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ESCUTA PROFISSIONAL: OUVINDO PASSADOS SENSÍVEIS EM ARTEFATOS E MÁQUINAS DE REPRODUÇÃO SONORA (1908-2001)1 1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes documentais e a bibliografia utilizada são referenciadas no artigo. Todos os registros de áudio mencionados no texto estão disponíveis para audição no endereço: http://www.memoriadamusica.com.br/site/index.php/texto-e-audio/29-texto-e--audio/dossie-historia-e-culturas-sonoras/500-escuta-profissional-ouvindo-passados-sensiveis-em-artefatos-e-maquinas-de-reproducao-sonora-1908-2001

Resumo

Este artigo analisa a seleção de 18 fonogramas que se encontram no CD 1 da publicação “500 anos da música popular brasileira”, um livro com dois CDs editados pelo Museu da Imagem e do Som do Rio do Janeiro em 2001. Referenciado na produção historiográfica sobre os sons, as escutas e a música, o artigo propõe pensar a escuta profissional na história e a técnica de gravação em meio a diferentes grupos sociais. Para tal propósito, foi realizada uma pesquisa das datas de produção dos 18 fonogramas do CD 1 (1908-2001) que indicam o uso de máquinas e artefatos de reprodução sonora que vêm das gravações mecânicas até a era do CD digital. A análise da seleção do repertório aponta algumas escolhas culturais a que se submete a técnica de gravação e reprodução sonora quando o museu escreve a história da música popular do Brasil na virada do século XXI.

Palavras-chave
Escrita da história; Discos do Brasil; Tecnologia sonora; Museu; Música popular

Este artigo propõe que se ouçam os vestígios do passado a partir de um documento sonoro produzido como operação de divulgação da história da música brasileira na virada para o século XXI. O CD-livro 500 anos da música popular brasileira (2001) foi produzido por uma instituição pública de conservação e pesquisa em acervos sonoros, o Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio de Janeiro. Publicado no ano 2001, durante o Encontro Nacional de Pesquisadores da MPB, o projeto institucional dos 500 anos pretende, segundo o texto do encarte, assinado pela então presidente do museu, Marília Trindade Barboza, “fazer caber” 500 anos de música popular brasileira em 36 fonogramas. Os dois CDs fazem parte de uma pesquisa mais ampla publicada pelo Museu em um livro de 174 páginas ricamente ilustrado.

O livro e os CDs propõem uma narrativa que, nas palavras da presidente, busca enfocar; “os gêneros, os instrumentos, o ambiente socioeconômico, a música [...] não os intérpretes, as estrelas e os eleitos da mídia” (BARBOZA et al., 2001, p. 10). Contudo, a lista que referencia as 162 imagens que ilustram o livro contradizem essa afirmação. Há pelo menos uma centena de nomes do panteão da história da música no Brasil, sendo o miolo do livro ocupado com 12 páginas pela fotomontagem de 47 estrelas do rádio.

Este artigo, no entanto, pretende se valer da escuta dos profissionais de estúdio para refletir sobre as diferentes técnicas de gravação presentes no conjunto fonográfico do CD em foco. A partir da audição técnica desse conjunto fonográfico, propõe-se tensionar a narrativa histórica do texto central que sustentou sua seleção e organização, acrescentando-lhe uma segunda camada de interpretação cultural, a história da mediação de artefatos e máquinas de reprodução sonora na música popular brasileira.

A seleção de músicas é um tributo a certa tradição memorialista da música popular brasileira, referenciada em colecionadores de discos, tais como Almirante e Lúcio Rangel. A narrativa histórica, por outro lado, é construída com apoio de uma interpretação musicológica, ou seja, uma análise de gêneros interna à estrutura musical. As duas grandes referências são Mário de Andrade e seu discípulo Mozart de Araújo, citados no texto do livro.

A periodização propõe que a formação da música popular começa no Brasil colônia (1500-1808), tempo que vai da chegada da expedição de Cabral à instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro. Seguida de um momento de consolidação (1808-1958) da abertura dos portos ao início da bossa nova, terminando pelo tempo da globalização (1958-2001).

A linha argumentativa indica a evolução musical pelo abrasileiramento das culturas ibérica, lusa e hispânica, que no período colonial sofreu a influência de tradições indígenas e da diáspora africana.3 3 Uma argumentação histórica semelhante é feita por Mariza Lira: “Pensei em começar pela primeira missa do Brasil, melodia dos Tamoios fixada por Léry (...) influência indígena na atual música popular moderna (...). Finalmente o negro, ritmos, religiões, danças” (correspondência de Mário de Andrade, 1940, IEB/USP, apud CARNEVALI, 2018, p. 54). Depois recebeu influências internacionais da música de entretenimento, que se multiplicaram quando da abertura dos portos, com a brasilidade se impondo no modo de renomear e criar gêneros. Como o schottisch tornando-se xote, ou a prática de artistas de diversas origens sociais interpretando, ao piano, o tango e a polca, inventando o maxixe e o samba. Grupos instrumentais também inventaram o choro, e as editoras de partituras fixaram os gêneros e venderam os sucessos. Finalmente a gravação mecânica chegou para reproduzir vozes e jeitos de interpretar dos brasileiros, inaugurando uma cultura de ouvir e constituir coleções da chamada “música em conserva”.4 4 Umberto Eco (1965) aplica o termo “música em conserva” à venda e ao consumo de “música feita por máquina”, como o disco, o rádio, os aparelhos de gravação e os sistemas técnicos de produção de som. É dessa prática de guardar discos de 78 rotações e informações sobre a música popular que começa a se formar o acervo institucional de música popular do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.

Para o propósito deste artigo, que é discutir a mediação de artefatos e máquinas de reprodução sonora na história da música popular brasileira, foram selecionados os 18 fonogramas que se encontram no CD 1 da coleção. Isso porque as datas de produção desses fonogramas (1908-2001) indicam o uso de máquinas e artefatos de reprodução sonora que vêm das gravações mecânicas até a era do CD digital. Entretanto, se a seleção de repertório reflete o gosto e a influência de intelectuais boêmios da cidade do Rio de Janeiro,5 5 Ver o capítulo “Atenção, aí vem o Almirante...” (LIMA, 2012, p. 22-55). que constituíram uma geração que testemunhou e difundiu o interesse pela música urbana como fenômeno cultural da história do Brasil, a análise através da escuta profissional dessa seleção diz respeito à transformação na produção da historiografia que começa a se anunciar na “longínqua entrada dos anos 1990 e a chegada do século XXI, quando, finalmente, a surdez dos historiadores [apresentou uma] via de cura” (MORAES, 2018MORAES, José Geraldo Vinci de. Escutar os mortos com os ouvidos. Dilemas historiográficos: os sons, as escutas e a música. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 19, n. 38, maio/ago. 2018, p. 109-139. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X01903805. Acesso em: 29 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/2237-101X0190380...
, p. 129). Isso porque, na escuta atenta dos 18 fonogramas editados no CD 1 da coleção, chama a atenção, de quem pretende se valer da escuta dos profissionais de estúdio, o fato de que a sequência das faixas não reflete a história das técnicas de gravação e reprodução, portanto não nos permite ouvir uma cronologia do som em seus contextos históricos de produção. O que se ouve são “saltos” sonoros, começando pelo som de uma gravação digital de 2001, depois se ouve uma gravação elétrica de 1931; a certa altura, ouve-se uma gravação mecânica de 1908. A última faixa é uma gravação de alta fidelidade em LP de 1970. Portanto, diante do interesse deste artigo em acrescentar uma segunda camada de interpretação cultural à coleção do Museu, a da história da mediação de artefatos e máquinas de reprodução sonora na música popular brasileira, daqui em diante a argumentação produzirá uma tensão interpretativa com a intenção da curadoria de repertório, expressa no encarte do CD, de escrever a história brasileira segundo uma cronologia dos gêneros da música popular.

Desde o ponto vista técnico, a escuta do CD e a escrita do encarte entram em tensão porque duas narrativas sobrepostas seguem cronologias diferentes. O texto escrito conta uma história linear do Brasil como expressão cultural da formação de 500 anos da música popular brasileira. Já a escuta profissional está atenta aos “saltos” sonoros dos exemplos selecionados na fonografia brasileira, entre 1908 e 2001, organizados para ilustrar essa história linear na sequência das faixas do CD. O texto e o som da faixa 3, a canção de De papo pro á (sic), de Olegário Mariano e Joubert de Carvalho, interpretada por Gastão Formenti e orquestra, de 1931, representam um par interessante para dar destaque a essa tensão. O texto do encarte diz o seguinte:

Embora as referências mais antigas ao cateretê ou catira datem dos fins do século XIX, admite-se que a dança tenha se originado no século XVI. Atribui-se ao Padre José de Anchieta o aproveitamento do cateretê, inicialmente uma dança indígena, nas festas católicas no primeiro século da colonização, “em que a bugrada dançava e cantava textos cristãos escritos em tupi”

(Texto 3, 2001, encarte do CD).

O texto de caráter folclórico procura extrair de características musicais, como o compasso binário, uma relação de origem para a canção interpretada por Formenti. O bailado característico do apoio de um pé para o outro, dançado em quadrilhas, bailes rurais de chiba cateretê, cirandas e fandangos, estaria na base da composição de Mariano e Carvalho. A expressão típica da figura social de um caipira aparece na letra sob a forma característica da mentalidade de uma geração recente na vida urbana, olhando costumes rurais. Em “Raízes do Brasil” (HOLANDA, 1995[1969]HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1995 [1969].) encontramos esse Malazartes brasileiro descrito como signo de uma identidade negativa, avesso de um bom trabalhador da sociedade moderna, no qual Sérgio Buarque enxerga refletidos os valores culturais de uma aristocracia rural abastada, construídos sobre um indianismo literário romântico, representado em “sua ociosidade, sua aversão a todo esforço disciplinado, sua imprevidência, sua intemperança, seu gosto acentuado por atividades antes predatórias do que produtivas” (HOLANDA, 1995HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1995 [1969]. [1969], p. 56). A interpretação da voz gravada de Formenti fornece essa prosódia rural ao ouvinte, que já vem elaborada literariamente no texto da letra, como indica a grafia do título: De papo pro á.

Do ponto de vista da técnica de gravação, a introdução instrumental da Orquestra Típica, da qual Pixinguinha foi arranjador,6 6 Segundo o blog do IMS, chamou-se Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, um dos vários grupos instrumentais de estúdio dirigidos por Pixinguinha, que realizou 30 gravações na Parlophon, incluídos os acompanhamentos a cantores, no período de novembro de 1928 a 1929. Disponível em: https://pixinguinha.com.br/perfil/orquestra-tipica-pixinguinha-donga/. Acesso em: 21 mar. 2023. não mencionada no encarte do CD, leva o ouvinte para outro universo. O duo de trompete e clarinete toca uma rapsódia musical, um fragmento ou uma citação de cantos ou composição folclórica e soa muito semelhante à introdução da parte 3 de Gershwin para o filme Um Americano em Paris, 1928.7 7 A introdução da parte 3 pode ser ouvida aos 7 minutos da transcrição postada no link https://www.youtube.com/watch?v=8yXUXnpRw-0&list=RD8yXUXnpRw-0&index=1, acessado em 21/03/2023. Esse som característico do cinema é uma das grandes transformações técnicas na fonografia, que se refletirá no som da era do rádio, tempo que ficou conhecido como fase das gravações elétricas.

A sonoridade escutada em De papo pro á, faixa 3 do CD, responde mais às técnicas e à estética do estúdio de gravação de 1931 do que aos fenômenos musicais do século XVI mencionados no encarte. Nessa fase da fonografia, tecnicamente ligada ao desenvolvimento da telefonia, surge um trabalhador da indústria fonográfica, o mixer-man. Esse homem de estúdio esteve ocupado com a criação de uma sonoridade que se difundirá pelo espaço aural das salas de cinema às calçadas da cidade, tornando a música ouvida em artefatos e máquinas de reprodução sonora mais um, entre tantos sons, competindo pela atenção do transeunte no século XX.

Mixer-man, o homem de estúdio moderno

Encontra-se uma fotografia da perspectiva do mixer-man moderno em uma cabine de monitoração da gravação de som no Bell Telephone Laboratories em 1930 no artigo de Emily Thompson (1997)THOMPSON, Emily. Dead rooms and live wires: Harvard, Hollywood, and the deconstruction of architectural acoustics, 1900-1930. Isis, [s.l.], v. 88, n. 4, p. 597-626, Dec. 1997. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/237829. Acesso em: 27 abr. 2022.
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que estuda o momento em que “começa a captação em proximidade dos executantes em uma sala morta e posterior adição – mixagem – da câmara reverberante, som reproduzido e captado em outra sala viva” (THOMPSON, 1997THOMPSON, Emily. Dead rooms and live wires: Harvard, Hollywood, and the deconstruction of architectural acoustics, 1900-1930. Isis, [s.l.], v. 88, n. 4, p. 597-626, Dec. 1997. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/237829. Acesso em: 27 abr. 2022.
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, p. 619). Esse processo de mistura só é possível pela condução da energia sonora, transformada em sinal elétrico, de um espaço físico para o outro de forma quase instantânea. Como numa conversa telefônica, o som viaja de um espaço a outro e retorna sem que a distância seja percebida. É quando nasce uma linguagem nova sobre o fenômeno sonoro em termos analógicos.

A historiadora nos aponta um marco na circulação dessa linguagem, quando teria se dado o estabelecimento da analogia entre o comportamento da onda elétrica em um circuito e a onda sonora em um espaço, processo que identifica no trecho do documento da Associação de Engenheiros Elétricos da América.

A necessidade econômica para a solução de muitos dos problemas relacionados com a transmissão de ondas elétricas em longas distâncias, juntamente com o consequente desenvolvimento de aparelhos de medição elétrica precisos, levou a um conhecimento teórico e prático bastante completo da transmissão de ondas elétricas. O avanço foi tão grande que o conhecimento de sistemas elétricos superou nosso conhecimento anterior de engenharia de sistemas mecânicos de transmissão de ondas. O resultado é, portanto, que sistemas mecânicos de transmissão podem ser projetados com mais sucesso se forem vistos como análogos aos circuitos elétricos

(MAXFIELD; HARRISON, 1926, apud THOMPSON, 1997THOMPSON, Emily. Dead rooms and live wires: Harvard, Hollywood, and the deconstruction of architectural acoustics, 1900-1930. Isis, [s.l.], v. 88, n. 4, p. 597-626, Dec. 1997. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/237829. Acesso em: 27 abr. 2022.
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, p. 624).8 8 Traduzido, pelo autor, do artigo “Methods of High Quality Recording and Reproducing of Music and Speech Based upon Telephone Research” (In: Transactions of the American Institute of Electrical Engineers).

O advento do que se convencionou chamar de gravações elétricas é, para a autora, um fenômeno resultante da grande transformação do som como pensamento espacial na modernidade urbana. Como estudiosa da história da acústica na arquitetura, Thompson interpreta aquele momento como de transformações intelectuais que obscureceram ainda mais a distinção entre som, espaço e circuitos, apontando para a nova forma discursiva, coalescente com a do laboratório e dos matemáticos do cálculo diferencial, que forneceu “na década de 1920, [...] uma linguagem para pensar e falar do som [através de uma] analogia entre circuitos elétricos e sistemas acústicos mecânicos [cuja chave] é o conceito de impedância” (THOMPSON, 1997THOMPSON, Emily. Dead rooms and live wires: Harvard, Hollywood, and the deconstruction of architectural acoustics, 1900-1930. Isis, [s.l.], v. 88, n. 4, p. 597-626, Dec. 1997. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/237829. Acesso em: 27 abr. 2022.
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, p. 623).

Para abrir essa “caixa-preta” da tecnologia para o leitor, vou explicar como esse conceito atua no meio fonográfico. Ao transformar a energia sonora do espaço exterior à máquina em sinal elétrico, como uma analogia do fenômeno energético acústico, o microfone elétrico gera uma corrente que sofre oposição do circuito, submetido a uma tensão. O controle dessa tensão antes da gravação permite amplificar o sinal elétrico, o que, por analogia, aumenta o volume do som reproduzido de volta, modificando, por assim dizer, o tamanho do som no espaço exterior da escuta, ainda que seja reproduzido na mesma sala onde foi gravado. O nome desse processo de transformação da energia acústica em elétrica, e vice-versa, é transdução. Pode ser encarado como um circuito de comunicação infinito, em que o som percorre das portas de entrada, que são os microfones, às portas de saída, que são os alto-falantes. A realimentação desse circuito de amplificação elétrica do som tem o nome inglês de feedback, e nos palcos é conhecida em português como microfonia. Na nomenclatura científica, chama-se Efeito Larsen e foi um dos problemas técnicos que teve de ser solucionado pela comunicação telefônica.

A partir das gravações elétricas, os problemas gerados pela amplificação sonora de um espaço acústico reverberante fizeram com que o interior da sala de gravação se tornasse progressivamente um “espaço morto”. À medida que os materiais de construção absorventes de som abafaram cada vez mais os espaços interiores, o som acústico que chega aos ouvidos do trabalhador de estúdio vem, sobretudo, dos alto-falantes, que também se multiplicam pelos espaços sociais da cidade, despejando seus sons eletroacústicos para quem passa.

O som desses alto-falantes é a referência social do trabalho de estúdio, na medida em que representa um padrão médio de sonorização dos espaços humanos para os quais são projetados. O disco, o programa de rádio, o cinema ou a TV são tratados como veículos desse som feito em estúdio para os alto-falantes, padronizados para as salas domésticas ou públicas de entretenimento. À medida que os sons e os circuitos elétricos se misturam e aglutinam como pensamento técnico, a sonoridade gravada para a comunicação é controlada dentro das cabines de estúdio. Então, uma imagem acústica calculada substitui a realidade acústica de igrejas, teatros e salas de concerto.

O som característico dos espaços musicais, antes frequentados por plateias distintas, passa a ser incorporado às escolhas de produção do entretenimento dirigido aos consumidores potenciais dos aparelhos de reprodução. O “espaço morto” de gravação tornou-se um fenômeno global da comunicação, com disputas culturais decidindo o que se vai produzir no interior do espaço arquitetural, que Marc Augé definiu como um “não lugar” (AUGÉ, 1995, apud THÉBERGE, 2004THÉBERGE, Paul. The network studio: historical and technological paths to a new ideal in music making. Social Studies of Science, [s.l.], v. 34, n. 5, p. 759-781, Oct. 2004. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/4144360. Acesso em: 12 out. 2021.
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, p. 762). No devir histórico, a disputa industrial pelo controle das reverberações em espaços fechados e o aumento da potência e da direcionalidade dos equipamentos sonoros para espaços humanos fez com que o som fosse cada vez mais projetado para endereçar-se a um público calculado, de acordo com o espaço onde será reproduzido ou amplificado ao vivo. A codificação desse endereçamento em cálculos matemáticos organizados para programas de computadores pessoais vem permitindo que a prática da escuta profissional ocorra hoje em pequenos estúdios.

Depois de um trajeto de 70 anos de centralização da circulação fonográfica, que as gravações elétricas concentraram em torno do padrão de grandes estúdios feitos para rádio, cinema e TV, no final do século XX, os pequenos estúdios fonográficos retornaram à cena, com seus ateliers digitais e suas redes locais de sociabilidade musical (THÉBERGE, 2004THÉBERGE, Paul. The network studio: historical and technological paths to a new ideal in music making. Social Studies of Science, [s.l.], v. 34, n. 5, p. 759-781, Oct. 2004. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/4144360. Acesso em: 12 out. 2021.
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).

Museu da Imagem e do Som

Se, como afirma Vinci de Moraes (2018, p. 127)MORAES, José Geraldo Vinci de. Escutar os mortos com os ouvidos. Dilemas historiográficos: os sons, as escutas e a música. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 19, n. 38, maio/ago. 2018, p. 109-139. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X01903805. Acesso em: 29 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/2237-101X0190380...
, recentemente “fonogramas apareceram como portas valiosas e mais acessíveis para os historiadores chegarem aos sons organizados do passado”, podemos sugerir que o CD dos 500 anos quer fazer escutar uma seleção de fonogramas como exemplos organizados para ilustrar a música do passado. Este artigo, por sua vez, estressa sobre o fato de os fonogramas serem documentos tecnicamente datados. Enquanto a música guardaria o caráter único do passado, sua autenticidade, segundo critérios de seleção de autores e gêneros populares que representam antiguidade, descendência, origem, raça e classe,9 9 Sobre os debates fundadores do Conselho de Música Popular Brasileira, MIS-RJ, e os critérios de seleção de artistas legítimos de uma tradição, ver o capítulo “Música Popular: um tema em debate” (PEREIRA, 2019, p. 46-57). destaca-se aqui que a técnica de gravação reflete padrões de escolha envolvendo outra história cultural, diretamente ligada à técnica de sonorização e gravação.

Um conjunto de três faixas do CD é significativo para atualizar o debate cultural sobre a coleção do MIS, que nos permite hoje “escutar os mortos” ao vivo, como mais um conhecimento sonoro do passado. Trata-se dos fonogramas publicados nas faixas 8, 12 e 18 do CD da coleção, respectivamente de Pixinguinha (1897-1973), Jacob do Bandolim (1918-1969) e Clementina de Jesus (1901-1987), as quais analisarei em detalhes a seguir.

A faixa 8 é a polca Marreco quer água, de Pixinguinha, com a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. É um fonograma gravado ao vivo no próprio Teatro Municipal, em 18 de maio de 1968, em evento comemorativo dos 70 anos de Pixinguinha, com a regência do compositor Radamés Gnattali.10 10 Sobre sinfonização e jazzificação dos gêneros populares pelos arranjadores, construção da memória da música popular brasileira, Pixinguinha e a ideia de tradição perdida, resgatada e preservada, ver o capítulo “Do ‘pelo que é nosso!’ ao ‘Brasil moderno’” (BESSA, 2005, p. 185-227). As palmas do público ao final da faixa são o registro da consagração de Pixinguinha no maior palco lírico da cidade.

Permitam-me recorrer à poética dos compositores populares para fixar essa relação que eleva da massa à posição de destaque social uma manifestação cultural. Essa entrada do popular no espaço lírico faz parte do movimento de afirmação da nacionalidade como um ato de transgredir a fronteira social e racial imposta ao colonizado, invadindo o espaço artístico do colonizador. Ela pode ser ouvida na letra da canção Tempos idos, de Cartola, em que “o samba, humilde samba, conseguiu penetrar no Municipal, depois de percorrer todo o universo, com a mesma roupagem que saiu daqui, exibiu-se pra Duquesa de Kent no Itamaraty” (CARTOLA, 1977CARTOLA, Agenor de Oliveira. Tempos idos. Rio de Janeiro: RCA Records, 1977. LP Verde que te quero rosa, faixa 6, duração 3’36”.).

A faixa 12 é o choro Noites cariocas, com Jacob e seu regional tocando para um grande teatro lotado. No encarte do CD, a faixa é anunciada como parte de um show histórico, gravado em dois volumes de um LP ao vivo no Teatro João Caetano,11 11 Do show gravado em álbum duplo, também participaram Elizeth Cardoso e Zimbo Trio. no Rio de Janeiro, no dia 19 de fevereiro de 1968. O nome do conjunto de Jacob é uma expressão da história aplicada à música: Época de Ouro. Um passado em que a música era melhor, contrastando com um presente em que o país ia em direção ao AI 5.12 12 A partir de 1968, no prédio anexo ao Museu da Imagem e do Som, começou a funcionar uma delegacia de triagem dos órgãos de repressão da ditadura civil militar (PEREIRA, 2019, p. 29).

Finalmente, na faixa 18, está o jongo interpretado por Clementina de Jesus, retirado do LP Clementina, cadê você? O título do LP é um chamativo típico do canto de responsório rural, mas gravado no Museu da Imagem e do Som no ano de 1970. O som da faixa reproduz os tambores de jongo e a voz de Clementina em uma sala de auditório, um trabalho representativo do documentário sonoro.

Ouvidas em conjunto, segundo um critério de escuta profissional, as três faixas desses artistas se distanciam dos padrões da música gravada no final dos anos 60, início dos 70. Por serem eventos ao vivo, registrados com uma técnica mais antiga, muito usada para gravar orquestras radiofônicas13 13 Se, no disco, uma microfonação afastada pode dar a impressão ao ouvinte de estar escutando uma música executada, de fato, em uma sala de concertos real, criando sua moldura, no caso do rádio, isso poderia ser um complicador, especialmente se, durante a irradiação, houvesse um auditório e seus ruídos inerentes (PINTO, 2012, p. 48). e eventos folclóricos,14 14 Entrevista com Benedito Pacheco, técnico de gravação da Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938, realizada em 28 de junho de 1984, pela Equipe de Som da Divisão de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo apontava como “o insensível microfone registraria tudo, um estrondo ritmado em que não se poderia distingüir bem a melodia e muito menos o texto” (CARLINI, 1994, p. 27). com forte presença do ambiente na captação dos microfones, o resultado sonoro reforça certa justificativa da agência de um museu contra o apagamento dessa autêntica música popular brasileira, dando aos discos desses artistas, nesse momento da história, o selo de resgate cultural. Como esse resgate não acompanha as grandes mudanças nas técnicas de estúdio refletidas na sonoridade da música gravada em discos daquele momento, seus fonogramas permanecem distantes do padrão comercial de então.

Essa característica técnica marca uma distinção sonora de caráter seletivo que os discos de iniciativa do Museu da Imagem e do Som propõem naquele momento de sua história. Esse caráter seletivo estava intimamente ligado à cultura sonora cultivada por diversos intelectuais cariocas que davam apoio para o MIS não fechar depois do afastamento de Carlos Lacerda, governador do Estado da Guanabara e fundador do Museu em 1965.15 15 Segundo Letícia Pereira (2019), havia um forte temor de que o espaço do Museu se transformasse em um clube para os funcionários do Banco do Estado da Guanabara (BEG). Segundo Letícia Pereira (2019)PEREIRA, Letícia Freixo. O Museu da Imagem e do Som e os debates sobre música popular e cultura popular (1965-1971). Dissertação de mestrado em História, UERJ, São Gonçalo, 2019., o então diretor Ricardo Cravo Albin criou o Conselho Superior de Música Popular (1966-1972) e o Programa Depoimentos para a Posteridade para ressignificar a instituição. Para isso contava com o auxílio dos conselheiros Ary Vasconcelos e Almirante que “possuíam uma longa estrada na ‘guarda’ de uma determinada música popular autêntica e seus representantes” (PEREIRA, 2019PEREIRA, Letícia Freixo. O Museu da Imagem e do Som e os debates sobre música popular e cultura popular (1965-1971). Dissertação de mestrado em História, UERJ, São Gonçalo, 2019., p. 30). Essa estratégia legitimadora da instituição é um componente histórico presente na decisão técnica de produzir os fonogramas ao vivo analisados acima. Os LPs produzidos entre 1968 e 1970 pelo MIS são uma extensão dos Depoimentos para a Posteridade. Uma curadoria que buscava validar toda uma narrativa sobre o documento sonoro como registro autêntico da história, que produziu em conjunto os depoimentos dos portadores da memória oral da música popular e o registro vivo de sua arte, como estratégia para expandir o acervo sonoro de um museu que lutava para se consolidar.

Desse ponto de vista, Marc Bloch (1949) nos adverte que o caráter da história como conhecimento dos homens decorre de sua posição particular vis-à-vis o problema da expressão. É ela “ciência” ou “arte”? Não há menos beleza em uma equação exata do que em uma frase precisa, disse Bloch. Se as ciências que atendem ao universo do som, da fonética à acústica, o fazem como se o som fosse nu e vazio de significado em uma física do sonoro (IHDE, 2007IHDE, Don. Listening and voice. phenomenologies of sound. Albany: State University of New York Press, 2007.), para o historiador, a experiência sonora não pode ser questionada sozinha ou isoladamente. Como objeto de análise da sensibilidade humana, apesar de poder ser calculada, deve ser também sugerida em relação ao seu enraizamento histórico e cultural. Bloch propõe sutil diferença entre cálculo e sugestão, comparando o trabalho do torneiro e do luthier: ambos trabalham no milímetro, mas o torneiro usa instrumentos mecânicos de precisão, e o luthier é orientado, antes de tudo, pela sensibilidade do ouvido e dos dedos. Assim, para o luthier, o ouvido é uma ferramenta de escuta profissional. O mesmo pode se dizer de um “homem de estúdio”, que opera a tensão entre técnica, prática artística e sistema sócio-histórico de interpretação cultural da reprodução do som gravado. Para pensar a escuta profissional na história e a técnica de gravação em meio a diferentes grupos sociais, o historiador deve se colocar no lugar da escuta crítica, ou seja, a que problematiza a transparência do processo de reprodução, atribuindo-lhe um caráter cultural de seleção, evitando “aquela perspectiva oitocentista de uma janela objetiva aberta para o passado” (MORAES, 2018MORAES, José Geraldo Vinci de. Escutar os mortos com os ouvidos. Dilemas historiográficos: os sons, as escutas e a música. Topoi (Rio J.), Rio de Janeiro, v. 19, n. 38, maio/ago. 2018, p. 109-139. Doi: http://dx.doi.org/10.1590/2237-101X01903805. Acesso em: 29 abr. 2022.
https://doi.org/10.1590/2237-101X0190380...
, p. 130).

Ouvindo o som do presente em um CD de museu

O processo de seleção e organização fonográfica do CD dos 500 anos pretende narrar a história dos gêneros formadores da MPB em simetria com uma periodização tradicional da historiografia nacional.16 16 Vinci de Moraes (2016) descreve como o jornalista Ary Vasconcelos (1926-2003), um dos membros do conselho da MPB do MIS-RJ, luta intelectualmente para dar forma a essa trama histórica em seus livros sobre a música popular, publicados entre 1964 e 1977. O recorte temporal das primeiras faixas do CD dos 500 anos segue o que Moraes identifica na obra de Vasconcelos como “periodização política clássica: Fase Colonial (1500-1808)” (MORAES, 2016, p. 107). Por isso a primeira faixa do CD 1 do MIS é uma criação livre da violonista e pesquisadora Marcia Taborda realizada com berimbau de boca e voz de Canide Ioune, canto Tupinambá registrado à época da passagem do missionário Jean de Léry e divulgado em partitura em 1585.17 17 Escuta 1. Canide Ioune, cantos Tupinambás registrados à época da visita do missionário Jean de Léry, divulgados em partitura em 1585. Gravação de Vania Dantas Leite, edição de Tato Taborda, para a criação livre de Marcia Taborda (voz e berimbau de boca) feita para o CD 500 anos da MPB. Publicada em 2001. A ambiência da reverberação, misturando voz com o timbre do berimbau de boca. O recorte perfeito das frequências das vozes sobrepostas, com profundo silêncio entre cada nota sonora. A ausência de ruído de fita no fundo, tudo indica uma composição realizada através de samples digitais montados. A escuta revela que essa faixa é o som mais contemporâneo de todos, embora pretenda ser o registro musical popular mais antigo da história do Brasil. O sentido simbólico do som dessa faixa parece ser o de produzir uma imersão sensorial, espaço temporal, uma viagem auditiva às percepções do europeu no tempo do “descobrimento” do Brasil. A audição atenta dessa faixa, com auxílio dos instrumentos de medição do estúdio, como analisador de espectro e oscilador de fase, revela que a ambiência da reverberação mistura voz com timbre do berimbau de boca em um recorte perfeito. Ouvimos e vemos no analisador a modulação das frequências fundamentais de cada nota da partitura. Há profundo silêncio entre as notas vocalizadas, e a ausência de ruído de fita no fundo indica uma composição realizada através de pequenas gravações digitais de voz montadas.

Porque a escolha curatorial do repertório do CD fez uso de um fonograma que utilizou as técnicas mais modernas de produção musical e gravação, a escuta profissional aponta que essa faixa representa uma cultura de produção sonora vigente no momento em que o CD foi produzido. A gravação foi realizada por Vania Dantas Leite, uma mulher de estúdio, e a edição foi de Tato Taborda. É a única faixa em todo o CD a dar destaque aos técnicos na criação do fonograma,18 18 “Imaginem que a história da música brasileira não começou com a beleza sublime da canção popular. Que virando tudo de cabeça pra baixo, não foram suas vozes que viraram musas” (COELHO & OLIVEIRA, 2019, p. 2-3). Se pensássemos a beleza da música como um fenômeno da técnica, seriam os técnicos de som musas da música popular brasileira? também detentores dos direitos fonográficos. A produtora executiva do CD, Ana Cunha, em conversa pessoal, lembra que conseguiu licenciar quase todos os fonogramas para o CD sem ônus para o Museu. Muitos vêm com a designação Domínio Público (D.P.), que se destina ao uso comum. Outros trazem o nome do editor da partitura musical. Todos indicam a gravadora ou uma instituição como dona do fonograma.

Contudo, é importante destacar um outro viés analítico para entender a relação comunicativa inerente à construção de álbuns musicais, que é o diálogo entre textos sonoros. Para além dos contextos de produção de cada fonograma, o CD dos 500 anos constrói uma intertextualidade sonora com a história da música popular brasileira. Segundo Molina (2014)MOLINA, Sergio. A composição de música popular cantada: a construção de sonoridades e a montagem dos álbuns no pós década de 1960. Tese de doutorado em Música, ECA/USP, São Paulo, 2014., o entendimento do álbum de fonogramas deve ser percebido como uma obra de gênero complexo. O autor explicita que o álbum fonográfico tem características complexas de construção de intertextualidade, como uma obra literária. Independentemente da atribuição artística ou científica que lhe dermos, cada faixa deve ser considerada como unidade de comunicação discursiva, em que a “obra é um elo na cadeia de comunicação [...] como a réplica do diálogo, está vinculada a outras obras [...] aquelas às quais responde, e com aquelas que lhe respondem” (BAKHTIN, 2003, apud MOLINA, 2014MOLINA, Sergio. A composição de música popular cantada: a construção de sonoridades e a montagem dos álbuns no pós década de 1960. Tese de doutorado em Música, ECA/USP, São Paulo, 2014., p. 122). Essa rede de recados, tão cara aos estudos literários da música popular,19 19 Sobre as relações de intertextualidade entre a música popular brasileira e a literatura, ver: WISNIK, 2004, p. 214-239. tem sua face sonora quando pensamos no estúdio de gravação e na montagem de um CD.

Destaco esse aspecto intertextual para outra vez tensionar a audição do texto sonoro com a narrativa escrita da história nacional no CD dos 500 anos. A ordem dos fonogramas selecionados pretende ilustrar uma narrativa cronológica sobre os gêneros da música popular brasileira como agentes formadores de uma cultura da brasilidade musical. Mas a audição do CD como obra sonora não garante ao ouvinte o entendimento dessa trama de significados. Eles precisaram ser recorrentemente indicados em texto escrito, como orientações dos especialistas do museu responsáveis pela narrativa, inclusive pontuando os possíveis estranhamentos do ouvinte, como no caso da faixas analisadas: “Excetuando-se as faixas 1, 2 e 4, que requerem uma audição mais ‘cerebral’ (sic), logo na 3ª já se começa a entrar naquele clima de brasilidade” (BARBOZA, 2001, encarte do CD).

Entre os estranhamentos cerebrais pontuados pelo texto do encarte, analisarei agora as faixas 2 e 420 20 2. Mira el malo – Padre José de Anchieta/Mateo Flecha; 4. Marinícolas – Gregório de Matos Guerra. Disponível em: https://jornal.usp.br/cultura/radio-usp-exibe-a-segunda-parte-do-cd-teatro-do-descobrimento/. que foram extraídas do CD Teatro do Descobrimento, produzido pela pesquisadora Anna Maria Kieffer e pelo grupo Anima, lançado em 1999. Com uma pesquisa de músicas tocadas no Brasil dos séculos XVI e XVII, as sonoridades expressam uma reconstituição do passado, um teatro, como indica o título, fruto de pesquisa erudita em documentos escritos e iconográficos da música. O interessante dessas gravações é que a pesquisadora e o grupo musical inserem o espaço arquitetônico na escuta. A reverberação do espaço, com a técnica de tocar os instrumentos e cantar, reproduzem características de uma cultura sonora do passado. Uma arte cultivada por artesãos na construção de prédios e instrumentos musicais. Essa sonoridade, vinda do passado na travessia atlântica da conquista, aparece no som do CD.

O trabalho de pesquisadores eruditos da música do passado incluiu, portanto, importantes decisões de história cultural quanto à materialização do som. A escolha dos instrumentos e locações de gravação, assim como as decisões técnicas de como gravar, tudo faz parte de um esforço consciente de reprodução sonora de um passado encenado. Mas não da materialidade sonora do passado gravado em discos antigos.

Escutando o passado e prospectando

Se, ao escutar o passado nas produções musicais da pesquisa musicológica contemporânea, como as faixas 1, 2 e 4 mencionadas antes, podemos sentir o estranhamento de ainda não ter ouvido esse som, certamente há uma memória comum mobilizada pelo CD dos 500 anos ao introduzir o ouvinte no som das coleções de discos.21 21 Certamente o mais representativo e importante desses colecionistas foi o radialista Almirante, apelido do cantor Henrique Foréis Domingues (1908/1980). Em 1965 seu extraordinário acervo e arquivo foram vendidos ao governo do Estado da Guanabara (atual Estado do Rio de Janeiro) e incorporados ao recém-formado Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MACHADO; MORAES, 2011). Mas não é apenas o som dos discos antigos que dispara essa memória comum.

A faixa 10, Implorando,22 22 Implorando. Art Metal Quinteto e Banda de Câmara Anacleto de Medeiros. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7yhiWTv9KT4. um “xote” de Anacleto de Medeiros, foi extraída do CD Sempre Anacleto, do grupo Art Metal Quinteto & Banda de Câmara Anacleto de Medeiros, publicado pela gravadora Kuarup em 1999, e é um bom exemplo para analisar. A opção foi por uma produção digital de uma gravadora independente, que começou a atuar em 1977. Na perspectiva histórica da fonografia, encontrava-se disponível a primeira gravação da obra, uma gravação mecânica da Casa Edison de 1906, com a Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, sob a regência do próprio Anacleto de Medeiros. Por que a opção de ouvir os vivos ao invés dos mortos?

O texto da faixa 10 no encarte do CD destaca a biografia de Anacleto, que ficou conhecido como um típico chorão. Antonio Calado, ao lado de Chiquinha Gonzaga e Viriato Figueira, está enunciado no CD-livro, são “pais dos chorões”. Nesse sentido, Implorando tampouco representa as características históricas do som gravado, mas fala da história de vida dos chorões como membros de uma tradição da música instrumental brasileira. Mais valem o repertório e a formação instrumental que o som da primeira gravação, e por isso não foi utilizado o fonograma de 1906, e sim a versão de 1999.

Outras quatro faixas revelam práticas instrumentais ligadas ao choro, e uma ligada ao frevo do Recife, rara concessão à outra cidade que não o Rio de Janeiro no CD. Duas sonoridades se destacam na escuta: os instrumentos de cordas dedilhadas dos regionais e os grupos de bandas de metais. Em minha pesquisa de datas, encontrei quatro gravações instrumentais selecionadas23 23 Escuta 2. Faixa 9, Uma noite de folia – Antonio Calado. Federação Nacional dos Bancos – Fenab 106 – 1983 – LP duplo; Faixa 5, disco 2. No CD: banda sinfônica, gravação estéreo. Espectro de frequências 20-10.000 Hz. Aparentemente a faixa do CD MIS vem da fita master. com essas características, extraídas de LPs e CDs produzidos entre 1957 e 199924 24 São elas: Faixa 9, Uma noite de folia – Antonio Callado; Faixa 10, Implorando – Anacleto de Medeiros; Faixa 14, Vem frevendo (sic) – Nelson Ferreira. As três têm sua origem indicada nas referências a CDs e discos no fim do artigo. Sobre a Faixa 7, Alma e Coração, de Luperce Miranda, não foi possível encontrar a referência de origem. No site do IMS, consta que a primeira versão dessa valsa é de 21 de junho de 1928. No YouTube, há uma versão do próprio Luperce Miranda sem data com interpretação bem semelhante à do CD MIS. Disponível em: . . O que reafirma o caráter de permanência nas gravações da técnica musical de tocar choro e frevo, vinda do passado. A permanência do repertório, mesmo com tantas mudanças nas técnicas de gravação e reprodução sonora, indica que a seleção de música instrumental do CD dos 500 anos participa de um contexto cultural perene, em que diversos agentes da sociedade e instituições públicas realizaram recorrentemente ao longo da história um duplo trabalho sobre o passado musical, que foi:

[...] o trabalho retrospectivo para a fixação do passado musical, cuja realização se dá pela recuperação, preservação e disponibilização de acervos; e o trabalho prospectivo de registro (editorial, visual e sonoro) e de reflexão crítica interpretativa das manifestações musicais que, fora da valorização conferida pelo mercado, tenham valor em si mesmas e sejam reveladoras de conexões com o passado musical

(MACHADO; MORAES, 2011MACHADO, Cacá; MORAES, José Geraldo Vinci de. Música em conserva. Revista Auditório, São Paulo, 2011, p. 160-183. Disponível em: http://www.auditorioibirapuera.com.br/wp-content/uploads/2011/08/Revista_Auditorio.pdf. Acesso em: 26 abr. 2022.
http://www.auditorioibirapuera.com.br/wp...
, p. 25. Grifos dos autores).

Sterne (2003)STERNE, Jonathan. The audible past. Cultural origins of sound reproduction. Durham & London: Duke University Press, 2003. chama a atenção para o fato de que o potencial de disseminação talvez tenha sido a qualidade mais saliente das novas tecnologias de som, à medida que estavam sendo moldadas em mídia. Mais que isso, para o autor, os inventores, promotores e usuários do final do século XIX tinham esse potencial de disseminação como a característica definidora de toda comunicação. Contudo, o que o historiador não deve perder de vista é que a cultura sonora moderna explicitamente “problematizou”, ou seja, colocou questões teóricas e práticas ao próprio evento sonoro, assim como às condições sob as quais ele poderia se tornar móvel, disseminar-se. A disseminação tornou-se um problema explicitamente social, econômico e cultural.

Nesse sentido, o fato de a gravação escolhida de Anacleto ser a de um quinteto de metais de formação contemporânea, realizada em 1999, reforça a seleção como uma atitude prospectiva. A cultura fonográfica do início do século XX permitiu a popularização do choro entre audiências que não sabiam ler partituras, mas podiam ouvir discos, e até reproduzi-los de ouvido. Anacleto pode ser encarado como referência simbólica do movimento prospectivo de disseminação do choro e de outros gêneros instrumentais na história da fonografia. Ele foi utilizado pelo Museu da Imagem e do Som como agente social de um diálogo cultural que se quer perene, entre o mundo escrito do músico de formação e o mudo oral do músico popular brasileiro.

Podemos afirmar que o som dos discos de um museu trabalha também para um aprendizado da técnica de ouvir música popular, transmitindo no tempo uma mensagem formadora de novos músicos e plateias, trazendo um jeito de tocar vindo do passado, que parece tão mais objetivo, realista, puro, desprovido de interferências externas, quanto menos se perceba o dispositivo que o reproduz. Mas o artefato produzido pela técnica de gravação, pelo trabalho da mulher e do homem de estúdio não é transparente; sua materialidade é audível para o ouvido atento ou especializado. As gravações antigas soam com seus ruídos de reprodução.

Então, por que para um CD com gravações a serviço da transmissão da música popular como conhecimento do passado se impõe uma seleção sonora da era da alta fidelidade? Essa parece ser uma marca cultural da transmissão do conhecimento de elite, relacionada com a excelência artística. Uma cultura que procura o fazer musical cultivado por trás do evento da reprodução sonora e para isso privilegia gravações de música instrumental atualizadas, para escutar o disco no silêncio de uma sala de estar ou de ensaio, reproduzido longe do barulho das ruas e das feiras do mundo urbano, deslocando a cultura sonora popular de um contexto comunicativo para outro. Assim, a música popular, quando é produzida pela arte de estúdio, reproduz, de certa forma, essa cidadela de silêncio das elites. Essa música popular também busca ganhar projeção social como um culto ao artista de talento e, com o passar do tempo, tornar-se um clássico do gênero.

Ouvir discos antigos

Basta ler um manual com especificações técnicas de geradores eletroacústicos ou microfones de estúdio para entender como a técnica de amplificação sonora permite produzir, medir e registrar o fenômeno sonoro para além das capacidades do sistema auricular humano. A reprodução sonora da música gravada participa de um universo mais amplo de transformação do som na vida social, disputando a atenção do transeunte. A historiadora Camila Gonçalves explicita o movimento de passagem da escuta interior, no silêncio do estúdio, para escuta exterior, no barulho das ruas:

Cabe ao historiador afastar as cortinas e visualizar, por dentro do estúdio de gravação, os artistas “à fresca”, diante do microfone; ou escutar, de dentro das casas de música ou caminhando pela calçada, o burburinho causado pela audição da vitrola

(GONÇALVES, 2006GONÇALVES, Camila Koshiba. Música em 78 rotações. “Discos a todos os preços” na São Paulo dos anos 30. Dissertação de mestrado em História, PPGHS/USP, São Paulo, 2006., p. 191).

Centrada nos discos de 78 rotações vendidos nos anos 1930 na cidade de São Paulo, a historiadora mostra a transformação na sala de gravação do estúdio em fotografias do espaço, com os músicos “à fresca”, na passagem das técnicas de gravação mecânicas para as gravações elétricas. Não há, contudo, uma imagem da sala de controle da gravação. Como alerta Susan Schmidt (2004)HORNING, Susan Schmidt. Engineering the performance: recording engineers, tacit knowledge and the art of controlling sound. Social Studies of Science, [s.l.], v. 34, n. 5, p. 703-731, Oct. 2004. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/4144358. Acesso em: 13 out. 2021.
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, nenhum manual de operações fornecia orientação aberta aos técnicos de gravações mecânicas, e os métodos duramente conquistados permaneciam segredos altamente individuais e bem guardados de cada operador de gravador.

No CD dos 500 anos, duas faixas refletem esse processo mecânico de fixação fonográfica (Faixa 6, Isto é bom,25 25 Escuta 3. Isto é bom – Xisto Bahia. INT. Eduardo das Neves. Matriz xR609 – disco Odeon R 108072/108076 – 1908. No CD: voz e violão, gravação mono, defasada no osciloscópio em mais ou menos 1dB à direita, desvio de fase na transcrição. Espectro de frequências 100-3000 Hz. Versão da discografia do IMS meio tom acima C de Xisto Bahia, interpretado por Eduardo das Neves, 1908; Faixa 15, Pelo telefone, de Donga e Mauro de Almeida, interpretado por Baiano, 1917). Esses registros são um tipo de técnica de gravura musical, evocativa de uma prática amplamente conhecida do cotidiano. O circo, no caso de Eduardo das Neves, e o Carnaval, no caso de Donga. Esse caráter de reprodução do evento popular, expandindo no tempo e no espaço a audiência com a mercadoria negociável do disco, aproxima muito a arte de estúdio da arte de feira. Gravar bem um disco era garantir o sucesso de público. Reproduzir esses discos era antecipar ou manter vivo o espírito de alegria da festa popular no dia a dia.

Em Ritos de performance (1998), Simon Frith traz um argumento precioso para este artigo. Para as gravações de 78 rotações, deveria haver um ouvinte ativo, que usava sua imaginação para perceber o som enterrado nos solavancos e estalos dos discos. Ele tinha que pular da cadeira para manter ou mudar o registro, que nunca poderia ser, então, um fundo musical contínuo. Para o técnico de estúdio, isto é uma espécie de pedra de toque. Ouvir um programa, nome dado ao fonograma em fase de produção na linguagem de estúdio, é ter uma atitude ativa frente aos parâmetros da energia sonora, tanto diante da execução dos músicos quanto diante da reprodução da máquina. Na linguagem do estúdio de gravação, existe uma expressão para a relação entre silêncio e energia do som: relação sinal/ruído. A energia sonora é chamada de sinal; o ruído é um resíduo de fundo no processo de gravação, fruto de interferências tanto mecânicas quanto elétricas. Na cultura de alta fidelidade, o volume da energia sonora deve ser tal que cubra o ruído de fundo, misturando a música com um silêncio ideal. Essa idealização do silêncio faz parte de um processo de separação dos sentidos, em que a escuta se especializa em técnicas de audição que produzem a “separação e idealização da audição tecnicizada; a construção de um espaço acústico privado; e a subsequente mercantilização e coletivização da escuta individualizada” (STERNE, 2003STERNE, Jonathan. The audible past. Cultural origins of sound reproduction. Durham & London: Duke University Press, 2003., p. 155). A sequência analítica desse processo descrito pelo autor insere a reprodução de alta fidelidade, como uma mercadoria da indústria, no contexto histórico maior da privatização do espaço acústico no ambiente urbano ruidoso do século XX.

O que ocorre na passagem das gravações mecânicas para as elétricas é uma especialização na escuta profissional no sentido da comunicação, em particular pelas transmissões de rádio e posteriormente da TV. Ocorre também um processo de transformação na performance da escuta musical do som gravado. Formam-se gerações de audiófilos26 26 Perlman (2004) identifica grupos culturais antagônicos aos quais dá o nome de “ouvidos dourados” (audiófilos) e “leitores de medidores” (técnicos). Os primeiros, amantes do som analógico, se opõem à música dividida em pacotes numéricos separados para envio através do tempo e do espaço por meio de gravação. Música para eles é sensação e emoção e, como tal, orgânica e indivisível. Os segundos, defendendo o som digital, descartam tais alegações como devido a efeitos placebo. Eles citam a sugestionabilidade da percepção e a impossibilidade de isolar a audição do desejo em rituais ligados à prática de escutar música em aparelhos de som. Do mais solitário ao mais coletivo, o ato de ouvir a reprodução da música no rádio ou no disco torna-se um ato ritualizado de performance entre o humano e o maquínico.27 27 Eco (1965) identifica na “música em conserva” também um som de fundo “sentido” como um acompanhamento habitual das tarefas mais diárias, leitura, refeições, conversas ou idílios sentimentais.

Na escuta profissional do passado, através de discos e fitas, devemos dar atenção ao ruído de fundo, porque são os parâmetros sonoros de cada tempo que regem os rituais de escuta no passado. Se o som do CD deve parecer transparente na reprodução de um som do passado, na prática, as ferramentas de restauração de áudio e o processo de montagem das faixas trabalham no sentido de adaptar o passado às técnicas auditivas do presente. Inserido no complexo industrial de comunicação, o CD com gravações antigas não escapa do padrão técnico que estabelece uma relação sinal/ruído ideal para o mundo digital. De forma contraditória, no trabalho de restauração de estúdio, amplificamos a energia sonora do programa musical e reduzimos o ruído de fundo, alterando o som da reprodução original para que o produto CD mantenha seu padrão técnico “silencioso”. Isso porque o CD de músicas do passado tem uma intenção comunicativa cujo objetivo é disseminar um discurso da cultura musical, não da cultura sonora de reprodução do tempo no qual a música é gravada.

No CD dos 500 anos, a mensagem cultural sobre a história da brasilidade musical transparece nas faixas da “época de ouro” da música popular.28 28 As quatro faixas com a interpretação de Carmem Miranda, Mário Reis, Francisco Alves, Gastão Formenti, com seus fonogramas de origem, encontram-se referenciadas em CDs e discos no fim deste artigo. Sobre a faixa 5 do CD, Lua Branca, de Chiquinha Gonzaga, não foi possível encontrar o fonograma original, mas há uma versão diferente, cantada pelo mesmo Paulo Tapajós, de 1951 que pode ser ouvida no site da discografia brasileira do IMS. Essa mensagem está ancorada nas vozes dos intérpretes radiofônicos gravados em 78 rotações, como Carmem Miranda, Mário Reis,29 29 Escuta 4. Se você jurar – I. Silva e N. Bastos. INT. F. Alves e M. Reis. 5 dezembro 1930 – matriz 4080 – Odeon 10747 – lançamento 1931. No CD duas vozes, orquestra com violão, gravação mono, sem desvio de fase. Espectro de frequências 40-3000 Hz. Mesma versão MIS e IMS, tratamento ligeiramente diferente nas altas frequências. Francisco Alves, Gastão Formenti e Paulo Tapajós. A escolha dos artistas e dos discos antigos recoloca a questão da memória presente no timbre da voz gravada, que faz parte da memória dos curadores do museu, e acaba sendo atualizada pelo tratamento técnico do som digital para ser reconhecida acima dos ruídos da gravação como signo sonoro da brasilidade. É importante destacar que essa não é uma decisão técnica, mas uma escolha cultural. Se a intenção comunicativa fosse ouvir a técnica de gravar o som da voz no passado, como um fenômeno na história de uma cultura sonora, as decisões de produção e organização da sonoridade do CD poderiam ser outras. O poder de decisão é de pesquisadores, gestores, produtores, divulgadores e consumidores da música do passado. Raramente é uma decisão do técnico, como o especialista em restauração de acervos sonoros Peter Copeland adverte:

As contradições que podem surgir entre fatores “técnicos” e “culturais” causaram um debate acalorado dentro do British Library Sound Archive. De fato, este escritor certa vez dirigiu-se a uma reunião pública externa sobre o assunto, e o público quase chegou às vias de fato. Muitas vezes não há um compromisso satisfatório que possa ser feito entre as contradições

(COPELAND, 2008COPELAND, Peter. Analogue sound restoration techniques. London: The British Library, 2008., p. 10).

Para enfatizar a relação entre alta fidelidade sonora e memória auditiva, retornemos brevemente ao mundo erudito da música e ao luthier de Marc Bloch. Por que é tão difícil inovar na construção de instrumentos musicais eruditos? Em entrevista de um luthier contemporâneo, Bijsterveld e Schulp (2004, p. 658)BYISTERVELD, Karin; SCHULP, Marten. Breaking into a world of perfection: innovation in today’s classical musical instruments. Social Studies of Science, London, Sage LTDA, v.4, n. 5, p. 649-674, Oct. 2004. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/4144356. Acesso em: 13 out. 2021.
https://www.jstor.org/stable/4144356...
indicam uma resposta: “Porque as pessoas tinham em mente um... há um som em suas mentes. E as pessoas têm muita dificuldade em esquecer aquele som... Só existe um tipo de viola. Foi com isso que eles cresceram”.

Uma viola em uma orquestra ou um gramofone numa sala do início do século XX podem ser sons inesquecíveis. Foram ouvidos como instrumentos musicais de gerações, representantes de uma cultura sonora. Essa cultura participa das disputas de memória social entre o que é lembrado ou esquecido, valorizado ou depreciado.

O “clima de brasilidade” descrito no encarte do CD dos 500 anos é uma expressão aural possível para explicar uma tradição cultural longamente cultivada por gerações de ouvintes das coleções da fonografia nacional produzida no século XX. Uma questão então poderia ser colocada: por que a viola permanece um instrumento em uso e o gramofone tornou-se uma máquina em desuso? A resposta clássica da alta fidelidade seria a de que a reprodução sonora tem de evoluir para atingir a pureza do som clássico da viola. Essa definição de evolução da fonografia pressupõe que a gravação, como ato de mediação tecnológica, captura os sons como eles existem no mundo.30 30 Essa definição de fonografia é defendida em: ROTHENBUHLER; PETERS, 1997, p. 242-264.

Sterne (2003)STERNE, Jonathan. The audible past. Cultural origins of sound reproduction. Durham & London: Duke University Press, 2003., entretanto, argumenta que a mediação tecnológica é um problema cultural e apenas uma maneira possível de descrever a reprodução do som. Neste caso, diz Sterne, toda forma de mediação sonora pressupõe uma prática aprendida, tanto a viola como o gramofone, a vitrola ou o CD conformam e aperfeiçoam ao longo do tempo uma técnica auditiva: um tipo particular de escuta para detalhes e uma relação particular entre o ouvinte, o instrumento ou a máquina. Essa técnica, como prática, não está isenta da dualidade memória e esquecimento. A definição de Sterne situa a prática da escuta profissional como mediação que está no próprio objeto sonoro, uma técnica auditiva que continua presente ao ouvirmos passados sensíveis em artefatos e máquinas de reprodução sonora de qualquer tempo ou lugar.

Conclusão

A música, como arte do tempo, traz uma vantagem para a correta calibragem na leitura de antigos mecanismos de reprodução sonora. Por ter, ao longo do tempo, aperfeiçoado os padrões da afinação dos pulsos sonoros, através do temperamento dos instrumentos musicais,31 31 Para entender a relação entre pulso sonoro e temperamento de instrumentos musicais, ver capítulo “Som, ruído e silêncio” (WISNIK, 2011 [1989], p. 15-59). as notas de uma melodia do passado nos permitem afinar um artefato sonoro em uma máquina de reprodução no presente. Esse talvez seja o elo de maior sensibilidade entre o artefato gravado, o mecanismo de reprodução analógico e o som do passado.

Esse exercício de afinação se aplicaria à faixa 11 do CD dos 500 anos, Escovado, de Ernesto Nazareth, gravado em 10 de setembro de 1930, lançado em dezembro de 1930. No CD ouve-se o piano solo, gravação mono, com o desvio elétrico de fase de 1 a 3 decibéis à direita que, na reprodução estereofônica no sistema de som do estúdio de gravação atual, gera um falso efeito que expande, inventa o tamanho, por assim dizer, da sala onde foi gravado o piano de Nazareth. A música está gravada em G (sol).32 32 A mesma versão de Escovado na plataforma do IMS está afinada em A, o que indica que a reprodução do disco de 78 RPM ou a digitalização produziram diferentes afinações do registro musical de 1930. Na partitura de 1905, ela aparece composta em A (lá).33 33 Disponível em: https://musicabrasilis.org.br/partituras/ernesto-nazareth-escovado. O conjunto dessas informações permite modificar o registro digital do CD em direção à melhor fidelidade da fonte sonora. Mas será isso correto do ponto vista da verdade histórica do documento sonoro?

Em Apologia da História ou profissão do historiador, Bloch (1949), quando aponta a necessidade de entender por que um documento é produzido, diz que perceber o engano quanto à veracidade não é suficiente, devemos também descobrir os padrões que acompanham a produção do falso. Principalmente porque uma mentira, como tal, é à sua maneira um testemunho. O título do CD que acompanha o livro 500 anos da música popular brasileira talvez não expresse ao pé da letra uma verdade histórica. Sugeri no artigo que o título faz parte do esforço de uma instituição de valorização da música popular, que utiliza a história como narrativa legitimadora de artistas que, por sua origem social e racial, não estariam no Desfile aos heróis do Brasil.34 34 Desfile aos heróis do Brasil é aqui uma referência ao Canto Orfeônico na obra de Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Existe outra letra, póstuma, de autoria de Hermínio Bello de Carvalho, que rebatiza a obra como Senhora Rainha e propõe sua mudança rítmica para marcha-rancho. Procurei indicar como essa narrativa, no afã de remediar a condição dos injustiçados, repete padrões de distinção social ligados às tradições culturais dominantes na arte. Por outro lado, a pesquisa envolvida na produção do CD-livro não considerou e em consequência não produziu referências documentais escritas sobre o trabalho de técnicos e sua arte de produzir o som, que é o testemunho de um tempo da história social da música gravada.

Enfatizo que a técnica e o padrão tecnológico dos sistemas de gravação elétricos são formas culturais que se afirmam no século XX e conformam uma prática de pensar sobre a comunicação entre os espaços e tempos históricos. Eles não nascem como padrão sociotécnico simplesmente apagando o passado, mas sim estabelecendo uma analogia entre o fenômeno acústico da música e os circuitos eletrônicos de amplificação sonora.

Entre as estratégias culturais de comunicação social dessa analogia tecnológica, novas formas de transmissão de conhecimento são inventadas, reforçando a circulação da música popular como agente criador de outras relações sociais representadas em diferentes rituais de ouvir, tocar ou dançar. As invenções tecnológicas por vezes parecem caixas-pretas, insondáveis em seus segredos, o que de certa forma se assemelha à história, quando o processo de buscar o que aconteceu é complexo demais. Abrir caixas-pretas na história da tecnologia é celebrar a complexidade como a cornucópia do saber e da ciência.

Organizadores do Dossiê História e Culturas Sonoras

  • Virgínia de Almeida Bessa
    Juliana Pérez González
    Cacá Machado
    José Geraldo Vinci de Moraes
  • 1
    Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes documentais e a bibliografia utilizada são referenciadas no artigo. Todos os registros de áudio mencionados no texto estão disponíveis para audição no endereço: http://www.memoriadamusica.com.br/site/index.php/texto-e-audio/29-texto-e--audio/dossie-historia-e-culturas-sonoras/500-escuta-profissional-ouvindo-passados-sensiveis-em-artefatos-e-maquinas-de-reproducao-sonora-1908-2001
  • 3
    Uma argumentação histórica semelhante é feita por Mariza Lira: “Pensei em começar pela primeira missa do Brasil, melodia dos Tamoios fixada por Léry (...) influência indígena na atual música popular moderna (...). Finalmente o negro, ritmos, religiões, danças” (correspondência de Mário de Andrade, 1940, IEB/USP, apud CARNEVALI, 2018CARNEVALI, Flávia Guia. Reconstituindo um dinossauro com alguns fragmentos de maxilar: escrevendo a história da música popular brasileira. Tese de doutorado em História, PPGHS/USP, São Paulo, 2018., p. 54).
  • 4
    Umberto Eco (1965)ECO, Umberto. La musique et la machine. In: Communications, 6, 1965, p. 10-19. Chansons et disques. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/comm_0588-8018_1965_num_6_1_1065. Acesso em: 4 maio 2022. Doi: https://doi.org/10.3406/comm.1965.1065
    https://www.persee.fr/doc/comm_0588-8018...
    aplica o termo “música em conserva” à venda e ao consumo de “música feita por máquina”, como o disco, o rádio, os aparelhos de gravação e os sistemas técnicos de produção de som.
  • 5
    Ver o capítulo “Atenção, aí vem o Almirante...” (LIMA, 2012LIMA, Giuliana Souza de. Almirante “A mais alta patente do rádio”, e a construção da história da música popular brasileira (1938-1958). Dissertação de mestrado em História, PPGHS/USP, São Paulo, 2012., p. 22-55).
  • 6
    Segundo o blog do IMS, chamou-se Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, um dos vários grupos instrumentais de estúdio dirigidos por Pixinguinha, que realizou 30 gravações na Parlophon, incluídos os acompanhamentos a cantores, no período de novembro de 1928 a 1929. Disponível em: https://pixinguinha.com.br/perfil/orquestra-tipica-pixinguinha-donga/. Acesso em: 21 mar. 2023.
  • 7
    A introdução da parte 3 pode ser ouvida aos 7 minutos da transcrição postada no link https://www.youtube.com/watch?v=8yXUXnpRw-0&list=RD8yXUXnpRw-0&index=1, acessado em 21/03/2023.
  • 8
    Traduzido, pelo autor, do artigo “Methods of High Quality Recording and Reproducing of Music and Speech Based upon Telephone Research” (In: Transactions of the American Institute of Electrical Engineers).
  • 9
    Sobre os debates fundadores do Conselho de Música Popular Brasileira, MIS-RJ, e os critérios de seleção de artistas legítimos de uma tradição, ver o capítulo “Música Popular: um tema em debate” (PEREIRA, 2019PEREIRA, Letícia Freixo. O Museu da Imagem e do Som e os debates sobre música popular e cultura popular (1965-1971). Dissertação de mestrado em História, UERJ, São Gonçalo, 2019., p. 46-57).
  • 10
    Sobre sinfonização e jazzificação dos gêneros populares pelos arranjadores, construção da memória da música popular brasileira, Pixinguinha e a ideia de tradição perdida, resgatada e preservada, ver o capítulo “Do ‘pelo que é nosso!’ ao ‘Brasil moderno’” (BESSA, 2005BESSA, Virgínia de Almeida. “Um bocadinho de cada coisa”: trajetória e obra de Pixinguinha. História e Música Popular no Brasil dos anos 20 e 30. Dissertação de mestrado em História, PPGHS/USP, 2005., p. 185-227).
  • 11
    Do show gravado em álbum duplo, também participaram Elizeth Cardoso e Zimbo Trio.
  • 12
    A partir de 1968, no prédio anexo ao Museu da Imagem e do Som, começou a funcionar uma delegacia de triagem dos órgãos de repressão da ditadura civil militar (PEREIRA, 2019PEREIRA, Letícia Freixo. O Museu da Imagem e do Som e os debates sobre música popular e cultura popular (1965-1971). Dissertação de mestrado em História, UERJ, São Gonçalo, 2019., p. 29).
  • 13
    Se, no disco, uma microfonação afastada pode dar a impressão ao ouvinte de estar escutando uma música executada, de fato, em uma sala de concertos real, criando sua moldura, no caso do rádio, isso poderia ser um complicador, especialmente se, durante a irradiação, houvesse um auditório e seus ruídos inerentes (PINTO, 2012PINTO, Theófilo Augusto. Gente que brilha quando os maestros se encontram. Música e músicos da ‘Era de Ouro’ do rádio brasileiro (1945-1957). Tese de doutorado em História, PPGHS/USP, São Paulo, 2012., p. 48).
  • 14
    Entrevista com Benedito Pacheco, técnico de gravação da Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938, realizada em 28 de junho de 1984, pela Equipe de Som da Divisão de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo apontava como “o insensível microfone registraria tudo, um estrondo ritmado em que não se poderia distingüir bem a melodia e muito menos o texto” (CARLINI, 1994CARLINI, Álvaro. Cantem lá que gravam cá. Mário de Andrade e a Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938. Dissertação de mestrado em História, PPGHS/USP, São Paulo, 1994., p. 27).
  • 15
    Segundo Letícia Pereira (2019)PEREIRA, Letícia Freixo. O Museu da Imagem e do Som e os debates sobre música popular e cultura popular (1965-1971). Dissertação de mestrado em História, UERJ, São Gonçalo, 2019., havia um forte temor de que o espaço do Museu se transformasse em um clube para os funcionários do Banco do Estado da Guanabara (BEG).
  • 16
    Vinci de Moraes (2016)MORAES, José Geraldo Vinci de. Criar um mundo do nada. Revista da USP, São Paulo, n. 111, out./nov./dez. 2016, p. 99-116. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i111p99-116. Acesso em: 28 out. 2022.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
    descreve como o jornalista Ary Vasconcelos (1926-2003), um dos membros do conselho da MPB do MIS-RJ, luta intelectualmente para dar forma a essa trama histórica em seus livros sobre a música popular, publicados entre 1964 e 1977. O recorte temporal das primeiras faixas do CD dos 500 anos segue o que Moraes identifica na obra de Vasconcelos como “periodização política clássica: Fase Colonial (1500-1808)” (MORAES, 2016MORAES, José Geraldo Vinci de. Criar um mundo do nada. Revista da USP, São Paulo, n. 111, out./nov./dez. 2016, p. 99-116. Doi: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i111p99-116. Acesso em: 28 out. 2022.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036....
    , p. 107).
  • 17
    Escuta 1. Canide Ioune, cantos Tupinambás registrados à época da visita do missionário Jean de Léry, divulgados em partitura em 1585. Gravação de Vania Dantas Leite, edição de Tato Taborda, para a criação livre de Marcia Taborda (voz e berimbau de boca) feita para o CD 500 anos da MPB. Publicada em 2001. A ambiência da reverberação, misturando voz com o timbre do berimbau de boca. O recorte perfeito das frequências das vozes sobrepostas, com profundo silêncio entre cada nota sonora. A ausência de ruído de fita no fundo, tudo indica uma composição realizada através de samples digitais montados. A escuta revela que essa faixa é o som mais contemporâneo de todos, embora pretenda ser o registro musical popular mais antigo da história do Brasil.
  • 18
    “Imaginem que a história da música brasileira não começou com a beleza sublime da canção popular. Que virando tudo de cabeça pra baixo, não foram suas vozes que viraram musas” (COELHO & OLIVEIRA, 2019COELHO, Frederico; OLIVEIRA, Bernardo. Transistórica, transistor: as máquinas e as musas. Outros críticos, 15 fev. 2019. Disponível em: https://outroscriticos.com/transistoria-transistor-as-maquinas-e-as-musas/. Acesso em: 10 abr. 2021.
    https://outroscriticos.com/transistoria-...
    , p. 2-3). Se pensássemos a beleza da música como um fenômeno da técnica, seriam os técnicos de som musas da música popular brasileira?
  • 19
    Sobre as relações de intertextualidade entre a música popular brasileira e a literatura, ver: WISNIK, 2004WISNIK, José Miguel. A gaia ciência: literatura e música popular no Brasil. In: Sem Receita. São Paulo: Publifolha, 2004 [1995]., p. 214-239.
  • 20
    2. Mira el malo – Padre José de Anchieta/Mateo Flecha; 4. Marinícolas – Gregório de Matos Guerra. Disponível em: https://jornal.usp.br/cultura/radio-usp-exibe-a-segunda-parte-do-cd-teatro-do-descobrimento/.
  • 21
    Certamente o mais representativo e importante desses colecionistas foi o radialista Almirante, apelido do cantor Henrique Foréis Domingues (1908/1980). Em 1965 seu extraordinário acervo e arquivo foram vendidos ao governo do Estado da Guanabara (atual Estado do Rio de Janeiro) e incorporados ao recém-formado Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MACHADO; MORAES, 2011MACHADO, Cacá; MORAES, José Geraldo Vinci de. Música em conserva. Revista Auditório, São Paulo, 2011, p. 160-183. Disponível em: http://www.auditorioibirapuera.com.br/wp-content/uploads/2011/08/Revista_Auditorio.pdf. Acesso em: 26 abr. 2022.
    http://www.auditorioibirapuera.com.br/wp...
    ).
  • 22
    Implorando. Art Metal Quinteto e Banda de Câmara Anacleto de Medeiros. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7yhiWTv9KT4.
  • 23
    Escuta 2. Faixa 9, Uma noite de folia – Antonio Calado. Federação Nacional dos Bancos – Fenab 106 – 1983 – LP duplo; Faixa 5, disco 2. No CD: banda sinfônica, gravação estéreo. Espectro de frequências 20-10.000 Hz. Aparentemente a faixa do CD MIS vem da fita master.
  • 24
    São elas: Faixa 9, Uma noite de folia – Antonio Callado; Faixa 10, Implorando – Anacleto de Medeiros; Faixa 14, Vem frevendo (sic) – Nelson Ferreira. As três têm sua origem indicada nas referências a CDs e discos no fim do artigo. Sobre a Faixa 7, Alma e Coração, de Luperce Miranda, não foi possível encontrar a referência de origem. No site do IMS, consta que a primeira versão dessa valsa é de 21 de junho de 1928. No YouTube, há uma versão do próprio Luperce Miranda sem data com interpretação bem semelhante à do CD MIS. Disponível em: .
  • 25
    Escuta 3. Isto é bom – Xisto Bahia. INT. Eduardo das Neves. Matriz xR609 – disco Odeon R 108072/108076 – 1908. No CD: voz e violão, gravação mono, defasada no osciloscópio em mais ou menos 1dB à direita, desvio de fase na transcrição. Espectro de frequências 100-3000 Hz. Versão da discografia do IMS meio tom acima C
  • 26
    Perlman (2004)PERLMAN, Marc. Golden ears and meter readers: the contest for epistemic authority in audiophilia. Social Studies of Science, [s.l.], v. 34, n. 5, p. 783-807, Oct. 2004. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/4144361. Acesso em: 13 out. 2021.
    https://www.jstor.org/stable/4144361...
    identifica grupos culturais antagônicos aos quais dá o nome de “ouvidos dourados” (audiófilos) e “leitores de medidores” (técnicos). Os primeiros, amantes do som analógico, se opõem à música dividida em pacotes numéricos separados para envio através do tempo e do espaço por meio de gravação. Música para eles é sensação e emoção e, como tal, orgânica e indivisível. Os segundos, defendendo o som digital, descartam tais alegações como devido a efeitos placebo. Eles citam a sugestionabilidade da percepção e a impossibilidade de isolar a audição do desejo
  • 27
    Eco (1965)ECO, Umberto. La musique et la machine. In: Communications, 6, 1965, p. 10-19. Chansons et disques. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/comm_0588-8018_1965_num_6_1_1065. Acesso em: 4 maio 2022. Doi: https://doi.org/10.3406/comm.1965.1065
    https://www.persee.fr/doc/comm_0588-8018...
    identifica na “música em conserva” também um som de fundo “sentido” como um acompanhamento habitual das tarefas mais diárias, leitura, refeições, conversas ou idílios sentimentais.
  • 28
    As quatro faixas com a interpretação de Carmem Miranda, Mário Reis, Francisco Alves, Gastão Formenti, com seus fonogramas de origem, encontram-se referenciadas em CDs e discos no fim deste artigo. Sobre a faixa 5 do CD, Lua Branca, de Chiquinha Gonzaga, não foi possível encontrar o fonograma original, mas há uma versão diferente, cantada pelo mesmo Paulo Tapajós, de 1951 que pode ser ouvida no site da discografia brasileira do IMS.
  • 29
    Escuta 4. Se você jurar – I. Silva e N. Bastos. INT. F. Alves e M. Reis. 5 dezembro 1930 – matriz 4080 – Odeon 10747 – lançamento 1931. No CD duas vozes, orquestra com violão, gravação mono, sem desvio de fase. Espectro de frequências 40-3000 Hz. Mesma versão MIS e IMS, tratamento ligeiramente diferente nas altas frequências.
  • 30
    Essa definição de fonografia é defendida em: ROTHENBUHLER; PETERS, 1997ROTHENBUHLER, Eric Walter e PETERS, John Durham. Defining Phonography: An Experiment in Theory. The Musical Quarterly, [s.l.], v. 81, n. 2, p. 242-264, Summer, 1997. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/742464. Acesso em: 19 maio 2022.
    https://www.jstor.org/stable/742464...
    , p. 242-264.
  • 31
    Para entender a relação entre pulso sonoro e temperamento de instrumentos musicais, ver capítulo “Som, ruído e silêncio” (WISNIK, 2011WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. Uma outra história das músicas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011 [1989]. [1989], p. 15-59).
  • 32
    A mesma versão de Escovado na plataforma do IMS está afinada em A, o que indica que a reprodução do disco de 78 RPM ou a digitalização produziram diferentes afinações do registro musical de 1930.
  • 33
  • 34
    Desfile aos heróis do Brasil é aqui uma referência ao Canto Orfeônico na obra de Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Existe outra letra, póstuma, de autoria de Hermínio Bello de Carvalho, que rebatiza a obra como Senhora Rainha e propõe sua mudança rítmica para marcha-rancho.

Fontes primárias

  • MUSEU DA IMAGEM E DO SOM DO RIO DE JANEIRO. 500 anos da música popular brasileira Rio de Janeiro. MIS, 2001. Dois CDs (55 min e 66 min).
  • ACERVO MIS SÃO PAULO. Título: 500 anos da música popular brasileira Tipo de Material: Livro. Uso e Acesso: Consulta local sem agendamento. Número de Exemplar: 1. Autoridades: Marília Trindade Barboza da Silva. Classificação: Coordenação. Editora: MIS Editorial. Local de Publicação: Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Brasil. Data de Publicação: 2001. Número de Páginas: 174. Ilustrado: Sim. Dimensões (alt. x larg. X prof.): 25 cm x 21 cm x 2 cm. Descritores: música popular brasileira; história da música brasileira. Descritores Onomásticos: Chiquinha Gonzaga; Pixinguinha; Jacob do Bandolim; Carmen Miranda; Ademilde Fonseca; Almirante; Cauby Peixoto; Ângela Maria; Dorival Caymmi; Elizeth Cardoso; Grande Otelo; Lamartine Babo; Luiz Gonzaga; Nelson Gonçalves; Noel Rosa; Chico Buarque; Tom Jobim; Aldir Blanc.
  • ANCHIETA, Padre José de; FLECHA, Mateo. Mira el malo [s.l.]: Gravadora Independente, 1999. Artistas: Anna Maria Kieffer, Grupo Anima, artistas relacionados: Ivan Vilela, no CD dos 500 anos, faixa 2, duração 1’38”.
  • BAHIA, Xisto. Isto é bom Rio de Janeiro: Odeon, 1908. Disco 78 rotações, intérprete Eduardo das Neves, no CD dos 500 anos, faixa 6, duração 3’09”.
  • BANDOLIM, Jacob do. Noites cariocas Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som, 1968. LP ao vivo no Teatro João Caetano, vol. II, faixa 1, no CD dos 500 anos, faixa 12, duração de 3’50”.
  • CALLADO, Antonio. Uma noite de folia Rio de Janeiro: Federação Nacional dos Bancos, 1983. LP duplo, faixa 5, disco 2, no CD dos 500 anos, faixa 9, duração 3’55”.
  • CARTOLA, Agenor de Oliveira. Tempos idos Rio de Janeiro: RCA Records, 1977. LP Verde que te quero rosa, faixa 6, duração 3’36”.
  • CARVALHO, Joubert. Tahi – Prá você gostar de mim Rio de Janeiro: Victor, 1930. Disco 78 rotações, intérprete Carmem Miranda, no CD dos 500 anos, faixa 13, duração 3’14”.
  • GUERRA, Gregório de Matos. Marinícolas [S.l.]: Gravadora Independente, 1999. Retirado do CD Teatro de descobrimento, Faixa 12, Marinícolas/Marizápalos, artistas, Anna Maria Kieffer, Grupo Anima, artistas relacionados Ivan Vilela, no CD dos 500 anos, faixa 4, duração 2’02”.
  • GERSHWIN, George. An American in Paris NYC: Victor, 1929. 2 discos, 78 rotações, intérprete Symphony Orchestra with George Gershwin, direction of Nathaniel Shilkret, recorded at Liederkranz Hall (Parts 1 thru 4), duração 16’.
  • JESUS, Clementina de. Cercar paca Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som, 1970. LP Clementina, cadê você?, faixa 10, no CD dos 500 anos, faixa 18, duração 2’09”.
  • DONGA; ALMEIDA. Pelo telefone Rio de Janeiro: Odeon, 1917. Disco 78 rotações, intérprete Baiano, no CD dos 500 anos, faixa 15, duração 3’59”.
  • FERREIRA, Nelson. Vem frevendo (sic). Recife: Mocambo (José Rozemblit), 1957. LP Vem frevendo, faixa 1, intérprete Orquestra de Clube da Banda da Policia Militar de Pernambuco, regente Raimundo Santos, no CD dos 500 anos, faixa 14, duração 2’49”.
  • MARIANO, Olegário; CARVALHO, Joubert. De papo pro á Rio de Janeiro: Victor, 1931. Disco 78 rotações, intérprete Gastão Formenti, no CD dos 500 anos, faixa 3, duração 3’10”.
  • MEDEIROS, Anacleto. Implorando Rio de Janeiro: Kuarup, 1999. Retirado do CD Sempre Anacleto, Art Metal Quinteto & Banda de Câmara Anacleto de Medeiros, no CD dos 500 anos, faixa 10, duração 2’36”.
  • NAZARETH, Ernesto. Escovado Rio de Janeiro: Odeon, 1930. Disco 78 rotações, no CD dos 500 anos, faixa 11, duração 2’23”.
  • PIXINGUINHA. Marreco quer água Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som, 1968. LP Pixinguinha 70, faixa 15, intérpretes Radamés Gnattali e Orquestra, no CD dos 500 anos, faixa 8, duração 3’13”.
  • SILVA, Ismael; BASTOS, Nilton. Se você jurar Rio de Janeiro: Odeon, 1931. Disco 78 rotações, intérpretes Francisco Alves e Mário Reis, no CD dos 500 anos, faixa 16, duração 2’42”.
  • SINHÔ. Jura. Rio de Janeiro: Odeon, 1928. Disco 78 rotações, intérprete Mário Reis, no CD dos 500 anos, faixa 17, duração 3’03”.
  • TABORDA, Marcia. Canide Ioune Rio de Janeiro: Museu da Imagem e do Som, 2001. Faixa 1, duração 3’33”.
  • NAZARETH, Ernesto. Escovado. Rio de Janeiro: Música Brasilis, 1905. 1 partitura. Piano. Editoração Luciana Requião e Mônica Leme, revisão Alexandre Dias. Disponível em https://musicabrasilis.org.br/sites/default/files/en_escovado.pdf Acesso em: 11 jul. 2022.
    » https://musicabrasilis.org.br/sites/default/files/en_escovado.pdf
  • VILLA-LOBOS, Heitor. Desfile aos heróis do Brasil. Rio de Janeiro: Edição IV, 1976 [1936]. 1 partitura. Coro de 3 vozes. Letra: Carlos Marinho de Paula Barros. Canto Orfeônico – 1º Volume.
  • Entre a Memória e a História da Música (USP): http://www.memoriadamusica.com.br/
    » http://www.memoriadamusica.com.br/
  • Jornal da USP – Universidade de São Paulo: https://jornal.usp.br/
    » https://jornal.usp.br/
  • Instituto Memória Musical Brasileira (IMMuB): https://immub.org/
    » https://immub.org/
  • Instituto Moreira Sales (IMS): https://discografiabrasileira.com.br/
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Editado por

Editores Responsáveis

Miguel Palmeira e Stella Maris Scatena Franco

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2022
  • Aceito
    11 Set 2022
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