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MOBILIDADES, CONEXÕES, NOVOS CONTORNOS. A CIRCULAÇÃO DE ARTEFATOS EM MARFIM NOS SÉCULOS X-XIII1 1 Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. O artigo não foi publicado em plataforma de preprint.

MOBILITIES, CONNECTIONS, NEW CONTOURS. THE CIRCULATION OF IVORY ARTIFACTS IN THE 10TH-13TH CENTURIES

Resumo

A crise das narrativas tradicionais (centradas em noções de autoria, estilo, escolas, periodização; nas hierarquias centro/periferia, artes maiores/artes menores; e na tríade Ocidente/Bizâncio/Islã) abriu novas perspectivas para os estudos da arte medieval. Entre elas, a “virada global” (global turn) que permite pensar as conexões, interdependências, trocas e mobilidades. O objetivo deste artigo é o de analisar como artefatos em marfim contribuíram para a constituição de uma cultura visual comum no Mediterrâneo entre os séculos X-XIII.

Palavras-chave:
arte medieval global; artefatos em marfim; séculos X-XIII; circulação; portabilidade

Abstract

The crisis of traditional narratives (centered on the notions of authorship, style, schools, periodization; center/periphery hierarchies, major arts/minor arts; and West/Byzantium/Islam triad) opened new perspectives for the study of medieval art. Among them, the global turn that allow us to think about connections, interdependencies, exchanges and mobilities. The purpose of this paper is to analyze how ivory artifacts contributed to the constitution of a common visual culture in the Mediterranean between the 10th-13th centuries.

Keywords:
global medieval art; ivory artifacts; 10th-13th centuries; circulation; portability

Em novembro de 2011, após oito anos de trabalhos de renovação, o Metropolitan Museum of Art, em Nova York, inaugurou as galerias que receberam o nome de New Galleries for the Art of the Arab Lands, Turkey, Iran, Central Asia, and Later South Asia. No comunicado de imprensa disponível no site do museu, Thomas P. Campbell, então diretor, afirmava que a inovação procurava oferecer “uma oportunidade única para transmitir a grandeza e a complexidade da arte e da cultura islâmicas em um momento crucial da história mundial” (TOPALIAN e ZYGAS, 2011)TOPALIAN, Elyse e ZYGAS, Egle. Metropolitan Museum to Open Renovated Galleries for the Art of the Arab Lands, Turkey, Iran, Central Asia and Later South Asia. Nova York, 24 de outubro de 2011. Comunicado de imprensa. Disponível em: <https://www.metmuseum.org/press/exhibitions/2011/renovated-galleries-for-the-art-of-the-arab-lands-turkey-iran-central-asia-and-later-south-asia>. Acesso em: 31 de maio de 2019.
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. A proposta da New Galleries for the Art of the Arab Lands, Turkey, Iran, Central Asia, and Later South Asia transformava o display da arte islâmica nessa instituição.

Desde 1880 até 2004, os curadores do museu tenderam a dividi-la por países, regiões ou períodos; ou entre “artes decorativas” (artes menores) - tapetes, objetos em cerâmica, metal, madeira, mobiliário, etc - e “artes maiores”, como manuscritos e a arquitetura. Por exemplo, em uma das salas, a The Nur Al-Din Room (figura 1), percebe-se que a intenção era a de “proporcionar ao espectador um senso de arquitetura islâmica, tanto interior quanto exterior” (LINDSEY, 2012)LINDSEY, Rebecca. Displaying Islamic Art at the Metropolitan: a Retrospective Look. Nova York: Metropolitan Museum of Art, 2 de fevereiro de 2012. Disponível em: <https://www.metmuseum.org/blogs/now-at-the-met/features/2012/displaying-islamic-art-at-the-metropolitan>. Acesso em: 31 de maio de 2019.
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.

Figura 1
The Nur Al-Din Room, como montada na ala K, 1975. Metropolitan Museum of Art, Nova York

Além disso, o display da arte islâmica também precisou atender às exigências dos particulares que doaram suas coleções ao Metropolitan Museum. Como explicou Rebecca Lindsey (2012)LINDSEY, Rebecca. Displaying Islamic Art at the Metropolitan: a Retrospective Look. Nova York: Metropolitan Museum of Art, 2 de fevereiro de 2012. Disponível em: <https://www.metmuseum.org/blogs/now-at-the-met/features/2012/displaying-islamic-art-at-the-metropolitan>. Acesso em: 31 de maio de 2019.
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, muitos deles “insistiram que seus objetos fossem exibidos conjuntamente como condição de sua doação; o efeito foi que o Museu começou a mostrar o vidro do Oriente Médio ou tapetes ou miniaturas todos juntos”. Foi o caso do legado de Edward C. Moore que reunia vidros esmaltados e objetos em madeira e metal, aglomerados em uma vitrine e tendo os têxteis ao fundo na Gallery C-26 (figura 2). E, também, a de Benjamin Altman, acomodada na Gallery C-36, cuja doação incluía objetos de porcelana safávida, otomana e chinesa bem como tapetes orientais da Turquia, Índia e Pérsia (figura 3).

Figura 2
Gallery C-26. 9 de maio de 1927. Metropolitan Museum of Art, Nova York

Figura 3
Gallery C-36. 11 de novembro de 1914. Metropolitan Museum of Art, Nova York

New Galleries for the Art of the Arab Lands, Turkey, Iran, Central Asia, and Later South Asia procurou romper com esse tipo de display e, consequentemente, com uma forma de se pensar. Exemplo disso é a Galeria 457 Patti Cadby Birch - Spain, North Africa, and the Western Mediterranean (8th-19th centuries) dotada de objetos que deveriam, além de mostrar a expansão da cultura árabe para o Ocidente, trazer à luz “as criativas trocas recíprocas entre as cortes islâmicas do sul e as áreas cristãs e judaico-espanholas do norte” (LINDSEY, 2012)LINDSEY, Rebecca. Displaying Islamic Art at the Metropolitan: a Retrospective Look. Nova York: Metropolitan Museum of Art, 2 de fevereiro de 2012. Disponível em: <https://www.metmuseum.org/blogs/now-at-the-met/features/2012/displaying-islamic-art-at-the-metropolitan>. Acesso em: 31 de maio de 2019.
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(figuras 4a,b).

Figura 4a
Galeria 457, New Galleries for the Art of the Arab Lands, Turkey, Iran, Central Asia, and Later South Asia. Metropolitan Museum of Art, Nova York

Figura 4b
Fotografia de Silvia Armando. Galeria 457, New Galleries for the Art of the Arab Lands, Turkey, Iran, Central Asia, and Later South Asia. Metropolitan Museum of Art, Nova York

A troca entre as cortes é um dos temas que nos interessa neste artigo. Em uma das vitrines da Galeria 457 (figura 4b), observamos que estão dispostos os seguintes objetos entalhados em marfim entre os séculos XI-XIII : um olifante (Rogers Fund, 1904 04.3.177 a,b), um fragmento de olifante (Gift of J. Pierpont Morgan, 1917 17.190.219), a caixa conhecida como Morgan Casket (Gift of J. Pierpont Morgan, 1917 17.190.241), uma caixa cilíndrica pintada com cenas da caça ao falcão por cavaleiros ricamente vestidos (The Cloisters Collection, 1955 55.29.2), uma caixa retangular pintada com gazelas, leões, pequenos pássaros, pavões e arabescos (Gift of Alastair Bradley Martin, 1973 1973.90) e uma píxide (Egleston Fund, 1915 15.107), provenientes do sul da Itália; e um fragmento de painel (Rogers Fund, 1933 33.157.3), do Egito. Há, também, duas pequenas placas lavradas em osso (Rogers Fund, 1967 67.204.1 e Rogers Fund, 1967 67.204.2), atribuídas à Sicília. Em especial, essa vitrine apresenta um dos grandes desafios que os estudos da História da Arte Medieval vêm enfrentando nos últimos anos: a questão da geografia da arte (DaCOSTA KAUFMANN, 2004)DaCOSTA KAUFMANN, Thomas. Toward a Geography of Art. Chicago/Londres: The University of Chicago Press, 2004. e da globalização e suas implicações culturais, tanto no que se refere às narrativas históricas quanto aos métodos empregados.

Novas aproximações para os estudos da arte medieval

Forjados na Europa do século XIX, os tradicionais cânones da história da arte estabeleceram a reflexão crítica desse campo de conhecimento a partir das identidades artísticas, fossem elas regionais/nacionais ou de escolas/estilos; e dos conceitos de hierarquização, como o de centro-periferia, a noção de influência, a divisão entre Oriente e Ocidente e entre “artes maiores” e “artes menores”. A partir dos anos 1980, essas categorias deixaram de responder aos novos questionamentos (KULTERMANN, 1997KULTERMANN, Udo. Histoire de l’art et identité nationale. In: POMMIER, E. (dir.) Histoire de l’histoire de l’art. Tomo II : XVIIIe et XIXeme siècles : Cycles de conférences organisés au musée du Louvre par le Service culturel du 24 janvier au 7 mars 1994 et du 23 janvier au 6 mars 1995. Paris: Klincksieck, 1997.; CASTELNUOVO e GINZBURG, 1981CASTELNUOVO, Enrico, GINZBURG, Carlo. Domination symbolique et géographie artistique [dans l’histoire de l’art italien]. Actes de la recherche en sciences sociales. Paris: Le Seuil, vol. 40, novembre 1981. Sociologie de l’oeil. pp. 51-72. Disponível em: <http://www.persee.fr/doc/arss_0335-5322_1981_num_40_1_2133>. Acesso em: 15 de outubro de 2015.
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; BRYSON, 2002BRYSON, Norman. Tradición y deseo: De David a Delacroix. Madri: Ediciones Akal, 2002.; BAXANDALL, 2006)BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção: A explicação histórica dos quadros. Tradução: São Paulo: Companhia das Letras, 2006., bem como as estruturas e a cronologia que dividiam a história da arte em campos definidos constantemente replicados tanto nas disciplinas como na bibliografia: “egípcia, antiga do Oriente Próximo e arte clássica; arte paleocristã, bizantina e medieval; Renascimento; (...) arte asiática; arte islâmica; arte africana (...)” (NELSON, 1996NELSON, Robert. Living on the Byzantine Borders of Western Art. Gesta. Chicago, The University of Chicago Press, vol. 35, nº1, 1996. Disponível em: < https://www.jstor.org/stable/767222 >. Acesso em: 08 de outubro de 2015. DOI: 10.2307/767222.
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, p. 29). Robert S. Nelson (1996)NELSON, Robert. Living on the Byzantine Borders of Western Art. Gesta. Chicago, The University of Chicago Press, vol. 35, nº1, 1996. Disponível em: < https://www.jstor.org/stable/767222 >. Acesso em: 08 de outubro de 2015. DOI: 10.2307/767222.
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comentou como as subdivisões dentro de cada período temporal contribuíram ainda mais para a fragmentação. Por exemplo, o medievo estaria subdividido em arte paleocristã, bizantina, da “Idade Média” e islâmica (NELSON, 1996). Por longo tempo, tal segmentação promoveu uma dissociação entre elas, assim como tolheu a ideia de autonomia e de criatividade genuína tanto da arte bizantina - rebatida por Anthony Cutler (1995CUTLER, Anthony. The pathos of distance: Byzantium in the gaze of Renaissance Europe and modern scholarship. In: FARAGO, Claire J. Reframing Renaissance: Visual Culture in Europe and Latin America, 1450-1650. New Haven: Yale University Press, 1995, pp. 22-45., p. 22-45), que refutou a provincianização de Bizâncio em relação ao Renascimento italiano - quanto da islâmica.

Pouco tempo depois de Edward Said (1978)SAID, Edward. Orientalism. New York: Pantheon Books, 1978. chamar a atenção para a distorcida visão eurocêntrica que permeava a compreensão do Oriente, Oleg Grabar abordou a complexidade dos mil e quatrocentos anos da “experiência artística do mundo muçulmano” e a impossibilidade de caber em uma “única mensagem, uma única voz ou uma única explicação” (GRABAR, 1983)GRABAR, Oleg. Reflections on the Study of Islamic Art. Muqarnas: An Annual on Islamic Art and Architecture. Brill, v. I, 1983, pp.1-14. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/pdf/1523068.pdf>. Acesso em: 01 de julho 2019. DOI: 10.2307/1523068
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, trazendo à tona a necessidade de atender às novas preocupações e a busca por respostas fora dos tradicionais estudos acadêmicos. Em outras palavras, Nelson, Cutler e Grabar revelavam a dificuldade dos estudiosos em pensar fora dos binários Ocidente/Oriente, arte/artefato e da concepção monolítica e homogênea de Bizâncio e do Islã. Como afirmou Avinoam Shalem, em relação às artes islâmica e bizantina, havia uma “clara postura histórica-artística: a tendência a uma provincianização que visa apresentar esses campos como os últimos elos perdidos para explicar a evolução da arte ocidental” (SHALEM, 2012SHALEM, Avinoam. What do we mean when we say ‘Islamic art’? A plea for a critical rewiriting of the history of the arts of Islam. Journal of Art Historiography. Birminghan: The University of Birmingham, n. 6, junho 2012, pp. 1-18. Disponível em: <https://arthistoriography.files.wordpress.com/2012/05/shalem.pdf>. Acesso em: 20 de fevereiro de 2019.
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, p. 5).

A profunda insatisfação com a epistemologia levou à elaboração de outros quadros metodológicos; entre eles, um baseado na noção de transferências culturais e artísticas. Parte dessa perspectiva refletia os anseios com a nova configuração da política mundial - não mais dividida entre os blocos capitalista e soviético -, e da comunidade europeia que possibilitava aos seus membros a abertura das fronteiras para a circulação de pessoas e mercadorias. As reflexões de Michel Espagne e Michaël Werner se apoiaram na análise de diversos espaços nacionais sem submetê-los à comparação, hierarquia ou assimetria cultural; ressaltaram o caráter policultural de cada um deles e privilegiaram os deslocamentos como instrumento de análise (ESPAGNE e WERNER, 1987ESPAGNE, Michael, WERNER, Michaël. La construction d’une référence culturelle allemande en France : genèse et histoire (1750-1914). Annales. Economies, Societés, Civilisations. Paris, Armand Colin 42e année, n.4, 1987, pp. 969-992. Disponível em: <https://www.persee.fr/doc/ahess_0395-2649_1987_num_42_4_283428>. Acesso em: 7 de agosto de 2013.
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, p. 969-92). Para Espagne, os processos de deslocamento e as transferências não se configuram somente como a forma do transporte, mas tratam de metamorfoses: “toda passagem de um objeto cultural de um contexto a outro tem por consequência uma transformação de seu sentido, uma dinâmica de ressemantização” (ESPAGNE, 2013, p. 1).

E o que se desloca? Livros, objetos de arte, pessoas, ideias, modelos, etc. A epistemologia deveria abarcar a ideia de mobilidade e relações transnacionais. No editorial do volume da Revue de l’Art totalmente voltado para o período medieval, Roland Recht escreveu que o importante era identificar as formas de deslocamentos, das circulações, as distintas temporalidades colocadas em jogo, as condições que os favoreceram e as relações que engendraram (RECHT, 1998)RECHT, Roland. La circulation des artistes, des oeuvres, des modèles dans l’Europe médiévale. Revue de l’Art. Paris, Éditions Ophrys, 1998, n° 120, pp. 5-10. Disponível em: <https://www.persee.fr/doc/rvart_0035-1326_1998_num_120_1_348382>. Acesso em: 5 de julho de 2013.
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. Entre 2009 e 2013, o Transferts et circulations artistiques dans l’Europe de l’époque gothique (XIIe-XVIe siècles), programa associado ao Institut national d’histoire de l’art (INHA), dedicou-se ao estudo das mobilidades na Europa medieval e privilegiou a apreensão das “circulações humanas e materiais na relação dinâmica e dialética que mantêm com seus ambientes de acolhimento e recepção” (DUBOIS, GUILLOUËT e BOSSCHE, s/d). Jean-Marie Guillouët, um dos exponentes desse grupo, pleitearia as transferências artísticas como uma “ferramenta operacional para a história da arte medieval” (GUILLOUËT, 2009, p. 17).

Os estudos pós-coloniais foram outra resposta ao desencantamento com os enfoques tradicionais. No sentido léxico-etimológico, Karen Overbey explicou que o pós-colonialismo atendia “às subjetividades deslocadas e procura[va] reavaliar os momentos e o escopo da ‘história’”, reescrevendo-a a partir “de (uma) outra(s) perspectiva(s)” (OVERBEY, 2012OVERBEY, Karen Eileen. Postcolonial. Studies in Iconography Special issue - Medieval Art History Today - Critical Terms. Princeton: Board of Trustees of Western Michigan University/Trustees of Princeton University, v. 33, 2012, pp. 145-156. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/23924279>. Acesso em 06 de janeiro de 2018.
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, p. 145). Segundo Eva Frojmovic e Cahterine E. Karkov (2017)FROJMOVIC, Eva, KARKOV, Catherine. Introduction. In: Idem. Postcolonising the Medieval Image. Oxon e Nova York: Routledge, 2017., até 2009, a teoria pós-colonial havia transformado significativamente os estudos nos campos da literatura, história e cultura, mas seu impacto ainda era limitado às pesquisas em história da arte medieval. Medievalistas começaram a pensar seus objetos de estudo não mais como fruto de entidades monolíticas - cristã ocidental, bizantina ou islâmica -, mas como resultado de uma tradução. A “tradução”, termo privilegiado por esses estudos, é uma metáfora que “possibilita a negociação entre o medieval e o moderno, os estudos pós-coloniais e estudos medievais, as fronteiras disciplinares e essas realidades multilíngues e multiculturais” (FROJMOVIC e KARKOV, 2017FROJMOVIC, Eva, KARKOV, Catherine. Introduction. In: Idem. Postcolonising the Medieval Image. Oxon e Nova York: Routledge, 2017., p. 3).

Em 2007, Eva Hoffman publicou Late Antique and Medieval Art of the Mediterranean World. O livro se apresentava como o oposto da tradicional divisão do campo nas subcategorias já mencionadas e anteriormente criticadas por Robert S. Nelson, Anthony Cutler e Oleg Grabar. Os textos dos diversos autores promoviam estudos transculturais das regiões ao redor do Mediterrâneo, entre os séculos III e XII. Hofmann se apoiava em David Abulafia (2003)ABULAFIA, David (ed.). The Mediterranean in History. Los Angeles: Getty Publications, 2003. , Peregrine Horden e Nicholas Purcell (2000)HORDEN, Peregrine, PURCELL, Nicholas. The Corrupting Sea: A Study of Mediterranean History. Oxford: Blackwell Publishers, 2000. que analisaram as interações e os movimentos no espaço promovidos pelas sociedades que aí se estabeleceram. Late Antique and Medieval Art of the Mediterranean World agrupava temas até então separados no espaço e no tempo, contrapostos pelos binários Ocidente/Oriente (aqui um Oriente alargado que engloba Bizâncio, Islã e o Império Sassânida), bizantino/islâmico, judeus/cristãos, islâmicos/cristãos, pagãos/cristãos; rompendo com as hierarquias e outras categorias tradicionais de estudos como a da comitência, o que proporcionou uma visão mais “holística” da arte e da cultura do Mediterrâneo (HOFFMAN, 2007)HOFFMAN, Eva Rose (ed.) Late Antique and Medieval Art of the Mediterranean World. Oxford: Blackwell Publishing, 2007.. Ao unir a Europa, a Ásia e a África, o “Grande Mar” ou Mare Nostrum, se tornara o perfeito meio a estimular complexas interseções, troca de ideias e bens por um largo período de tempo, alheio à cronologia estabelecida pelas disciplinas.

Nesse complexo cenário de reavaliações metodológicas, os estudiosos foram impulsionados a reformular suas questões e abordagens, ampliar as perspectivas, abrir o campo para outras áreas de pesquisa, incluir a cultura material e o trato dos artefatos de forma a enfatizar os encontros, as condições materiais e as trocas transculturais como as circulações. Essa nova aproximação levou à “virada global” (global turn) na história da arte medieval.

A “virada global” (global turn)

Como toda nova abordagem, a virada global trouxe consigo alguns questionamentos sobre suas aproximações metodológicas, teóricas e conceituais. A começar pelos termos: “global”, “globalismo” e “globalização” , sobre os quais não nos aprofundaremos neste texto. E pelo espaço pesquisado: em 2014, Chen-hua Wang (2014)WANG, Cheng-hua. Whiter Art History? A Global Perspective on Eighteenth-Century Chinese Art and Visual Culture. The Art Bulletin. Nova York, College Art Association of America, v. 96, 2014 issue 4, pp. 379-394. DOI: https://DOI.org/10.1080/00043079.2014.916549
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apontou a importância de se ir além do pensamento eurocêntrico; por outro lado, DaCosta Kaufmann alertou que a história da arte global não deve ser confundida com uma história da arte não ocidental, o que levaria novamente ao binário Ocidente/Outros (em que se incluiriam os europeus orientais, africanos, orientais, latino americanos, etc): “a história da arte global não é o lado reverso da história da arte ocidental, mas da história da arte nacional e das separações culturais, e as limitações impostas por categorizações semelhantes” (DaCOSTA KAUFMANN, DOSSIN e JOYEUX-PRUNEL, 2015DaCOSTA KAUFMANN, Thomas; DOSSIN, Catherine, JOYEUX-PRUNEL, Béatrice. Introduction: Reintroducing circulations: Historiography and the Project of Global Art History”. In: Idem (eds). Circulations in the Global History of Art. Londres e Nova York: Routledge, 2015, pp. 1-22., p. 18).

Entre outras questões, a virada global enfatizou as condições materiais. Segundo Thomas DaCosta Kaufmann, entende-se por condições materiais “não somente a materialidade do objeto e da imagem, mas também os diversos modos de circulação e os vários contextos em que ocorrem” (DaCOSTA KAUFMANN, DOSSIN e JOYEUX-PRUNEL, 2015DaCOSTA KAUFMANN, Thomas; DOSSIN, Catherine, JOYEUX-PRUNEL, Béatrice. Introduction: Reintroducing circulations: Historiography and the Project of Global Art History”. In: Idem (eds). Circulations in the Global History of Art. Londres e Nova York: Routledge, 2015, pp. 1-22., p. 2). É a compreensão das circulações que permite “levar em conta ‘os Outros’ sem colocá-los dentro da prisão da noção de alteridade ou descartá-los como periféricos” (DaCOSTA KAUFMANN, DOSSIN e JOYEUX-PRUNEL, 2015, p. 2).

Também Claire Farago, no colóquio New Worlds: Frontiers, Inclusion, Utopias realizado no Rio de Janeiro em 2015, chamou a atenção para a circulação da cultura material:

se a virada global da história da arte for bem-sucedida em incluir as visões e a cultura material de muitos círculos, ela precisa levar em conta as produções culturais que historicamente foram classificadas nas práticas disciplinares e subdisciplinares separadas da história da arte, arqueologia e antropologia. Um problema prático surge porque tudo e qualquer coisa fabricada por seres humanos se torna potencialmente um objeto legítimo de estudo (FARAGO, 2017FARAGO, Claire. Whose History? Why? When? Who Benefits, and Who doesn’t? In: AVOLESE, Claudia Mattos, CONDURU, Roberto (eds.). New Worlds: Frontiers, Inclusion, Utopias. São Paulo: Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA); Comité International de l’Histoire de l’Art and Vasto, 2017, pp. 284-303. Disponível em: <https://www.academia.edu/34031149/Whose_History_Why_When_Who_Benefits_and_Who_Doesnt>. Acesso em: 7 de fevereiro de 2019.
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, p. 289).

Ora, isso leva à questão do emprego das palavras “arte”, “artefato”, “objeto” e “obra” utilizadas em nosso texto. Por um lado, fugimos da hierarquia entre as diferentes materialidades e por outro, evitamos cair nas armadilhas que associam os vocábulos às diferentes noções de cultura. Mais uma vez, remetemo-nos a DaCosta Kaufmann para explicar a escolha:

obviamente reconhecemos que o conceito de arte pode ser relativizado, que pode ser concebido diferentemente em um lugar ou em outro, que seu significado mude no tempo, e que esse conceito pode nem mesmo ser expresso em certos momentos e lugares. Não queremos, no entanto, cair na armadilha de um culturalismo a-histórico, associando um lugar a uma “cultura” como se “artes diferentes” em “espaços diferentes” implicassem na saída de “culturas diferentes”. Os antropólogos há muito apontaram como as distinções que cercam as noções de arte, espaço e cultura correm o perigo de criar noções de diferenças culturais essenciais. Assim, podemos às vezes usar a noção mais geral de “artefato” em vez de “arte” (DaCOSTA KAUFMANN, DOSSIN e JOYEUX-PRUNEL, 2015DaCOSTA KAUFMANN, Thomas; DOSSIN, Catherine, JOYEUX-PRUNEL, Béatrice. Introduction: Reintroducing circulations: Historiography and the Project of Global Art History”. In: Idem (eds). Circulations in the Global History of Art. Londres e Nova York: Routledge, 2015, pp. 1-22., p. 3).

No que tange ao nosso período de estudos, quando se fala em “global”, do que efetivamente se está falando? Ora, o global não é o total, mas o desejo de expandir os limites (BRAUDEL, 1978)BRAUDEL, Fernand. Review (Fernand Braudel Center). The Impact of the “Annales” School on the Social Sciences. Nova York: Research Foundation of State Univeristy of New York, vo. 1, n° 3-4, Winter-Spring, 1978, pp. 243-261. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/40240784. Acesso em: 7 de março de 2019.
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. É a Alicia Walker que recorremos para responder à questão. Em 2012, no Special Issue Medieval Art History Today - Critical Terms publicado pelo importante periódico Studies in Iconography, Walker afirmou que era preciso priorizar as “interações entre as culturas; o alcance, até mesmo o sistêmico impacto de contato e troca; e o estudo comparativo de temas e questões comuns em diferentes grupos culturais” (WALKER, 2012, p. 185).

Tal abordagem permitiu levar em consideração uma série de conceitos: “intercultural e relações interculturais, troca, transmissão, intercâmbio, contatos, encontros, tradução e redes; sincretismo; multiculturalismo; transculturação, hibridismo; apropriação; expropriação; portabilidade; exotismo; cosmopolitanismo” (WALKER, 2012, p. 185). Adicionamos a estes o de circulação e mobilidade. Com essa pluralidade de conceitos e métodos, propõe-se a busca por um escopo em comum, deslocando “as abordagens acadêmicas para longe do foco nas origens e localidades como os fatores definidores da história e para a consideração do movimento através das fronteiras tradicionalmente definidas pela linguagem, religião, etnia e geografia” (WALKER, 2012, p. 185).

Eva Hoffman propôs aquela que, a nosso ver, é a melhor forma de articulação para a arte medieval global. Ao deslocar a ênfase da produção para circulação, a autora desenvolveu o conceito de portabilidade: “que se estende para além dos locais de produção fixados geograficamente para incluir as arenas geofísicas e culturais em que as obras foram distribuídas e vistas” (HOFFMAN, 2001HOFFMAN, Eva Rose. Pathways of Portability: Islamic and Christian interchange from the tenth to the twelfth century. Art History. Oxford: Blackwell Publishers, v. 24, n° 1, February 2001, pp. 17-50. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/DOI/10.1111/1467-8365.00248>. Acesso em: 04 de março de 2018. DOI: 10.1111/1467-8365.00248
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, p. 21). Agora, as perguntas a serem feitas são outras: por que tantos objetos elaborados em diferentes regiões do Mediterrâneo são indistinguíveis uns dos outros? Por que, em muitos dos casos, é praticamente impossível atribuir os mesmos tipos de obra a distintas localidades? Porque, responde Hoffman, associá-los aos diferentes locais é “uma afirmação da portabilidade e sugere que a identidade e o significado vinham informados através da circulação e das redes de conexão ao invés de através de fontes singulares de origem ou de identificação singular” (HOFFMAN, 2001, p. 21).

No que isso implica? Em primeiro lugar, que a ideia da multiplicidade dos possíveis locais de produção se apresenta como uma alternativa ao antigo paradigma da história da arte baseado na ideia de centro-periferia. Em segundo lugar, ao colocar a ênfase na mobilidade e não na origem, cria-se aquilo que Hoffman chamará de modelo “pluritópico”, no qual se reconhece a existência de múltiplos locais e uma grande fluidez entre eles. Isso acarreta uma noção muito mais complexa, pois abre a perspectiva para múltiplas direções e conexões, tanto entre aqueles que elaboram os objetos e seus usuários ou observadores, quanto no que concerne às espacialidades e temporalidades. Assim, rompe-se de vez com a ideia de homogeneidade, propondo, em seu lugar, uma visão mais aberta e heterogênea para a análise.

De volta à vitrine

Voltemos à vitrine mencionada no início deste texto para analisar como alguns dos objetos aí expostos podem contribuir para pensar as questões da portabilidade e da constituição de uma cultura visual comum entre os séculos X-XIII. Havia uma cultura de corte definida por um gosto compartilhado que tinha nos artefatos de luxo e sua exibição um elo em comum. Oleg Grabar (2006)GRABAR, Oleg. The Shared Culture of Objects. In: Idem. Islamic Visual Culture, 1100-1800, volume II, Constructing the Study of Islamic Art. Hampshire: Ashgate Publishing Limited, 2006. First published in Byzantine Court Culture from 829 to 1204 (Washington, DC, 1997), pp. 115-29., em The Shared Culture of Objects, estabeleceu as bases para uma análise dos diversos objetos mediterrânicos que podem ser culturalmente relacionados. Para ele, não há como negar uma cultura compartilhada entre as diversas cortes do Mediterrâneo medieval, pois, muitas vezes, é quase impossível estabelecer a procedência de alguns artefatos de luxo como vidros, tecidos, marfins e objetos em metal; ou porque trazem elementos iconográficos em comum, ou porque não apresentam nenhuma afiliação religiosa que auxiliasse na identificação de sua origem. Essas características facilitavam a circulação entre os diversos locais, tanto através do comércio, quanto da diplomacia.

O prestígio das trocas diplomáticas, dos dotes e dos presentes nupciais, além de valorizar determinados tipos de artefatos, estimulava sua posse na medida em que criava critérios de luxo e exotismo. Anthony Cutler, Robin Cormack e Cecily J. Hilsdale refletiram sobre como os presentes ajudam a pensar as relações entre “os agentes de troca - doadores e receptores - e a agência do objeto e da imagem” (HILSDALE, 2012HILSDALE, Cecily. Gift. Studies in Iconography. Special issue - Medieval Art History Today - Critical Terms. Michigan: Board of Trustees of Western Michigan University through its Medieval Institute Publications and Trustees of Princeton University, 33, 2012, pp. 171-182. Disponível em: <https://www.academia.edu/2967599/_Gift_Studies_in_Iconography_33_2012_171-82>. Acesso em: 02 de março de 2018.
https://www.academia.edu/2967599/_Gift_S...
, p. 178). Cormack ressaltou que a análise dos artefatos bizantinos que se configuraram como presentes diplomáticos deve levar em conta que se tratavam de “itens escolhidos ou projetados para impressionar e serem valorizados pelo receptor como parte da negociação intercultural” (CORMACK, 2007CORMACK, Robin. But is it Art? In: HOFFMAN, Eva Rose (ed.). Late Antique and Medieval Art of the Mediterranean World. Oxford: Blackwell Publishing, 2007, pp. 301-314., p. 301). Por fim, Cutler chamou a atenção para o papel que a dádiva tinha na circulação dos objetos: “como bens no comércio, [os] presentes funcionavam com incentivos ao consumo futuro e, assim, provocavam a produção” (CUTLER, 2001CUTLER, Anthony. Gifts and Gift Exchange as Aspects of the Byzantine, Arab, and Related Economies. Dumbarton Oaks Papers. Dumbarton Oaks, Trustees for Harvard Univeristy, vol 55, 2001, pp. 247-278. Disponível em: < https://www.jstor.org/stable/1291821#metadata_info_tab_contents>. Acesso em: 08/11/2016. DOI: 10.2307/1291821.
https://www.jstor.org/stable/1291821#met...
, p. 278).

Assim, os presentes nos ajudam a pensar não só a relação entre os artefatos e as pessoas, mas sua circulação como forte elemento a gerar as conexões e os intercâmbios culturais entre os distintos subsistemas ao redor do Mediterrâneo e nos outros que interagiam a partir deles. Como explicou Hoffman, “cada um patrocinava seus impressionantes centros literários, científicos, artísticos e comerciais, e nenhum poder único dominava os outros” (HOFFMAN, 2001HOFFMAN, Eva Rose. Pathways of Portability: Islamic and Christian interchange from the tenth to the twelfth century. Art History. Oxford: Blackwell Publishers, v. 24, n° 1, February 2001, pp. 17-50. Disponível em: <https://onlinelibrary.wiley.com/DOI/10.1111/1467-8365.00248>. Acesso em: 04 de março de 2018. DOI: 10.1111/1467-8365.00248
https://onlinelibrary.wiley.com/DOI/10.1...
, p. 22). Muitos desses espaços vinham povoados por um “mix de população” - para aqueles que nos interessam na região mediterrânica: algumas partes da Europa, Norte da África, Bizâncio e o Levante - representando as diferentes etnias e religiões, mas foram os objetos portáteis “em circulação que definiram tal ambiente familiar e transmitiram a sensação e a aparência mediterrânica” (HOFFMAN, 2001, p. 23).

Essa aparência compartilhada vinha dada, entre outras, pela arquitetura e por artefatos (cerâmica, têxteis e objetos em metal, por exemplo) que contavam com cenas de caça, animais inseridos em medalhões circulares, folhas de videira, bestas fantásticas, combate entre animais e arabescos, temas largamente difundidos em distintos espaços mediterrânicos e além-mediterrânicos, desde a Antiguidade até o Medievo. Por exemplo: no caso dos animais inseridos nos medalhões, podemos encontrá-los no trono do Arcebispo Maximiano (499-556) no Museo Arcivescovile, em alguns capitéis da igreja de San Vitale, ambos em Ravena ; e nos frisos da ermida visigoda de Santa Maria de Quintanilla de las Viñas, Burgos, do século VII.

A mobilidade dos objetos ativava ainda mais a transculturação e a reconceitualização dos locais e das circunstâncias de produção. No caso dos olifantes - aos quais voltaremos mais à frente - dragões de corpo retorcido encontram-se nos medalhões esculpidos no registro superior o Olifante Borradaile, do British Museum (P&E 1923, 1205.3), ca. séculos X-XI, elaborado no sul da península itálica. Rosser-Owen chamou a atenção para o fato de que a representação de monstros, dragões ou cobras com corpos retorcidos tornou-se amplamente empregada na Itália, principalmente no século XII. Essas figuras podiam ser encontradas desde a ilustração que Rábano Mauro fez do Monte Cassino em 1023; em pavimentos de igrejas, como a da abside central da Capela Palatina em Palermo, no pórtico da Catedral de Terracina, Lazio, e na entrada do lado direito do Campanillo em Pisa (ROSSER-OWEN, 2015ROSSER-OWEN, Mariam. The Oliphant: a call for a shift o perspective. In: BACILE, Rosa Maria, McNEILL, John (eds). Romanesque and the Mediterranean. Points of Contact across the Latin, Greek and Islamic Worlds c. 1000 to c. 1250. Leeds: British Archeological Association by Maney Publishing, 2015, pp. 15-58., p. 42).

Outras bestas fantásticas como os Senmurvs , que ornamentavam têxteis de origem bizantina ou iraniana, foram inseridos em relicários como o de São Germano, ca. 1000, da Igreja de Santo-Eusébio de Auxerre, hoje no Musée Saint-Germain, - antiga Abadia de Saint-Germain, Auxerre-, e no túmulo de Carlos Magno, aí colocado por Oto III no ano mil (RICE, 1963RICE, David Talbot. Art of the Bizantine Era. Londres: Thames and Hudson, 1963., p. 106). Utilizados como invólucros, esses tecidos proporcionavam uma aura de idade e autenticidade às relíquias (COLLON, 1995COLLON, Dominique. Ancient Near Eastern Art. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 1995., p. 216).

De fácil circulação, distintos exemplares com Senmurvs foram encontrados em um caftã de seda (do século VIII-IX) no norte do Cáucaso, hoje no Museu Hermitage, São Petersburgo, e em Shoso-in em Nara, no Japão (COLLON, 1995COLLON, Dominique. Ancient Near Eastern Art. Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 1995., p. 218). Isso nos remete a pensar nas relações interculturais promovidas pela portabilidade que teriam culminado, no século XIII, em subsistemas definidos a partir de enclaves de comércio que se conectavam com outros maiores. No mapa de Janet Abu-Lughod, alguns deles são apresentados (figura 5) (ABU-LUGHOD, 1989)ABU-LUGHOD, Janet. Before European Hegemony: The World System A.D 1250-1350. Nova York/Oxford: Oxford University Press, 1989., mas faltam aí alguns círculos de contato: o “corredor suaíli”, da costa leste africana (Moçambique, Tanzânia e Quênia) à Europa, Índia e China (HORTON, 1987)HORTON, Mark. The Swahili Corridor. Scientific American 257, no. 3 (September 1987), pp.86-93.; as navegações árabes na costa atlântica da África ; os contatos com o norte da Europa, entre outros. Ainda assim, o mapa nos mostra as várias conexões por onde circulavam os artefatos; em alguns casos, as conexões transculturais estavam entrelaçadas de tal maneira que nos é difícil desmembrá-las.

Figura 5
The eight circuits of the thirteenth-century world system. Fonte da imagem: Janet ABU-LUGHOD. Before European Hegemony: The World System A.D 1250-1350. Nova York/Oxford: Oxford University Press, 1989, p. 34, figure 1.

É parte dessa cultura compartilhada que se vê na vitrine da Galeria 457 Patti Cadby Birch - Spain, North Africa, and the Western Mediterranean (8th-19th centuries). Comecemos pelo olifante, muito popular na Idade Média, usado como um instrumento de sopro em cerimoniais de caça ou para acordar os monges adormecidos durante as rezas (DALTON, 1913), resguardar relíquias ou símbolos legais, até como símbolo de propriedade de terras . Trata-se de um tipo de artefato entalhado a partir da presa de um elefante, importada da África ou da Índia, com dimensões entre cinquenta e setenta centímetros. Datando dos séculos XI e XII, aproximadamente setenta e cinco deles chegaram até nós. Para David Ebitz (1986)EBITZ, David. Secular to Sacred: The Transformation of na Oliphant in the Musée de Cluny. Gesta. Chicago: The University of Chicago Press on behalf of the International Center of Medieval Art, vol. 25, nº1, Essays in Hornor of Whithey Sanow Stoddard, 1986, pp. 31-28. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/766895>. Acesso em: 01 de julho de 2019. DOI: 10.2307/766895
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, é possível que tivessem existido muitos mais.

Todos os exemplares conhecidos se encontram em museus e coleções particulares da Europa. Neste artigo, não nos ocuparemos de suas trajetórias, apesar de termos em mente que, antes de comporem os atuais acervos, os olifantes circularam por meios culturais específicos e históricos, foram frutos de trocas, escolhas e significados e tiveram uma “vida social”, nos termos propostos por Arjun Appadurai (2008)APPADURAI, Arjun. A vida social das coisas. As mercadorias sob uma perspectiva social. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminens, 2008.. O mesmo pode-se dizer das formas de sua instrumentalização e conservação. Uma das explicações possíveis para a presença em coleções europeias reside no fato de que muitos olifantes fizeram parte dos Tesouros eclesiásticos, tendo “firmes procedências medievais” (ROBINSON, 2008ROBINSON, James. Masterpieces of Medieval Art. Londres: British Museum Press, 2008., p. 286), sendo por isso mesmo bem conservados. Sobre outros, como o Olifante Clephane do British Museum (1979, 0701.1) sabe-se que pertenceu à uma família de mesmo nome proprietária do Castelo Carslogie, em Fife. Não se tem notícias de como o objeto foi parar na Escócia medieval, mas James Robinson aventou uma hipótese: “a atração do olifante como peça de coleção para um peregrino rico ou um cruzado e a possibilidade de que ele tenha sido formalmente presenteado por uma transação desconhecida não podem ser totalmente descartadas” (ROBINSON, 2008, p. 290). O site do museu informa que o artefato ingressou no acervo em 1914, mas não fornece outros comentários sobre sua vida pregressa. Do já mencionado Olifante Borradaile, British Museum (P&E 1923, 1205.3), só o que se sabe é que, antes de doá-lo, Charles Borradaile teria adquirido a peça em um leilão, em 1892 (MAGNIAC, 1892)MAGNIAC, Hollingwoth. (1892).Catalogue of the ... collection of works of art, chiefly formed by the late Hollingworth Magniac ... (known as the Colworth collection): which ... will be sold by auction, by Messrs. Christie, Manson & Woods ... July 2, and ... 4, 1892 , and following days ...London: Printed by W. Clowes & sons, limited, lote 251, p. 80. Disponível em: <https://archive.org/details/nowholli00chri/page/80>. Acesso em: 13 de dezembro de 2019).
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.

Por conta da matéria prima utilizada e da habilidade requerida para sua manufatura, os olifantes eram considerados presentes altamente preciosos, ofertados a membros da nobreza/realeza bizantina e dos reinos cristãos e islâmicos na Europa, assim como às igrejas “mais provavelmente logo após serem construídas” (SHALEM, 2004SHALEM, Avinoam. The Oliphant: Islamic Objects in Historical Context. Leiden / Boston: Brill, 2004., p. 107) ou em outras ocasiões especiais. Citamos como exemplo o olifante que se encontra no Musée de Cluny (Cl. 13065), Paris, proveniente do Tesouro de Saint-Arnoul, Metz, e aquele da vitrine no Metropolitan Museum (Rogers Fund, 1904 04.3.177a) que pertenceu a um monastério beneditino de Dijon, França (figura 6) (BUSH, 2011BUSH, Olga. Art of Spain, North Africa, and the Western Mediterranean. In: EKHTIAR, Maryam D.; SOUCEK, Priscilla P.; CANBY, Sheila R.; HAIDAR, Navina Najat. Masterpieces from the Department of Islamic Art in the Metropolitan Museum of Art. Nova York: The Metropolitan Museum of Art, 2011, pp. 53-85., p. 69).

Figura 6
Autor desconhecido. Olifante com estojo. Séculos XI-XII; estojo século XVI. Marfim, prata e couro. Olifante: 58,6 x 12,5 x 10,2 cm, estojo: 57,5 x 15 x 13,8 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova York, Rogers Fund, 1904 04.3.177 a,b

Como mencionado, alguns olifantes foram utilizados como relicários. Para proteger a(s) relíquia(s) guardada(s) em sua cavidade, as presas receberam tampas adicionais afixadas na parte superior por aros, como observou Ebitz a partir das marcas de cortes, rachaduras, brocas e entalhes (EBITZ, 1986)EBITZ, David. Secular to Sacred: The Transformation of na Oliphant in the Musée de Cluny. Gesta. Chicago: The University of Chicago Press on behalf of the International Center of Medieval Art, vol. 25, nº1, Essays in Hornor of Whithey Sanow Stoddard, 1986, pp. 31-28. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/766895>. Acesso em: 01 de julho de 2019. DOI: 10.2307/766895
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. Ainda que datada do século XVI (figura 6), é possível ter uma ideia de outro tipo de proteção, como o estojo de couro que acompanha o olifante do Metropolitan Museum (Rogers Fund, 1904 04.3.177b).

A superfície desse olifante (figura 7) apresenta medalhões circulares em que, em seu interior, se encontram animais diversos e algumas bestas fantásticas, entre os quais leões e os grifos com cabeças de pássaros em suas caudas - esse mesmo elemento ornamental encontra-se na superfície da Morgan Casket, da qual nos ocuparemos mais à frente, e na caixa de marfim no Museum of Islamic Art at the Pergamon Museum (K 3101), Berlim, elaborada entre os séculos XI-XII provavelmente no sul da Itália ou na Sicília. Como já mencionamos, medalhões circulares com animais em seu interior eram bastante utilizados pelos artesãos, resultando em uma cultura visual compartilhada e alargada geograficamente. Se tal apreço facilitou a portabilidade, por outro, aguçou a curiosidade dos estudiosos em descobrir quais eram as rotas dessa mobilidade.

Figura 7
Autor desconhecido. Olifante. Séculos XI-XII. Marfim, prata e couro, 58,6 x 12,5 x 10,2 cm Metropolitan Museum of Art, Nova York, Rogers Fund, 1904 04.3.177 a

David Ebitz (1986)EBITZ, David. Secular to Sacred: The Transformation of na Oliphant in the Musée de Cluny. Gesta. Chicago: The University of Chicago Press on behalf of the International Center of Medieval Art, vol. 25, nº1, Essays in Hornor of Whithey Sanow Stoddard, 1986, pp. 31-28. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/766895>. Acesso em: 01 de julho de 2019. DOI: 10.2307/766895
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e Avinoam Shalem (2004)SHALEM, Avinoam. The Oliphant: Islamic Objects in Historical Context. Leiden / Boston: Brill, 2004. acreditam que parte dos olifantes tenham partido de: a) oficinas fatímidas de localização desconhecida ou estabelecidas no Egito (provavelmente Cairo); b) de localidades com ambiente islâmico ou em uma área fortemente influenciada por essa cultura (podemos pensar, no Al-Andalus, na Sicília normanda, em Veneza, em Bizâncio, entre outras); e c) do sul da Itália (Amalfi, Salerno). Ao chamar a atenção para a dificuldade em atribuir a procedência dos objetos, Shalem argumentou que mais vale pensar na existência de um “estilo internacional” que justificaria a elaboração dessas peças em oficinas que surgiram de forma concomitante, mas que apresentaram em suas ornamentações algumas modificações, conforme a localidade (SHALEM, 2004SHALEM, Avinoam. The Oliphant: Islamic Objects in Historical Context. Leiden / Boston: Brill, 2004., p. 67). Esse pode ser o caso do fragmento do olifante no Metropolitan Museum (Gift of J. Pierpont Morgan, 1917 17.190.219), de estilo fatímida (figura 8), atribuído a uma oficina na Sicília e que apresenta videiras, medalhões interligados que encerram pássaros míticos e bestas, cujas caudas apresentam características similares ao do olifante (Rogers Fund, 1904 04.3.177 a), da Morgan Casket e da caixa do Museum of Islamic Art at the Pergamon Museum (K 3101).

Figura 8
Autor desconhecido. Fragmento de Olifante. Atribuído à Sicília. Séculos XI-XII. Marfim, 22,2 x 10,5 x 9 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova York, Gift of J. Pierpont Morgan, 1917 17.190.219

De fato, a ideia de Hoffman e Shalem de um ambiente familiar que transmitia a sensação e a aparência mediterrânica também pode ser aplicada à caixa conhecida como Morgan Casket (Gift of J. Pierpont Morgan, 1917 17.190.241), lavrada em marfim nos séculos XI-XII e atribuída aos domínios normandos no sul da Itália (figura 9), provavelmente em Amalfi. Novamente, percebe-se os medalhões que circundam bestas e pássaros com suas caudas fantásticas por todos os lados e na tampa. Na parte frontal, há ainda a cena de um homem caçando um animal com lança. Para Olga Bush, a caixa apresenta “tradições fatímidas (filtradas através da comunidade islâmica do sul da península itálica), com novas aproximações artísticas que surgiram na França, norte da Itália e no mundo germânico” (BUSH, 2011BUSH, Olga. Art of Spain, North Africa, and the Western Mediterranean. In: EKHTIAR, Maryam D.; SOUCEK, Priscilla P.; CANBY, Sheila R.; HAIDAR, Navina Najat. Masterpieces from the Department of Islamic Art in the Metropolitan Museum of Art. Nova York: The Metropolitan Museum of Art, 2011, pp. 53-85., p. 70).

Figura 9
Autor desconhecido. Morgan Casket. Atribuído ao sul da Itália. Séculos XI-XII. Marfim, 22,3 x 38,6 x 20 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova York, Gift of J. Pierpont Morgan, 1917 17.190.241

Vale observar que pares de homens com barba cheia, turbante na cabeça, vestidos com túnicas que seguram espadas e montam guarda nos quatro cantos da caixa, lembram tanto as formas quanto o uso programático de algumas figuras pintadas no teto da Capela Palatina, em Palermo, comissionada pelo rei normando da Sicília, Rogério II (1130-1154). Turbante semelhante ao da Morgen Casket também pode ser visto no fragmento de pintura da muqarna que ornamentava uma casa de banho em Abu Su’ud at Fustad, Cairo, e que hoje se encontra no Museum of Islamic Art, Cairo (inv. 12880).

Cenas de caça ao falcão por cavaleiros ricamente vestidos, animais como gazelas, leões, pequenos pássaros e pavões em meio a arabescos ornamentam outros três objetos da vitrine (figuras 10, 11 e 12): a caixa cilíndrica (The Cloisters Collection, 1955 55.29.2), a caixa retangular (Gift of Alastair Bradley Martin, 1973 1973.90) e a píxide (Egleston Fund, 1915 15.107) atribuídas à Sicília - nunca é demais mencionar que essa região que já tinha sido ocupada por romanos e grego-bizantinos bem antes dos islâmicos ou normandos. A caça ao falcão era uma prática muito apreciada pelos nobres, independentemente de sua fé. Tanto na caixa cilíndrica do Metropolitan Museum (The Cloisters Collection, 1955 55.29.2) como na retangular Musée Cluny (Cl. 9698), elaborada no final do século XII, estão pintados homens ricamente vestidos para a caça ao falcão. Em Mediterranean Falconry as Cross-cultural Bridge: Christian-Muslim Hunting Encounters¸ Ewa Lukaszyk afirmou que:

Figura 10
Autor desconhecido. Caixa. Atribuído à Sicília. Século XIII. Marfim pintado, montagens em liga de cobre, 13,5 x 11,7 x 12,9 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova York, The Cloisters Collection 1955 55.29.2

Figura 11
Autor desconhecido. Caixa. Atribuído à Sicília. Final do século XII - início do século XIII. Marfim pintado, montagem de prata dourada com incrustações de vidro, quartzo e turquesa, 8,9 x 18,1 x 11,1 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova York, Gift Alastair Bradley Martin, 1973. 90

Figura 12
Autor desconhecido. Píxide. Atribuído à Sicília. Segunda metade do século XII - primeira metade do século XIII. Marfim pintado, montagem de bronze dourado, 12 x 11,3 x 12,1 cm. Metropolitan Museum of Art, Nova York, Egleston Fund, 1915 15.107

entre as espetaculares técnicas orientais de caça que poderiam se tornar objetos de interesse e inveja dos europeus, uma facilmente adaptável às condições naturais da Europa foi sem dúvida a falcoaria. De fato, tornou-se não apenas uma grande fantasia da Europa medieval e renascentista, mas também uma espécie de ponte cultural a ligar as lacunas ideológicas. Criou interesses e ocasiões comuns de se reunir para as elites sociais e às vezes até intelectuais do mundo muçulmano e cristão. Os intercâmbios ocorreram em muitos pontos de contato em todo o Mediterrâneo: na Terra Santa ocupada pelos cruzados, na corte siciliana de Frederico II de Hohenstaufen, na Península Ibérica, onde as elites dos estados cristãos e muçulmanos compartilhavam muito interesses semelhantes para a falcoaria e caça (LUKASZYK, 2011LUKASZYK, Ewa. Mediterranean Falconry as a Cross Cultural Bridge, for Christian-Muslim Hunting Encounters. Birthday Beasts’ Book: Cultural Studies in Honour of Jerzy Axer. Varsóvia: Uniwesytet Warszawsky, Intytyt Badan Interdyscyplinarnych “Artes Liberales”, 2011, pp.161-170. Disponível em: <https://www.ewa-lukaszyk.com/uploads/2/0/4/9/20493194/mediterranean_falconry.pdf>. Acesso em: 15 de dezembro de 2019.
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, p. 162).

Caixas retangulares como a da figura 11, com desenhos de pavões e arabescos, sobreviveram em grande número nos tesouros das igrejas na Europa. Muitas delas apresentam inscrições em árabe com desejos de felicidade, glória ou bênçãos, o que leva a pensar que podiam ser ofertadas como presentes de casamento ou como cofre (atenção ao espaço da fechadura na parte frontal da Morgan Casket e na caixa retangular) para guardar objetos de uso pessoal, como joias. Contudo, assim como os olifantes, algumas também serviram como receptáculos para relíquias. Esses dois tipos de caixa, com montagens em metal e terminais lanceolados, foram produzidos em larga escala tanto para os mercados locais, quanto para o comércio pan-Mediterrâneo (SHALEM, 2017)SHALEM, Avinoam. The Discovery and Rediscovery of the Medieval Islamic Object. In: FLOOD, Finbarr Barry, NECIPOGLU, Gurlu. A Companion to Islamic Art and Architecture. Vol. 1. Nova Jersey: John Wiley & Sons, Inc., 2017, pp. 558-578..

A píxide (Egleston Fund, 1915 15.107) era outro tipo de artefato bastante desejado (figura 12). Como a caixa cilíndrica (The Cloisters Collection, 1955 55.29.2) e a caixa retangular (Gift of Alastair Bradley Martin, 1973 1973.90), sua superfície está coberta com desenhos em têmpera - no caso da Egleston Fund, 1915 15.107, a preservação das imagens se apresenta bastante prejudicada, dificultando a visualização dos desenhos dos arabescos, leões e folhas de videira. A pintura sobre as placas de marfim era bastante difundida por ser bem mais barata e rápida do que o entalhe. Essa técnica também foi aplicada em inúmeros outros objetos, como nos pentes litúrgicos dos tesouros da igreja de Santa Trinitá, Florença; da Catedral de Roda, Espanha; e naquele do The Walters Art Gallery (71.58), Baltimore, que apresenta guepardos e pavões inseridos em medalhões circulares. Caixas em marfim pintadas com cenas lúdicas também foram elaboradas no Reino ou Emirado nasrida de Granada, séculos XIII-XV, que incluía as atuais regiões de Sevilha, Córdoba, Málaga e Granada. Galán y Galindo nos conta que aí surgiu “uma produção relativamente ampla mas pouco estudada”, que compartilharia textos e desenhos de outras proveniências, “como a caixa Pitcairn no Museu de Filadelfia, a caixa da Concatedral de San Pedro em Soria; a n° 136 do Museu da Catedral de Toledo; a n° 76 do Museu da Catedral de Girona e várias da coleção palmesana reunida por Bartolomé March Severa” (GALÁN Y GALINDO, 2008GALÁN Y GALINDO, Angel. Los marfiles del Museo de la Catedral de Ourense. Porta da aira: revista de história del arte orensano. Grupo Francisco de Moure, n° 12, 2008, pp. 181-200 Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2952016>. Acesso em: 05 de março de 2018.
https://dialnet.unirioja.es/servlet/arti...
, p. 204; GALÁN Y GALINDO, 2011).

Segundo Shalem, a pintura sobre as placas de marfim se configurou como uma “nova estética”, resultado da produção de artefatos de luxo elaborados na Síria e no Egito durante o período das Cruzadas. Para esse autor, a linha à mão livre “sugere uma notável autoconfiança por parte dos artesãos; veja por exemplo os contornos dos dois pássaros nos dois lados da parte de trás” (SHALEM, 2017SHALEM, Avinoam. The Discovery and Rediscovery of the Medieval Islamic Object. In: FLOOD, Finbarr Barry, NECIPOGLU, Gurlu. A Companion to Islamic Art and Architecture. Vol. 1. Nova Jersey: John Wiley & Sons, Inc., 2017, pp. 558-578., p. 571) da caixa da figura 11 (Metropolitan Museum of Art, Nova York, Gift Alastair Bradley Martin, 1973. 90). O mesmo tipo de linha rápida podia ser encontrado em vidros esmaltados, como aquele de ca. 1250, ornamentado com cavaleiros, no Musée du Louvre AO 6131, Paris ; e nas cerâmicas conhecidas como Raqqa (ou Rakka), elaboradas no nordeste da Síria no período da dinastia aiúbida (séculos XII-XIII), com sua “decoração preta vívida sob esmalte azul” (SHALEM, 2017, p. 571).

Flood argumenta que esses artefatos refletiram a migração dos mesmos do ambiente da corte para o “mercado livre”: “o principal objetivo da esfera mercantil era apresentar o objeto como atrativo para aumentar seu preço de venda e valor, apesar de ter sido feito de maneira (...) menos cuidadosa (...) ou como parte de uma produção em série” (SHALEM, 2017SHALEM, Avinoam. The Discovery and Rediscovery of the Medieval Islamic Object. In: FLOOD, Finbarr Barry, NECIPOGLU, Gurlu. A Companion to Islamic Art and Architecture. Vol. 1. Nova Jersey: John Wiley & Sons, Inc., 2017, pp. 558-578., p. 571). Ora, arriscamos dizer que esse não era um fator que fizesse por desmerecer os objetos; pelo contrário, a produção em série demonstra a demanda cada vez maior por possuí-los, recebê-los ou presenteá-los. A nosso ver, trata-se de: a) incluir “as visões e a cultura material de muitos círculos” (FARAGO, 2017FARAGO, Claire. Whose History? Why? When? Who Benefits, and Who doesn’t? In: AVOLESE, Claudia Mattos, CONDURU, Roberto (eds.). New Worlds: Frontiers, Inclusion, Utopias. São Paulo: Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA); Comité International de l’Histoire de l’Art and Vasto, 2017, pp. 284-303. Disponível em: <https://www.academia.edu/34031149/Whose_History_Why_When_Who_Benefits_and_Who_Doesnt>. Acesso em: 7 de fevereiro de 2019.
https://www.academia.edu/34031149/Whose_...
, p. 289), b) incorporar as produções culturais tradicionalmente afastadas das práticas disciplinares da história da arte para fugir às hierarquias das diferentes materialidades, c) perceber melhor tanto a cultura visual compartilhada quanto a importância da circulação e das redes de conexão impulsionadas pela portabilidade.

E aqui tornamos ao ponto de partida deste artigo. Como já explanado, a vitrine disponibilizada na Galeria 457 Patti Cadby Birch - Spain, North Africa, and the Western Mediterranean (8th-19th centuries), que nos serviu como base para a apresentação da “virada global” (global turn), permite apresentar ao espectador contemporâneo as criativas trocas recíprocas entre as cortes mediterrânicas. A vitrine está em meio a outros artefatos “islâmicos” (figuras 4 a,b), dos quais gostaríamos de citar somente alguns: manuscritos da Tunísia, Espanha e Marrocos; um capitel em mármore, ca. 972-973, provavelmente de Córdoba, cuja decoração reflete modelos bizantinos (O’NEILL, 1993)O’NEILL, John (Ed.). The Art of Medieval Spain a.d. 500-1200. Nova York: Metropolitan Museum of Art, 1993.. Há também duas píxides em marfim do califado Omíada, elaboradas provavelmente no período de Abderramão I, Emir de Córdoba (912-929) e primeiro califa do Al-Andaluz (929-961): a da Theodore M. Davis Collection. Bequest of Theodore M. Davis, 1915 30.95.175) e da The Cloisters Collection, 1970 1970.324.5. Esse tipo de artefato era muito apreciado pela nobreza omíada e vinha ofertado como presente para comemorar algum evento especial, muitas vezes continham inscrições com o nome do(da) destinatário(a) (BUSH, 2011)BUSH, Olga. Art of Spain, North Africa, and the Western Mediterranean. In: EKHTIAR, Maryam D.; SOUCEK, Priscilla P.; CANBY, Sheila R.; HAIDAR, Navina Najat. Masterpieces from the Department of Islamic Art in the Metropolitan Museum of Art. Nova York: The Metropolitan Museum of Art, 2011, pp. 53-85.. Sua função era a de armazenar unguentos, cosméticos, joias ou outros pequenos objetos. A superfície, cuidadosamente entalhada, vinha lavrada com leões, gazelas e pássaros em meio a ornamentos vegetais, elementos que também ornamentavam diversos outros marfins e manuscritos do período por toda a Europa. Elementos e funções similares aos artefatos descritos anteriormente.

Apresentados aqui rapidamente, todos esses objetos e seus inúmeros pares promoveram a conexão de espaços distintos, borraram as fronteiras religiosas e políticas e estimularam a formação de significados em cada um de seus observadores ou usuários. Pensá-los a partir da cultura compartilhada permite romper com as antigas estruturas e métodos do campo da história da arte, pois possibilita a análise fora das categorias de período ou estilo, cultura, nação, território geográfico. Afinal, por séculos, circularam livremente em uma ampla rede de trocas e comércio até o momento de serem inseridos nas coleções particulares e nos acervos dos museus.

  • 1
    Todas as obras e todos os documentos utilizados na pesquisa e na elaboração do artigo são citados nas notas e na bibliografia. O artigo não foi publicado em plataforma de preprint.
  • 3
    Em 1975, a arte islâmica vinha acomodada em galerias divididas, por exemplo, em: primeiros séculos ca. 700-1050; período Seljúcida ou Mongol no Irã e Turquia; arte da mesquita; períodos Aiúbida e Mameluco no Egito e na Síria, e assim por diante (LINDSEY, 2012).
  • 4
  • 5
    Fonte da imagem: LINDSEY (2012).
  • 6
    Idem.
  • 7
    Idem. Todas as traduções são de nossa autoria.
  • 8
  • 9
  • 10
    A ideia das ‘artes maiores”, estabelecida a partir do Renascimento, determinava a obra de arte como resultado da inteligência ou do gênio do artista: a arquitetura, a pintura e a escultura. Em contraposição, “artes menores” se referia às obras elaboradas com outros materiais preciosos, como metais (ouro, prata, cobre, bronze), marfim (de narval, morsa, elefante), vitrais, tecidos e tapeçarias, cerâmica, misericórdias, gravuras e etc. Ora, esse tipo de distinção era ignorado pelos homens e mulheres que viveram no medievo (HOURIHANE, 2012).
  • 11
    Global não é sinônimo de total. Fernand Braudel já havia defendido essa ideia em 1978: “la globalité, ce n’est pas la pretention d’écrire une histoire total du monde (...) C’est simplement le désir, quand on aborde un problême, d’en dépasser systématiquemente les limites” (BRAUDEL, 1978, p. 245). Ver também o que esclarecem Caroline Douki e Philippe Minard: quebrar as compartimentações dos espaços culturais e das histórias nacionais, salientar a interação entre o local-regional-supra-regional (DOUKI e MINARD, 2007, p. 7-21).
  • 12
    The standard definition of ‘globalism’, which first entered English usage in 1943, emphasizes the term’s long history in the language and methodologies of economics and politics. According to the Oxford English Dictionary, globalism is ‘The belief, theory, or practice of adopting or pursuing a political course, economic system, etc., based on global rather than national principles; an outlook that reflects an awareness of global scale, issues, or implications; spec. the fact or process of large businesses, organizations, etc., operating and having an influence on a worldwide scale, globalization’ (OED, s.v ‘globalism’). The ongoing contemporary relevance of the concept is ensured by the ever-growing interconnectedness of cultures through international trade, diplomacy, tourism, population migration, and war” (WALKER, 2012, p. 183).
  • 13
    Na introdução das discussões ocorridas na mesa redonda The Global Before Globalization, David Joselit afirmou: “The term ‘globalization’ is often used loosely and with a ‘presentist’ bias, which assumes that an international exchange is hardly new - in fact it has been experienced at different scales practically from the beginning of human history. So I thought it might be interesting for modernists to hear from major scholars in the late-medieval and early-modern periods about how these concepts function in their areas of expertise and also to reflect on how or whether the term ‘globalization’ has in fact migrated back into early modern histories on account of its prestige among modernists, or whether modernists have just seized upon a methodological perspective that has been in use for a very long time in art history” (FLOOD, JOSELIT, NAGEL, RUSSO, WANG, WOOD e YIENGPRUKSAWAN, 2010, p. 3).
  • 14
    O colóquio New Worlds: Frontiers, Inclusion, Utopias, teve lugar no Rio de Janeiro, em 2015. Iniciativa conjunta do Comitê Internacional de Historiadores da Arte (CIHA) e o Comitê Brasileiro de História da Arte (CBHA) e financiado pela Terra Foundation for American Art e a Getty Foundation, teve como objetivo principal apresentar as recentes discussões sobre os deslocamentos geopolíticos envolvidos na expansão do campo da história da arte.
  • 15
    Da mesma forma como Marcel Mauss - em seu Essai sur le don. Forme et raison de l’échange dans les sociétés archaïques originalmente publicado em Année Sociologique (1923-1924) - estudou as sociedades da Polinésia, Melanésia e noroeste americano em que as trocas conferiam vários sentidos às relações sociais e estavam dotados de agência e intencionalidades, a cultura medieval também pode ser compreendida a partir da dádiva. Nesse sentido, o presente sugere as seguintes ações imbricadas: dar, receber e retribuir.
  • 16
    As cenas de combate entre animais, que podiam incluir grifos ou Senmurvs, são reminiscências das culturas da Babilônia, da Assíria e do império Sassânida. Quando da conquista do Irã, os islâmicos incorporaram o repertório imagético sassânida na elaboração de diversos artefatos, entre eles os têxteis.
  • 17
    Nesse momento, Ravena era a capital do império bizantino nos territórios da península itálica.
  • 18
    Senmurvs eram criaturas míticas reminiscentes das culturas da Babilônia, da Assíria e do império Sassânida. A imagem dos Senmurys foi introduzida em Bizâncio, em ca 628, pelo Imperador Heráclito, após sua vitória sobre os persas sassânidas. Também os islâmicos, quando da conquista do Irã, incorporaram esse desenho em seus tecidos de lã e seda, com algumas poucas modificações (EVANS e WIXOM, 1997, p. 224).
  • 19
    Janet Abu-Lughod chamou a atenção para o fato de que a costa atlântica da África já constava nos manuais de navegação árabes muito antes da “descoberta” portuguesa da rota marítima para a Índia: “na ordem inversa do Oriente para o Ocidente (!), é descrita com detalhes nos manuais que não se pode duvidar de uma circum-navegação anterior da África por marinheiros árabes/persas”. Abu-Lughod estava se referindo à TIBBETTS, Gerald Randall. Arab Navigation in the Indian Ocean before the Coming of the Portuguese: being a translation of Kitāb al-fawāi̓dfī usūl al-bahr wa’l-qawā’id of Ahmad b. Mājid al-Najdī. Londres: Royal Asiatic Society of Great Britain, 1981 (ABU-LUGHOD, 1989, p. 19).
  • 20
    As we have seen, the horn was the quintessential medieval symbol of hunting, and thus of prowess in battle, a crucial talent if you wanted to advance in Norman society. As a symbol of the hunt, it also came to signify the ownership of land, as well as the legal conveyance of land, an issue of great importance to the Normans as they established themselves in southern Italy”(ROSSER-OWEN,2015, p. 49).
  • 21
  • 22
    Desde tempos remotos, associa-se ao marfim (de mamute, elefante, morsa, narval ou baleia) uma aura de fascinação, de “propriedades mágicas” e de exotismo: do Paleolítico, chegou-nos a Vênus de Hohle Fels, aborada a partir da presa de um mamute; na Odisseia, Atenas colocou Penélope para dormir fazendo-a “mais branca que (...) o marfim”; no Cântico dos Cânticos, vem citado por duas vezes (5:14 e 7:5); no contexto cristão, configura-se em uma metáfora para a castidade de Maria. A qualidade tátil, a cor e a densidade colaboravam para o apreço e encantamento. Daí sua utilização para a criação de objetos de luxo. Além disso, sua materialidade era igualada à das gemas preciosas, pérolas, esmaltes, ouro e prata (GABORIT-CHOPIN, 1978, p. 9; TATSCH, 2014).
  • 23
    Este último chama a atenção por apresentar o registro central com imagens reentalhadas dos apóstolos, da Ascensão e do Cristo entronizado. David Ebitz se pergunta sobre essa “cristianização”: “Why was the horn recarved? The answer is, I believe, in order to decorate the horn with Christian themes more appropriate to the new use to which it was put when presumably it passed as a pious gift from the hands of its secular owner into the treasure of a church” (EBITZ, 1986).
  • 24
    Imagem disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/25164>. Acesso em 15 de abril de 2019.
  • 25
    Imagem disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/25164>. Acesso em 15 de abril de 2019.
  • 26
  • 27
    Imagem disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/446986>. Acesso em 15 de abril de 2019.
  • 28
    Imagem disponível em: < https://www.metmuseum.org/art/collection/search/446990>. Acesso em 15 de abril de 2019.
  • 29
    Imagem disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/471563>. Acesso em 15 de abril de 2019.
  • 30
    Imagem disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/452500>. Acesso em 14/04/2019.
  • 31
    Imagem disponível em: < https://www.metmuseum.org/art/collection/search/446818>. Acesso em 14 de abril de 2019.
  • 32
    Imagem disponível em: <https://art.thewalters.org/detail/20901/comb-with-peacocks-cheetah-and-scrolls-2/>. Acesso em 14 de abril de 2019.
  • 33
    Imagem disponível em: <https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Beaker_riders_Louvre_OA6131.jpg>. Acesso em 14 de dezembro de 2019.
  • 34
    Imagem disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/448443> Acesso em 14 de abril de 2019.
  • 35
    Imagem disponível em: <https://www.metmuseum.org/art/collection/search/471973>. Acesso em 14 de abril de 2019.

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Editado por

Editores Responsáveis Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2019
  • Aceito
    18 Fev 2020
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