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Projeto e antiprojeto para a democracia no Brasil: o antagonismo entre Gilberto Freyre e Florestan Fernandes

Project and antiproject for democracy in Brazil: the antagonism between Gilberto Freyre and Florestan Fernandes

RESUMO

Este artigo contrapõe as obras de Gilberto Freyre e Florestan Fernandes como propostas sociais antagônicas para o Brasil. De um lado, o projeto patriarcal de Freyre, fundamentado na arbitrariedade dos herdeiros dos senhores de escravos, adulterou o significado de democracia. De outro, Florestan identificou na colonização os fundamentos da ordem antissocial e dos dilemas sociais que devem ser superados para que o povo, sobretudo o negro, emerja como protagonista de um processo revolucionário contra a ordem burguesa.

PALAVRAS-CHAVE
Colonização; revolução; democracia

ABSTRACT

This paper contrasts the works of Gilberto Freyre and Florestan Fernandes as antagonistic social proposals for Brazil. On the one hand, Freyre’s patriarchal project, grounded on the arbitrariness of the heirs of slave maters, skewed the meaning of democracy. On the other hand, Florestan identified in colonization the foundations of the antisocial order and the social dilemmas that must be overcome so that the people, especially the black people, emerge as protagonists of a process against the bourgeois order.

KEYWORDS
Colonization; revolution; democracy

As formas de contestação dos poderes hegemônicos do início do século XX, em boa medida, encerradas em 1964, acreditavam na possibilidade de ruptura com o passado colonial. À época, esse movimento foi identificado como uma revolução brasileira e se manifestou de diferentes formas2 2 Para dois dos mais influentes trabalhos nessa chave, ver Prado Jr. ([1966]1987) e Furtado (1962). Para as manifestações desse processo no campo da cultura e a sua interrupção em 1964, ver Haag (2013). Para uma crítica tática às concepções que animavam o debate da revolução brasileira, ver Fernandes (1981b, cap. 5). . Nas artes, por exemplo, a inquietação iniciada na Semana de Arte Moderna (BASTOS, 2006BASTOS, Elide Rugai. As criaturas de prometeu: Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global; Recife: Fundação Gilberto Freyre, 2006.) se desdobrou na segunda fase do modernismo, sendo que muitos de seus nomes, como Jorge Amado, estavam associados ao Partido Comunista do Brasil - PCB (RIDENTI, 2010RIDENTI, Marcelo. Artistas e intelectuais comunistas no auge da Guerra Fria. In: RIDENTI, Marcelo. Brasilidade revo-lucionária: um século de cultura e política. São Paulo: Unesp, 2010, p. 57-83.). No front trabalhista, o movimento sindical, que vinha se radicalizando desde a década de 1910 (PINHEIRO; HALL, 1979PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michael. A classe operária no Brasil: documentos (1889-1930). Volumes 1 e 2. São Paulo: Alfa-ômega, 1979.), conquistou direitos ao longo de todo o período (GOMES, 1994GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.; BOITO JR., 1991BOITO JR., Armando. Sindicalismo de Estado no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1991.). Por sua vez, os tenentes desafiaram a hierarquia militar em nome da justiça social (SODRÉ, 1978SODRÉ, Nelson Werneck. A Coluna Prestes: análises e depoimentos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.), sendo que Luiz Carlos Prestes viria a se tornar figura proeminente não só no PCB como na história do comunismo no Brasil. Além disso, o movimento negro moderno, que nascera em meados dos anos 1920 (FERNANDES, 2008aFERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Globo, 2008a. 2 v., v. II, cap. 1), se adensou nas décadas posteriores (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2000NASCIMENTO, Abdias; NASCIMENTO, Elisa. Reflexões sobre o movimento negro no Brasil, 1938-1997. In: GUIMARÃES, Antonio; HUNTLEY, Lynn. Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 203-235.).

Esses movimentos se constituíam em oposições ao que Sodré (1958)SODRÉ, Nelson Werneck. A ideologia do colonialismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1958. denominou “ideologia colonialista”, baseada no princípio da inferioridade e incapacidade do povo brasileiro e da qual eram partidários Nina Rodrigues, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre e outros (SODRÉ, 1956SODRÉ, Nelson Werneck. Sociologia do golpe. Última Hora, n. 1.503, 10 de maio de 1956, p. 22. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=386030&pagfis=30231. Acesso em: 22 dez. 2022.
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)3 3 Para as continuidades e modernização entre Oliveira Vianna e Gilberto Freyre, ver Zullo e Urbano (2022). . As maiores diferenças talvez residissem no grau de sofisticação entre esses autores, sobretudo no que se refere ao enfrentamento de grupos inconformistas e à composição oligárquica para fazê-lo através de um Estado centralizado. Ao contrário do racismo aberto e da defesa da violência crua, Gilberto Freyre ofereceu um horizonte de acomodações que poderiam reduzir fricções, das quais destacaremos as relações raciais e alguns elementos de maior importância que orbitavam no seu entorno, o que se expressa na ideia de plasticidade (FREYRE, 2006aFREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala - formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 51.ed. rev. São Paulo: Global, 2006a. (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil; 1)., p. 69).

A partir da idealização do passado, onde os antagonistas coexistiriam em harmonia (BASTOS, 2006BASTOS, Elide Rugai. As criaturas de prometeu: Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global; Recife: Fundação Gilberto Freyre, 2006., p. 157), Freyre se opôs à limpeza étnica como estratégia para expiar os males do país e, em seu lugar, propôs um método para integrar os oposicionistas de forma subalterna. Para tanto, sugeriu a própria transfiguração do sentido da palavra antagonista. Sob a sua lente, o irreconciliável passou a ser rodeado e atravessado pela confraternização étnica e cultural (CRESPO, 2003CRESPO, Regina. Gilberto Freyre e suas relações com o mundo cultural hispânico. In: KOSMINSKY, Ehtel; LÉPINE. Claude; PEIXOTO, Fernanda. Gilberto Freyre em quatro tempos. Bauru: Edusc, 2003, p. 181-204., p. 190)4 4 Para uma oposição à ideia de confraternização entre senhores e escravos, ver Moura (1959), que evidencia a força e a perenidade da rebeldia da população escrava e sua luta pela liberdade, mesmo com todos os limites que a realidade lhe impunha. , o que revelaria, na verdade, a sua intolerância à possibilidade de que outras formas de organização não conservadoras sucedessem o patriarcalismo (RICUPERO, 2010RICUPERO, Bernardo. O conservadorismo difícil. In: FERREIRA, Gabriela; BOTELHO, André. Revisão do pensamento conservador: ideias e política no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 76-95.)5 5 Para uma definição de conservadorismo, ver Sternhell (2006) e Burke (1985). Segundo este, “pelo emprego de métodos da natureza na conduta do Estado, aquilo que melhoramos não é nunca completamente novo, e aquilo que conservamos não é nunca completamente velho” (BURKE, 1982, p. 69). Para as particularidades desse conservadorismo em países hispânicos, ver Crespo (2003). . Nesse sentido, o eixo da estabilização da ordem residiria na reafirmação de uma determinada cultura patriarcal, forjada nos séculos de colonização.

Para Fernandes (1981aFERNANDES, Florestan. Poder e contrapoder na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1981a., p. 81-83), esse artifício e todos os seus desdobramentos práticos e concretos constituem-se em tentativas de congelar a descolonização. Mirar a imobilização da mudança através de determinada interpretação cultural da história coloca um biombo sobre as estruturas socioeconômicas e políticas que impõe e articula o racismo, a segregação social, a dependência externa e outras dimensões antissociais do patriarcalismo e do capitalismo. Nas palavras de Fernandes (2008bFERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global, 2008b., p. 75), a narrativa conservadora adapta todas as formas de proscrição e opressão social, econômica, cultural, racial, política e sociocultural “à categoria de estilo de vida”.

Neste artigo, o aprofundamento e desdobramento dessas posições ocorrerá em duas partes além desta introdução e das considerações finais. Na primeira parte, apresenta-se o projeto conservador de Gilberto Freyre, com destaque a sua proposta que articulava um novo pacto federativo ao controle social, muito afinada às medidas concretas autoritárias que se implementaram no Brasil desde a década de 1930. Na segunda parte, destaca-se como Florestan Fernandes, de meados dos anos 1950 em diante, desconstruiu o mito racial de Freyre e a narrativa histórica hegemônica no país a fim de fortalecer uma consciência revolucionária em busca da democracia e da soberania nacional.

Gilberto Freyre: um projeto conservador para o Brasil

Nesta seção, apresentaremos como a interpretação de Gilberto Freyre sobre as tensões regionais e as questões social e racial coincidiram com interesses das oligarquias regionais. Isto é, como suas sugestões parecem ter influenciado a formação e a conciliação de um novo pacto oligárquico mais favorável ao Nordeste, de um lado, e as novas formas de controle social, de outro.

Região, latifúndio e trabalho

Na década de 1930, as oligarquias nordestinas já se encontravam bastante marginalizadas na economia e na política nacional, sendo que havia uma nítida tendência ao aprofundamento desse cenário, comandado pela oligarquia cafeeira do Sudeste, onde se concentravam a indústria moderna e as finanças da República Velha. Isso suscitou movimentos inconformistas das oligarquias nordestinas, que reivindicavam maior espaço no concerto nacional do poder, sobretudo nos espaços institucionais do Estado. Para tanto, valeram-se de uma estratégia de comunicação pública que se concentrou, ao menos em partes, em explorar aspectos simbólicos que associavam negativamente essa modernização a um suposto liberalismo e às oligarquias cafeeiras (MESQUITA, 2018MESQUITA, Gustavo. Gilberto Freyre e o Estado Novo: região, nação e modernidade. São Paulo: Global; Recife: Fundação Gilberto Freyre, 2018., p. 29 et seq.)6 6 Para uma análise do movimento antiliberal na Europa da década de 1920 e 1930, ninho da serpente, ver Hobsbawm (1994, cap. 4). Embora com muitas particularidades, o Brasil era parte dessa grande onda não só pelo conservadorismo típico do Brasil, mas também pela presença bastante considerável de membros de partidos fascistas e nazistas no país, como destaca Dietrich (2012). .

A partir de simbologias conservadoras que desdenhavam da capacidade de controle das oligarquias do Sudeste, Gilberto Freyre trabalhou para consolidar símbolos de união nacional articulados a partir da defesa da superioridade da cultura e das oligarquias nordestinas, onde se desenvolvera formas de acomodar conflitos comprovadas pela história do país. De outro modo, ele defendeu a necessidade de que as oligarquias nordestinas se valessem da sua plasticidade, isto é, da sua capacidade de acomodar conflitos de classe, raça e região, para acomodar as tensões que cortavam o país à época (FREYRE, 2006bFREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos - decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano: introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 2. São Paulo: Global, 2006b., p. 513-514). Para tanto, era fundamental impor um processo que regulasse, a um só tempo, as tensões políticas, econômicas, sociais e culturais em âmbito nacional - e não apenas regional. Uma nova composição regional do poder central deveria prevenir a abertura de brechas aos de baixo ou, em outros termos, a conquista de direitos.

Para Gilberto Freyre (2006bFREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos - decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano: introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 2. São Paulo: Global, 2006b., p. 65-67; p. 106; p. 401), a formação menos patriarcal dos cafeicultores os teria tornado menos capazes para acomodar as tensões entre patrões e empregados, brancos e negros, campo e cidade, tradição e modernidade etc. A oligarquia cafeeira teria maiores dificuldades para controlar as mudanças históricas que marcavam o período, como eram a expansão e aprofundamento das relações sociais de produção capitalistas e os anseios de transformação que irradiavam de diversas frações sociais, como adiantamos no início do texto. As únicas oligarquias munidas das técnicas socioculturais vibrantes e das forças econômicas capazes de propor uma saída nacional àquela conjuntura histórica estariam no Nordeste, sobretudo na Bahia e em Pernambuco, terra natal de Gilberto Freyre - e aqui se observa que a plasticidade não se refere apenas à capacidade de amortecer conflitos entre antagonistas. Para Freyre, ela poderia forjar a (re)união entre os herdeiros rurais e urbanos da casa-grande, o que já havia sido comprovado no ciclo do ouro, por exemplo. A plasticidade seria fundamental para formar articulações nacionais, unindo patriarcas do país todo em torno de interesses (FREYRE, 2006bFREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos - decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano: introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 2. São Paulo: Global, 2006b., p. 200; p. 396-399) e características históricas comuns (FREYRE, 2006bFREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos - decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano: introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 2. São Paulo: Global, 2006b., p. 803-804).

Para Bastos (2006BASTOS, Elide Rugai. As criaturas de prometeu: Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global; Recife: Fundação Gilberto Freyre, 2006., p. 198 et seq.), a chave da proposta de Freyre reside na concentração da propriedade da terra e na necessidade do controle do trabalho para a construção de uma estratégia política coesa entre as oligarquias regionais. Seria necessário conciliar o Sudeste, em industrialização mais acelerada e atravessado por conflitos trabalhistas crescentes, e o Nordeste, essencialmente agrário e sem maiores perspectivas de transformação econômica (BASTOS, 2006BASTOS, Elide Rugai. As criaturas de prometeu: Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global; Recife: Fundação Gilberto Freyre, 2006., p. 12-13), o que Crespo (2003)CRESPO, Regina. Gilberto Freyre e suas relações com o mundo cultural hispânico. In: KOSMINSKY, Ehtel; LÉPINE. Claude; PEIXOTO, Fernanda. Gilberto Freyre em quatro tempos. Bauru: Edusc, 2003, p. 181-204. associou à existência de dois tempos diferentes.

A propriedade rural privada era o reduto em que o patriarca tinha a liberdade para mandar e desmandar, assim como influenciar o ritmo da retenção ou expulsão de trabalhadores para atividades econômicas mais dinâmicas. Por isso, essa seria uma etapa fundamental para determinar o alcance territorial e setorial das leis trabalhistas na medida em que se estabeleciam os limites territoriais da modernização dos conflitos sociais que assombravam conservadores de todo o país, fossem proprietários de terras e/ou industriais. Por essa razão, numa época em que se intensificaram a industrialização e os conflitos trabalhistas nas fábricas dos centros urbanos, o Estado incentivou a fixação do trabalhador no campo, espaço não alcançado pelas leis trabalhistas (ARAÚJO, 2013ARAÚJO, Ariella. A incorporação do negro no mercado de trabalho: um estudo de 1930 a 1945. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, Araraquara, 2013., p. 93).

Embora essas leis não tenham sido explicitadas por Gilberto Freyre, a sua obra é rica em exaltar as possibilidades culturais, políticas e econômicas de conciliação e complementaridade regional, que é exatamente o que o êxodo da enorme população rural nordestina para outras regiões economicamente mais dinâmicas representou para o conjunto das oligarquias brasileiras (FURTADO, 1959FURTADO, Celso. A operação Nordeste. Rio de Janeiro: MEC/Iseb, 1959.).

Todavia, o êxodo rural das massas das zonas rurais nordestinas como mecanismo para forçar um refluxo das tensões sociais, como era o cangaço, assim como a sua conversão em força de contenção dos conflitos nos centros urbanos do Sudeste, não seria espontâneo. A movimentação e manutenção do plano dependeria da atuação de um Estado centralizado que coordenasse a sua implementação, sendo que, para Freyre (2006bFREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos - decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano: introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 2. São Paulo: Global, 2006b., p. 475), a sua atuação se assemelharia ao de um patriarca. Para ele, o Estado deveria viabilizar o exercício daquilo que haveria de mais importante na cultura patriarcal e que fora construído e disseminado a partir do Nordeste: a formação de consensos que preservam o poder patriarcal7 7 As sugestões de Freyre em como mobilizar o Estado como gestor da vida social e do comportamento dos indivíduos se assemelha ao conceito de biopolítica, de Foucault (1976; 2008). Mais precisamente, a obra de Freyre sugere uma atualização dessas formas de gestão do exercício do poder no Brasil. . Nesse sentido, o Nordeste, berço da cultura patriarcal brasileira e grande responsável pela sua preservação através dos séculos, teria um assento natural no Estado brasileiro que ajudara a construir e a desenvolver desde pelo menos o Império (FREYRE, 2004aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste brasileiro. São Paulo: Global, 2004a., p. 183).

Essas eram algumas de suas contribuições a um debate intenso que não se esgotava na sua dimensão política, econômica e demográfica. Deslocar as massas rurais pobres para os centros urbanos do país alteraria a configuração racial e cultural das populações urbanas, intensificando as tensões raciais e sociais. Preservar o controle patriarcal exigiria, pois, uma ampla articulação com questões socioculturais, para o que Gilberto Freyre sugerira, como se verá nas próximas duas seções, adaptações nas formas de selecionar e tutelar a classe trabalhadora, especialmente naquilo que se referia à população negra.

Cultura, raça, seleção e trabalho

Embora a obra de Gilberto Freyre seja considerada um avanço do ponto de vista da análise racial com relação às gerações anteriores (PONTES, 2001PONTES, Heloisa. Entrevista com Antonio Candido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16, n. 47, out. 2001, p. 5-30. https://doi.org/10.1590/S0102-69092001000300001.
https://doi.org/10.1590/S0102-6909200100...
)8 8 Entrevistado por Heloisa Pontes (2001), Antonio Candido afirma que Casa-grande & senzala, hoje amplamente reconhecido como parte do arsenal conservador brasileiro, teve um impacto muito positivo sobre a esquerda brasileira na década de 1930. Embora hoje possa parecer irônico, à época o livro revelou a influência da cultura negra na formação da cultura e na fisionomia da população brasileira, o que Candido afirma ter contribuído para desmistificar a pureza de raça e cultura no Brasil. , abertamente racistas, sua interpretação deve ser compreendida dentro de uma totalidade que não pode ser separada do seu horizonte sociocultural, econômico e político. Até mesmo afirmações aparentemente positivas, como a de que o Brasil se constituiria em uma civilização nova que rompeu com a intolerância tipicamente europeia, devem ser relativizadas9 9 Lima (1989) sugere que o termo civilização é geralmente usado para exprimir pretensões expansionistas em que a noção de cultura reflete a busca pelo controle de fronteiras políticas e culturais. A defesa de uma civilização exprimia a necessidade de enquadrar tensões dentro de parâmetros aceitáveis aos grupos dominantes. . Gilberto Freyre possuía interesses que requeriam um amplo cessar-fogo. A conquista de direitos trabalhistas pelo movimento sindical (GOMES, 1994GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.; BOITO JR., 1991BOITO JR., Armando. Sindicalismo de Estado no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1991.) e a maior presença do negro como trabalhador (ARAÚJO, 2013ARAÚJO, Ariella. A incorporação do negro no mercado de trabalho: um estudo de 1930 a 1945. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, Araraquara, 2013.) exigiram intervenções políticas fortes para estabilizar o status quo (BASTOS, 2006BASTOS, Elide Rugai. As criaturas de prometeu: Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira. São Paulo: Global; Recife: Fundação Gilberto Freyre, 2006., p. 200).

A obra de Freyre pode ser compreendida como um guia sobre como lidar com essas tensões. Numa época dominada pelo racismo científico (SCHWARCZ, 2003SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.)10 10 É importante destacar que o racismo a que Schwarcz (2003) se refere era uma versão modernizada do racismo, que passou a vigorar no pós-abolição e que foi hegemônico até a década de 1930. e que, ao mesmo tempo, requeria controles sociais mais sofisticados, evidenciar os aspectos positivos entre raça e cultura poderia contribuir para reduzir graves e profundas fricções sociais. Para Lima (1989LIMA, Luiz Costa. A versão solar do patriarcalismo: casa-grande & senzala. In: LIMA, Luiz Costa. A aguarrás do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1989, p. 187-236., p. 198-205), a união de cultura e raça destaca a intenção de Freyre em apresentar que esse suposto equilíbrio fundamenta uma cultura baseada em valores fluidos, plásticos. Para tanto, não só destacou o português como colonizador ideal de uma civilização que já demonstrara ter os elementos necessários para superar as adversidades e transformar as diferenças em novas forças pelo seu poder de adaptação, como sugeriu que os oligarcas seriam os herdeiros dessa forma de gerir a estrutura social, econômica, política e cultural.

Embora Gilberto Freyre (2006aFREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala - formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 51.ed. rev. São Paulo: Global, 2006a. (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil; 1)., p. 391; p. 417-418) afirme que o africano deva ser considerado um colonizador do Brasil tanto quanto o português, em momento algum abriu espaço para que o africano e o indígena disputassem a liderança do processo de seleção cultural com o português ou se mostrassem aptos a fazê-lo. Um escravo jamais selecionaria, sob qualquer ponto de vista, um senhor ou uma senhora por esta ou aquela atribuição. Pelo contrário, Freyre (2006aFREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala - formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 51.ed. rev. São Paulo: Global, 2006a. (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil; 1)., p. 69) sempre destacou a liderança do português e valorizou a sua predisposição cultural em se amalgamar aos demais sem se despir da sua posição de comando. Assim que, de modo análogo, compreende-se que, para ele, a classe trabalhadora, sobretudo sua parcela negra, não poderia conduzir o processo de adaptação e pacificação na conjuntura dos anos 1930 exigida justamente pelas oligarquias regionais.

A própria sequência de Casa-grande & senzala e Sobrados e mucambos parece sugerir os princípios e as técnicas necessárias para se adaptar a um mundo que se urbanizou e afastou espacial e culturalmente dominados e dominadores. A passagem do domínio estrito e próximo entre senhores e escravos a uma forma aburguesada de controle social, que deriva da aplicação de leis que regulam a vida laboral e cultural (FREYRE, 2006bFREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos - decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano: introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 2. São Paulo: Global, 2006b., p. 33-34), parece sugerir um caminho a seguir. Para tanto, o espaço familiar e, em maior escala, o Estado amorteceriam as transformações daquele período, freando as mudanças a partir da imposição de dois elementos fundamentais para a sua estratégia: (i) a proximidade entre os polos antagônicos oferece a oportunidade da vigilância e (ii) a tutela sem que necessariamente se recorra ao racismo e à perseguição abertas. Essa proposta de sociabilidade representava o fortalecimento do tempo particular da civilização brasileira, que é um tempo mais lento (CRESPO, 2003CRESPO, Regina. Gilberto Freyre e suas relações com o mundo cultural hispânico. In: KOSMINSKY, Ehtel; LÉPINE. Claude; PEIXOTO, Fernanda. Gilberto Freyre em quatro tempos. Bauru: Edusc, 2003, p. 181-204.), o que não significa a eliminação do tempo frenético da fábrica e da cidade industrial. Era uma questão de modular os tempos históricos através da seleção rigorosa do que poderia ser aceito e o que deveria ser perseguido e excluído para que as oligarquias, fundamentalmente brancas, preservassem o controle das estruturas de poder.

Em Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste brasileiro, Freyre (2004aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste brasileiro. São Paulo: Global, 2004a., p. 158) explicitou que os portugueses teriam selecionado indígenas e africanos de traços eugênicos, que seriam elementos culturais e de fisionomia por ele caracterizados como bons e opostos ao que ele denominava como cacogênico, associado à força bruta, à rebeldia e a outras características similares. Assim, segundo Gilberto Freyre, o português foi construindo uma civilização capaz de acomodar antagonismos que, através da sua capacidade de selecionar indivíduos para o trabalho dentro das casas-grandes e dos sobrados, possuíam rasgos democráticos. As relações pessoais que teriam se desenvolvido no ambiente doméstico teriam levado, através do compartilhamento de dores e da solidariedade, ao nascimento de afetos espontâneos (FREYRE, 2006aFREYRE, Gilberto. Casa-grande & senzala - formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 51.ed. rev. São Paulo: Global, 2006a. (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil; 1)., sobretudo capítulo IV)11 11 Essa referência nietzschiana se expressa todas as vezes, por exemplo, que o autor se refere a termos como “apolíneo” e “dionisíaco”, sendo esta uma expressão muito associada ao que ele também denominava como eugênico. .

Todavia, o ritmo lento dessa absorção para dentro dos círculos de valorização social e de poder bem como as limitações com que a maioria dos poucos indivíduos se movimentavam nesses espaços poderiam levantar dúvidas quanto ao caráter realmente democrático dessas estruturas. Exigia-se, pois, uma interpretação coerente e que escapasse de constrangimentos morais para preservar a sua legitimidade, o que Freyre conseguiu a partir da responsabilização do próprio negro. Isto é, para Gilberto Freyre (2004aFREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do Nordeste brasileiro. São Paulo: Global, 2004a., p. 135), as limitações dessa peneiragem racial e cultural eram explicadas sobretudo a partir da incapacidade do negro cacogênico em se livrar dos traumas do cativeiro, que o impediam de desenvolver a plasticidade da cultura patriarcal. Segundo ele, demandava-se tempo para que o negro revoltado com o sistema patriarcal, assim como o trabalhador grevista do campo e da cidade, se ajustasse às normas de convivência democrática dessa civilização tropical.

Nesse sentido, é possível realizar paralelos entre a narrativa freyriana sobre a absorção de indivíduos negros na sociedade ainda escravista do século XIX e a promulgação da Lei dos 2/3 no início do governo Vargas, o que evidencia uma tentativa de aproximação do sociólogo pernambucano com o governo federal12 12 Para uma crítica à Lei dos 2/3, ver Araújo (2013, cap. 3). Para algumas relações concretas entre o Estado Novo e a obra e outras sugestões de Gilberto Freyre veiculadas na mídia e outros espaços da época, ver Mesquita (2018). . A obrigação de que ao menos 2/3 da mão de obra das fábricas brasileiras fossem compostos de nacionais, proporção conveniente para o apaziguamento do conflito capital-trabalho da época, foi fundamental para que trabalhadores negros passassem a ser absorvidos em maior número pela indústria (ANDREWS, 1998ANDREWS, George. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru: Edusc, 1998.). De modo mais amplo, entende-se, pois, a sugestão de que a absorção da população negra, considerada perigosa e até degeneradora do que havia de bom no Brasil (SCHWARCZ, 2003SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.), padecia de dois fundamentos. De um lado, essa intolerância racial precisava ser superada e compreendida como uma necessidade do ponto de vista sociocultural e econômico. De outro, esse processo deveria ser feito de modo a abafar as tendências questionadoras que emergiam a partir da educação social do negro dentro dos próprios movimentos, como a Frente Negra Brasileira (FNB), e diluir as contestações que já emergiram de movimentos como a Semana de Arte Moderna e outros que poderiam se articular e agregar forças aos trabalhadores e aos negros.

Modernização, tutela e estabilidade

A sugestão de composição demográfica e cultural de Freyre poderia representar, portanto, uma diluição das fricções relacionadas ao controle da agitação sindical, trabalhista e social. De tal modo, as fronteiras entre o que seria e o que não seria permitido e, pois, o que seria compreendido como democrático deveriam ser movediças ao sabor da conveniência do patriarcado aburguesado. A “democracia étnica” de Freyre, que deve ser compreendida não apenas como uma referência à convivência racial, mas também como princípio norteador das formas mais gerais de solidariedade social, não passava de uma guia para a peneiragem sociocultural, regulada de forma arbitrária e regida pela proximidade cultural de indivíduos aos valores patriarcais. A democracia proposta por Freyre representava, acima de tudo, a adaptação da segregação típica da sociedade escravista construída no Brasil durante a colonização, e que se estendera até o fim do Império, para o regime republicano13 13 A modernização do racismo foi recorrente em meados do século XX tanto no Brasil como em outros lugares do mundo. Frantz Fanon (2018, p. 79) foi possivelmente quem melhor compreendeu o seu processo e também os seus agentes. Para ele, é o “colono que fez e continua a fazer o colonizado” (FANON, 2022, p. 32). .

Todavia, o acirramento das tensões sociais nas primeiras décadas do século XX e a emergência da população negra como parte substantiva da classe trabalhadora exigiam uma modernização do racismo e demais estruturas de poder no país. Para tanto, Gilberto Freyre teve atuação destacada não apenas na formação de uma narrativa como também influenciou dispositivos legais do Estado brasileiro. Não apenas contribuiu para a regulamentação do trabalho durante o Estado Novo (MESQUITA, 2018MESQUITA, Gustavo. Gilberto Freyre e o Estado Novo: região, nação e modernidade. São Paulo: Global; Recife: Fundação Gilberto Freyre, 2018., p. 74-7) como defendeu a legislação trabalhista de Vargas como forma de garantir a ordem, o que associava ao centralismo político e às formas católicas de proteção social (FREYRE, 2004bFREYRE, Gilberto. Ordem e progresso - o processo de desintegração das sociedades patriarcal e semipatriarcal no Brasil sob o regime de trabalho livre: aspectos de um quase meio século de transição do trabalho escravo para o trabalho livre e da Monarquia para a República - 3. São Paulo: Global, 2004b., p. 1.002-1.012). De outro modo, sustentou a tutela da classe trabalhadora pelo Estado a partir da delimitação do espaço do aceitável para os interesses dominantes, de um lado, e da reivindicação do Estado como guardião dos interesses populares, de outro, subvertendo a luta por direitos trabalhistas em benefício do lucro e outros elementos constitutivos da estrutura de poder brasileira.

A tutela dos corpos e da cultura negra aponta, em boa medida, para a contenção de uma parte da classe trabalhadora que possuía um grande potencial de instabilizar não só o sistema econômico como também os mecanismos de valorização social mediados pelo trabalho. Não se poderia autorizar que a proletarização da população negra conduzisse a outras formas de contestação, o que ocorreu tanto através de determinada legislação trabalhista como também pela modernização do racismo. Na medida em que essas formas modernas de controle social reafirmaram a segregação racial, elas asseguraram a inviabilidade da solidariedade entre negros e brancos no seio da vida social e na organização da classe trabalhadora e defesa de seus interesses14 14 Existe farta bibliografia que aborda questões concretas da relação entre a legalidade e a perseguição a expressões culturais de matriz africana, como o samba e o candomblé (OLIVEIRA, 2015), e como o negro era tutelado dentro de uma lógica informal que delimitava o campo de atuação econômica e do protagonismo do negro (STREAPCO, 2010). .

Assim, entendemos que Freyre foi fundamental para modernizar o racismo como uma forma de proscrição que, embora mais permeável à convivência com a cultura negra, o fez dentro de parâmetros legais e socioculturais bastante restritivos. Para tanto, para estabilizar as estruturas de poder, contou não só com a atuação oficial do Estado como também a partir do disciplinamento da população branca como agente ativo da segregação racial, preservando, pois, a tradição patriarcal de peneiragem social durante a consolidação do mercado de trabalho.

Florestan Fernandes: defesa radical da democracia

Diferentemente de Gilberto Freyre, a avaliação de Florestan Fernandes sobre as consequências da colonização, da escravidão e da raça para o Brasil moderno é extremamente negativa. Os papéis criados naquele momento se desdobraram a partir do interesse senhorial e criaram uma sociedade de classes racial e socialmente segregada. Além disso, analisou como as formas econômicas e políticas, externas e internas, preservam-se articuladas para congelar o apartheid social no Brasil, sendo que a sua reversão e, pois, a construção da democracia, só poderiam ser realizadas pelos de baixo, o que daria forma e força à transformação das estruturas de poder no país ou, de outro modo, a uma revolução democrática.

Fundamentos coloniais da organização econômica e social

Segundo Florestan Fernandes (2010FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. São Paulo: Editora Globo, 2010., cap. 1), a extroversão sociocultural, política e econômica que define e organiza uma colônia só pode ser sustentada na presença de uma estrutura social extremamente rígida que previna eventuais desvios. Não por acaso, a escravidão prevaleceu como forma de exploração do trabalho e, de modo mais abrangente, como elemento que sustentou todas as suas estruturas de poder. Foi a escravidão que garantiu que a pressão externa por produtos tropicais privilegiasse apenas e tão somente as camadas sociais superiores e fundamentou a estabilidade da ordem. Foi ela que sustentou a dupla articulação durante a colonização, determinante para a continuidade das formas de trabalho e do seu controle nos períodos históricos que lhe seguiram (FERNANDES, 2005FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: Editora Globo, 2005., p. 276-283). Segundo Fernandes (2010FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. São Paulo: Editora Globo, 2010., p. 46), a escravidão ofereceu o suporte material que fundamentou o “acesso regular e institucionalizado à acumulação de capital mercantil” de todo o empreendimento colonial.

Para tanto, era preciso criar mecanismos que assegurassem que a população livre, fundamentalmente mestiça, não se desviasse da dominação patrimonialista do Estado português (FERNANDES, 2010FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. São Paulo: Editora Globo, 2010., p. 65-71). A Coroa não poderia permitir que essa população conquistasse a sua independência econômica, bem como não poderia dispensar a sua disposição para atuar como uma força paramilitar na colônia. Criar mecanismos rígidos que a situassem socialmente entre os estamentos superiores da colônia e a população escrava15 15 Segundo Bastide e Fernandes (2008, p. 94), o “princípio que regulava a transmissão do status aos filhos de escrava estipulava que partus sequitur ventrem [com base no direito romano]. Os descendentes das escravas nasciam escravos, independentemente da condição social dos pais. Daí o número enorme de mestiços sujeitos à escravidão, entre os quais se contavam indivíduos muitas vezes descritos como ‘mulatos claros’ e ‘quase brancos’; e o espanto dos estrangeiros, que percorreram o Brasil”. , étnica e culturalmente muito diferenciadas, era fundamental para formar uma casta sob a ordem estamental. De tal modo, formou-se uma ordem social compósita que enrijeceu a ordem estamental, garantindo a lealdade do estamento inferior, e impediu a formação espontânea de uma colônia de povoamento em condições de lutar por sua autonomia16 16 Para uma sólida fundamentação dos conceitos de castas, estamentos e classes sociais, bem como sua aplicação ao Brasil, ver Hirano ([1972] 2002). , o que evidencia que a sociedade colonial era absolutamente avessa a qualquer possibilidade de confraternização racial ou de qualquer outro tipo. A miscigenação contribuiu antes para “aumentar a massa da população escrava e para diferenciar os estratos dependentes intermediários que para fomentar a igualdade racial” (FERNANDES, 2007FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Global, 2007., p. 44). Mais que isso, o colonizador branco criou uma associação direta entre a “mácula de sangue” e a “mácula do ofício mecânico” (FERNANDES, 2010FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. São Paulo: Editora Globo, 2010., p. 74-5), o que posteriormente se desdobrou no paralelismo entre raça e classe (FERNANDES, 2010FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. São Paulo: Editora Globo, 2010., cap. 2).

Assim, o que se observa é que, ao invés da plasticidade, conciliação e acomodação, predominavam os esforços das camadas dominantes para impedir a todo custo o ingresso de mestiços17 17 Bastide e Fernandes (2008, p. 97) destacam que a aceitação de mestiços na família, pela via do casamento, pelo menos, só ocorreu após a libertação dos índios e depois da crise econômica das minas, a partir de quando homens ricos naturais da terra passaram a ser aceitos como noivos das filhas. , indígenas e negros ao núcleo da família patriarcal e dos poderes político-administrativos, religiosos e econômicos na colônia.

Cultura e trabalho na formação do dilema racial brasileiro

Para Florestan Fernandes, o processo de modernização por que o Brasil passava não poderia expressar um desgaste da democracia simplesmente porque nunca houvera qualquer forma que se assemelhasse à democracia no Brasil. Pelo contrário, assim como Fanon (2018FANON, Frantz. Racismo e cultura. Niterói, Revista Convergência Crítica, n. 13, 2018, p. 78-90. Disponível em: https://periodicos.uff.br/convergenciacritica/article/view/38512/22083. Acesso em: 17 jan. 2023.
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; 2022FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.), ele acreditava que a ordem social e o racismo se adaptaram à conjuntura histórica de fim da escravidão e emersão da sociedade de classes. De outro modo, a ordem estamental se adequou à existência de classes sociais, o que não necessariamente significa que os estamentos superiores abandonaram o cabedal cultural arraigado durante os séculos de escravidão.

A passagem ao capitalismo dependente e ao regime de classes, por exemplo, não alterou os fundamentos antissociais de dominação sobre castas, estamentos e classes dominadas (FERNANDES, 2010FERNANDES, Florestan. Circuito fechado: quatro ensaios sobre o “poder institucional”. São Paulo: Editora Globo, 2010., p. 23-7). Assim como em outros períodos de transição histórica, as oligarquias aburguesadas18 18 Embora aqui façamos referência apenas a oligarquias, essa expressão faz referência fundamentalmente às formas dos estamentos superiores no Brasil. Todavia, ao longo de A revolução burguesa no Brasil, Florestan Fernandes (2005) passa a usar de forma crescente o termo burguesia e burguesias, no plural, aludindo precisamente ao fato de que as várias oligarquias, cada uma a seu tempo e no seu espaço, se aburguesaram e preservaram uma estrutura semelhante à de tempos históricos anteriores. Isto é, as burguesias no Brasil teriam se transformado em classes sociais sem se despir por completo da sua natureza estamental. continuaram a se associar aos agentes externos hegemônicos contra o povo para preservarem seus privilégios sociais e posições de poder econômico e político (FERNANDES, 2005FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: Editora Globo, 2005., p. 261-263). De tal modo, a segregação social não apenas se constituiu como requisito estrutural e dinâmico da estabilidade das estruturas de poder como também a sua forma se adaptou às formas de dependência externa. Consequentemente, o grande senhor de terras não encontrou embaraços para se transformar em determinado tipo de empresário que extrai mais-valor a partir da exploração do trabalho de determinada classe trabalhadora a partir de técnicas de exploração e sujeição criadas para operar na escravidão.

Esses processos históricos, por serem atravessados por inúmeras formas de continuidade, são identificados por Fernandes (1946FERNANDES, Florestan. Introdução. In: MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. São Paulo: Flama, 1946, p. 7-28., p. 10-11) como desenvolvimentos acumulativos da cultura19 19 Tal como apresentado aqui, desenvolvimento acumulativo da cultura se assemelha ao significado que Jesus Ranieri dá a aufheben, palavra em alemão fundamental para a análise de Marx em Manuscritos econômico-filosóficos. Para Ranieri (2011, p. 16), aufheben apreende “a dinâmica do movimento dialético que carrega consigo, no momento qualitativamente novo, elementos da etapa que está sendo ou foi superada ou suprimida, ou seja, a um só tempo, a eliminação, a conservação e a sustentação qualitativa do ser que suprassume” . Para ele, os novos personagens sociais e as novas relações não desapareciam inteiramente nos processos de transição. A dimensão escravista do senhor de terras não desapareceu por completo com a emergência do burguês, assim como a mercantilização do trabalhado no regime de classes não rompeu até o fim e até o fundo com o padrão de exploração do trabalho escravo.

O desenvolvimento de uma economia capitalista subdesenvolvida e dependente universalizou o trabalho assalariado, porém de maneira muito heterogênea20 20 Para uma revisão mais detalhada das ocupações por condições de trabalho e raça, ver Barbosa (2008).. . De forma esquemática, as atividades modernas e outras que exigiam maior especialização ou que podem ser compreendidas como que de colarinho-branco eram quase sempre ocupadas por brancos e ofereciam melhores remunerações. De outro lado, a porção mais pobre do proletariado, que concentrava a maior parte da classe trabalhadora e que era desproporcionalmente composta de negros, foi inserida em trabalhos que não necessariamente incluíam a sua reposição no cálculo da remuneração (FERNANDES, 2008bFERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global, 2008b., p. 45-7). Isso consolidou um padrão de vida material extremamente baixo21 21 Para a ideia de nível tradicional de vida, ver Marx (2005, p. 80-81), que destaca a dimensão histórica e étnica que racializou esses processos em países como a Inglaterra e a Alemanha. da classe trabalhadora no Brasil e favorável à reprodução da anomia social que afeta sobretudo a população negra (FERNANDES, 2008aFERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Globo, 2008a. 2 v., v. I, p. 120-121).

Eram muito reduzidas as possibilidades de que trabalhadores fora do moderno mercado de trabalho fossem integrados e, assim, classificados e valorizados na ordem social e econômica. A lenta consolidação do mercado de trabalho arrastou consigo formas não capitalistas de mercantilização do trabalho. Parte considerável da classe trabalhadora se manteve, voluntária e involuntariamente, associada à subsistência e a outras formas precárias de produção, comprometendo a sua capacidade de organização e o nível das suas exigências.

A divisão racial que fundamentara todas as estruturas sociais pretéritas se prolongou sobre a sociedade de classes e golpeou especialmente o negro na medida em que ele passou a competir por postos de trabalho que anteriormente eram exclusivos do branco. Diferentemente do que ocorria no passado, quando o paternalismo permitia que alguns indivíduos negros fossem selecionados sem maiores consequências de significação coletiva, essa forma de associação passou a conferir perda de prestígio social ao branco que o fizesse (BASTIDE; FERNANDES, 2008BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. São Paulo: Global, 2008., p. 139-140). Isso significa que as formas de proscrição racial se sobrepuseram aos mecanismos de seleção próprios do regime de classes (FERNANDES, 2008aFERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Globo, 2008a. 2 v., v. II, p. 571) e empurraram com força o negro a atividades econômicas parcial ou integralmente associadas à marginalidade social, isto é, ao assalariamento parcial ou totalmente não capitalista e a formas precárias subsistência (FERNANDES, 2008bFERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global, 2008b., p. 65-66)22 22 Para uma discussão acerca da marginalidade social das décadas de 1960, 1970 e 1980, ver Zullo (2014). Para uma aproximação deste debate à questão racial no Brasil, ver Zullo (2015; 2019).

Embora possa parecer a algum desavisado que essa interpretação coincide em partes com a de Gilberto Freyre, para quem a modernização capitalista também trazia consequências socioeconômicas e socioculturais indesejadas aos trabalhadores, entendemos que as diferenças entre essas duas interpretações não poderiam ser maiores. Se de um lado se propunha a retomar formas individualizadas de seleção, a peneiragem, Florestan as entendia como atitudes normais23 23 Aqui, normais deve ser compreendido como formas de solidariedade social e étnica coesa com a continuidade de uma dada estrutura. Dentro desse arcabouço durkheimiano, a ideia de patologia assume uma ideia oposta, isto é, de uma ruptura com a continuidade dessas estruturas. Nesse sentido, Fernandes (2008b, p. 50-51) afirma que “a ausência ou a debilidade de certos pré-requisitos estruturais e funcionais, essenciais para a integração e a evolução do tipo [capitalismo dependente], aumentariam a margem dentro da qual podem ocorrer fenômenos de regressão e de desorganização” parcial para períodos históricos anteriores. de uma estrutura impermeável à absorção coletiva do negro e do pobre em geral. Isso ocorria tanto por disposições socioeconômicas e políticas como por propensões socioculturais e psicossociais típicas de países de origem colonial e economia subdesenvolvida (FERNANDES, 2008bFERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global, 2008b., p. 50-54), o que se expressava através daquilo que ele denominava como medo-pânico24 24 O medo-pânico (FERNANDES, 2005), ideia semelhante à de instinto tribal (FERNANDES, 1963), refere-se à intolerância historicamente construída diante de manifestações potenciais (isto é, de meras ameaças) e reais dos de baixo contra as injustiças que lhes impõem condições de penúria e dependência. .

Para Florestan não se tratava de recuperar determinada forma de construir um estado de convivência e confraternização entre estamentos e castas, o que para ele não passava de um falseamento da história. A realidade que ele denunciava era a de uma formação histórica fundamentada na segregação que resistia à mudança com unhas e dentes, o que a cada nova etapa histórica se adaptava com o intuito de autopreservação. Evidenciar seus processos concretos era fundamental para desmascarar a segregação racial que permeia a vigência do regime de classes no Brasil, que inviabiliza a plena competição pela classificação e valorização social e econômica pelo trabalho.

Esse dilema, que Fernandes (2008aFERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Globo, 2008a. 2 v., v. II, p. 328-334) denomina como o dilema racial brasileiro, é caracterizado pela inconsistência estrutural e dinâmica entre o comportamento social concreto, que racializa, inferioriza e condena o negro quase que a uma exclusão completa, de um lado, e a ideia de igualdade própria do Iluminismo, de outro. Dentro dele, tudo seria permitido se as manifestações do “preconceito de cor” fossem preservadas na intimidade do lar e em toda sorte de ambiente em que se possam liberar explicitamente as ambiguidades do sistema de valores no Brasil. De tal modo, a família branca e outros espaços privados, antes de acomodarem plasticamente os antagonismos no Brasil, deram vazão a comportamentos segregacionistas fundamentais para negar que os conflitos fossem abertos, francos e construtivos.

O negro, o proletário e a revolução

Essas barreiras só começaram a ser rompidas coletivamente após a emergência dos movimentos negros em meados da década de 1920. Para Fernandes (2008aFERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Globo, 2008a. 2 v., v. II, cap. 1), a ciência e a educação, mais particularmente a educação popular, como o elaboraram movimentos como a Frente Negra Brasileira (FNB), eram as principais armas da população negra para reivindicar o seu lugar na história e no direcionamento do destino histórico na nação25 25 Para uma revisão mais profunda da trajetória de Florestan Fernandes e os nexos que estabelece entre a questão negra, o marxismo e a transformação estrutural no Brasil, ver Zullo (2019, p. 87-107). . Apenas por si e para si é que o negro e outros poderiam superar as posições impostas por estruturas opressoras que o confundiam, como era o caso do dilema racial no Brasil (FERNANDES, 1963FERNANDES, Florestan. A sociologia numa era de revolução social. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1963., p. 228-229).

Na medida em que o “novo negro” se inclinou coletivamente a superar a frustração e a exclusão, criou uma consciência que revolucionou o seu antigo horizonte cultural (FERNANDES, 2008aFERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Globo, 2008a. 2 v., v. II, p. 30). Através dos insumos sociais e culturais elaborados pelo movimento negro para o enfrentamento racial, saiu de seu retraimento e se lançou coletivamente à competição com os brancos por posições socioeconômicas de forma mais organizada e, pois, mais promissoras (FERNANDES, 2008aFERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Globo, 2008a. 2 v., v. II, p. 12-14).

Todavia, um grande obstáculo a uma mobilização mais ampla e a uma maior mobilidade social do negro na sociedade brasileira foi a adesão de algumas de suas principais lideranças ao varguismo, avesso a qualquer forma de transgressão da família tradicional e do confronto de classe (FERNANDES, 2008aFERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Globo, 2008a. 2 v., v. II, p. 70-71). Para Florestan, muito embora a integração de parte da população negra ao regime de classes fosse fundamental para desestabilizar a ordem, o descongelamento da descolonização ainda carecia de maior profundidade e maior adesão para avançar. De outro modo, a suprassunção desse passo fundamental à transformação das estruturas de poder no Brasil requeria não apenas que o negro superasse o conservadorismo varguista como também que encarnasse uma postura proletária em moldes comunistas e avesso a qualquer forma de conciliação com as burguesias, historicamente operadoras da dupla articulação (FERNANDES, 1981bFERNANDES, Florestan. O que é revolução?. São Paulo: Brasiliense, 1981b.).

Considerando que todos os processos de transformação estrutural do século XX em países de origem colonial foram movimento proletários e contra as burguesias “nacionais”, notam-se duas posições centrais de Florestan. De um lado, se opunha a uma das posições hegemônicas do debate nacional-desenvolvimentismo - a aliança com a burguesia “nacional” e “progressista” - e que posteriormente se mostraram absolutamente estéreis. De outro lado, inseriu o negro como pedra angular do processo revolucionário. Para Fernandes (1981aFERNANDES, Florestan. Poder e contrapoder na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1981a., p. 73-83), em uma situação de liberdade de expressão de um país consideravelmente industrializado, como era o caso do Brasil, o proletário deveria impor a força da sua causa às burguesias, interna e externa, e desvincular a revolução proletária da revolução nacional-burguesa. Mais que isso, deveria impor as causas populares contra o imperialismo e a dupla articulação. A revolução brasileira de Florestan necessariamente requeria o aprofundamento da educação popular antirracista, inclusive no intuito de educar o movimento sindical, e a sua integração a uma agenda anti-imperialista, o que fatalmente a levaria a posturas anticapitalistas e democráticas26 26 Em meados da década de 1960, Florestan Fernandes se tornou um dos principais expoentes da defesa da educação no Brasil, de onde foi exilado pela ditadura militar por força do famigerado Ato Institucional n. 5 -AI-5 (BRASIL, 1968). Duas de suas análises sobre o tema se encontram em Fernandes ([1976] 2010, caps. 3 e 4). .

Considerações finais

Embora este artigo dê saliências às questões do mundo do trabalho, e sempre que possível de forma entrelaçada à questão racial em perspectiva histórica, procurou-se enredá-lo em um universo muito maior que apresenta a distância entre as estruturas de poder no Brasil e uma democracia. Nesse sentido, o projeto de democracia inscrito na obra de Florestan Fernandes é uma oposição a nossa formação colonial e antidemocrática e, mais precisamente, ao projeto de Gilberto Freyre, aqui considerado como um antiprojeto influente na adoção de políticas antissociais a partir da década de 1930. A formação histórica da exclusão social no Brasil, veladamente sofisticada, inclusive a partir das sugestões de Freyre, sempre se opôs às lutas populares pela ampliação dos espaços democráticos e, sempre que alguma possibilidade de mudança emergiu como realidade, pôs em marcha a contrarrevolução, como atesta Fernandes (1981aFERNANDES, Florestan. Poder e contrapoder na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1981a., p. 91). As várias formas de luta e, por sua vez, de repressão, ao negro e ao trabalhador, como o foram a luta pelo fim da escravidão, das reivindicações por reparação à população negra e dos direitos trabalhistas, seguramente se inscrevem como algumas de suas expressões mais relevantes.

Diferentemente de Gilberto Freyre, as posições de Florestan Fernandes não puderam ganhar uma feição institucional nem se sagraram vitoriosas. Pelo contrário, elas foram minoritárias até mesmo no campo das esquerdas, como o revelam algumas de suas lutas dentro do Partido dos Trabalhadores (PT)27 27 Para essas discussões, ver Fernandes (1981a, p. 82; 1991). , por exemplo. Ao mesmo tempo, suas posições para enfrentamento do racismo, do paralelismo entre raça e classe, da luta contra o imperialismo e a autocracia burguesa, entre outras, nos levam à relevância atual de sua obra e das oposições que se colocaram e, como destaca Schwarcz (2018)SCHWARCZ, Lilia. A dialética do isso. Ou a ladainha da democracia racial. Nexo, 16 de julho, 2018. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2018/A-dial%C3%A9tica-do-isso.-Ou-a-ladainha-da-democracia-racial. Acesso em: 9 jan. 2023.
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, que ainda se colocam contra as lutas populares28 28 Um indicativo singelo, porém sintomático, dessa tendência é um vídeo recentemente publicado pelo Brasil Paralelo (2023), famigerada página da extrema direita, que entrevista os netos de Gilberto Freyre, apresentado como um avô exemplar e muito simpático, além de ser um grande intérprete do Brasil. .

Se pensarmos dentro dos parâmetros propostos por Florestan, ainda precisaremos de uma revolução para construir uma democracia na medida em que persistem a articulação das burguesias com o imperialismo, a segregação social, o racismo e tantas outras formas de congelar o protagonismo do povo. Combater a dupla articulação e dar sentido proletário e antirracista às lutas sociais, econômicas e políticas é imperioso para descongelar a descolonização e construir uma democracia no Brasil. Para tanto, a energia do negro e o seu paralelismo com a classe trabalhadora seriam fundamentais, e o tamanho de sua força já fora mensurada por Fernandes (1991FERNANDES, Florestan. O PT em movimento: contribuição ao I Congresso do Partido dos Trabalhadores. São Paulo: Cortez, 1991., p. 79): a de um “arsenal nuclear”.

  • 2
    Para dois dos mais influentes trabalhos nessa chave, ver Prado Jr. ([1966PRADO Jr., Caio. (1966). A revolução brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1987.]1987) e Furtado (1962)FURTADO, Celso. A pré-revolução brasileira. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1962.. Para as manifestações desse processo no campo da cultura e a sua interrupção em 1964, ver Haag (2013)HAAG, Carlos. Revolução cultural à brasileira. Pesquisa Fapesp, edição 206, abr. 2013. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/revolucao-cultural-a-brasileira. Acesso em: 22 dez. 2022.
    https://revistapesquisa.fapesp.br/revolu...
    . Para uma crítica tática às concepções que animavam o debate da revolução brasileira, ver Fernandes (1981bFERNANDES, Florestan. O que é revolução?. São Paulo: Brasiliense, 1981b., cap. 5).
  • 3
    Para as continuidades e modernização entre Oliveira Vianna e Gilberto Freyre, ver Zullo e Urbano (2022)ZULLO, Gustavo; URBANO, Ulisses. Continuidades e modernização entre Oliveira Vianna e Gilberto Freyre. Lua Nova, São Paulo, n. 116, 2022, p. 165-196..
  • 4
    Para uma oposição à ideia de confraternização entre senhores e escravos, ver Moura (1959)MOURA, Clóvis. Rebeliões da senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. São Paulo: Zumbi, 1959., que evidencia a força e a perenidade da rebeldia da população escrava e sua luta pela liberdade, mesmo com todos os limites que a realidade lhe impunha.
  • 5
    Para uma definição de conservadorismo, ver Sternhell (2006)STERNHELL, Zeev. Les anti-Lumières: du XVIIIe siècle à la guerre froide. Paris: Fayard, 2006. e Burke (1985). Segundo este, “pelo emprego de métodos da natureza na conduta do Estado, aquilo que melhoramos não é nunca completamente novo, e aquilo que conservamos não é nunca completamente velho” (BURKE, 1982BURKE, Edmund. Reflexões sobre a revolução em França. Brasília: Editora da UnB, 1982., p. 69). Para as particularidades desse conservadorismo em países hispânicos, ver Crespo (2003)CRESPO, Regina. Gilberto Freyre e suas relações com o mundo cultural hispânico. In: KOSMINSKY, Ehtel; LÉPINE. Claude; PEIXOTO, Fernanda. Gilberto Freyre em quatro tempos. Bauru: Edusc, 2003, p. 181-204..
  • 6
    Para uma análise do movimento antiliberal na Europa da década de 1920 e 1930, ninho da serpente, ver Hobsbawm (1994HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX - 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1994., cap. 4). Embora com muitas particularidades, o Brasil era parte dessa grande onda não só pelo conservadorismo típico do Brasil, mas também pela presença bastante considerável de membros de partidos fascistas e nazistas no país, como destaca Dietrich (2012)DIETRICH, Ana Maria. Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil. São Paulo: Todas as Musas, 2012..
  • 7
    As sugestões de Freyre em como mobilizar o Estado como gestor da vida social e do comportamento dos indivíduos se assemelha ao conceito de biopolítica, de Foucault (1976FOUCAULT, Michael. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1976.; 2008FOUCAULT, Michael. Nascimento da biopolítica: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 2008.). Mais precisamente, a obra de Freyre sugere uma atualização dessas formas de gestão do exercício do poder no Brasil.
  • 8
    Entrevistado por Heloisa Pontes (2001)PONTES, Heloisa. Entrevista com Antonio Candido. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16, n. 47, out. 2001, p. 5-30. https://doi.org/10.1590/S0102-69092001000300001.
    https://doi.org/10.1590/S0102-6909200100...
    , Antonio Candido afirma que Casa-grande & senzala, hoje amplamente reconhecido como parte do arsenal conservador brasileiro, teve um impacto muito positivo sobre a esquerda brasileira na década de 1930. Embora hoje possa parecer irônico, à época o livro revelou a influência da cultura negra na formação da cultura e na fisionomia da população brasileira, o que Candido afirma ter contribuído para desmistificar a pureza de raça e cultura no Brasil.
  • 9
    Lima (1989)LIMA, Luiz Costa. A versão solar do patriarcalismo: casa-grande & senzala. In: LIMA, Luiz Costa. A aguarrás do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1989, p. 187-236. sugere que o termo civilização é geralmente usado para exprimir pretensões expansionistas em que a noção de cultura reflete a busca pelo controle de fronteiras políticas e culturais. A defesa de uma civilização exprimia a necessidade de enquadrar tensões dentro de parâmetros aceitáveis aos grupos dominantes.
  • 10
    É importante destacar que o racismo a que Schwarcz (2003)SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. se refere era uma versão modernizada do racismo, que passou a vigorar no pós-abolição e que foi hegemônico até a década de 1930.
  • 11
    Essa referência nietzschiana se expressa todas as vezes, por exemplo, que o autor se refere a termos como “apolíneo” e “dionisíaco”, sendo esta uma expressão muito associada ao que ele também denominava como eugênico.
  • 12
    Para uma crítica à Lei dos 2/3, ver Araújo (2013ARAÚJO, Ariella. A incorporação do negro no mercado de trabalho: um estudo de 1930 a 1945. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, Araraquara, 2013., cap. 3). Para algumas relações concretas entre o Estado Novo e a obra e outras sugestões de Gilberto Freyre veiculadas na mídia e outros espaços da época, ver Mesquita (2018)MESQUITA, Gustavo. Gilberto Freyre e o Estado Novo: região, nação e modernidade. São Paulo: Global; Recife: Fundação Gilberto Freyre, 2018..
  • 13
    A modernização do racismo foi recorrente em meados do século XX tanto no Brasil como em outros lugares do mundo. Frantz Fanon (2018FANON, Frantz. Racismo e cultura. Niterói, Revista Convergência Crítica, n. 13, 2018, p. 78-90. Disponível em: https://periodicos.uff.br/convergenciacritica/article/view/38512/22083. Acesso em: 17 jan. 2023.
    https://periodicos.uff.br/convergenciacr...
    , p. 79) foi possivelmente quem melhor compreendeu o seu processo e também os seus agentes. Para ele, é o “colono que fez e continua a fazer o colonizado” (FANON, 2022FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Zahar, 2022., p. 32).
  • 14
    Existe farta bibliografia que aborda questões concretas da relação entre a legalidade e a perseguição a expressões culturais de matriz africana, como o samba e o candomblé (OLIVEIRA, 2015OLIVEIRA, Nathália Fernandes de. A repressão policial às religiões de matriz afro-brasileiras no Estado Novo (1937-1945). Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em História Social, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2015.), e como o negro era tutelado dentro de uma lógica informal que delimitava o campo de atuação econômica e do protagonismo do negro (STREAPCO, 2010STREAPCO, João Paulo França. “Cego é aquele que só vê a bola”: o futebol em São Paulo e a formação das principais equipes paulistanas: S. C. Corinthians Paulista, S. E. Palmeiras e São Paulo F. C. (1894-1942). Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2010.).
  • 15
    Segundo Bastide e Fernandes (2008BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. São Paulo: Global, 2008., p. 94), o “princípio que regulava a transmissão do status aos filhos de escrava estipulava que partus sequitur ventrem [com base no direito romano]. Os descendentes das escravas nasciam escravos, independentemente da condição social dos pais. Daí o número enorme de mestiços sujeitos à escravidão, entre os quais se contavam indivíduos muitas vezes descritos como ‘mulatos claros’ e ‘quase brancos’; e o espanto dos estrangeiros, que percorreram o Brasil”.
  • 16
    Para uma sólida fundamentação dos conceitos de castas, estamentos e classes sociais, bem como sua aplicação ao Brasil, ver Hirano ([1972HIRANO, Sedi. (1972). Castas, estamentos e classes sociais: introdução ao pensamento sociológico de Marx e Weber. Campinas: Editora da Unicamp, 2002.] 2002).
  • 17
    Bastide e Fernandes (2008BASTIDE, Roger; FERNANDES, Florestan. Brancos e negros em São Paulo: ensaio sociológico sobre aspectos da formação, manifestações atuais e efeitos do preconceito de cor na sociedade paulistana. São Paulo: Global, 2008., p. 97) destacam que a aceitação de mestiços na família, pela via do casamento, pelo menos, só ocorreu após a libertação dos índios e depois da crise econômica das minas, a partir de quando homens ricos naturais da terra passaram a ser aceitos como noivos das filhas.
  • 18
    Embora aqui façamos referência apenas a oligarquias, essa expressão faz referência fundamentalmente às formas dos estamentos superiores no Brasil. Todavia, ao longo de A revolução burguesa no Brasil, Florestan Fernandes (2005)FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: Editora Globo, 2005. passa a usar de forma crescente o termo burguesia e burguesias, no plural, aludindo precisamente ao fato de que as várias oligarquias, cada uma a seu tempo e no seu espaço, se aburguesaram e preservaram uma estrutura semelhante à de tempos históricos anteriores. Isto é, as burguesias no Brasil teriam se transformado em classes sociais sem se despir por completo da sua natureza estamental.
  • 19
    Tal como apresentado aqui, desenvolvimento acumulativo da cultura se assemelha ao significado que Jesus Ranieri dá a aufheben, palavra em alemão fundamental para a análise de Marx em Manuscritos econômico-filosóficos. Para Ranieri (2011, p. 16), aufheben apreende “a dinâmica do movimento dialético que carrega consigo, no momento qualitativamente novo, elementos da etapa que está sendo ou foi superada ou suprimida, ou seja, a um só tempo, a eliminação, a conservação e a sustentação qualitativa do ser que suprassume”
  • 20
    Para uma revisão mais detalhada das ocupações por condições de trabalho e raça, ver Barbosa (2008)BARBOSA, Alexandre. A formação do mercado de trabalho no Brasil. São Paulo: Alameda, 2008...
  • 21
    Para a ideia de nível tradicional de vida, ver Marx (2005MARX, Karl. Salário, preço e lucro. São Paulo: Centauro, 2005., p. 80-81), que destaca a dimensão histórica e étnica que racializou esses processos em países como a Inglaterra e a Alemanha.
  • 22
    Para uma discussão acerca da marginalidade social das décadas de 1960, 1970 e 1980, ver Zullo (2014)ZULLO, Gustavo. A questão salarial revisitada: exército industrial de reserva e heterogeneidade estrutural. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, 2014.. Para uma aproximação deste debate à questão racial no Brasil, ver Zullo (2015ZULLO, Gustavo. Heterogeneidade estrutural como expressão periférica da lei geral de acumulação capitalista aplicada à análise do mercado de trabalho brasileiro, 1980-2010. In: ENCUENTRO DE LA SOCIEDAD LATINOAMERICANA DE ECONOMÍA POLÍTICA Y PENSAMIENTO CRÍTICO (SEPLA). Diez años de SEPLA-México: Crisis y desafíos para la clase trabajadora en Nuestra América. Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), Facultad de Economía. Ciudad de México, 14-16 de Octubre de 2015.; 2019ZULLO, Gustavo. O sentido histórico da discussão sobre a democracia racial no Brasil (1930-1964). Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, 2019.).
  • 23
    Aqui, normais deve ser compreendido como formas de solidariedade social e étnica coesa com a continuidade de uma dada estrutura. Dentro desse arcabouço durkheimiano, a ideia de patologia assume uma ideia oposta, isto é, de uma ruptura com a continuidade dessas estruturas. Nesse sentido, Fernandes (2008bFERNANDES, Florestan. Sociedade de classes e subdesenvolvimento. São Paulo: Global, 2008b., p. 50-51) afirma que “a ausência ou a debilidade de certos pré-requisitos estruturais e funcionais, essenciais para a integração e a evolução do tipo [capitalismo dependente], aumentariam a margem dentro da qual podem ocorrer fenômenos de regressão e de desorganização” parcial para períodos históricos anteriores.
  • 24
    O medo-pânico (FERNANDES, 2005FERNANDES, Florestan. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. São Paulo: Editora Globo, 2005.), ideia semelhante à de instinto tribal (FERNANDES, 1963FERNANDES, Florestan. A sociologia numa era de revolução social. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1963.), refere-se à intolerância historicamente construída diante de manifestações potenciais (isto é, de meras ameaças) e reais dos de baixo contra as injustiças que lhes impõem condições de penúria e dependência.
  • 25
    Para uma revisão mais profunda da trajetória de Florestan Fernandes e os nexos que estabelece entre a questão negra, o marxismo e a transformação estrutural no Brasil, ver Zullo (2019ZULLO, Gustavo. O sentido histórico da discussão sobre a democracia racial no Brasil (1930-1964). Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, 2019., p. 87-107).
  • 26
    Em meados da década de 1960, Florestan Fernandes se tornou um dos principais expoentes da defesa da educação no Brasil, de onde foi exilado pela ditadura militar por força do famigerado Ato Institucional n. 5 -AI-5 (BRASIL, 1968BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Ato Institucional N. 5, de 13 de dezembro de 1968. São mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições Estaduais; O Presidente da República poderá decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm. Acesso em: maio 2023.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait...
    ). Duas de suas análises sobre o tema se encontram em Fernandes ([1976] 2010, caps. 3 e 4).
  • 27
    Para essas discussões, ver Fernandes (1981aFERNANDES, Florestan. Poder e contrapoder na América Latina. Rio de Janeiro: Zahar, 1981a., p. 82; 1991).
  • 28
    Um indicativo singelo, porém sintomático, dessa tendência é um vídeo recentemente publicado pelo Brasil Paralelo (2023)BRASIL PARALELO. Rasta visita a casa de Gilberto Freyre | Brasil Raiz. (5 min.). 8 jan. 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8fmmWjpnS_I. Acesso em: 17 jan. 2023.
    https://www.youtube.com/watch?v=8fmmWjpn...
    , famigerada página da extrema direita, que entrevista os netos de Gilberto Freyre, apresentado como um avô exemplar e muito simpático, além de ser um grande intérprete do Brasil.

Referências

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    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ait/ait-05-68.htm
  • BRASIL PARALELO. Rasta visita a casa de Gilberto Freyre | Brasil Raiz. (5 min.). 8 jan. 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8fmmWjpnS_I Acesso em: 17 jan. 2023.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Ago 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2023
  • Aceito
    30 Maio 2023
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