa grande e à elite branca (Figura 7). Júnia Furtado (2001, p. 409-410)FURTADO, Júnia Ferreira. Transitoriedade da vida, eternidade da morte: ritos fúnebres de forros e livres nas Minas setecentistas. In: JANCSO, István; KANTOR, Íris (org.). Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa. São Paulo: Hucitec, 2001, v. 1, p. 397-416., por exemplo, ao enunciar que as devoções eram expressas na cultura material e muitas vezes formavam parte do pecúlio de mulheres forras, cita o caso de Jacinta da Siqueira, do Serro, que possuía quatro oratórios com imagens caras, um dos quais trazia “uma Santana com resplendor de ouro”.

Figura 7
Santana Mestra

Um dos mais eloquentes exemplos da devoção a Santana no Brasil colonial é dado por Rosa Egipcíaca, uma ex-escrava da Costa da Mina cuja epopeia até o tribunal do Santo Ofício em Lisboa é narrada por Luiz Mott (1998)MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.. Rosa chegou ao Brasil aos seis anos de idade e aos 14 foi vendida para o Inficcionado, em Minas Gerais. Ali, sua senhora era a paulista Ana Garcês de Morais, de quem se pode imaginar tenha sido sugerida a devoção a Santana. Garcês, segundo Mott (1998, p. 505)MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998., devia comemorar seu onomástico, como era costume, com novena, tríduo e festividades. A seguir, Rosa viveu em São João del-Rei e Mariana, cumprindo um caminho comum ao de muitas africanas escravizadas: estuprada, prostituída, açoitada. No entanto, ela aprendeu a ler e escrever e mais tarde fundou um recolhimento no Rio de Janeiro, onde viveu até ser acusada de heresia e falso misticismo.

Em uma de suas ‘visões’, uma voz teria lhe pedido para edificar um templo a Santana no alto de um morro em Mariana onde havia uma fonte cuja água seria “medicina para todas as enfermidades”. Quando vivia em São João del-Rei, ela batizara uma fonte no Rio Abaixo de “Fonte de Santana”, profetizando que “seria remédio universal com suas águas para todas as doenças” (MOTT, 1988MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998., p. 120-123). Resta evidente que, para Rosa, a conexão de Ana com a fonte d’água é o poder curativo – já entrevisto nas supracitadas quartinhas bentas da festa da Misericórdia lisboeta. Uma tradicional cantiga de Viana do Castelo, no norte de Portugal, diz que a “Senhora S. Anna subiu ao monte: / aonde se assentou / abriu uma fonte” (VASCONCELLOS, 1882VASCONCELLOS, José Leite de. Tradições populares de Portugal colligidas e annotadas. Porto: Livraria Portuense de Clavel & C. Editores, 1882. Disponível em: <https://archive.org/details/tradicoespopular00vasc>. Acesso em: 09 nov. 2021.
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, p. 72-73): um trecho indicativo da relação entre a santa e a água que permite inferir a imagem de Ana como uma sobrevivência longínqua de divindades ctônicas semíticas e mediterrânicas que tinham seus cultos de cura próximos a fontes d’água.13 13 A relação de Santana com a aramaica Anat, com a Nannah dos assírios, com a Anna Pourna, dos indianos, e com Anna Parenna, dos romanos, por exemplo, já foi explorada por autores como Espírito Santo (1988, p. 197), Markale (2002, p. 44) e Lamontagne (2002, p. 143-144). Por outro lado, diferentes traduções do Protoevangelho ressaltam, nos lamentos de Ana sobre sua esterilidade, a noção da água como fonte de vida e fertilidade (WELSH, 2017WELSH, Jennifer. The cult of St. Anne in Medieval and early Modern Europe. London: Routledge, 2017., p. 23).

Uma passagem esclarecedora dos patrocínios de Santana trazida pela história de Rosa é aquela em que se narra que o Padre Xota-Diabos, exorcista nos episódios de possessão da mulher, invocava a santa como auxiliar. Nessas ocasiões, as orações eram intercaladas com o pedido de “Santana, socorre-nos!” (MOTT, 1998MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998., p. 185-186). Identifica-se aqui a sobrevivência da função medieval de Ana como exorcista, igualmente atestada pela historiografia (NIXON, 2004NIXON, Virginia. Mary’s mother: Saint Anne in Late Medieval Europe. University Park: Pennsylvania State University Press, 2004., p. 77; WELSH, 2017WELSH, Jennifer. The cult of St. Anne in Medieval and early Modern Europe. London: Routledge, 2017., p. 115).

Das orações a Ana criadas por Rosa, apreende-se ainda o destaque a seu papel agregador da família. A Egipcíaca era devota da Sagrada Família de cinco elementos: Jesus, Maria, José, Ana e Joaquim. Luiz Mott (1998, p. 222, 326)MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998. diz que Rosa será a maior propagandista da família extensa de Jesus no Novo Mundo e deduz que essa devoção aos ‘cinco corações’14 14 Segundo Mott, não há outra referência na história da Igreja de um culto aos corações de Santana e São Joaquim (1998, p. 326). seria como a reprodução na esfera celestial de um modelo de família que ela não pôde ter, uma reconstituição de sua parentela perdida (1998, p. 506).

Rosa inventou também um rosário de Santana, cuja reza envolvia sequências de orações e a exortação “Santana, nobreza do amor de Deus, soberana avó de Jesus Cristo, socorrei os miseráveis” (MOTT, 1998MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998., p. 441, 495-496). A reza era intercalada com a meditação de 15 mistérios concernentes à vida de Ana. Muitos desses rosários foram enviados a Minas acompanhados de folhetos de divulgação (1988, p. 497, 506). Rosários de Santana não constituíam uma novidade e, outra vez, têm precedentes europeus entre a Idade Média e a Moderna. Nixon (2004, p. 47)NIXON, Virginia. Mary’s mother: Saint Anne in Late Medieval Europe. University Park: Pennsylvania State University Press, 2004. menciona um Rosarium de Sancta Ana, criado por um membro do círculo de Trithemius, o humanista Jodocus Beisselius, enquanto na mesma época, nos Países Baixos, um miniaturista ilustrava um livro de horas contendo igualmente um rosário da santa (ANDERSON, 2014ANDERSON, Michael Alan. St. Anne in Renaissance Music. Devotion and Politics. Nova York: Cambridge University Press, 2014., p. 208). Rosa, que depois de alfabetizada se tornou grande leitora, deve ter tido acesso a exemplos literários desse tipo de manifestação devocional.

Segundo a Egipcíaca, quem rezasse seu rosário teria grande ajuda, em especial na hora da morte, prometendo ela que Santana viria assistir ao trânsito do moribundo, trazendo consigo sua filha e neto. Prometia “socorro geral para os vivos e os mortos que estão no purgatório” e apartar do moribundo “todos os demônios” (MOTT, 1998MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998., p. 497).

Em diversas passagens da narrativa de Rosa envolvendo Santana surge a questão do adjutório na hora da morte. A ideia do bem morrer, fundamental para o homem barroco, é certamente um dos pontos mais relevantes para a promoção da devoção a Santana nas Minas, também este retraçável nos fins da Idade Média. Nixon (2004, p. 47)NIXON, Virginia. Mary’s mother: Saint Anne in Late Medieval Europe. University Park: Pennsylvania State University Press, 2004. apresenta um ofício publicado em Augsburg em 1479 em que se recita “oh, Santa Ana, na hora da nossa morte, livrai-nos do inimigo”.15 15 “O sancta Anna, tu in hora mortis nostre nos ab hoste libera”. No Brasil, é Myriam Oliveira (2001, p. 13)OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de. Sant’Ana na imaginária sacra brasileira. In: GUTIERREZ, Angela (org.). O Livro de Sant’Ana. Belo Horizonte: Instituto Cultural Flávio Gutierrez, 2001, p. 8-19. quem lhe dá mais ênfase, relacionando a popularidade do papel adjutório de Ana para uma boa morte outra vez à difusão da vida da santa na edição de 1767 do Flos Sanctorum. A edição de 1767, contudo, é muito tardia para ter influenciado Rosa.

Pesquisas recentes confirmam que nas Minas setecentistas Santana foi muito requisitada no leito de morte. Lidiane Niero (2014, p. 69-70)NIERO, Lidiane Almeida. Santos e devoções nas Minas setecentistas: feições da religiosidade católica na comarca do Rio das Mortes (1730-1800). Dissertação de Mestrado em História da Religião, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2014. Disponível em: <https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/497>. Acesso em: 02 mar. 2023.
https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle...
, que estudou a devoção aos santos em testamentos de São João del-Rei entre 1730 e 1800, analisou 234 documentos dos quais 59 (25%) mencionam o santo de devoção do testador. Em primeiro lugar figura Santana, com 23 menções. Outro estudo, de Beatriz Magalhães e Raphael Santos (2003, p. 8)MAGALHÃES, Beatriz R.; SANTOS, Raphael Freitas. Vestígios de formas elementares da instrução em uma comarca mineira setecentista: o ler, escrever e contar. Anais do II Congresso de Pesquisa e Ensino em História da Educação em Minas Gerais (COPEHE). Uberlândia, 2003, p. 1-13. CD-ROM., examinou 480 testamentos e 1286 inventários post-mortem da Comarca do Rio das Velhas em busca de menções à devoção e/ou sufrágio a Santana, encontrando-as em 185 documentos, o que corresponde a 10,4% do total, um número expressivo num universo que abrigava uma infinidade de devoções católicas.

Por fim, outra passagem de destaque na história de Rosa é o trecho da ladainha que ela enviou a Minas acompanhando o referido rosário. Nessa ladainha, onde cada verso traz um epíteto da avó de Cristo seguido da rogativa “ora pro nobis!”, Ana então é referida como “espelho de obediência”, “espelho de paciência”, “proteção das viúvas”, “mulher forte” etc. (MOTT, 1998MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998., p. 508). Em termos formais, a ladainha se aproxima das litanias marianas e em seu conteúdo se evidenciam os aspectos de submissão e passividade que a sociedade colonial desejava como exemplo para suas mulheres.

Do já mencionado sermão aos moedeiros em Salvador, destaca-se sobremaneira a “virtude da liberalidade” (SOARES, 1733SOARES, João Alvares. Sermão da Gloriosa Santa Anna Mãy de Maria SS. Senhora Nossa, na festa que lhe consagrão os Moedeiros na Cathedral da Cidade da Bahia. Lisboa, 1733. Disponível em: <https://purl.pt/28733/4/1674974_PDF/1674974_PDF_24-C-R0150/1674974_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf >. Acesso em: 23 abr. 2021.
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, p. 8) de Ana, que é como um estribilho sublinhando a necessidade do desapego dos bens materiais, o que, por meio de uma equilibrada distribuição, leva à compra do campo onde jaz o “thezouro do Ceo”. O autor narra que

Todo o seu cabedal (…) dividido em três porçoens, dispendia Santa Anna, heroica, e divinamente liberal. A primeira e melhor parte applicava ao culto Divino, paramentos do Templo, e sustentação de seos Ministros; a segunda parte dispendia com os peregrinos e com os pobres; a terceira gastava no sustento precioso da sua família. Singular liberalidade! Justíssima repartição! Christianissima perfeição!

(SOARES, 1733SOARES, João Alvares. Sermão da Gloriosa Santa Anna Mãy de Maria SS. Senhora Nossa, na festa que lhe consagrão os Moedeiros na Cathedral da Cidade da Bahia. Lisboa, 1733. Disponível em: <https://purl.pt/28733/4/1674974_PDF/1674974_PDF_24-C-R0150/1674974_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf >. Acesso em: 23 abr. 2021.
https://purl.pt/28733/4/1674974_PDF/1674...
, p. 8)

Neste trecho, apreende-se o papel de Ana como exemplo da virtude feminina, da esposa cristã, da dona de casa que gerencia seus recursos de modo a cuidar da família e agradar ao Senhor, garantindo o tesouro da bem-aventurança. Em uma extraordinária sobreposição de imagens, Soares também compara Santana à própria “moeda” com a qual comprar o campo, numa metáfora que fala de um círculo virtuoso:

eu lhes seguro, que nella [em Santana] hão de achar para a compra desse celestial campo a moeda mais corrente. Porque, que moeda mais preciosa, mais pura, e fina, mais circular, redonda, e engraçada, que Santa Anna? Tão engraçada, que o mesmo nome, Anna, se interpreta graça (…). Tao circular e redonda, que esse mesmo nome, o mesmo he do principio para o fim, que do fim para o principio...

(SOARES, 1733SOARES, João Alvares. Sermão da Gloriosa Santa Anna Mãy de Maria SS. Senhora Nossa, na festa que lhe consagrão os Moedeiros na Cathedral da Cidade da Bahia. Lisboa, 1733. Disponível em: <https://purl.pt/28733/4/1674974_PDF/1674974_PDF_24-C-R0150/1674974_0000_capa-capa_t24-C-R0150.pdf >. Acesso em: 23 abr. 2021.
https://purl.pt/28733/4/1674974_PDF/1674...
, p. 29).

Esta redonda Ana de que fala Soares, tão perfeita quanto a forma do círculo, tem os ares de senhora da casa grande: é a mulher forte que governa a casa, gerencia a vida doméstica com sabedoria, educa os filhos e garante a estabilidade familiar. Santana é, neste caso, um espelho de virtude para as mulheres casadas. Mas nas Minas Gerais de todo o período colonial houve uma multiplicidade de composições familiares que não passavam pelo casamento. Se na primeira metade do século XVIII os homens estiveram frequentemente ausentes nos deslocamentos da mineração – a “extrema mobilidade espacial da população masculina” (FIGUEIREDO, 1997FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Barrocas famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997., p. 90) – e havia uma expressiva taxa de crianças ilegítimas, os dados do início do século seguinte não indicam diferenças substanciais.

É impossível tratar deste ponto de maneira mais precisa, uma vez que essas taxas variaram ao longo do tempo e de acordo com diferenças regionais. Autores como Donald Ramos (2008)RAMOS, Donald. Do Minho a Minas. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 44, n. 1, p. 133-153, 2008. Disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/RAPM%2006%202008_do%20minho%20a%20minas.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, Luciano Figueiredo (1997)FIGUEIREDO, Luciano Raposo de Almeida. Barrocas famílias: vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1997. e Sílvia Brügger (2007)BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João del Rei, séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007. se detiveram sobre a questão com abordagens e conclusões diferentes. Brügger (2007, p. 76-77)BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João del Rei, séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007., por exemplo, constata que, ao contrário do que seria de se esperar, os índices de legitimidade não aumentaram com o declínio da atividade mineradora. De todo modo, o que nos interessa em especial é a confirmação de que em terras mineiras houve um relevante protagonismo social feminino, indicado pelo grande número de mulheres chefiando fogos, gerindo a própria vida, família e recursos, o que faz destacar o aspecto matrifocal dessa sociedade.

Donald Ramos (2008)RAMOS, Donald. Do Minho a Minas. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 44, n. 1, p. 133-153, 2008. Disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/RAPM%2006%202008_do%20minho%20a%20minas.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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compara a organização familiar em Minas Gerais no século XVIII com aquela da região do Entre Douro e Minho no mesmo período: dali proveio a maior parte dos portugueses que colonizaram as terras mineiras. Ramos destaca as similaridades na estruturação familiar lá e cá, constatando a relevância da matrifocalidade. Nas 12 comunidades mineiras por ele estudadas, cerca de um terço dos fogos era comandado por mulheres. 58,7% delas eram solteiras e 34,1%, viúvas; as demais eram casadas, mas seus maridos se encontravam ausentes (RAMOS, 2008RAMOS, Donald. Do Minho a Minas. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 44, n. 1, p. 133-153, 2008. Disponível em: <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/RAPM%2006%202008_do%20minho%20a%20minas.pdf>. Acesso em: 02 mar. 2023.
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, p. 146). Brügger (2007, p. 82)BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João del Rei, séculos XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007., que analisa a região de São João del-Rei em 1830, indica que a essa época tal número se mantinha aproximadamente o mesmo: 27% dos fogos com chefia feminina. Uma análise da devoção sob o ponto de vista das relações de gênero facilitaria a compreensão dos múltiplos significados de Ana para a sociedade colonial mineira. Não se pode afirmar, mas apenas supor, que a velha santa, mãe, avó, viúva e feiticeira sábia, tenha sido um modelo de resistência e inspiração para esse numeroso grupo em que a mulher liderava, se apresentando como o arquétipo da mãe ancestral já entrevisto na história de Rosa Egipcíaca.

Africanos e afro-brasileiros certamente entenderam Santana como esse feminino ancestral ao aproximá-la de Nanã, ou Nanaburucu, “a ancestral de todos os orixás” (BASTIDE, 1971BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpenetrações de civilizações, v. 2. São Paulo: Pioneira, 1971 [1960]., p. 363), que dá corpo à mulher velha e sábia. A mesma imagem da mãe ancestral subsiste no fato de se batizar o maior dos tambores do candombe mineiro de ‘Santana’ (DIAS, 2001DIAS, Paulo. A outra festa negra. In: JANCSO, István; KANTOR, Íris (org.). Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa, v. 2. São Paulo: Hucitec, 2001, p. 859-890., p. 871, nota 26), numa associação, comum na África, dos tambores maiores e mais graves com a mãe. Para Waldemar Valente (1955, p. 71)VALENTE, Waldemar. Sincretismo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Companhia Nacional, 1955., o sincretismo de Nanã com Santana indica a sobrevivência da divindade daomeana, porém numa forma em que esta perde seu poder criador para se identificar com “a mulher viúva que não quis mais casar, vivendo honestamente às custas do trabalho honrado”. A propósito do sincretismo, Lilian Almeida (1989, p. 177)ALMEIDA, Lilian Pestre de. A presença da Grande Mãe no imaginário brasileiro (formas e motivos barrocos). Organon, Porto Alegre, v. 16, n. 16, p. 172-181, 1989. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/organon/article/view/39500>. Acesso em: 02 mar. 2023. doi: <https://doi.org/10.22456/2238-8915.39500>.
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conta de uma senhora que, diante da imagem de Santana numa igreja no interior fluminense, disse que aquela era “a senhora Sant’Ana, a mãe de São Roque”, apontando um múltiplo sincretismo, uma vez que São Roque é sincretizado com Omulu, filho de Nanã.

Igualmente complexa é a ideia da presença do cariz africano ou afro-brasileiro na imaginária representando Santana. Encontramos imagens de Ana Mestra dentro de oratórios em cuja estrutura se identificam elementos simbólico-ornamentais da arte africana16 16 Exemplo disponível em: <https://museudooratorio.org.br/oratorio/oratorio-afro-brasileiro-mo-099/>. Acesso em: 10 abr. 2023. e esculturas interpretadas como de “fatura negra” (Figura 8), porém em definições pouco precisas como a apresentada pelo Museu de Sant’Ana (GUTIERREZ, 2014GUTIERREZ, Angela (org.). Museu de Sant’Ana: catálogo. Belo Horizonte: Instituto Cultural Flávio Gutierrez, 2014., p. 29). Trata-se de imagens em madeira despojadas de policromia, em que as marcas dos instrumentos se mostram em angulações abruptas e em cortes enérgicos e nas quais o cânone clássico das proporções é abandonado. Entendemos ser necessário um aprofundamento das pesquisas no campo da arte afro-brasileira que leve a uma maior sistematização de seu caráter antes de se atribuir genericamente à mão africana obras que podem ser antes definidas como populares – no sentido da tradicional oposição à fatura erudita celebrada pela historiografia do século XX.

Figura 8
Santana Mestra

Conclusão

A multiplicidade das funções atribuídas a Santana por devotos de um amplo espectro social nos coloca diante de uma conjuntura complexa em que as motivações são inúmeras e muitas vezes inextricáveis. Nas Minas coloniais, a devoção encontra razão de ser ao mesmo tempo em que reverbera diversos aspectos sociais e culturais concernentes ao ambiente inicial da mineração, ao assistencialismo das irmandades e Misericórdias, ao universo feminino doméstico, à família patriarcal, à família matrifocal, às angústias diante das doenças e às incertezas diante da morte e da salvação da alma individual que compuseram a tônica das sociedades barrocas.

Tentamos entender quem eram os devotos de Santana nas Minas Gerais, e o mencionado estudo de Magalhães e Santos (2003, p. 7)MAGALHÃES, Beatriz R.; SANTOS, Raphael Freitas. Vestígios de formas elementares da instrução em uma comarca mineira setecentista: o ler, escrever e contar. Anais do II Congresso de Pesquisa e Ensino em História da Educação em Minas Gerais (COPEHE). Uberlândia, 2003, p. 1-13. CD-ROM. nos informa que, na Comarca do Rio das Velhas, estes “eram em sua maioria pessoas nascidas em Portugal, de condição livre e do sexo masculino”. Tal dado não surpreende, e reforça a ideia de que por trás da devoção à Ana se encontram sobretudo as preocupações do patriarcado com a família cristã de classes elevadas. Porém, segundo os autores, “entre as mulheres, tanto no tocante à devoção quanto ao sufrágio, o número de africanas é sempre maior que o de brasileiras e, no caso das devoções, chega a ser o triplo das portuguesas”. Esta informação nos permite a sugestão de um quadro devocional bipartido, tendo de um lado toda a esfera de influência do pater familias, incluindo ele próprio e as mulheres de seu entorno e, do outro, mulheres de origem africana de todas as condições.

Que Maria tenha sido o grande exemplo de comportamento para a mulher cristã ocidental, é ponto pacífico, e isso se dá também no Brasil Colônia. No entanto, Ana, mais humana que sua filha imaculada, se constitui como um imenso atrativo para outras mulheres, que nela se viam refletidas. Por mais condicionadores sociais e culturais que tenham estimulado a adesão à devoção ao longo dos séculos em lugares distintos, Ana continua a concentrar elementos arquetípicos que fazem dela, antes de tudo, uma sobrevivência, talvez das mais tardias no Ocidente, da Grande Mãe. Em Minas, é a devoção da casa grande, mas também das mulheres fortes, empoderadas; das que reforçam a estrutura do patriarcado e das que rompem a mesma estrutura. Mais do que uma dicotomia no sentido casa grande-senzala, a dicotomia que toca essa devoção parece ser a de um grupo social que precisa manter o status quo versus um grupo que o desafia.

Concluímos afirmando que, nas Minas coloniais, a devoção a Santana foi onipresente e ignorou interdições de classe social, raça ou gênero. A grande quantidade de imagens privadas remanescentes atesta sua popularidade no ambiente doméstico, enquanto o imenso número de peças de fatura popular indica sua mais completa difusão. Discernimos nessa devoção fortes ecos medievais absorvidos pela via colonizadora e, da mesma forma, sua interpretação e renovação. A “engraçada e redonda Anna”, circular moeda de compra do tesouro do céu, é o exemplum virtutis da mulher colonial, um paradigma de perfeição expresso por Soares por meio da geometria sagrada e ancestral do círculo. Santana, como os mitos, aporta aqui como herança cultural do colonizador e depois, como os mitos, se transforma e acomoda. Como os mitos, surge por necessidade num tempo impreciso, e, como os mitos, necessários, permanece.17 17 Aproximo a figura de Santana, juntamente com seu papel nas sociedades católicas ocidentais desde os fins da Idade Média e por toda a Idade Moderna, da de uma heroína mítica, ao passo que sua história longamente construída se compara a uma ideia de mito elaborada sobretudo a partir do lugar do historiador, para quem o mito pode ser explorado enquanto repositório de crenças, de valores morais e de mentalidades de um determinado grupo ou sociedade. Entendo o mito como uma construção imaginária que envolve o sagrado e o intangível, repleta de arquétipos, e que justamente ganha uma forma concreta, organizada e estruturada no instante em que se plasma em narrativa. Uma vez transmitida a narrativa, esta se insere numa perspectiva histórica que modifica, naturalmente, nos deslocamentos do tempo e do espaço, os valores a ela apostos. Entendo que os mitos têm função paradigmática e/ou prototípica, capazes, portanto, de dar significado à existência humana, validando a realidade em que as pessoas vivem, moldando seu comportamento e sua ética. Ao espelhar as tensões da vida humana na realidade concreta, os mitos podem dar sentido ao passado, explicar o presente e orientar sobre o futuro.

(À memória de Anna Ilde del Passo, minha avó materna)

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo.
  • 3
    Partimos do processo analítico de identificação e classificação dos ‘tipos’ iconográficos para, depois, observando-os em perspectiva, reconstituir suas ‘séries’ históricas. A identificação dos nexos históricos entre os fatos artísticos (ou de suas inflexões) é o que permite avançar hipóteses interpretativas sobre estes últimos. No entanto, a identificação de tais nexos requer o maior alargamento possível do contexto sociocultural das épocas em que as imagens artísticas foram produzidas. Neste ponto, foram úteis os textos litúrgicos (especialmente os da parenética), os comentários teológicos, a literatura das vitae, as narrativas e canções folclóricas, bem como os objetos artísticos de formas, técnicas e funções variadas. A síntese interpretativa resultante desse processo se insere na ideia de ‘iconologia’ como definida por Erwin Panofsky (1986)PANOFSKY, Erwin. Estudos de iconologia: temas humanísticos na arte do Renascimento. Lisboa: Estampa, 1986 [1939].. Também apontamos as obras de Jean-Claude Schmitt (2007)SCHMITT, Jean-Claude. O corpo das imagens: ensaios sobre a cultura visual na Idade Média. Tradução de José Rivair Macedo. Bauru: Edusc, 2007. e de Meyer Schapiro (1945)SCHAPIRO, Meyer. “Muscipula diaboli”: the Symbolism of the Mérode Altarpiece. The Art Bulletin, New York, v. 27, n. 3, p. 182-187, 1945. como referencial metodológico para nossa abordagem da imagem devocional.
  • 4
    Consideramos o conhecimento do longo processo de construção da personagem de Santa Ana fundamental para o entendimento dos sentidos do alcance da devoção. Tratamos desse polêmico processo em detalhes em artigo recentemente publicado (ANDRADE, 2022ANDRADE, Letícia Martins de. O Trinubium Annae: uma santa, três casamentos, muitas polêmicas. Roda da Fortuna, 11, n. 1, p. 10-52, 2022. Disponível em: <https://www.revistarodadafortuna.com/_files/ugd/3fdd18_e179318bbb8c4eccb16492ad3fb3eb58.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2022.
    https://www.revistarodadafortuna.com/_fi...
    ).
  • 5
    Utilizamos a versão organizada e apresentada por France Quéré (1983)QUÉRÉ, France. Évangiles apocryphes. Paris: Seuil, 1983, p. 67-85..
  • 6
    Trata-se do casal Diogo Garcia (1690-1762) e Júlia Maria da Caridade (1707-1777), cuja descendência se espalha pela Comarca do Rio das Mortes. Disponível em: <http://www.projetocompartilhar.org/Familia/DiogoGarcia.htm> Acesso em: 30 ago. 2020.
  • 7
    AHU-Minas Gerais, cx. 81, doc. 78; AHU_CU_011, Cx. 81, D. 6735. Catálogo de documentos manuscritos avulsos referentes à Capitania de Minas Gerais existentes no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa/IICT/Portugal. Disponível em: <https://actd.iict.pt/eserv/actd:CUc011/CU-MinasGerais.pdf>. Acesso em: 2 fev. 2022.
  • 8
    Livro de Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora Sant’Anna de Paracatu, Arquivo Público Municipal Olímpio Michael Gonzaga, caixa 03, maço 03. fl. 1r.
  • 9
    Não são especificadas as datas aproximadas dessas obras.
  • 10
    Bench type.
  • 11
    Sobretudo os registos de número 04728 a 04731.
  • 12
    Um manuscrito de 20 páginas intitulado Heróica e admirável vida da gloriosa Sant’Anna, Mãe de Maria Santíssima, ditada pela mesma Santa com assistência, aprovação e concurso da mesma Soberaníssima Senhora e de seu Santíssimo Filho (MOTT, 1998MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998., p. 503), dentro do processo PT/TT/TSO-IL/028/08064. Disponível em: <https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=2308165>. Acesso em: 14 nov. 2021.
  • 13
    A relação de Santana com a aramaica Anat, com a Nannah dos assírios, com a Anna Pourna, dos indianos, e com Anna Parenna, dos romanos, por exemplo, já foi explorada por autores como Espírito Santo (1988, p. 197)ESPÍRITO SANTO, Moisés. Origens orientais da religião popular portuguesa seguido por ensaio sobre toponímia antiga. Lisboa: Assírio e Alvim, 1988., Markale (2002, p. 44)MARKALE, Jean. Les saints fondateurs de Bretagne et des pays celtes. Paris: Pygmalion; Gérard Watelet, 2002. e Lamontagne (2002, p. 143-144)LAMONTAGNE, Denise. Le culte à Sainte Anne en Acadie : étude éthno-historique. Tese de Doutorado em Estudos Quebequenses, Université du Quebec à Trois Rivières, 2002. Disponível em: <https://depot-e.uqtr.ca/id/eprint/6663/>. Acesso em: 02 mar. 2023.
    https://depot-e.uqtr.ca/id/eprint/6663/...
    .
  • 14
    Segundo Mott, não há outra referência na história da Igreja de um culto aos corações de Santana e São Joaquim (1998, p. 326)SANTÍSSIMA TRINDADE, Frei Dom José; POLITO, Ronald. Visitas Pastorais de Frei Dom José da Santíssima Trindade – 1821-1825. Belo Horizonte Fundação João Pinheiro; IEPHA, 1998. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/consulta/consultaDetalheDocumento.php?iCodDocumento=49459>. Acesso em: 02 mar. 2023.
    http://www.bibliotecadigital.mg.gov.br/c...
    .
  • 15
    O sancta Anna, tu in hora mortis nostre nos ab hoste libera”.
  • 16
    Exemplo disponível em: <https://museudooratorio.org.br/oratorio/oratorio-afro-brasileiro-mo-099/>. Acesso em: 10 abr. 2023.
  • 17
    Aproximo a figura de Santana, juntamente com seu papel nas sociedades católicas ocidentais desde os fins da Idade Média e por toda a Idade Moderna, da de uma heroína mítica, ao passo que sua história longamente construída se compara a uma ideia de mito elaborada sobretudo a partir do lugar do historiador, para quem o mito pode ser explorado enquanto repositório de crenças, de valores morais e de mentalidades de um determinado grupo ou sociedade. Entendo o mito como uma construção imaginária que envolve o sagrado e o intangível, repleta de arquétipos, e que justamente ganha uma forma concreta, organizada e estruturada no instante em que se plasma em narrativa. Uma vez transmitida a narrativa, esta se insere numa perspectiva histórica que modifica, naturalmente, nos deslocamentos do tempo e do espaço, os valores a ela apostos. Entendo que os mitos têm função paradigmática e/ou prototípica, capazes, portanto, de dar significado à existência humana, validando a realidade em que as pessoas vivem, moldando seu comportamento e sua ética. Ao espelhar as tensões da vida humana na realidade concreta, os mitos podem dar sentido ao passado, explicar o presente e orientar sobre o futuro.

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Editado por

Editores Responsáveis

Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2022
  • Aceito
    23 Fev 2023
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