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GILBERTO FREYRE NA IMPRENSA: A COLUNA “PESSOAS, COISAS E ANIMAIS” NA REVISTA O CRUZEIRO (1948-1967)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas. Este artigo é fruto de pesquisa financiada pelo CNPq, por meio da Bolsa Produtividade em Pesquisa (PQ-2), processo: 303761/2022-9, cuja vigência é de 01/03/2023 a 28/02/2026.

GILBERTO FREYRE IN THE PRESS: THE COLUMN “PERSONS, THINGS AND ANIMALS” IN THE MAGAZINE O CRUZEIRO (1948-1967)

Resumo

O presente artigo pretende discutir a coluna semanal intitulada “Pessoas, coisas e animais”, escrita por Gilberto Freyre e publicada na revista O Cruzeiro entre 1948 e 1967. A partir de Casa-Grande & Senzala (1933), Freyre passou a ocupar um lugar de destaque na vida pública brasileira, com extensa, mas pouco estudada, participação na imprensa, cujo alcance pode ter exercido papel decisivo na difusão de sua interpretação do Brasil. A revista O Cruzeiro (Rio de Janeiro) foi o principal veículo utilizado por Freyre para alcançar grandes públicos, em escala nacional, e por onde foi capaz de rotinizar certa imagem do país, inclusive a tese da democracia racial.

Palavras-chave
Gilberto Freyre; imprensa; O Cruzeiro ; anos 1950 e 1960; interpretação do Brasil

Abstract

This article aims to discuss the weekly column entitled “Persons, things and animals” of the Magazine O Cruzeiro, written by Gilberto Freyre and published between 1948 and 1967. Since Casa-Grande & Senzala (1933), Freyre achieved a prominent place in the Brazilian public life, with an extensive, but poorly studied participation in the press, whose scope may have had a decisive role in the propagation his interpretation of Brazil. The Magazine O Cruzeiro (Rio de Janeiro) was the main channel used by Freyre to reach large audiences, on a national scale, capable of routinizing a certain image of the nation, including the “racial democracy” idea.

Keywords
Gilberto Freyre; press; O Cruzeiro ; 1950’s and 1960’s; interpretation of Brazil

Introdução

Gilberto de Mello Freyre (1900-1987) foi um dos mais influentes intelectuais brasileiros do século XX. Sua obra repercutiu no Brasil e no exterior, onde ganhou audiência e reconhecimento, desde a adesão entusiasmada até acerbas críticas. Célebre por obras escritas na década de 1930 e consideradas clássicas – como Casa-Grande & Senzala (1933)FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 2. Rio de Janeiro: Editora Schmidt, 1936 [1933]., Sobrados e Mucambos (1936)FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. São Paulo: Editora Nacional, 1936. e Nordeste (1937)FREYRE, Gilberto. Nordeste. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1937. –, Freyre tem um aspecto menos conhecido em sua produção intelectual: uma ativa atuação na imprensa.

A contribuição de Freyre na imprensa durou quase 70 anos, desde a juventude até seus últimos anos de vida. Desde os 18 anos, quando ainda estava nos Estados Unidos, o jovem manteve uma coluna, no Diário de Pernambuco, intitulada “Da outra América”, por meio da qual foi “construindo seu espaço no meio intelectual recifense” (REZENDE, 1997REZENDE. Antonio Paulo. (Des)Encantos modernos: histórias da cidade do Recife na década de vinte. Recife: Fundarpe, 1997., p. 148). De volta ao Brasil, em fins de 1923, não demorou para que o aspirante a intelectual contribuísse de modo ainda mais ativo na imprensa local ao longo da década de 1920, com destaque ao Diário de Pernambuco (LARRETA; GIUCCI, 2007, p. 65-154).

No entanto, a contribuição na imprensa foi particularmente ativa no pós-guerra, quando já gozava de reputação e prestígio intelectual. Era um modo de o autor se inserir no debate público, mas também uma estratégia de carreira, inclusive quanto às finanças pessoais. Freyre não era membro efetivo de universidades, não pertencia a um centro de pesquisa e não era funcionário público. A consagração no Brasil e no exterior3 3 Um dos sinais da consagração internacional de Gilberto Freyre foram as traduções de Casa-Grande & Senzala. A primeira tradução em língua estrangeira foi publicada em 1942, em Buenos Aires, pelo Ministério de Instrução Pública. Em 1943, também em Buenos Aires, saiu a segunda edição em castelhano, pela importante Emecé. Em 1946, a Editora Knopf, de Nova York, editou a primeira tradução em língua inglesa. Em 1947, veio a lume a edição britânica, em Londres, também pela Knopf. As traduções continuaram na década seguinte. Em 1952, foi publicada a edição em francês, em Paris, pela Gallimard. Em 1956, uma nova edição em inglês (Nova York/Londres, mais uma vez pela Knopf). Em 1957, Casa-Grande é editado em Lisboa, pela Livros do Brasil. Especificamente sobre o caso francês, ver: BARBOSA, Cibele. Escrita histórica e geopolítica da raça: a recepção de Gilberto Freyre na França. São Paulo: Global, 2023. foi, certamente, um ativo que Freyre usou no que poderíamos chamar de “mercado de ideias”, em um momento de ampliação da esfera pública, especialmente na década de 1950.

O intelectual argentino Norberto Frontini – colaborador do editor mexicano Daniel Cosío Villegas, diretor da editora Fundo de Cultura Econômica – afirmou em 1943 que Gilberto Freyre seria “el hombre de mayor prestigio intelectual – con Mário de Andrade – del Brasil actual”. E completou: “Freyre es el único escritor que vive de su trabajo intelectual” (FARIA FILHO, 2021FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Uma brasiliana para América Hispânica: a Editora Fundo de Cultura Econômica e a intelectualidade brasileira (décadas de 1940 e 1950). Jundiaí: Paco Editorial, 2021., p. 166).

Diferentemente de Caio Prado Júnior (1907-1990), herdeiro, ativista político e editor, ou de Sérgio Buarque (1902-1982), que se tornaria diretor do Museu Paulista (1946-1956) e mais tarde professor universitário, Gilberto Freyre viveu fundamentalmente dos direitos autorais – embora descendente de antigas famílias patrícias de Pernambuco, já não dispunha de herança. Em outras palavras, além de um papel político na esfera pública, a colaboração na imprensa provavelmente teve importância na vida pessoal e profissional de um homem cuja renda provinha essencialmente de direitos autorais e da exposição de suas ideias.

Após a ditadura do Estado Novo, Gilberto Freyre foi eleito deputado federal pela UDN de Pernambuco para o mandato de 1946 a 1950. Sua atuação política era, em larga medida, dependente da sua reputação frente à opinião pública, especialmente dos segmentos mais intelectualizados. Logo, escrever na imprensa era importante para o sociólogo de reputação internacional, agora também deputado federal. Foi ainda durante o mandato que Gilberto Freyre passou a assinar a coluna intitulada “Pessoas, coisas e animais”, na revista O CruzeiroFREYRE, Gilberto. Impressão da França. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 18/09/1948.. O primeiro texto saiu em 18 de setembro de 1948, cujo título é “Impressão da França”, em que reporta uma viagem sua àquele país.

Poucos anos antes, em primeiro de dezembro de 1945, a escritora Rachel de Queiroz, que também havia se tornado colunista da revista, afirmara: “Disseram-me que o leitor de O CRUZEIRO representa pelo barato mais de cem mil leitores, uma vez que a revista põe semanalmente na rua a bagatela de 100.000 exemplares” (QUEIROZ, 1945QUEIROZ, Rachel. Crônica nº 1. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1/12/1945., p. 96). A revista, de enorme circulação para a época, reunia um time de colunistas notáveis, o que emprestava à publicação considerável capital simbólico de prestígio e relevância. Também escreviam nomes como Nelson Rodrigues, José Lins do Rego, Millôr Fernandes, Joel Silveira, Austregésilo de Athayde, entre outros renomados escritores e jornalistas de notoriedade junto ao público.

Para um homem como Gilberto Freyre, escrever em uma revista de grande circulação como essa certamente representava muito mais do que um pagamento. Era também a possibilidade de atingir um público muito maior do que habitualmente ele conseguia por meio de seus livros, restritos aos círculos intelectuais e eruditos.

O objetivo deste artigo, nesse contexto, é compreender a importância da longeva coluna assinada por Gilberto Freyre na revista O Cruzeiro, entre 1948 e 1967, um tema praticamente ignorado pela crítica gilbertiana. Soma-se a esse, o intento de compreender de forma mais acurada o conteúdo dos textos e o seu significado político e intelectual, especialmente a rotinização de sua interpretação do Brasil.

Em termos metodológicos, o artigo visa articular a História Intelectual com as discussões relativas ao debate entre História e Imprensa, a fim de entender o significado da coluna que Gilberto Freyre assinava. A atuação em uma revista de circulação nacional, de forte impacto na classe média urbana das grandes cidades, como O CruzeiroFREYRE, Gilberto. Um Diretor de Instituto. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 01/04/1950a., foi decisiva na performance de um homem público que buscava interpretar o Brasil para os brasileiros.

Na contramão da universidade: a opção de Gilberto Freyre pela imprensa

Em 1948, quando Gilberto Freyre se tornou colunista regular da revista O CruzeiroFREYRE, Gilberto. Valorização do homem rural do Norte. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 13/05/1950b., o país passava por um lento processo de consolidação e expansão da universidade, processo que continuaria ao longo das décadas seguintes.

Ocorria naquele momento o enraizamento dos departamentos de Ciências Sociais e História, interessados em pesquisas empíricas por meio de monografias verticalizadas, com objetos específicos, cujo enquadramento epistemológico, marcado por certa perspectiva científica (quando não, cientificista), se diferenciava substancialmente do ensaísmo hermenêutico da década de 1930, que Freyre praticara e continuaria a praticar (ARAÚJO, 1994ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz: Casa-Grande e Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.; ROCHA, 2012ROCHA, João Cezar de Castro. Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre: raízes de uma rivalidade literária. Dicta & Contradicta, n. 9, p. 10-28, 2012., p. 10-28).

Ao longo das décadas de 1950 e 1960, os estudos históricos, sociológicos, antropológicos e literários se institucionalizaram e passaram a ser abrigados, crescentemente, em universidades, em geral públicas (NICODEMO; SANTOS; PEREIRA, 2018NICODEMO, Thiago Lima; SANTOS, Pedro Afonso Cristovão dos; PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Uma introdução à história da historiografia brasileira (1870-1970). Rio de Janeiro: FGV, 2018.). Esse movimento aconteceu no Rio de Janeiro, com a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (FERREIRA, 2013FERREIRA, Marieta de Moraes. A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.) e, em São Paulo, com a Escola Livre de Sociologia e Política e a Faculdade de Filosofia e Letras da ainda jovem Universidade de São Paulo (ROIZ, 2012ROIZ, Diogo. Os caminhos (da escrita) da História e os descaminhos de seu ensino: a institucionalização do ensino universitário de História na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Curitiba: Appris, 2012.). Aliás, em São Paulo, a obra de Freyre passou a ser considerada cientificamente “atrasada”, pois estaria “fora dos padrões discursivos sociologicamente legítimos” (MEUCCI, 2006MEUCCI, Simone. Gilberto Freyre e a sociologia no Brasil: da sistematização à constituição do campo científico. Tese (Doutorado em Sociologia). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006., p. 253).

Justamente nesse momento, Freyre aprofundou a sua colaboração na imprensa periódica, voltando-se ao grande público, para o qual seu estilo de pensamento, marcado pelo ensaio como gênero, ajustava-se melhor. O ensaísmo de Freyre conjugava pesquisa histórica, sociológica e antropológica com crítica de arte, memória e outros saberes, não raro expressados em tom literário.

É interessante a comparação entre Gilberto Freyre e Sérgio Buarque. O segundo, contemporâneo do primeiro, tornou-se professor universitário na segunda metade da sua vida intelectual, abandonando o ensaísmo. Ao estudarem os textos de Sérgio Buarque e Gilberto Freyre no suplemento literário do Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, entre 1948 e 1950, Giselle Venancio e Robert Wegner (2018)VENANCIO, Giselle; WEGNER, Robert. Uma vez mais, Sérgio e Gilberto: debates sobre o ensaísmo no suplemento literário do Diário de Notícias (1948-1953). Varia Historia, Belo Horizonte, v. 34, n. 66, p. 729-762, set./dez. 2018. Acesso em Acesso em: 12 abr. 2020. Doi: https://doi.org/10.1590/0104-87752018000300007.
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mostram que ambos os intelectuais tinham clareza de suas opções e as defendiam.

Sérgio Buarque assumiu a pesquisa do tipo universitária, ao passo que Gilberto Freyre manteve-se leal ao ensaísmo. A crescente adesão à imprensa por parte de Freyre parece ter sido uma escolha consciente, uma vez que se mostrava interessado em intervir no debate público com maior liberdade discursiva e maior audiência. Entre 1946 e 1948, o historiador paulista vivia mudanças importantes. Em 1946, havia deixado o Rio de Janeiro para se reestabelecer em São Paulo, como diretor do Museu Paulista (1946-1956) e professor universitário – primeiro na Escola Paulista de Sociologia e Política e, a partir de 1956, já com 54 anos, na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Em 1958, prestou concurso para a cátedra de História do Brasil, que foi publicado em 1959 pela José Olympio, com o título Visão do Paraíso. Vale notar que Sérgio Buarque ingressaria na instituição onde já atuava seu amigo Florestan Fernandes (1920-1995), possivelmente o mais contundente crítico de Freyre (CANCELLI, 2012CANCELLI, Elizabeth. O Brasil e os outros: o poder das ideias. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2012.; MESQUITA, 2017MESQUITA, Gustavo Rodrigues. Florestan Fernandes e o antirracismo nos Estados Unidos e Brasil (1941-1964). Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.).

Em 1948, Sérgio Buarque havia publicado a segunda edição de Raízes do Brasil, com acréscimos e subtrações importantes, emprestando ao novo texto contornos mais documentais, mais próximo dos modelos acadêmicos de pesquisa então vigentes. Mais do que isso, Sérgio reduziu consideravelmente a presença de citações e argumentos freyreanos (ROCHA, 2012ROCHA, João Cezar de Castro. Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre: raízes de uma rivalidade literária. Dicta & Contradicta, n. 9, p. 10-28, 2012., p. 10-28; SANCHES, 2019SANCHES, Dalton. Agonística buarquiana: Sérgio Buarque de Holanda em combates com Gilberto Freyre e Alceu Amoroso Lima (1920-1960). Tese (Doutorado em História). Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2019.). Importante mencionar que, em 1936, FreyreFREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. 2. Rio de Janeiro: Editora Schmidt, 1936 [1933]. dirigia a Coleção Documentos Brasileiros, editada pela José Olympio Editora. O primeiro livro da coleção foi justamente Raízes do Brasil, com prefácio do próprio Gilberto Freyre (FRANZINI, 2006FRANZINI, Fábio. À sombra das palmeiras: a coleção Documentos Brasileiros e as transformações da historiografia nacional (1936-1959). Tese (Doutorado em História). Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006., p. 89-99). Como se pode notar, Buarque teve um percurso diferente de Freyre, que evitou a institucionalização universitária, em benefício de outros engajamentos.

Luiz Feldman (2015)FELDMAN, Luiz. Organizar a desordem: raízes do Brasil em 1936. Dados – Revista de Ciências Sociais, v. 58, n. 4, p. 1131-1168, out.-dez. 2015. ISSN: 1678-4588. Disponível em: https://www.scielo.br/j/dados/a/6yHYvzBLYJgD9cXKpSfhJKF/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 28 mar. 2021. Doi: https://doi.org/10.1590/00115258201568.
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chama atenção para a proximidade entre Gilberto Freyre e Sérgio Buarque nos anos 1930. Ambos eram críticos, à sua maneira, da tradição liberal herdada do século XIX, considerada artificial e importada. Tanto em Casa-Grande (1933) como na 1ª edição de Raízes do Brasil (1936), a cultura brasileira tradicional, de herança colonial, teria se mantido em grande medida lusitana, fortemente rural, personalista e plástica, ainda que já transformada na América. Essa cultura emotiva (da “cordialidade”, para Buarque) e luso mestiça (de “equilíbrio de antagonismos”, para Freyre) foi apresentada como portadora de uma promessa, pois representaria uma “alternativa aos rigores da modernidade ocidental”, capitalista e protestante, impessoal e competitiva (FELDMAN, 2015FELDMAN, Luiz. Organizar a desordem: raízes do Brasil em 1936. Dados – Revista de Ciências Sociais, v. 58, n. 4, p. 1131-1168, out.-dez. 2015. ISSN: 1678-4588. Disponível em: https://www.scielo.br/j/dados/a/6yHYvzBLYJgD9cXKpSfhJKF/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 28 mar. 2021. Doi: https://doi.org/10.1590/00115258201568.
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, p. 1153).

Em 1948, ano em que Freyre iniciou a colaboração em O CruzeiroFREYRE, Gilberto. Português, Branquidade e Documento. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 04/11/1950c. e manteve sua lealdade aos pressupostos interpretativos da positividade de herança ibérica, Sérgio Buarque navegaria em outra direção, tornando-se crítico da tradição ibérica. Passou a aceitar ou defender a democracia e as formas modernas de sociedade como identificadas com a impessoalidade e a civilidade, em oposição à herança ibérica: “Tratava-se agora [na edição de 1948] de examinar as possibilidades de limitação do peso da história, de modo que se pudesse singrar com menos dificuldade rumo ao progresso” (FELDMAN, 2013FELDMAN, Luiz. Um clássico por amadurecimento: Raízes do Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 28, n. 82, p. 110-140, jun. 2013. ISSN 1806-9053. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcsoc/a/SFVrQXp3RXf9vsjffSFDqwv/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 23 jan. 2022. Doi: https://doi.org/10.1590/S0102-69092013000200008.
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, p. 120). Justamente nessa época os dois intelectuais, antes próximos, experimentaram um irreversível afastamento.

Em termos políticos, Sérgio Buarque participaria da fundação da Esquerda Democrática (ED) em 1945, que assumiria o nome de Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 1947. Já Freyre se aproximaria da direita liberal, elegendo-se deputado federal por Pernambuco pela União Democrática Nacional (UDN) para mandato entre 1946 e 1950. Em 1950 tenta a reeleição, sem conseguir renovar o mandato.

Em termos interpretativos, Sérgio Buarque imprimiu à 2ª edição de Raízes do Brasil (1948) uma leitura negativa da tradição rural, ibérica e personalista. Em Freyre a herança ibérica continuaria a ser vista positivamente, ou mesmo se aprofundaria, ao ganhar novos desdobramentos por meio da Lusotropicalismo com maior ênfase a partir da década de 1950.

Essa formulação implicou a nítida aproximação de Freyre com a ditadura de António Salazar (SCHNEIDER, 2012SCHNEIDER, Alberto Luiz. Iberismo e luso-tropicalismo na obra de Gilberto Freyre. História da Historiografia, Ouro Preto, v. 5, n. 10, p. 75-93, 2012. ISSN: 1983-9928. Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/438. Acesso em: 8 jul. 2022. Doi: https://doi.org/10.15848/hh.v0i10.438.
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). Não se tratava de uma mera adesão ao regime colonialista, mas se constituía como um projeto de federação multicontinental luso-afro-brasileira (FELDMAN, 2021FELDMAN, Luiz. Da concepção imperial de Gilberto Freyre. Luso-Brazilian Review, v. 58, n. 1, p. 145-178, 2021. ISSN: 1548-9957. Disponível em: https://muse.jhu.edu/article/797303. Acesso em: 14 out. 2021.
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) sob a liderança do Brasil – uma espécie de alternativa ao capitalismo anglo-americano e ao comunismo soviético. Para um intelectual como Freyre, cada vez mais vinculado ao debate público, a imprensa era uma opção muito mais proveitosa e receptiva ao seu intento do que uma possível inserção no sistema universitário brasileiro em expansão.

Em termos institucionais e profissionais, pode-se dizer que Sérgio Buarque caminhava para a profissionalização como um historiador de perfil acadêmico, enquanto Gilberto Freyre, na mesma época, aprofundaria consideravelmente seus vínculos com a imprensa, na condição de um intelectual público interessado em grandes audiências. Nesse sentido, compreende-se a longa colaboração na revista O CruzeiroFREYRE, Gilberto. Pretos e pardos no Congresso Nacional. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 23/09/1950d. como parte não apenas de uma estratégia de carreira, mas também como um modo de posicionar-se no debate público de amplo alcance.

É possível afirmar que, entre os objetivos de Freyre, estava rotinizar sua interpretação do Brasil por meio da imprensa, transcendendo os limites dos livros especializados, de perfil erudito, cujo alcance público era mais limitado. A própria linguagem e a perspectiva ensaística e interdisciplinar de Freyre, próximas da literatura e avessas aos recortes estreitos e verticalizados, tornavam seu engajamento na imprensa mais rentável em termos de prestígio, audiência e repercussão. Não se pode esquecer de que, no final dos anos 1940, a reputação de Gilberto Freyre como grande intelectual e intérprete do Brasil era inconteste. Observemos as palavras de Erico Veríssimo em 1945:

Os problemas sociais do Nordeste foram atacados com muita habilidade por Gilberto Freyre, que é talvez o mais destacado dos sociólogos vivos do Brasil. Ele escreve informalmente, de modo muito colorido, e deve-se dizer que despojou a sociologia de sua camisa engomada e de seu sobretudo – para fazê-la usar roupas leves e esportivas. Lê-se seus livros com verdadeiro gosto, como se fossem romances altamente divertidos (VERISSIMO, 1995VERISSIMO, Erico. Uma literatura chega à maioridade. In: VERISSIMO, Erico. Breve história da literatura brasileira. São Paulo: Globo, 1995., p. 120-121).

Então, naquele momento respaldado na condição de “mais destacado dos sociólogos vivos do Brasil”, Gilberto Freyre assumiu a coluna “Pessoas, coisas e animais”, que ocupou as páginas da revista O Cruzeiro por quase 20 anos. Foi justamente em uma dessas colunas que o autor expôs as razões que o levaram a evitar atuação regular em universidades e academias. Em texto de 5 de maio de 1962, cujo título é “Casa-Grande & Senzala em música e letra de samba”, Freyre exibe a satisfação pelo fato de seu livro mais célebre ter inspirado a Escola de Samba Mangueira, que promovera “uma exaltação à democracia racial brasileira” (FREYRE, 1962FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala em música e letra de samba. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 5/05/1962., p. 45). Curiosamente, nesse mesmo texto, Freyre expõe claramente sua recusa em ingressar na universidade ou Academia em benefício de outras audiências:

Tenho agora nova satisfação: a de ver Casa-Grande & Senzala em música e letra de samba, por iniciativa de elementos cariocas inteiramente populares – a letra que o diga – e servindo para a exibição de uma das mais populares escolas de samba do País: a Mangueira. Para um escritor que nunca pretendeu fechar-se num bizantino academicismo e que, por isso mesmo, se vem extremando ou se exagerando em recusar ser catedrático de universidade e membro – a não ser correspondente – de academias, repercussões populares dessa espécie, alcançada pelos seus pobres escritos, têm um especialíssimo sabor

(FREYRE, 1962FREYRE, Gilberto. O Brasil em face das Áfricas negras e mestiças. Rio de Janeiro: Federação das Associações Portuguesas, 1962., p. 45).

É possível pensar que a universidade em expansão – que se “modernizava” epistemologicamente ao romper com o ensaísmo, aderindo aos protocolos científicos mais ortodoxos e especializados – empurrou Freyre ao jornalismo, em que a liberdade discursiva era maior, especialmente para um homem que gozava de ampla reputação pública. Mas também se pode pensar o contrário: a aposta na imprensa foi uma estratégia de gestão de carreira, conciliável com o ensaísmo e mais ajustada ao seu modo de refletir sobre o Brasil. Uma eventual adesão à universidade e à ciência-positiva talvez lhe soasse pouco estimulante. Seja como for, em setembro de 1948, Gilberto Freyre tornou-se colunista regular da maior revista do país.

A coluna “Pessoas, coisas e animais” (1948-1967) na revista O Cruzeiro

Gilberto Freyre escreveu na revista O Cruzeiro, entre 1948 e 1967, nada menos do que 864 colunas. As colunas, transcritas em Word, Times New Roman, espaço ½, superam 1.100 páginas de texto. Se publicadas em uma edição, formariam o “livro” mais volumoso de Gilberto Freyre.4 4 Em 1979, saiu um volume em edição numerada (0001-8000), editada pela MPM-Casabranca Propaganda, intitulado Pessoas, coisas e animais: ensaios e artigos reunidos e apresentados por Edson Nery da Fonseca. Na capa aparece o nome de Gilberto Freyre. Em 1981, a Editora Globo (Porto Alegre/Rio de Janeiro) republicou o texto, com ligeira alteração do título: Pessoas, coisas e animais: 1ª série: ensaios, conferências e artigos. Na capa também consta o nome de Gilberto Freyre. Trata-se de uma coletânea de artigos reunidos por Edson Ney da Fonseca, só em parte retirada da coluna de mesmo nome, publicada pela revista O Cruzeiro (Rio de Janeiro). Muitos textos foram extraídos de periódicos como Diário de Pernambuco (Recife), Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), Jornal do Comércio (Recife), A Manhã (Rio de Janeiro), entre outros diários. O livro contém 68 textos de Gilberto Freyre.

A revista O Cruzeiro era um lugar de inequívoco poder e prestígio, uma verdadeira “vitrine” para aqueles que nela escreviam. Moderna para época, dava atenção às mulheres, ao consumo e à modernização material. A linha editorial pode ser definida como liberal-conservadora, alinhada aos Estados Unidos e ao capitalismo liberal no contexto na Guerra Fria (BARBOSA, 2000BARBOSA, Marialva. O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da imprensa brasileira. C-Legenda, n. 7, p. 1-15, 2002. ISSN: 1519-0617. Disponível em: https://periodicos.uff.br/ciberlegenda/article/view/36801. Acesso em 27 nov. 2022.
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). A revista – editada no Rio de Janeiro, mas de circulação efetivamente nacional – buscava representar o país em suas páginas ao eleger, “traduzir e reforçar marcas identitárias, junto ao grande público, com o intuito de provocar uma integração nacional, ao dar a conhecer cada uma das regiões do país em suas matérias jornalísticas, imagens, crônicas” (FERREIRA, 2015FERREIRA, Raquel França Dos Santos. A “Última Página” de O Cruzeiro: crônicas e escrita política de Rachel de Queiroz no pós-64. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015., p. 19).

A presença de uma personalidade como Gilberto Freyre era interessante não só para o autor, mas também para a publicação. Um intelectual fortemente identificado com o Nordeste concorria em benefício da imagem de uma revista nacional.

A enorme tiragem de O Cruzeiro garantia às intervenções de Freyre um considerável impacto. O extenso período de vigência da publicação de “Pessoas, coisas e animais”, entre 1948 e 1967, corresponde, grosso modo, à época de maior influência da revista, cujo auge foi justamente na década de 1950 (BARBOSA, 2000BARBOSA, Marialva. O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da imprensa brasileira. C-Legenda, n. 7, p. 1-15, 2002. ISSN: 1519-0617. Disponível em: https://periodicos.uff.br/ciberlegenda/article/view/36801. Acesso em 27 nov. 2022.
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). A tiragem da publicação, na segunda metade da década de 1940, chegou a 200 mil exemplares, mas atingiria cerca 550 mil volumes por semana no início da década de 1950 (GAVA, 2003GAVA, José Estevam. Momento Bossa Nova: arte, cultura e representação sob os olhares da revista O Cruzeiro. Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual Paulista, Assis, 2003.).

A revista O Cruzeiro foi fundada em 1928 pelo jornalista português Carlos Malheiro Dias, mas, poucos meses após sua criação, passou a ser controlada por Assis Chateaubriand, proprietário e fundador dos Diários Associados. Em 1943, o fotógrafo francês Jean Manzon foi contratado para modernizá-la. Ele introduziu as grandes fotorreportagens, alterando sensivelmente o projeto gráfico da publicação, que passou a imitar a revista norte-americana Life e a francesa VU, que daria origem a Paris Match (CARVALHO, 2001CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras criadas: David Nasser e O Cruzeiro. São Paulo: Editora Senac, 2001.).

Naqueles anos, o intelectual e fotógrafo Pierre Verger também atuou na revista. Em 1951, produziu, com Gilberto Freyre, uma série de fotorreportagens intitulada “Acontece que são baianos”,5 5 A referidas fotorreportagens não fizeram parte da coluna “Pessoas, coisas e animais”. Mas reforçam as relações de Freyre com a revista de Assis Chateaubriand. sobre os descendentes de africanos escravizados no Brasil, retornados no século XIX ao Benin (OLIVEIRA, 2013OLIVEIRA, Karine Costa. África – Bahia nas fotorreportagens de Verger, Freyre e Tavares em O Cruzeiro (1946-1960). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, 2013.). O trabalho de Verger e Freyre é só um exemplo da força e do investimento que o jornalismo de grandes reportagens recebeu em O Cruzeiro, uma novidade na imprensa brasileira.

Para compreendermos a inovação da revista, devemos notar que se trata de uma publicação destinada ao público urbano, de classe média, que se pretendia moderno:

O Cruzeiro não seria possível no Brasil rural de até então. Entretanto, vivíamos no Brasil pós-guerra uma profunda alteração nos padrões de consumo e capacidade de produção. As transformações econômicas geraram mudanças na sociabilidade brasileira como nunca visto (...). A ideia de progresso atrelada a imitação dos padrões dos países desenvolvidos e seu estilo de vida remontam o século XIX. A novidade estava no fascínio de consumir a modernidade

(GRISOLIO, 2014GRISOLIO, Lilian Marta. Uma revista em guerra: a revista O Cruzeiro nos primeiros anos da guerra fria no Brasil. OPSIS, v. 14, n. especial, p. 476-494, 2014. ISSN: 2177-5648. Disponível em: https://periodicos.ufcat.edu.br/Opsis/article/view/32678. Acesso em: 11 mar. 2020. Doi: https://doi.org/10.5216/o.v14iespecial.32678.
https://doi.org/10.5216/o.v14iespecial.3...
, p. 476-494).

Claramente americanófila, a revista assumia uma interpretação da modernidade brasileira e urbana, ao mesmo tempo produto e produtora desse novo mundo. Além das grandes fotorreportagens e da ampla publicidade, publicava notícias e tinha colunas e seções fixas, em geral assinadas. A coluna de Freyre era uma entre outras.

É importante ressaltar que um veículo de comunicação de grande porte – como O Cruzeiro – não pode ser lido como homogêneo, monolítico e estático, como sabem os historiadores da imprensa (CARVALHO, 2001CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras criadas: David Nasser e O Cruzeiro. São Paulo: Editora Senac, 2001.). A própria coluna de Freyre foi se modificando ao longo dos seus quase 20 anos de publicação. Em termos gráficos, a coluna não tinha chamada na capa, como era de praxe para todas as colunas, ela aparecia anunciada apenas no sumário de cada edição, já na parte interna da publicação. Nos primeiros anos, a coluna era publicada nas primeiras páginas, em geral na página 10. Em 1953 passou a ser publicada entre as páginas 36 e 42, e ficou menor. A partir de 1959, as colunas voltaram a ficar maiores. Durante uma parte do tempo, a coluna de Freyre dividia a página com a de Austregésilo de Athayde, que em 1951 se tornou membro da Academia Brasileira de Letras e se dedicava a escrever sobre livros e literatura. Já nos anos finais, na década de 60, a coluna de Freyre foi sintomaticamente deslocada para as últimas páginas da revista.

Desde a sua estreia, a coluna assinada por Gilberto Freyre esteve acompanhada de uma ilustração, geralmente assinada pelo ilustrador e cartunista Carlos Estevão. Essa ilustração também foi diminuindo de tamanho ao longo dos anos, até ser suprimida, quando, a partir de um novo projeto gráfico, a revista passou a ser menos colorida, com fontes mais sóbrias, tornando-a mais convencional.

Cabe ainda observarmos que as relações entre o paraibano Assis Chateaubriand e o pernambucano Gilberto Freyre foram antigas e longevas. Eles se conheciam desde os anos 1920, quando ambos atuavam na imprensa do Recife, quando Chateaubriand se formou em Direito e trabalhou no Diário de Pernambuco. Esse jornal, tão importante na vida de um e de outro, publicado desde 1825 e o mais antigo do país, passou a ser controlado pelos Diários Associados após longa e complexa negociação, entre 1931 e 1934, quando Assis Chateaubriand já estava sediado no Rio de Janeiro e havia se tornado o maior empresário de comunicação do país.

Assis ChateaubriandCHATEAUBRIAND, Assis. Gilberto Freyre e a integração atlântica do Brasil. Diário de Pernambuco, Recife, 30/12/1964. viria a acumular um gigantesco poder,6 6 Além da revista e de uma cadeia de jornais e rádios, Chateaubriand foi o fundador da TV Tupi, a primeira televisão da América Latina. Foi proprietário do laboratório Schering, criador do Museu de Arte de São Paulo (Masp), senador pela Paraíba e pelo Maranhão (PSD), embaixador do Brasil no Reino Unido, proprietário rural e “imortal” da Academia Brasileira de Letras (MORAIS, 1994). especialmente nas décadas de 1950 e 1960, período que coincide com a coluna de Freyre em O Cruzeiro. Pode-se, assim, dizer que os Diários Associados participaram do processo de nacionalização da assinatura de Freyre, ao menos entre o grande público: “o trânsito da província para a nação ganha proporções ainda maiores com a estrutura dos Diários Associados”, nota Edson Dalmonte (2009, p. 86)DALMONTE, Edson Fernando. Mídia: fonte & palanque do pensamento culturalista de Gilberto Freyre. Salvador: EDUFBA, 2009..

Gilberto Freyre e Assis Chateaubriand, o Chatô, como era conhecido, eram politicamente próximos. Nas eleições presidenciais de 1946, Chatô apoiou o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato pela UDN, um partido liberal-conservador e profundamente antivarguista. Gilberto Freyre não só apoiou o candidato presidencial da UDN como foi eleito deputado federal pelo partido.

Freyre usou as páginas da revista, mais de uma vez, para defender a polêmica figura de Assis Chateaubriand. Em agosto de 1952, Chatô promoveu um baile em um castelo francês com personalidades do mundo todo, do qual participaram figuras como o cineasta norte-americano Orson Welles e até personalidades como Darcy e Alzira Vargas, esposa e filha do então presidente Getúlio Vargas, no período democrático. Chateaubriand levou à França indígenas, sambistas, músicos e dançarinos de frevo, comidas brasileiras, especialmente nordestinas, além de variadas cachaças, tudo com ampla cobertura da O Cruzeiro e de jornais dos Diários Associados. Carlos Lacerda, na Tribuna da Imprensa, no Rio de Janeiro, e os irmãos Mesquita, em São Paulo, por meio do O Estado de S. Paulo, de sua propriedade, atacaram em tom moralista a “orgia” e o “bacanal” de Chatô, que envergonharia o Brasil.

Em coluna intitulada “Reclamo do Brasil”, publicada em 20 de setembro de 1952, Gilberto Freyre defendeu a “festa brasileira” do “Sr. Assis Chateaubriand”, “objeto de violenta campanha da parte de moralistas altamente respeitáveis nos seus pudores patrióticos e nos seus escrúpulos cristãos (...)”. Freyre afirma que o “Senador Chateaubriand Bandeira de Melo” era atacado de “modo tão cru”, injustamente, pois ele se comportaria, “hoje”, como fizera o Rio Branco no passado, difundindo “um país novo, desconhecido, ignorado como o Brasil não pode, ou não deve, dar-se ao luxo de ser um país de gente elegantemente discreta e cinzenta: britânicos ou ingleses do tempo da Rainha Vitória” (FREYRE, 1952FREYRE, Gilberto. Reclamo do Brasil. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 20/09/1952., p. 20). Freyre buscou desenhar os críticos de Chatô como colonizados e carolas.

Convém notar que Freyre não defendeu “o grande jornalista” por mera sabujice, ainda que pudesse haver interesse, mas porque via na cultura popular, especialmente no pernambucano ritmo do frevo, uma síntese da arte popular, adaptada aos trópicos, de forma sensual e alegre: “O ‘frevo’ estilizado e de salão talvez esteja chamado a realizar a mesma espécie de propaganda do Brasil: a de marcar a presença brasileira entre os europeus e orientais com uma nota de alegria moça, tropical, neolatina” (FREYRE, 1952FREYRE, Gilberto. Reclamo do Brasil. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 20/09/1952., p. 20).

Ao propagar o frevo, Chatô era, para Freyre, merecedor de elogio dos mais eloquentes. As relações de Gilberto Freyre e Assis Chateaubriand merecem estudos mais aprofundados, mas convém insistir que a relação era antiga e ultrapassava relações empregatícias. Embora diferentes, os dois nordestinos não poupavam esforços em defender o Nordeste, cada um a sua maneira.

Freyre também viria a apoiar a candidatura de Chateaubriand ao Senado pelo Maranhão (PSD), mesmo que o empresário de comunicação não tivesse qualquer relação com aquele Estado, que mal visitara na campanha. Freyre apenas admoestou, em tom irônico, que “era a Pernambuco que cabia essa iniciativa que tanto relevo vai dar ao Maranhão” (MORAIS, 1994MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil – a vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia das Letras, 1994., p. 569), em claro apoio político a Chatô.

Há, como não poderia deixar de ser, uma historicidade dentro desse vasto conjunto de textos. A variedade de temas e mudanças de enfoque das colunas é considerável, embora haja também notáveis traços de continuidade. Se, por um lado, o pensamento intelectual de Freyre não foi estático, por outro há uma identidade em torno dos escritos, marcados pela fidelidade a sua intepretação do Brasil, como se verá adiante.

Os temas da coluna são de fato muito variados. Se reunirmos em blocos, os artigos em que Freyre comenta os intelectuais e os escritores é certamente o assunto mais tratado ao longo da coluna. Joaquim Nabuco e Oliveira Lima são, de longe, os intelectuais mais citados por Freyre. Roquette-Pinto e Anísio Texeira recebem menções positivas em diferentes momentos. Mas Freyre também comentou uma infinidade de outros autores. Entre os intelectuais brasileiros seus contemporâneos, Rodrigo de Mello Franco de Andrade e Manuel Bandeira são os mais citados. Assis Chateaubriand, o editor José Olympio, Álvaro Lins, Otávio Tarquínio, Prudente de Morais Neto foram objetos de muitos comentários. Entre os intelectuais estrangeiros, há menções a Lucien Febvre e Fernand Braudel, Joaquim de Carvalho, Fernando de los Ríos, John Dewey, Alfred Métraux Américo Castro, Pierre Verger, Preston James, Georges Gurvitch, Roger Bastide, Arnold Toynbee, entre outros.

Outro bloco numeroso de textos são os que giram em torno do regionalismo nordestino. Um tema caro a Freyre, desde antes de Casa-Grande & Senzala (1933). Como se sabe, seu regionalismo não pode ser confundido com o estadualismo – no sentido político das antigas oligarquias, pré-Revolução de 1930 –, mas pode ser considerado uma forma de resistência às políticas centralizadoras, modernizantes e industrializadoras da Era Vargas (MESQUITA, 2018MESQUITA, Gustavo. Gilberto Freyre e o Estado Novo: região, nação e modernidade. São Paulo: Global, 2018., p. 45). A percepção gilbertiana de região sustentou, por exemplo, a criação do Instituto Joaquim Nabuco. Seu regionalismo era menos econômico e político e mais cultural, antropológico e simbólico. O assuntou foi frequente e importante nas colunas. Escritores, pintores, jornalistas e memorialistas ligados ao regionalismo nordestino são citados com frequência e positivamente, especialmente José Lins do Rego, Luiz Jardim, Mário Sette, Lula Cardoso Ayres, Aníbal Fernandes, entre outros.

O Lusotropicalismo, especialmente na década de 1950, mobilizou uma infinidade de textos. Como é amplamente conhecido da crítica gilbertiana, aparece clara defesa do colonialismo português na África, com eventuais críticas aos exageros “belgas” em Angola. A figura de Antonio Salazar é objeto de diversas considerações, em geral positivas, mas sem negar a dimensão “autoritária” do regime, com críticas à censura e aos “exageros” anticomunistas do regime. Não há espaço para tratar do tema neste artigo, mas se pode notar também uma clara defesa dos setores mais jovens e reformistas do salazarismo, como Sarmento Rodrigues, Adriano Moreira e Marcelo Caetano.

Temáticas clássicas do pensamento de Freyre aparecem com frequência, como defesa dos trópicos, considerações sobre a tradição ibérica e católica, com notável simpatia aos franciscanos, observações críticas ao moderno urbanismo, inclusive com críticas às tímidas reformas modernizadoras de Lisboa.

Assuntos de ordem diplomática, relativos ao posicionamento do Brasil no mundo são frequentes. A ONU e a Unesco são objetos de não raras considerações. Também críticas à “industrialização a qualquer preço”, ao modernismo arquitetônico de Brasília, pouco adaptado aos trópicos, embora defendesse a iniciativa de JK em construir a nova capital. Evidentemente, o tema da “democracia étnica”, sempre associado ao elogio aos trópicos, tão ligados ao pensamento de Freyre, bem como a alegada tendência luso-brasileira à mestiçagem e a não segregação, estão dispostas fartamente nas colunas.

Não é possível, no espaço exíguo deste artigo, tratar da complexidade, das nuances e da historicidade desses temas e outros assuntos que comparecem ao longo das colunas. No entanto, é proveitoso verticalizar a análise em um tema específico, caro à produção intelectual de Gilberto Freyre: a ideia de que a formação luso-ibérico-católica, patriarcal e escravocrata do Brasil, aberta aos influxos tropicais e à mestiçagem, teria conduzido à formação histórica de uma “democracia étnica” em formação, como veremos.

Rotinizando ideias de Brasil: a tese da “democracia étnica”

A hipótese desta pesquisa parte da premissa de que, até certo ponto, a atuação de Freyre na imprensa – com foco nas colunas da revista O Cruzeiro – funcionou como uma estratégia para atingir um número maior de leitores, tornando sua interpretação do Brasil conhecida de novos públicos, rotinizando sua percepção da formação histórica e cultural do país, servindo aos seus interesses políticos e intelectuais. Os pilares fundamentais da obra de Freyre estão nas colunas – inclusive a tese, famosa para uns, infame para outros, de que o Brasil formaria uma democracia racial.

A opção em verticalizar esse assunto atende a um objetivo: compreender a coluna de Gilberto Freyre, mais do que debater a fundo a controversa tese da “democracia racial”, sobre a qual existe bibliografia disponível, com destaque para as pesquisas de Antônio Sérgio Alfredo Guimarães (2019GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A democracia racial revisitada. Afro-Ásia, n. 60, p. 9-44, 2019. ISSN: 1981-1411. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/36247/21540. Acesso em: 29 abr. 2023.
https://periodicos.ufba.br/index.php/afr...
, 2012GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Democracia racial: o ideal, o pacto e o mito. Classes, raças e democracia. São Paulo: Editora 34, 2012., 2001)GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Democracia racial: o ideal, o pacto e o mito. Novos Estudos Cebrap, n. 61, p. 147-162, 2001. ISSN: 0101-3300..

O pós-guerra, período que corresponde à vigência da coluna (de 1948 a 1967), foi marcado por um intenso debate em torno da questão racial. Eram tempos de descolonização da África, da emergência da luta dos negros norte-americanos por direitos civis. É importante lembrar o surgimento de questões relativas à “negritude”, em parte derivadas das obras de Aimé Cesaire, Leopold Senghor e Franz Fanon, entre outros intelectuais negros que politizaram a raça, com importante repercussão no mundo todo, em particular em países como Estados Unidos e Brasil, cujas sociedades foram fortemente marcadas pela experiência colonial.

A rigor, é um erro considerar Gilberto Freyre o autor da tese segundo a qual o Brasil seria uma “democracia racial”, embora o intelectual pernambucano tenha sido quem levou essa tese mais longe, tanto dentro como fora do Brasil. Seu próprio sucesso, como o sucesso de seus críticos, associou indelevelmente a sua assinatura à tese. Em três de seus livros mais importantes, Casa-Grande & Senzala (1933), Sobrados e Mucambos (1936) e Nordeste (1937) a expressão sequer aparece, ainda que os fundamentos da tese estejam colocados. Mas a expressão “democracia étnica” aparece em Brazil: an InterpretationFREYRE, Gilberto. Brazil: an interpretation. New York: Alfred A. Knopf, 1945., publicado originalmente em Nova Iorque, em inglês, em claro debate com o racismo norte-americano. No livro, Freyre usa várias vezes a expressão “democracia étnica”, apresentando a formação e a sociedade brasileiras como essencialmente não racistas.

O termo “democracia racial” – ou suas variantes, como “democracia étnica”, forma que Freyre preferia – é polissêmico e histórico, pois não teve o mesmo significado ao longo do tempo. Embora não seja o objetivo deste artigo analisar a formulação da tese da “democracia racial”, convém observar que, antes da Segunda Guerra Mundial, o termo era fundamentalmente usado como uma oposição democrática ao nazifascismo e ao colonialismo, especialmente ao segregacionismo mais violento e racista vivenciados no sul dos Estados Unidos e na África do Sul. Na primeira metade do século XX, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, foram muitos os intelectuais progressistas e ativistas, inclusive negros, a defender a tese racial (GUIMARÃES, 2001GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Democracia racial: o ideal, o pacto e o mito. Novos Estudos Cebrap, n. 61, p. 147-162, 2001. ISSN: 0101-3300., 2019GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A democracia racial revisitada. Afro-Ásia, n. 60, p. 9-44, 2019. ISSN: 1981-1411. Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/afroasia/article/view/36247/21540. Acesso em: 29 abr. 2023.
https://periodicos.ufba.br/index.php/afr...
).

No pós-guerra, que corresponde à coluna de Freyre na revista O Cruzeiro e ao lusotropicalismo, a tese serviu para modernizar e legitimar o colonialismo português na África. No Brasil, passou servir, de modo crescente, ao que poderíamos chamar de “ideologia brasileira”, assumida pelo conservadorismo doméstico, especialmente a partir ditadura militar, a fim de mascarar o racismo.

Seja como for, a ideia da “democracia racial” teve múltiplos agentes e múltiplas agendas, com usos e significados distintos. No entanto, para este artigo, interessa-nos apresentar o tema nas colunas assinadas por Gilberto Freyre. Está em seu horizonte, o papel da coluna na rotinização de uma certa imagem da sociedade brasileira.

Gilberto Freyre, em Português, branquidade e documento, coluna das mais significativas, publicada em 4 de novembro de 1950, comenta “uma biografia de Lima Barreto” que o ensaísta, historiador e biógrafo Francisco de Assis Barbosa (1914-1991) preparava. Na pesquisa, Barbosa teria acabado “de descobrir que o avô do romancista, embora português, era homem de côr”. Freyre não hesita em afirmar categoricamente que haveria muitos “negroides” em Portugal, tanto no “português do Reino” como no “das ilhas ou colônias”. O autor insiste na crítica contra certos “antropologistas portugueses” por “esconder” a presença negra em Portugal. O colunista argumenta que não há “vergonha” em admitir a presença negra no país ibérico: “Que vergonha há na condição de negróide diante da antropologia moderna que não reconhece ‘superioridades’ ou ‘inferioridades’ de raça?” (FREYRE, 1950cFREYRE, Gilberto. Português, Branquidade e Documento. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 04/11/1950c., p. 10). Critica ainda o uso de “documentos” que provariam ter sido “brancos heróis que outras evidências mostram terem sido homens de côr”. Afirma que que “houve tempo em que se concediam ‘cartas de branquidade’ como hoje vendem atestados falsos de cursos acadêmicos. Documentos, não há dúvida. Papéis escritos. O prêto no branco. Mas documentos falsos” (FREYRE, 1950cFREYRE, Gilberto. Português, Branquidade e Documento. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 04/11/1950c., p. 10).

Para reforçar sua argumentação, o colunista emprega um exemplo histórico: “o caso de João Fernandes Vieira”, um senhor de engenho, residente em Pernambuco, com origem na Ilha da Madeira, que havia lutado na libertação frente ao invasor holandês. João Fernandes Vieira (1610-1681) era “português” e era “negroide”. Freyre usa a expressão “negroide” porque fala de sujeitos mestiços. Talvez empregasse o termo técnico como uma espécie de retórica de credibilidade. Em outros textos, preferia usar a palavra “mulato”. Toda a obra de Freyre, desde Casa-Grande & Senzala, associa a identidade e a originalidade da formação brasileira à mestiçagem, antiga prática dos ibéricos, insiste o autor. Freyre encerra o texto retomando o ataque aos “patriotas dominados ainda por preconceito arianista”. O autor volta a Fernandes Vieira, senhor de engenho do século XVII: “Vieira tornou-se riquíssimo” e, como tal, conseguiu

quantos atestados, certidões e papéis desejasse, declarando que era “branco”, que era “nobre”, que tinha “sangue azul”. Questão de prestígio. As “cartas de branquidade” estavam no alcance das mãos de qualquer homem de grande prestígio e de alguma fortuna

(FREYRE, 1950cFREYRE, Gilberto. Português, Branquidade e Documento. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 04/11/1950c., p. 10).

Freyre comenta – em coluna de 23 de setembro de 1950, chamada Pretos e pardos no Congresso Nacional – que “um estrangeiro ilustre, em visita recente à Câmara” teria estranhado a baixa presença de negros e mestiços naquela casa parlamentar. O colunista concorda: “para ser verdadeiramente representativa do Brasil mestiço devia o Parlamento Nacional conter alguns pretos e maior número de pardos. Pardos escuros. Pardos evidentes” (FREYRE, 1950dFREYRE, Gilberto. Pretos e pardos no Congresso Nacional. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 23/09/1950d.. p. 10).

O colunista lamenta “a infeliz cassação de mandatos dos deputados eleitos pelo Partido Comunista do Brasil”. O evento havia levado à perda de mandato da “única figura de preto retinto – a do Deputado Claudino, pessoa, aliás, ótima e parlamentar admiravelmente cumpridor dos seus deveres”. Claudino José da Silva (1902-1986), ferroviário, havia sido eleito deputado federal pelo PCB do Rio de Janeiro. “Hoje”, comenta Freyre, só restam “alguns pardos claros e um cafuso ou curiboca pálido que é o Deputado Agamemnon Magalhães”. Dois fatos chamam à atenção: a ausência de comentários sobre Carlos Marighela (1911-1969), que também era deputado, pelo PCB da Bahia, também negro ou, nos termos de Freyre, pardo ou mestiço. Já seu inimigo, Agamemnon Sérgio de Godoy Magalhães (1893-1952), naquele momento, deputado pelo PSD, Freyre refere como “curiboca”, um sinônimo de “mameluco”, ou seja, “indianoide”, como “vários membros da Câmara” (FREYRE, 1950dFREYRE, Gilberto. Pretos e pardos no Congresso Nacional. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 23/09/1950d., p. 10). O uso do termo pejorativo e preconceituoso foi uma forma de atacar Agamemnon Magalhães que era frequentemente acusado de racista, não apenas por Freyre.

Em coluna de 26 de maio de 1951 – Raça, cor e política internacional – Freyre afirma que José do Patrocínio teria usado, em discurso, a expressão: “nós, a raça latina”. Seria essa uma prova, argumenta o colunista, de que a identidade cultural, nacional e civilizatória estaria acima de identidade de raça ou cor. Quando Patrocínio, um abolicionista negro, teria se proclamado da “raça latina”, ele não estaria renegando a “raça de côr”, apenas se identificaria com a civilização a que pertencia, a “latina” e, por consequência, ao Brasil (FREYRE, 1951aFREYRE, Gilberto. Raça, cor e política internacional. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 26/05/1951a., p. 10).

Na mesma coluna, seguindo o mesmo argumento, Freyre cita a diplomata Vijaya Lakshmi Pandit (1900-1990), que teria afirmado que a Índia seria “a nação líder das nações de gente predominantemente de côr”. A “Senhora Pandit”, continua Freyre, assumira um sentimento “sociológica, cultural e politicamente” ajustado a sua condição, de “mulher de côr”, indiana, logo “irmã de amarelos, de pardos e de pretos nas suas reivindicações contra os chamados ‘abusos de povos imperiais’” (FREYRE, 1951aFREYRE, Gilberto. Raça, cor e política internacional. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 26/05/1951a., p. 10). A Índia seria, então, um “povo-líder” de certas partes da Ásia. Nesse momento, em meados de 1951, ele sugere claramente um papel para o Brasil como uma “democracia étnica”, que deveria assumir a condição de líder de nações mestiças, como o trecho abaixo evidencia:

Sucede que, nos dias que correm, o interêsse nacional de nações como a Índia, no Oriente, e como o Brasil, na América, coincide com a causa simpáticamente humana – pan-humana – da democracia étnica. Nada de racismos intransigentes a perturbar as relações entre os povos. Nada da côr da pele significar rigidamente status político: a branca, o status senhoril, a parda, a preta ou amarela, o status servil

(FREYRE, 1951aFREYRE, Gilberto. Raça, cor e política internacional. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 26/05/1951a., p. 10).

A observação da “democracia étnica”, expressão recorrente nas colunas, serve para minimizar identidades raciais. Ao iniciar o texto citando José do Patrocínio, Freyre claramente criava uma estratégia retórica interessada em desvalorizar possíveis identidades afro-diaspóricas. Para o colunista, o Brasil poderia liderar a América ibérica ou mesmo um conjunto de países de língua portuguesa. Era essa a identidade que o interessava. É preciso lembrar que essa coluna foi escrita pouco antes de sua famosa viagem a Portugal e suas colônias – entre agosto de 1951 e fevereiro de 1952 – que geraria sua produção lusotropical, cujos primeiros livros expressivos são Aventura e RotinaFREYRE, Gilberto. Aventura e rotina. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1953a. e Um Brasileiro em Terras portuguesasFREYRE, Gilberto. O Brasil em face das Áfricas negras e mestiças. Rio de Janeiro: Federação das Associações Portuguesas, 1962., ambos publicados pela editora José Olympio, em 1953.

De 1952 em diante, a defesa do lusotropicalismo é frequente e crescente. Freyre compreende o lusotropicalismo como uma instância explicativa que descreve Portugal e seus territórios coloniais portugueses nos trópicos – Brasil incluído – como portadores de valores de acomodação cultural, miscigenação e transigência.

Os portugueses teriam desenvolvido nos trópicos, segundo ele, uma obra singular, fundada menos no racismo e na violência – pois antes “cristocêntrica” que etnocêntrica –, marcada pela contemporização entre os colonizadores e as populações e as culturas locais. A atribuída capacidade portuguesa em lidar e entender os trópicos, além da capacidade de miscigenar-se, inclusive culturalmente, teria permitido um empreendimento colonial diferente do colonialismo britânico, marcado pela mera exploração econômica. As colunas da década de 1950 voltam recorrentemente ao tema.

Ao chegar em Portugal para viagem ao país e suas colônias (que o regime salazarista e o próprio Freyre passariam a chamar de “províncias ultramarinas”), o colunista confirma sua antiga lusofilia. Em Voltando a Portugal, de 20 de outubro de 1951, o autor afirma: “toda vez que chego a Lisboa – e esta é a quinta ou a sexta vez – minha impressão é a de tantos outros brasileiros: a de que volto”. Em Portugal jamais se sentira “turista em país pitoresco ou em terra exótica, mas nativo entre valores maternos” (FREYRE, 1951bFREYRE, Gilberto. Voltando a Portugal. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 20/10/1951b., p. 10).

O colunista vai mais longe e já se mostra lusotropical antes mesmo da viagem que levaria à criação formal do conceito: “(...) formamos portuguêses, brasileiros e lusos-descendentes da África, da Ásia e das ilhas um mundo verdadeiramente só. Em Portugal nenhum brasileiro se sente, a não ser técnicamente, estrangeiro” (FREYRE, 1951bFREYRE, Gilberto. Voltando a Portugal. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 20/10/1951b., p. 10). O colunista faz ainda uma significativa menção ao período em que foi deputado federal.

[Como] membro da Assembléia Constituinte de 1946 e a seguir, deputado ao Parlamento Nacional, uma das emendas ao projeto da Constituição pelas quais me bati com maior empenho, ao lado de outros constituintes, foi a que visou facilitar gradualmente, e não de um golpe ou de repente, a cidadania comum para brasileiros, portuguêses e lusos-descendentes da África, da Ásia e das ilhas.

(...) somos, do ponto de vista sociológico, um só povo, que no futuro, através de cidadania comum, ou quase comum, se fortalecerá na sua unidade transnacional sem prejuízo da diversidade regional ou nacional de cada um dos seus grupos. Esta continua minha convicção

(FREYRE, 1951bFREYRE, Gilberto. Voltando a Portugal. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 20/10/1951b., p. 10).

Nas colunas posteriores, ao longo dos anos de 1950 e começo da década de 1960, são frequentes e inequívocas certas defesas da ditadura de Salazar e da continuidade do colonialismo português na África. Na construção de uma perspectiva lusotropical, o Brasil ocuparia um lugar central. Em O Brasil, democracia étnica, de 6 de junho de 1953, o colunista menciona a presença de pesquisadores “norte-americanos a serviço da Unesco” no país. O editorial de uma “nova e brilhante revista do Rio” – provavelmente a revista Manchete – havia apontado que ele, Freyre, por meio de seus livros, teria exagerado quanto à ideia de “democracia étnica”. O autor responde dizendo que nunca pretendeu “dar aos leitores a impressão de sermos, os brasileiros, uma perfeita democracia étnica”, mas não renuncia à tese:

Evidentemente o autor do editorial conhece meus livros e artigos só de visita. E desejando, talvez, ser agradável aos pesquisadores norte-americanos, que acabam de realizar interessante pesquisa no interior da Bahia, foi inexato e injusto com o brasileiro que os precedeu não só no estudo, sob critério moderno, do assunto, como no modo de caracterizar o que existe no Brasil de democracia étnica

(FREYRE, 1953cFREYRE, Gilberto. O Brasil, democracia étnica. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 06/06/1953c., p. 44).

Freyre insiste que “nunca” havia afirmado “que essa democracia fôsse entre nós pura, perfeita, absoluta”, mas a “democracia étnica” existente seria, de fato, “superior a quantas existem hoje neste mundo”. Embora houvesse racismo e preconceito, argumentava, eles não seriam sistêmicos:

É o caso do Brasil que, como democracia étnica, chega a ser um exemplo não só para a União Indiana como para os Estados Unidos, não só para o Peru como talvez para a própria União Soviética: porventura a única grande nação de hoje que se aproxima do Brasil como democracia étnica

(FREYRE, 1953cFREYRE, Gilberto. O Brasil, democracia étnica. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 06/06/1953c., p. 44).

O colunista se mostrava antipático ao comunismo stalinista – aliás, como toda a revista O Cruzeiro, engajada na Guerra Fria (GRISOLIO, 2014GRISOLIO, Lilian Marta. Uma revista em guerra: a revista O Cruzeiro nos primeiros anos da guerra fria no Brasil. OPSIS, v. 14, n. especial, p. 476-494, 2014. ISSN: 2177-5648. Disponível em: https://periodicos.ufcat.edu.br/Opsis/article/view/32678. Acesso em: 11 mar. 2020. Doi: https://doi.org/10.5216/o.v14iespecial.32678.
https://doi.org/10.5216/o.v14iespecial.3...
). No entanto, gostava de mencionar a União Soviética como uma possível “democracia multiétnica” em construção, realizando no presente o que o Brasil já havia realizado no passado. É interessante observar que, em termos de “democracia étnica”, o Brasil estaria muito à frente dos Estados Unidos. E a União Soviética apenas seguia o que o Brasil já era, pensava Freyre.

Em coluna intitulada “Ainda sobre democracia étnica no Brasil, de 13 junho de 1953, Freyre continua a expor sua leitura acerca das questões étnicas no país e a contestar que pesquisadores americanos, ligados a Unesco, estariam “descobrindo” o racismo no país:

Ainda sôbre as imperfeições da democracia étnica no Brasil e a leviandade de dizer-se que só agora pesquisadores norte-americanos, auxiliados por eruditos brasileiros, estariam descobrindo no nosso País preconceitos de raça e de côr como que negados por sociólogos e antropólogos nacionais, é oportuno que se divulgue o seguinte: que há mais de dez anos venho recolhendo, num lento e difícil esfôrço, autobiografias dirigidas, entre brasileiros, maiores de sessenta anos, de várias origens étnicas e de classes, regiões, profissões e subculturas diversas

(FREYRE, 1953dFREYRE, Gilberto. Ainda sobre democracia étnica no Brasil. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 13/06/1953d., p. 28).

Nesse trecho Freyre alude à pesquisa destinada a escrever o livro Ordem e progresso, publicado apenas em 1959. O colunista enfatiza os esforços da pesquisa em captar as questões de ordem racial. Apesar das dificuldades e dos limites que menciona, afirma que já possui “cêrca de trezentas dessas autobiografias dirigidas – algumas abundantes em suas revelações. E como que proustianas em suas minúcias significativas que se alongam, por páginas e páginas de preciosos cadernos confidenciais” (FREYRE, 1953dFREYRE, Gilberto. Ainda sobre democracia étnica no Brasil. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 13/06/1953d., p. 28).

Em 1955, publicou dois textos sobre futebol. No segundo deles, intitulado Ainda a propósito de futebol brasileiro, de 25 de junho de 1955, Freyre escreveu que “os sociólogos” teriam classificado “os jogos – ou os estilos de jogos” em três tipos: 1) o estilo de jogo dos “individualistas”, como havia sido “o dos gregos atenienses, por exemplo”; 2) o jogo dos “cooperativistas”, como seriam “os britânicos ou anglo-saxônicos”; 3) e, por fim, o jogo dos “militaristas”, como teriam sido “os prussianos, os nazistas, os fascistas”.

Para o colunista, o “modo de jogar futebol” no Brasil seria mais “individualista” do que “cooperativista” – e isso não seria, de modo algum, um problema. Até porque estariam os brasileiros em boa companhia: “estão com os gregos. Com os atenienses. Com a gente mais civilizada, mais polida, mais estética que jamais existiu”. Freyre, entretanto, admitia uma superioridade esportiva do estilo definido como cooperativista:

É certo que para efeitos práticos de vitórias nos torneios internacionais de hoje, caracterizados por uma nítida predominância de padrões anglo-saxônicos – seguidos passivamente na Europa pelos próprios eslavos sovieticados, melhor fôra que a tendência brasileira de jogo fôsse a cooperativista

(FREYRE, 1955FREYRE, Gilberto. Ainda a propósito de futebol brasileiro. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 25/06/1955b., p. 22).

Freyre embute na frase uma crítica ao bloco comunista, que ele se refere como “eslavos sovieticados”, associando raça e cultura, cuja retórica guarda elementos de uma visão racializada e romântica dos povos, que teriam características intrínsecas, perspectiva que o próprio Freyre buscava superar. O modo “cooperativista” de europeus ocidentais jogarem futebol não significaria uma “superioridade absoluta dessa tendência sôbre a individualista” (FREYRE, 1955FREYRE, Gilberto. Ainda a propósito de futebol brasileiro. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 25/06/1955b., p. 22).

O colunista transfere para o futebol praticado no país a sua compreensão sobre a formação brasileira, em que a modernidade ocidental contemporânea não é vista como necessariamente positiva e melhor. Não haveria uma hierarquia entre tempos históricos, de modo que a modernidade não seria nem melhor, nem mais avançada, exceto na tecnologia, do que outros tempos, outros povos e culturas. Freyre termina o texto com uma enfática defesa do que lhe parecia o futebol brasileiro daqueles dias:

Que significa ser um jogo predominantemente individualista no seu estilo? Pura anarquia? O inteiro sacrifício do grupo aos caprichos dos indivíduos? Decerto que não. Significa constante interação entre o esfôrço coletivo do grupo e as façanhas, as iniciativas, os próprios improvisos de indivíduos que, assim agindo, destacam-se como heróis, exibem-se, como bailarinos-mestres, acrescentam-se à rotina do jogo, não só em benefício próprio como em benefício do grupo. É o que fazem no futebol brasileiro os Leônidas que assim procedendo, procedem sob o impacto da herança africana de cultura, que tende a fazer dos jogos, danças e até bailados; mas sem deixarem de agir dentro de uma tradição desportiva marcada em suas origens pelo paradigma grego-ateniense. Aquêle em que o indivíduo não se dissolve de todo no grupo, mas conserva certas e essenciais liberdades de expressão heróica e de exibição dramática

(FREYRE, 1955FREYRE, Gilberto. Ainda a propósito de futebol brasileiro. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 25/06/1955b., p. 22).

Depreende-se que a observação de Freyre não é só uma defesa do modo brasileiro de jogar futebol, mas da própria “civilização brasileira” que, marcada por uma herança ibérica, seria aberta à interpenetração de outros povos e culturas (os africanos, por exemplo), gerando uma cultura própria, adaptada aos trópicos. Diferentemente do Ocidente moderno – diferente, mas não inferior.

A formação da cultura brasileira – e, por extensão, do futebol – seria herdeira da Antiguidade clássica cuja cultura romana teria sido trazida pelos ibéricos. O colunista arremata o artigo em aberta defesa do estilo brasileiro de jogar futebol:

Sendo assim, não temos os brasileiros de que nos envergonhar, quando se diz do nosso estilo de jogar futebol que dá demasiada expressão às façanhas dos heróis ou bailarinos individuais (...).

Do que precisamos é de conciliar êsse individualismo com a disciplina, sem a qual o esfôrço de um grupo se degrada, afinal, em histeria anárquica

(FREYRE, 1955FREYRE, Gilberto. Ainda a propósito de futebol brasileiro. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 25/06/1955b., p. 22).

A tópica da conciliação – já presente na tese do “equilíbrio de antagonismo” presente em Casa-Grande & Senzala e bem estudada por Ricardo Benzaquen de Araújo (1994) – reaparece quando Freyre dá sua explicação sobre o futebol praticado no país, que para ele seria indissociável da própria sociedade brasileira.

Nas colunas, Freyre insistia na ideia de que era preciso modernizar (o futebol e, pode-se inferir, o próprio país), ajustando-se aos tempos, mas sem destruir as marcas mais profundas da formação brasileira. Afinal, o país seria herdeiro ilustre de antigas e potentes tradições, ainda que aberto a outras influências (como a de africanos e imigrantes europeus), sem romper com a herança lusitana, mestiça e tropical. Pensava Freyre que aí estaria a nossa originalidade, que não deveria ser sacrificada no altar da modernidade.

Convém ainda notar que, naqueles anos 1950, o país passava pelo período nacional-desenvolvimentista, marcado por um aprofundamento do capitalismo e da democracia, cujo símbolo mais notório foi a construção de Brasília no governo de Juscelino Kubitschek (1956-60).

Naquele momento, importantes intelectuais brasileiros, como Sérgio Buarque e Florestan Fernandes, entre muitos outros, mobilizaram-se contra o arcaísmo e o passado rural ou, se quisermos, contra o passado ibérico. No léxico desses autores e das novas instituições que surgiam – como a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, de 1949) e o Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros, de 1955) –, termos como desenvolvimento, urbanização, industrialização, atraso, racionalização científica, classes sociais, mudanças sociais, capitalismo e democracia estavam na ordem do dia (MEUCCI, 2006MEUCCI, Simone. Gilberto Freyre e a sociologia no Brasil: da sistematização à constituição do campo científico. Tese (Doutorado em Sociologia). Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006., p. 281-285). É nesse contexto que Gilberto Freyre escreveu diferentes colunas na revista O Cruzeiro com críticas à modernização e certa defesa das tradições brasileiras.

Em coluna intitulada Pelo recôncavo, de 16 de agosto de 1958, Freyre menciona um passeio pelo Recôncavo Baiano, a bordo de uma “embarcação moderníssima” que, esclarece o autor, pertencia à Petrobras. Ao visitar as Ruínas do Caboto, Freyre comenta sobre “os restos de casas-grandes baianas mais rivais das pernambucanas do Sul de Pernambuco de outrora, em esplendor e em importância”.

Seria o Recôncavo formado então por, “terras enobrecidas por um passado que vem dos primeiros dias da chamada civilização do açúcar no Brasil” (FREYRE, 1958aFREYRE, Gilberto. Pelo recôncavo. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 16/08/1958a., p. 37). A passagem a seguir mostra, sem disfarces, a confessa paixão que Freyre sentia pelas velhas paisagens coloniais:

Confesso, porém, que onde mais se regalaram meus olhos foi nas paisagens ainda marcadas pela presença de velhas casas-grandes, capelas e engenhos. Casas dentro de uma vegetação que, na Bahia, parece lembrar, em certos trechos, de modo particularíssimo, a do Oriente onde os portuguêses primeiro levantaram suas construções monumentais nos trópicos

(FREYRE, 1958aFREYRE, Gilberto. Pelo recôncavo. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 16/08/1958a., p. 37).

As semelhanças entre as casas-grandes do Nordeste açucareiro e as edificações de Goa fazem parte dos esforços lusotropicais do Freyre daqueles dias. No texto seguinte, de 23 de agosto de 1958, o colunista continua a comentar as “Ruínas do Caboto” e as compara com edificações portuguesas em Goa, que ele conhecera durante sua viagem às “colônias ultramarinas” entre agosto de 1951 e fevereiro de 1952:

Só que no Caboto o edifício grandioso assim levantado por portuguêses em terra tropical não foi igreja nem convento, mas muito brasileiramente, casa-grande patriarcal de engenho de açúcar. Residência de senhor de engenho. Sede de um poderio quase feudal. Confirmação à tese dos que supõem ter encontrado no sistema patriarcal de economia, de família e de vida a chave por excelência para a explicação do desenvolvimento brasileiro. Mas sem que dêsse sistema se deva excluir o Cristianismo, a Igreja ou o Padre. A nenhuma casa-grande patriarcal do Brasil faltou capela ou oratório. A casa inacabada do Caboto ia ter capela das mesmas proporções da residência: monumental

(FREYRE, 1958bFREYRE, Gilberto. Ruínas do Caboto. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 23/08/1958b., p. 40).

Nessa citação, Freyre vê nas ruínas do Caboto a confirmação de sua tese: a colonização do Nordeste açucareiro teria sido marcada pela tradição ibérico-católica. Mas não teria sido liderada por padres e missionários, e sim pela família patriarcal, comandada pelos senhores, aristocraticamente. Tal tese já estava desenvolvida, como se sabe, em Casa-Grande & Senzala (1933).

Freyre foi uma espécie de militante das vestes leves, tropicais, de cores claras, adaptadas aos trópicos. Com frequência, fazia elogios à indumentária de países asiáticos de climas quentes. No entanto, em coluna de 20 de fevereiro de 1960 (“Trajo, trópico e coerência”), defende-se de um crítico, que ele não nomeia, mas que o acusara de incoerente, pois se Freyre defendia os trajes tropicais, deveria usá-los, e não se vestir como um europeu:

Vivia eu a reclamar para o moderno homem civilizado do trópico, em geral, e para o brasileiro, em particular, um trajo ecológico. Já mais de uma vez dissera eu que êsse trajo provavelmente deveria ser um equivalente da toga: abolidas as calças para os homens, eliminando o anti-higiênico cinturão, substituídos os sapatos pelas alpercatas.

(...) Aparentemente, o arguto intelectual tem inteira razão. Eu deveria ser o primeiro a trajar ecológicamente, pondo em prática minhas idéias de tropicalista. Mas isto, se eu fôsse antes um apóstolo de uma causa que considerasse sagrada que o analista de um assunto, a meu ver merecedor da maior atenção do brasileiro moderno (...). E penso em desenvolver, no Instituto de Antropologia Tropical, que será breve inaugurado na Universidade do Recife, pesquisas sistemáticas em tôrno do assunto: os tecidos, as formas, as cores que devem ser consideradas ideais para o moderno homem civilizado do Brasil tropical

(FREYRE, 1960FREYRE, Gilberto. Trajo, trópico e coerência. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 20/02/1960., p. 34).

É interessante observar o uso das colunas, por meio de intervenções sintéticas, para a disseminação de seus projetos intelectuais e políticos, como a criação de um Instituto de Antropologia Tropical no Recife. Em textos curtos, não raro escritos em sabor literário, Freyre conjugava pesquisa, ensaio e defesa de ideias e perspectivas. E usava também as colunas para se defender dos críticos, como se vê aqui.

Repito que não pretendo ser nem apostólico nem exemplar – coerentemente exemplar – com relação ao assunto: o trajo ecológico para o moderno homem civilizado residente nos trópicos. Mas isto não impede ser êste um dos assuntos de minha predileção, dentro da idéia, que tanto me seduz, de ter chegado o momento de o homem, situado no trópico, desenvolver uma terceira civilização, que não seja nem a simplesmente indígena, anterior à invasão dos trópicos pelo europeu, nem a européia que o adventício europeu pretende fazer vingar artificialmente em espaços de todo diferentes, em sua ecologia. E sim uma civilização de valores europeu e tropicais mesclados, caracterizada por uma espécie de vigor híbrido sociológico

(FREYRE, 1960FREYRE, Gilberto. Trajo, trópico e coerência. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 20/02/1960., p. 34).

A defesa de um Brasil ibérico, mestiço e tropical encontra-se espraiada por toda a obra freyreana. No começo da década de 1960, o autor exortava que o Brasil, por meio do Estado e da própria sociedade civil, assumisse protagonismo internacional. Em O Brasil, líder da civilização tropical, de 1 de julho de 1961, Freyre afirma:

[No] Brasil de hoje, abrem-se oportunidades de povo condutor de povos tropicais, acompanhadas de responsabilidades que se não forem assumidas pelos brasileiros terão de ser assumidas – e assumidas exclusivamente – pelos indianos ou pelos árabes unificados, pela Venezuela ou pelo México, ficando os brasileiros reduzidos a uma situação políticamente inerme entre êsses povos quando, sob outros aspectos, sua civilização simbióticamente luso-tropical ou hispano-tropical talvez seja a mais criadora e a mais dinâmica das modernas civilizações que se desenvolvem nos trópicos; e uma das raras em que êsse desenvolvimento se verifica não sob a forma de um esfôrço antieuropeu ou sob o aspecto de uma atividade apenas subeuropéia mas sob esta configuração: a de uma civilização predominantemente cristã, senão nos seus motivos, nas suas formas de vida, que se integra no trópico sem renunciar ou repudiar o que no seu passado europeu é susceptível de tropicalização

(FREYRE, 1961aFREYRE, Gilberto. O Brasil, líder da civilização tropical. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 01/07/1961a., p. 62).

O lusotropicalismo, embora estabelecesse pontes evidentes com salazarismo e o colonialismo português (SCHNEIDER, 2022bSCHNEIDER, Alberto Luiz. Herança ibérica, preservacionismo e regionalidade como crítica à modernidade burguesa em Nordeste (1937) de Gilberto Freyre. Anos 90, v. 29, p. 1-20, 2023. Disponível em: https://seer.ufrgs.br//anos90/article/view/112035. Acesso em: 28 jun. 2022. Doi: https://doi.org/10.22456/1983-201X.112035.
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), pode ser definido como uma tese “Brasil-centrista”, na medida em que o país era vendido como modelo bem-sucedido de uma moderna civilização tropical.

Em Uma responsabilidade brasileira, de 15 de julho de 1961, Freyre trata de negar duas teses: a inferioridade biológica dos povos mestiços e a incompatibilidade da civilização nos trópicos. É um debate caro ao Brasil das décadas de 1920 e 1930. Embora tivesse perdido relevância no pensamento intelectual de ponta nas décadas de 1950 e 1960, provavelmente mantinha-se entre os leitores da revista. Talvez isso explique a insistência de Freyre no tema. Na coluna, Freyre insistiu que nenhuma “nação moderna” estaria “mais apta que o Brasil a destruir, pelo seu empenho, estes dois mitos (...)” (FREYRE, 1961cFREYRE, Gilberto. Uma responsabilidade brasileira. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 15/07/1961c., p. 43).

Na coluna O Brasil, nação hispânica no trópico7 7 Gilberto Freyre usa a palavra “hispânica” como sinônimo de ibérica. É esse o sentido presente nesta e noutras colunas. , de 8 de julho de 1961, Freyre faz uma aberta defesa do legado ibérico, contrariando a esquerda marxista e a direita liberal, ambas tendentes a visões mais internacionalistas e centralizadas no debate econômico, identificando no passado ibérico o “atraso” nacional, cada campo a sua maneira.

Freyre perseguia a ideia de que o Brasil poderia liderar uma “terceira civilização”. No entanto, a defesa da herança ibérica era fonte de críticas que o colunista buscava responder. Nessa coluna, ele parece querer se defender de um essencialismo “lusista”, empenhando-se em validar a experiência imigrante:

Ninguém mais do que o autor dêste artigo tem-se adiantado em salientar tal contribuição [dos imigrantes], na verdade valiosa e numerosa. Sem a presença italiana, sem a alemã, sem a síria, sem a israelita, sem a japonesa, sem a polonesa, sem a inglêsa, sem a francesa, sem anglo-americana, não haveria o Brasil civilizado de hoje, cujo desenvolvimento no trópico é uma das maiores e mais surpreendentes realizações do homem moderno. São Paulo não seria São Paulo, mas, quando muito, um Ceará maior, com a vantagem da terra roxa a servir de base a um esfôrço mais amplo e mais compensador da parte do mestiço hispano ou luso-ameríndio

(FREYRE, 1961bFREYRE, Gilberto. O Brasil, nação hispânica no trópico. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 08/07/1961b., p. 74).

Para o autor, os imigrantes seriam bem-vindos, desde que não desfigurassem “nossa civilização”, a luso-brasileira, marcada por “formas flexíveis e básicas”, que teriam criado “no Brasil e para o brasileiro a simbiose luso-trópico (...)” (FREYRE, 1961bFREYRE, Gilberto. O Brasil, nação hispânica no trópico. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 08/07/1961b., p. 74). O lusotropicalismo e a tropicologia são assuntos intimamente ligados ao edifício intelectual gilbertiano e objeto frequente de suas colunas.

Em coluna chamada Em louvor da mestiçagem, de 20 de novembro de 1965, Freyre cita o “anglo-saxão ilustre, Mr. Roy Nash”, que considerou “o brasileiro mais próximo do que qualquer outro povo de constituir uma síntese completa, no sentido daquela reunificação [do homem]”. Freyre desenha a mestiçagem como uma espécie de destino da humanidade, tema no qual a América Latina se anteciparia, em particular o Brasil:

Tôda antecipação importa, porém, em dor. A mestiçagem em que se antecipam os brasileiros, os mexicanos, os venezuelanos, os cubanos, os angolanos – mas principalmente os brasileiros –, a outras democracias modernas, por vêzes os aflige. Por ela têm sido, mais de uma vez, ridicularizados. Desprezados por povos com pretensões a serem de “raça pura”. Insultados por esnobes convictos de pertencerem a raças superiores aos grupos mestiços.

Mas é através dessa dor que os brasileiros estão contribuindo, mais do que qualquer outro povo, para a reunificação do Homem. Pois a mestiçagem reunifica os homens separados pelos mitos raciais. A mestiçagem reúne sociedades divididas pelas místicas raciais em grupos inimigos. A mestiçagem reorganiza nações comprometidas em sua unidade e em seus destinos democráticos pelas superstições raciais. A mestiçagem é a própria democracia social

(FREYRE, 1965FREYRE, Gilberto. Em louvor da mestiçagem. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 20/11/1965., p. 98).

Gilberto Freyre foi paulatinamente se aferrando à ideia de “democracia racial”, termo que usou sem reservas em O Brasil em face das Áfricas negras e mestiças (1962), em que se colocou inequivocamente ao lado da manutenção do colonialismo por português, após da eclosão da guerra em Angola. Freyre via o colonialismo luso como essencialmente diferente das violentas experiências coloniais britânicas ou belgas, tema fartamente presente em suas colunas da revista O Cruzeiro. É importante notar que, se até a Segunda Guerra Mundial a chamada tese da “democracia racial” carregava um signo progressista, no pós-guerra, o pensamento de Freyre gerou forte reação crítica, qualificado como conservador, o que se ampliou com seu apoio ao golpe de 1964.

Para Freyre, a mestiçagem e a ideia de uma “democracia étnica” eram inseparáveis e marcariam o Brasil. Se há racismo, ele seria pontual e, isolado, nunca sistêmico ou estrutural, pensava. Em 7 abril de 1970, já depois do fim das colunas, a mesma revista O Cruzeiro publica uma entrevista, intitulada “A sinceridade dos 70 anos”, concedida à jornalista Estefânia Pinheiro. A entrevistadora pergunta de modo direto: “No Brasil existe racismo?”. Ao que Freyre responde:

Racismo, não. Algum preconceito de raça e de côr, sim. É claro que são insignificantes – nossos preconceitos de raça e de côr – em comparação com os que infelicitam outras partes do mundo, inclusive os Estados Unidos. Venho salientando, há algum tempo, a importância sociológica de um fenômeno semântico no Brasil: a elasticidade que vem adquirindo entre nós a palavra moreno. Depois passou a designar o mestiço pardo-claro. Depois, o mestiço escuro. Ultimamente, a palavra vem sendo usada para designar o próprio negro prêto. Essa elasticidade é sociològicamente significativa. Exprime a tendência brasileira para, sob uma morenidade quase total, com várias nuances, passarmos todos a ser morenos: mais ou menos morenos. Inclusive os brancos amorenados pelo sol tropical. Sabemos que agora é motivo de orgulho, no Brasil, o amorenamento da pele pelo sol das praias. O branco alvacento de pele está se tornando, aos olhos de grande número de brasileiros, um branco como que antibrasileiro (...). Creio que, a despeito de preconceitos de raça e de côr, quase sempre ligados aos de classe, o Brasil se aproxima cada dia mais do seu natural destino de tornar-se a primeira grande democracia racial no mundo. Um grande destino.

(Freyre, 1970FREYRE, Gilberto. A sinceridade dos 70 anos (Entrevista concedida a Estefânia Pinheiro). O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 07/04/1970., p. 94)

Considerações finais

Essa resposta de Gilberto Freyre foi eloquente e claramente vinculada à tese de que o Brasil seria “democracia étnica” amorenadora, apresentada como uma poderosa e nobilitante realidade do presente e que seria, no futuro, ainda mais radiosa: eis o “grande destino” do país. As formulações de Freyre, sintetizadas na entrevista de 1970, foram objeto de quase duas décadas de escrita, elaboradas e reelaboradas por meio de uma coluna regular na revista O Cruzeiro, que exerceu um papel relevante na rotinização de uma imagem do país, imagem da qual Freyre não era a único motor, mas foi, certamente, o mais poderoso, inclusive em função de seus talentos. A longeva coluna serviu como uma ponte capaz de alcançar públicos mais amplos do que livros e artigos de circulação acadêmica ou erudita. Aqui está a contribuição deste artigo: trazer à discussão o modo como Gilberto Freyre conseguiu chegar ao grande público pela imprensa, tema pouquíssimo estudado pelos pesquisadores da obra do intelectual pernambucano.

A atuação de Gilberto Freyre na imprensa exerceu um papel relevante na rotinização de certas ideias do Brasil, inclusive na construção do que hoje, por evidentes razões, é chamado de “mito da democracia racial”, mas já foi o que poderíamos chamar de “utopia brasileira”, na qual Freyre acreditava firmemente.

Não resta dúvida de que a atuação do autor na imprensa proporcionou-lhe uma ferramenta importante, capaz de alcançar grande audiência, tornando sua produção intelectual acessível a públicos muito maiores e exercendo papel decisivo na construção da assinatura Gilberto Freyre, como artífice central de uma imagem do Brasil, hoje em crise.

Titulo

  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e a bibliografia utilizadas são referenciadas. Este artigo é fruto de pesquisa financiada pelo CNPq, por meio da Bolsa Produtividade em Pesquisa (PQ-2), processo: 303761/2022-9, cuja vigência é de 01/03/2023 a 28/02/2026.
  • 3
    Um dos sinais da consagração internacional de Gilberto Freyre foram as traduções de Casa-Grande & Senzala. A primeira tradução em língua estrangeira foi publicada em 1942, em Buenos Aires, pelo Ministério de Instrução Pública. Em 1943, também em Buenos Aires, saiu a segunda edição em castelhano, pela importante Emecé. Em 1946, a Editora Knopf, de Nova York, editou a primeira tradução em língua inglesa. Em 1947, veio a lume a edição britânica, em Londres, também pela Knopf. As traduções continuaram na década seguinte. Em 1952, foi publicada a edição em francês, em Paris, pela Gallimard. Em 1956, uma nova edição em inglês (Nova York/Londres, mais uma vez pela Knopf). Em 1957, Casa-Grande é editado em Lisboa, pela Livros do Brasil. Especificamente sobre o caso francês, ver: BARBOSA, Cibele. Escrita histórica e geopolítica da raça: a recepção de Gilberto Freyre na França. São Paulo: Global, 2023BARBOSA, Cibele. Escrita histórica e geopolítica da raça: a recepção de Gilberto Freyre na França. São Paulo: Global, 2023..
  • 4
    Em 1979, saiu um volume em edição numerada (0001-8000), editada pela MPM-Casabranca Propaganda, intitulado Pessoas, coisas e animais: ensaios e artigos reunidos e apresentados por Edson Nery da Fonseca. Na capa aparece o nome de Gilberto Freyre. Em 1981, a Editora Globo (Porto Alegre/Rio de Janeiro) republicou o texto, com ligeira alteração do título: Pessoas, coisas e animais: 1ª série: ensaios, conferências e artigos. Na capa também consta o nome de Gilberto Freyre. Trata-se de uma coletânea de artigos reunidos por Edson Ney da Fonseca, só em parte retirada da coluna de mesmo nome, publicada pela revista O Cruzeiro (Rio de Janeiro). Muitos textos foram extraídos de periódicos como Diário de Pernambuco (Recife), Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), Jornal do Comércio (Recife), A Manhã (Rio de Janeiro), entre outros diários. O livro contém 68 textos de Gilberto Freyre.
  • 5
    A referidas fotorreportagens não fizeram parte da coluna “Pessoas, coisas e animais”. Mas reforçam as relações de Freyre com a revista de Assis Chateaubriand.
  • 6
    Além da revista e de uma cadeia de jornais e rádios, Chateaubriand foi o fundador da TV Tupi, a primeira televisão da América Latina. Foi proprietário do laboratório Schering, criador do Museu de Arte de São Paulo (Masp), senador pela Paraíba e pelo Maranhão (PSD), embaixador do Brasil no Reino Unido, proprietário rural e “imortal” da Academia Brasileira de Letras (MORAIS, 1994MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil – a vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.).
  • 7
    Gilberto Freyre usa a palavra “hispânica” como sinônimo de ibérica. É esse o sentido presente nesta e noutras colunas.

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Editado por

Editores Responsáveis

Miguel Palmeira e Stella Maris Scatena Franco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Fev 2023
  • Aceito
    03 Jul 2023
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