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A lâmina que opera: um estudo sobre João Cabral e Marianne Moore

The surgical blade: a study on João Cabral and Marianne Moore

RESUMO

Pode-se afirmar que um dos pontos mais característicos da poética de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é a metalinguagem, e uma metalinguagem não raro associada também a um juízo estético sobre outros escritores e artistas. Um bom exemplo dessa poesia “crítica” cabralina são seus textos sobre a poeta norte-americana Marianne Moore (1887-1972). No total, são cinco os textos em que Moore e/ou sua obra aparecem como assunto de poesia. Sabendo também que, em João Cabral, esse juízo crítico sobre outros muitas vezes reflete uma visão crítica sobre seu próprio trabalho artístico, este estudo objetiva averiguar certas implicações estéticas estabelecidas nesses poemas de Cabral sobre Marianne Moore.

PALAVRAS-CHAVE:
Literatura comparada; João Cabral de Melo Neto; Marianne Moore; objetividade

ABSTRACT

We can affirm that one of the main characteristics about the work of the Brazilian poet João Cabral de Melo Neto (1920-1999) is the metalanguage use, but a metalanguage that is frequently in relation to aesthetic appreciations about other writers and artists, too. Examples of this critical poetry of João Cabral are his poems on the American poet Marianne Moore (1887-1972). During his life, João Cabral produced five poems whose subject was Moore and/or her work. Knowing that this critical vision on other artists often reflects a critical vision upon himself, our essay claims to verify certain aesthetic implications established in these Cabral’s poems on Marianne Moore.

KEYWORDS:
Comparative literature; João Cabral de Melo Neto; Marianne Moore; objectivity

“[...] ou ainda uma faca
que só tivesse lâmina,
de todas as imagens
a mais voraz e gráfica [...]”
(João Cabral de Melo Neto, “Uma faca só lâmina”).

“A writer is unfair to himself when he is unable to be hard on himself” (Marianne Moore, em entrevista a The Paris Review, 1961).

A obra de João Cabral de Melo Neto (1920-1999) é conhecida por apresentar referências metalinguísticas recorrentes. Aliás, esse debate (temático e estrutural) da poesia tratando sobre a própria poesia é um dos pontos fortes defendidos por diversas vanguardas artísticas da primeira metade do século XX. Nesse quesito, podemos afirmar que obra cabralina acompanha a de tantos outros intelectuais e artistas que, ao longo do século XX, abandonaram uma concepção de poesia tratada sob a ordem do sentimento (como queria, por exemplo, Benedetto Croce) para defesa de uma poética em constante reflexão acerca de seus limites constitutivos e de seu papel em meio à sociedade. Ao longo da vida, João Cabral não cessava de se reportar a artistas que seguiam essa linha de raciocínio, até porque era a sua própria. Ele mesmo reconhecia: “Eu fui influenciado por praticamente todo mundo que li”1 1 MELO NETO, João Cabral de. Considerações do poeta em vigília [entrevista]. Cadernos de Literatura Brasileira, São Paulo, v. 1, p. 18-31, mar. 1996, p. 28. . Nosso ensaio visa, justamente, destacar um desses artistas da metalinguagem cuja obra, de modo direto ou indireto, se encontra em diálogo com a de João Cabral. Trata-se aqui da poeta norte-americana Marianne Moore (1887-1972)2 2 Depois de pronto este ensaio, chegou a nosso conhecimento um artigo sobre a presença de Marianne Moore na obra de João Cabral de Melo Neto. A menção foi feita por um dos pareceristas da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, a quem agradecemos mesmo sob a forma do anonimato eticamente necessário no processo de avaliação editorial. À parte certos trechos de confluência, o texto de Flora Süssekind tem um caráter mais panorâmico que o nosso (ao menos no que toca ao par Cabral/Moore), o que nos distancia, em partes, do que ela propôs. Fica, de nossa parte e por ajuda desse avaliador desconhecido, a indicação do texto da autora, se ao leitor interessar mais informações sobre o assunto: SÜSSEKIND, Flora. Com passo de prosa: voz, figura e movimento na poesia de João Cabral de Melo Neto. Revista USP, n. 16, p. 93-102, dez./1992-fev./1993. . No caso de Moore, sua presença na obra cabralina se fortalece por inúmeras referências feitas pelo poeta ao longo da carreira. Embora João Cabral não se remeta frequentemente a Moore em entrevistas, ele, ainda assim, a cita em cinco de seus poemas, a saber: “O sim contra o sim” (de Serial, 1961), “A imaginação do pouco” (de A escola das facas, 1980), “Ouvindo em disco Marianne Moore”, “Dúvidas apócrifas de Marianne Moore” e “Homenagem renovada a Marianne Moore” (de Agrestes, 1985). Além dessas referências, Cabral utiliza como epígrafe dois trechos retirados da obra da escritora: “imaginary gardens with real toads in them”3 3 “[...] jardins imaginários com sapos reais neles”. Todas as traduções realizadas ao longo deste texto são de nossa autoria. , do poema “Poetry”4 4 MOORE, Marianne. The complete poems of Marianne Moore. London: Faber and Faber, 1967, p. 36. e “Where there is personal liking we go/ Where the ground is sour [...]”5 5 Ibidem, p. 8-9. “Vamos aonde há gosto pessoal/ Aonde o chão é azedo [...]”. , do poema “The hero”, ambos de Selected poems, 1935. A primeira das epígrafes ocorre em “A imaginação do pouco” (de A escola das facas, 1980) e a segunda como abertura do livro Agrestes (1985).

A análise que faremos aqui até certo ponto advém da própria visão de João Cabral de Melo Neto. Uma vez que partimos dos poemas que ele compôs sobre a poetisa, vemo-nos, então, impelidos a seguir essa diretriz analítica, a partir da qual outras vão se acrescentando, fornecendo, em retorno, uma visão sobre sua própria obra. O contexto, então, que nos vemos obrigados a respeitar sobre Marianne Moore acaba por se situar também dentro dessa visão do poeta. Fugir dessa ótica corresponderia a separar em dois uma realidade de diálogo poético que o próprio João Cabral valida.

Como ordem de análise, tomaremos, por primeira, a cronológica. Quando ocorrerem poemas de um mesmo livro, conservaremos a sequência em que aparecem na obra da qual fazem parte. Dito isso, passemos a “O sim contra o sim”, primeiro texto cabralino a tratar sobre Moore:

O sim contra o simMarianne Moore, em vez de lápis,
emprega quando escreve
instrumento cortante:
bisturi, simples canivete.
Ela aprendeu que o lado claro
das coisas é o anverso
e por isso as disseca:
para ler textos mais corretos.
Com mão direta ela as penetra,
com lápis bisturi,
e com eles compõe,
de volta, o verso cicatriz.
E porque é limpa a cicatriz,
econômica, reta,
mais que o cirurgião
se admira a lâmina que opera6 6 MELO NETO, João Cabral de. Serial e antes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 286-287. .

Esse trecho em quatro estrofes faz par com outro, no mesmo poema e de mesma extensão, em que João Cabral desenvolve ideia também sobre o escritor francês Francis Ponge. Sendo assim, tal quadro sobre Marianne Moore só faz sentido se confrontado com o de Ponge. E ambos se aproximam, mas também diferem. Na escrita de Cabral, os dois lidam com “coisas”, só que Francis Ponge as “apalpa”, enquanto Marianne Moore “as disseca”. Há nisso um juízo crítico da parte de Cabral que se revela pelas metáforas que ele aplica a um e a outra. Para contato com o fundo denotativo desse juízo crítico, é preciso, então, que nos aproximemos, o máximo possível, do que o poeta quereria assinalar com essas metáforas predicativas. Confrontados os trabalhos de Moore e Ponge, somos levados a crer num quiasmo estrutural entre ambos, como resposta às metáforas definidoras de Cabral. Surgem aqui dois aspectos a serem considerados: um que toca mais diretamente à forma e outro que se refere ao conteúdo. Quanto ao primeiro, poderíamos afirmar que Ponge escreve em prosa texto com cunho mais poético, enquanto Moore escreve em versos texto com cunho mais prosaico7 7 Os textos de Francis Ponge são, em geral, poemas em prosa; logo, textos ainda do campo da poesia. Se destacamos na sua poética a realidade da prosa, o fazemos desconsiderando o aspecto classificatório e tendo por parâmetro avaliativo a estrutura mesma e básica dos textos, em parágrafos e não em estrofes, motivo que justifica o quiasmo que apontamos. . Essa diferença entre Ponge e Moore, no entanto, seria apenas de grau, já que ambos trabalham no limiar entre o lírico e o prosaico, além de constituírem uma poética como a de um olhar sobre o mundo-em-volta. Digamos que, mesmo tratando ambos de uma realidade objetiva, Moore tende a ser mais referencial que Ponge. Nisso alcançamos o segundo aspecto: tanto Ponge quanto Moore são poetas da referencialidade, mas diferem entre si pelos interesses que apresentam diante dela (uma defesa às claras quanto à renovação da poética por parte de Ponge; e uma aceitação sempre irônica das renovações alcançadas na poesia por parte de Moore).

Além disso, Ponge se utiliza da descrição, muitas vezes também por meio da metáfora, para renovar a visada sobre a matéria descrita. Para ele, não basta apenas observar a coisa: renova-se nisso a mirada sobre ela, por lhe aplicar atributos que não lhe corresponderiam referencialmente; por consequência, também, a linguagem poética se renova, já que fruto desse olhar a priori renovado:

Não são os objetos que se tornam mais particulares e descritos, mas as qualidades essenciais que apresentam. Ao dar nome a elas, o poeta mostra uma face diferente daquilo que é conhecido. Traz à consciência uma renovada atenção sobre as coisas, que passam a revelar uma dimensão além do que se mostra na aparência8 8 PAIXÃO, Fernando. Arte da pequena reflexão: poema em prosa contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2014, p. 106-107. .

Nele, por exemplo, um “pão” não é apenas “pão”, mas também montanha e outros atributos topográficos que a geografia acrescenta por contiguidade imagética.

Por sua vez, Moore se utiliza da descrição numa linguagem a seco, mesmo quando com metáforas. O geral é que seu texto se configure como uma série de citações (em colagem direta do fragmento), que tornam o poema algo autobiográfico, retórico, bíblico, histórico, prosaico. A sua realidade imagética, embora multifacetada, não é surrealista. Pelo contrário, é uma “colagem” da objetividade (muitos de seus textos trazem literalmente fragmentos de outros: falas ouvidas ou lidas). O fragmento inserido no todo reforça, em seu caso, uma busca pela exatidão:

Interviewer

And the extensive use of quotations?

Moore

I was just trying to be honorable and not to steal things. I´ve always felt that if a thing had been said in the best way, how can you say it better? If I wanted to say something and somebody had said it ideally, then I´d take it but give the person credit for it9 9 THE PARIS REVIEW. Marianne Moore: the Art of Poetry n° 4. Interviewed by Donald Hall. Issue 26, Summer-Fall, 1961. “Entrevistador: E o uso reiterado de citações? Moore: Eu estava apenas tentando ser respeitosa e não roubar coisas. Eu sempre senti que, se algo foi dito da melhor maneira, como poderia dizê-lo melhor? Se eu quisesse dizer algo e alguém já o tivesse dito melhor, então eu tomaria [o trecho] mas daria os créditos à pessoa.” .

Nesse sentido, o que fortaleceria bem a distinção entre o poeta francês e a poeta norte-americana seria o modo como se desenvolve neles o prosaísmo e o modo como os dois estabelecem relação com a objetividade. Como vimos, Moore tende a uma precisão acurada (quase científica); daí sua escrita ser, segundo Cabral, “cortante”, a “bisturi, simples canivete”10 10 Flora Süssekind associa essas metáforas “cirúrgicas” que Cabral utiliza na caracterização de Moore a dois versos específicos do poema “Those Various Scalpels”: “But why dissect destiny with instruments/ more highly specialized than components of destiny itself?”. SÜSSEKIND, Flora, op. cit., p. 97. “Mas por que dissecar o destino com instrumentos mais especializados do que o próprio destino?” . Por sinal, a precisão é, costumeiramente, um dos traços realçados pela crítica sobre a poética de Moore (o que se reforça, inclusive, pelo uso já apontado das citações):

That Marianne Moore is a “precise” poet has long been a commonplace of Moore criticism. [...] Precision is perhaps the most widely agreed-upon feature of Moore’s poetics, and as a mode of securing knowledge, it has served to ratify Moore’s position as a central figure of American modernism11 11 CECIRE, Natalia. Marianne Moore’s precision. Arizona Quarterly: a Journal of American Literature, Culture, and Theory, v. 67, n. 4, p. 83-110, Winter, 2011, p. 84. “Que Marianne Moore é uma poeta ‘precisa’, isso já é um lugar-comum na crítica sobre ela. [...] Precisão é talvez a característica mais largamente aceita sobre a poética de Moore e, como um modo de conhecimento seguro, tem servido para ratificar a sua posição como uma figura central no Modernismo norte-americano.” .

Por sinal, a própria poeta reconhece esse cuidado com a exatidão das palavras:

The accuracy of the vernacular! That´s the kind of thing I am interested in, am always taking down little local expressions and accents. I think I should be in some philological operation or enterprise, am really much interested in dialect and intonations. I scarcely think of any that comes into my so-called poems at all12 12 THE PARIS REVIEW, op. cit. “A exatidão do vernáculo! É a espécie de coisa pela qual tenho interesse. Estou sempre tomando nota de expressões e sotaques locais. Penso que eu deveria estar em alguma operação ou trabalho filológico. Eu realmente tenho mais interesse por dialetos e entonações. De fato, mal penso no que entra nos meus assim chamados poemas.” .

A poética de João Cabral tem o que refletir de Ponge e Moore: firma-se também na referencialidade (e sua objetividade imediata) e não se nega a associar o objeto-tema a realidades as mais diversas. Como em Cabral, os textos de Ponge investem ainda na metáfora, algo de que Moore não está isenta mas que utiliza de forma bem mais pontual. Como em Cabral, os textos de Moore investem num juízo crítico, num resultado de leitura assídua e produto de erudição, algo de que Ponge não está isento mas que não transforma em instrumento básico de composição poética. Une-se, nesse quadro, um João Cabral entre Ponge e Moore, ou seja, um João Cabral partidário da imagem imprevista e um João Cabral da “erudição”:

Pois bem: creio que nenhum poeta brasileiro me ensinou como ele [Murilo Mendes] a importância do visual sobre o conceitual, do plástico sobre o musical (a poesia dele, que tanto parecia gostar de música, é muito mais de pintor ou cineasta do que de músico). Sua poesia me ensinou que a palavra concreta, porque sensorial, é sempre mais poética do que a palavra abstrata, e que, assim, a função do poeta é dar a ver (a cheirar, a tocar, a provar, de certa forma a ouvir: enfim, a sentir) o que ele quer dizer, isto é, dar a pensar13 13 Apud ATHAYDE, Félix. Ideias fixas de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Mogi das Cruzes: Universidade de Mogi das Cruzes. 1998. Originalmente, entrevista a Manchete, Rio de Janeiro, 14 de agosto de 1976, p. 137. .

[...] eu nunca pensei em ser poeta nem nunca me considerei (e até hoje não me considero) com temperamento de poeta. Eu tenho temperamento de crítico. Meu ideal foi sempre ser crítico literário. Ocorre que, aos 17 ou 18 anos, não se tem cultura nem discernimento para ser crítico. Então, eu comecei a fazer poesia, apenas para produzir alguma coisa, enquanto me preparava para a crítica. Muito pouca gente notou isso, mas a minha poesia é quase sempre crítica. Esse negócio que se chama metapoesia, poesia sobre poesia, é uma preocupação de crítico. Escrevi uma quantidade enorme de poemas sobre autores, sobre escritores, sobre pintores14 14 Apud ATHAYDE, Félix, op. cit., p. 24-25. Originalmente, entrevista a Edla van Steen, Viver e escrever, v. 1, Porto Alegre: L&PM, 1981, p. 24-25. .

Como já sugerido, há, no que se refere especificamente a esse gosto por referências a poetas e outros artistas, um fio que o aproxima de Moore, se não ignoramos a coleta de “expressões e sotaques” conduzida pela escritora norte-americana. De acordo com o que o próprio João Cabral reconhece, não são raras em sua obra as menções a poetas, pintores, artistas e profissionais hábeis dos mais variados ramos. O que os diferencia (e isso é uma marca verdadeiramente distintiva) é que, em Cabral, a referência se realiza por paráfrase, epígrafe ou dedicatória (ou seja, são marcas, no geral, mais externas que internas). Em Moore, ao invés, o processo beira a apropriação e a paródia (ou seja, as referências se realizam como verdadeiros recortes de falas de outrem, citados diretamente no corpo da poesia e não raro podendo aparecer costurados por um claro tom de ironia). Essas citações são facilmente verificadas porque sempre aparecem entre aspas (posteriormente, adquiririam da parte de Moore referência assinalada num bloco de “Notas” ao final do livro). Naturalmente, a conjugação entre uma coisa e outra (citações e notas) redimensiona o gênero lírico para além do que já faria a objetividade acentuada dos textos. Daí o porquê de uma afirmação como “meus assim chamados poemas” (“my so-called poems”), que vimos há pouco: “What I write, as I have said before, could only be called poetry because there is no other category in which to put it”15 15 “O que escrevo, como eu disse antes, só pode ser chamado de poesia porque não há outra categoria em que se possa colocá-lo.” . Ou ainda: “I like stories. I like fiction. And - this sounds rather pathetic, bizarre as well - I think verse perhaps was for me the next best thing to do it. Didn´t I write something one time, ‘part of a Poem, part of a Novel, part of a Play’?”16 16 THE PARIS REVIEW, op. cit. “Eu gosto de estórias. Eu gosto de ficção. E – isso soa patético, estranho também – eu penso que o verso talvez fosse para mim a próxima melhor coisa [a ser feita]. Não escrevo eu algo [que é] a um só tempo ‘parte de um Poema, parte de um Romance, parte de uma Peça’?” .

Coincidentemente ou não, o aspecto do texto com traços de prosa corresponde, também estruturalmente, a como João Cabral configura “A imaginação do pouco”, um dos textos referidos sobre Moore:

A imaginação do poucoSiá Floripes veio do Poço
para Pacoval, Dois Irmãos,
para seguir contando histórias
de dormir, a mim, meu irmão.
Sabia apenas meia dúzia
(todas de céu, mas céu de bichos);
nem precisava saber de outras:
tinha fornido o paraíso.
Os bichos eram conhecidos,
e os que não, ela descrevia:
daqueles mesmo que inventava
(colando uma paca e uma jia)
dava precisa descrição,
tanto da estranha anatomia
quanto da fala, religião,
dos costumes que se faziam.
Só parecia saber pouco
do céu zoológico da história:
onde as festas, onde as intrigas,
como era, e o que era, isso de Glória.
Fora do céu de um dia azul
(sempre dia, porém de estrelas)
era a mais vaga descrição
da horta do céu, da Glória aérea.
Para compor-me o céu dos contos,
no começo o vi como igreja;
coisas caídas no contar
fazem-me ver é a bagaceira.
Marianne Moore a admiraria.
Pois, se seus jardins eram vagos,
eram altos: o céu rasteiro
era o meu, parco imaginário17 17 MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 138-139. .

“A imaginação do pouco” vale-se de uma cadência de prosa, mas sem abdicar do verso, da estrofe e da métrica, sinais formais da poesia, dos quais também Moore não deixava de fazer uso, principalmente no início da carreira18 18 Continuando na linha prosaica, João Cabral organiza um livro em que esse traço é o ponto-chave. Trata-se de O rio (1953), que, por sinal, traz como epígrafe o seguinte fragmento de Berceo: “Quiero que compongamos yo y tú una prosa”. . Em termos de conteúdo, “A imaginação do pouco” se estrutura numa narrativa de reminiscência: uma senhora, Siá Floripes, contava estórias para aquele que fala no poema e seu irmão, na infância deles. Disso surge o mote: a carência imaginativa de Cabral, que para compor imageticamente um cenário desconhecido se utilizava apenas de uma quantidade minguada de elementos. Coisa pouca, de “parco imaginário”. Ao contrário (diz a voz-poética) dos “jardins [...] vagos” de Moore. Aqui Cabral faz referência ao trecho de “Poetry”, “imaginary gardens with real toads in them”. “Poetry” é um longo poema publicado em 1935, que chegaria a apresentar cerca de outras dez versões ao longo da vida da escritora e cuja extensão seria reduzida por ela em algumas dessas versões. Eis a mais reduzida:

I, too, dislike it.

Reading it, however, with a perfect contempt for it, one discovers in

it, after all, a place for the genuine19 19 MOORE, Marianne, op. cit., p. 48. “Eu, também, não gosto dela./ Lendo-a, no entanto, com um perfeito desprezo por ela, descobre-se/ nela, ao fim de tudo, um lugar para o genuíno.” .

Nesses versos de Moore transparece um argumento retórico: escreve-se sob a forma de poesia para se negar a própria poesia. Mas essa fórmula incorpora em seu interior muito mais do que uma contestação pessoal: “Contra a paixão do sacrifício, e denunciando a crise da poesia, a vanguarda propõe a festa da ressurreição, frequentemente destruidora”20 20 SISCAR, Marcos. “Responda, cadáver”: o discurso da crise na poesia moderna. Alea, v. 9, n. 2, p. 176-189, jul.-dez., 2007, p. 185. . São movimentos negativos como esse de Moore que, de modo concreto, situam sua poesia no Modernismo norte-americano e mundial. Vejamos que, em “Poetry”, o desgosto e o desprezo pela poesia não a excluem por completo: nem com relação à forma, como já assinalado, nem em termos de conteúdo (já que do espaço renegado da poesia pode-se alcançar “um lugar para o genuíno”). Por isso a nossa assertiva de que, até certo ponto, essa negação de Moore é retórica: para rejeitar a poesia, ela necessita fazer uso ainda de seus mecanismos e, dentro deles, combater o que carece de renovação. Na antologia em que consta a versão reduzida de “Poetry”, Moore faz questão de acrescentar epigraficamente: “Omissions are not accidents”21 21 MOORE, Marianne, op. cit., p. VIII. “Omissões não são acidentes.” . Essa declarada consciência das “omissões” revela com relação a “Poetry” um anseio de preservação do essencial: o que fica, ao fim de tudo, é o que mais importa no poema; no caso, uma discussão metalinguística negativa. Além do mais, a mudança de um texto a outro reforça, nesse ritmo, o argumento de “um lugar para o genuíno”. Ao final, é a renovação o que vale para e na poesia.

No caso de João Cabral de Melo Neto, o empreendimento de negação do antigo e busca do novo nos remete logo aos três poemas de Psicologia da composição (1947): “Fábula de Anfion”, “Psicologia da composição” e, sobretudo, “Antiode”. Assim como Moore, Cabral não se contenta com uma matéria repetida; procura, antes, sempre e com os recursos de que dispõe, uma linguagem renovada. Sérgio Buarque chega, até, a indicar certo ineditismo nacional nesse estilo articulado pelo poeta:

Creio que pela primeira vez, em toda a história da nossa poesia, o trabalho da inteligência ganha uma posição verdadeiramente privilegiada e um soberano prestígio. Mas essa palavra - inteligência - requer nele uma explicação. Ela não se opõe à vida, mas simplesmente ao hábito, à lembrança, à rotina. E significa, assim, o instrumento decisivo na constante demanda de autenticidade que domina toda esta obra22 22 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Branco sobre o branco. In: ____. O espírito e a letra (1948-1959). V. II. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 522-525. p. 525. .

Se Cabral afirma em “Antiode” que “delicado, evitava/ o estrume do poema,/ seu caule, seu ovário,” e “suas intestinações”23 23 MELO NETO, João Cabral de. Serial e antes, op. cit., p. 65. , logo, em seguida, desfaz essa negação; afinal, “como não invocar o/ vício da poesia: o/ corpo que entorpece/ ao ar de versos?”24 24 Ibidem, p. 67. . Mais à frente, a voz poética demonstra, inclusive, acreditar no retorno à própria poesia, numa perspectiva à Baudelaire e suas flores do mal: “Poesia, não será esse/ o sentido em que/ ainda te escrevo:/ flor! (Te escrevo:// flor! Não uma/ flor, nem aquela/ flor-virtude - em/ disfarçados urinóis)”25 25 Ibidem, p. 68. . Essa flor não será a mesma de antes e a de todo sempre: quando aparecida, que esteja renovada, que seja outra. O poeta, assim, conclui na poesia que mesmo uma imagem desgastada como a da “flor” pode ser revigorada, desde que o esforço de construção seja o de alguém inconformado com o mesmo, seja o de alguém também em busca de “um lugar para o genuíno”:

No meu caso, por exemplo, quando eu comecei a escrever, eu encontro vigente na poesia brasileira um tipo de linguagem que não me interessava muito, com algumas exceções. Então, eu procurei um tipo de linguagem que não era o que estava sendo usado correntemente. Eu tentei criar uma outra linguagem, não completamente nova, como os concretistas fizeram, mas uma linguagem que se afastasse um pouco da linguagem usual26 26 Apud ATHAYDE, Félix, op. cit., p. 44. Originalmente, entrevista a O Globo, Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1973. .

Quanto ao uso da prosa, ele é apenas um dos recursos de que João Cabral se vale à procura de algo novo. Como afirmamos anteriormente, a imagem cabralina também reforça o quadro de renovamento. E uma imagem que é constituída, em resumo, por ligações imprevistas entre o tema e outros elementos da realidade em volta. O inusitado é que, mesmo passando também pelo campo da imaginação (tendo em vista que o escritor carece dela na confecção de imagens imprevistas), João Cabral se avalia como poeta da “imaginação do pouco” (ao contrário de Moore, reiterando). Afinal, a poeta norte-americana é aquela que consegue articular “jardins imaginários com sapos reais”, ou seja, alguém capaz de estabelecer com êxito vínculos entre realidade e imaginação. São jardins imaginários, mas os sapos são reais. Põe-se em causa aqui a tensão estabelecida entre a realidade e sua representação: entre o que é real e o que é imaginário. Até porque, se os sapos se encontram em jardins imaginários, também eles passam por essa ambiência do criado; em contrapartida, mesmo imaginários, os jardins guardam nexo com o real, uma vez que a imaginação também faz parte da realidade. E, por mais imaginários que sejam “os jardins”, eles sempre guardarão algum traço do real; por sua vez, por mais reais que sejam os sapos, é no limite do imaginário onde eles estão localizados.

João Cabral classifica os “jardins” de Marianne Moore como “vagos” e “altos”. O poeta usa “jardins” porque é um termo que aparece concretamente no poema de Moore. Além do mais, o termo tende a sintetizar bem a obra da poeta norte-americana, porque nela são recorrentes as referências biológicas. Eis os títulos-tema de alguns de seus textos: “The jerboa”, “The frigate pelican”, “The buffalo”, “To a prize bird”, “The fish, The monkeys”, “To a snail” etc.

É bem verdade que o poeta pernambucano, ao menos no início de sua carreira, via o termo “jardins” como algo negativo, e isso carece agora de algumas ponderações:

Ó jardins enfurecidos,
pensamentos palavras sortilégio
sob uma lua contemplada;
jardins de minha ausência
imensa e vegetal;
ó jardins de um céu
viciosamente frequentado:
onde o mistério maior
do sol da luz da saúde?27 27 MELO NETO, João Cabral de. Serial e antes, op. cit., p. 12 .

Os “jardins” aqui são sinal da variedade e do excesso, já a “saúde” está associada ao “sol” e à “luz”, elementos faltantes (e isso comprovamos pela interrogação indireta “onde o mistério maior”). Metaforicamente, o “sol” e a “luz” sempre aparecem em Cabral como valores positivos, ao contrário de “jardins”, já que espaço de uma variedade à solta, o que, da parte do autor, estaria relacionado à escrita surrealista. Não custa lembrar: Cabral prefere ser o poeta do “pouco”, “da poesia do menos” (para usar uma expressão crítica de Antônio Carlos Secchin28 28 SECCHIN, Antonio Carlos. João Cabral: a poesia do menos. São Paulo: Duas Cidades; Brasília: INL, 1985, p. 221. ). O termo “vago”, que, associado a “jardins”, poderia acarretar juízo negativo sobre Moore, na verdade se justifica em Cabral pelo modo como “Poetry” está estruturado. Segundo o poema, o que houver de “vago” em Moore advirá da configuração de uma acentuada objetividade (contrariando, assim, qualquer perspectiva surrealista, temor de Cabral). Uma vez que é objetivo o fim a que a autora se dirige, os predicativos do “sol” e da “luz” poderiam valer também para ela, distanciando um conjunto negativo que os “jardins vagos” poderiam insinuar. É certo que Cabral não utiliza “sol” e “luz” como adjetivos para ela, mas utiliza, em “O sim contra o sim”, os qualificativos “limpa”, “econômica” e “reta”, altamente positivos para o autor e diretamente relacionáveis a “sol” e “luz”, em se considerando o conjunto de sua obra. Quanto a Moore, afirma Christopher Beach:

[…] she [Moore] reveals the play of her own mind around the complexities of a subject and then leaves it to the reader to put the pieces into a coherent whole. Even the primary argument is relatively clear, the complexity lies in the poem’s wealth of detailed observation and description29 29 BEACH, Christopher. The Cambridge introduction to twentieth-century American poetry. United Kingdom: Cambridge University Press, 2003, p. 92. “[...] ela revela o jogo de sua própria mente acerca das complexidades de um assunto e, assim, deixa ao leitor a tarefa de juntar as peças num todo coerente. Mesmo o argumento primário é relativamente claro, a complexidade repousa na riqueza de observação e descrição detalhadas do poema.” .

Os “jardins” equivaleriam, assim, a essa “complexidade” verificável na obra da poeta. É justamente em virtude dessa “riqueza de observação e descrição detalhadas do poema” que a imaginação de Moore se afasta de um pendor subjetivo, livre e solto, para se firmar como expressão “cortante”, de uma objetividade que é cara a João Cabral (não é à toa, por isso, que o nome da poeta apareça reiteradas vezes em sua obra). E é essa complexidade que a visada poética de Moore estabelece com o real que faz com que Cabral destaque nela uma imaginação profícua. Vejamos que siá Floripes, como Moore, entretinha suas narrativas fazendo uso de “precisa descrição,/ tanto da estranha anatomia/ quanto da fala, religião,/ dos costumes que se faziam”. Quanto a Moore, ela própria definiria essa “imaginação” com os seguintes termos:

Did laboratory studies affect my poetry? I am sure they did. I found the biology courses -minor, major, and histology - exhilarating. I thought, in fact, of studying medicine. Precision, economy of statement, logic employed to ends that are disinterested, drawing and identifying, liberate - at least have some bearing on - the imagination, it seems to me30 30 THE PARIS REVIEW, op. cit. “[Se] os estudos de laboratório afetaram minha poesia? Tenho certeza que sim. Eu achava os cursos de biologia (menor, maior e histologia) estimulantes. Eu pensei, de fato, em fazer medicina. Ao que me parece, precisão, economia de frase, lógica empregada em fins desinteressados, ao coletar e identificar, liberam (ao menos, têm alguma influência sobre) a imaginação.” .

Portanto, essa imaginação, que é geral e consequentemente da própria autora, tem na precisão, na economia das frases e na lógica de fins desinteressados, artifícios que a liberam e que a potencializam de certa maneira. Todos esses artifícios são os mesmos das ciências naturais, com as quais ela mantivera contato quando ainda estudante. “Tenho certeza que sim”, que esses estudos participam, a seu modo, da idiossincrasia de sua escrita. Como se sua obra fosse marcada de experimentos, que não sendo científicos de todo gerariam por isso a indecisão e indefinição quanto ao gênero em que ocorrem. De mais a mais, esse contato inicial com matérias da biologia acaba por elucidar o porquê de tantas referências a animais e a plantas (inclusive com a citação de detalhes bem específicos de determinadas espécies).

Siá Floripes, como Moore, possuía também uma “imaginação do alto”, capaz, inclusive, de narrar “colando uma paca e uma jia”. Aqui podemos voltar a “O sim contra o sim” e completar algo da análise que deixamos temporariamente em aberto; o que diz respeito, no caso, aos versos “ela aprendeu que o lado claro/ das coisas é o anverso”. Por que o “anverso”? Como tentativa de resposta, passemos em revista alguns aspectos do poema “The hero”, também de Selected poems (1935):

The heroWhere there is personal liking we go.
Where the ground is sour; where there are
weeds of beanstalk height,
snakes’ hypodermic teeth, or
the wind brings the “scarebabe voice”
from the neglected yew set with
the semiprecious cat’s eyes of the owl -
awake, asleep, “raised ears extended to fine points”, and so
on-love won’t grow31 31 MOORE, Marianne, op. cit. p. 8. “Vamos aonde há gosto pessoal/ Aonde o chão é azedo; aonde existem/ ervas da altura de pés de feijão,/ dentes hipodérmicos de cobras, ou/ o vento [que] traz a ‘voz infantil de pavor’/ do teixo rejeitado disposto com/ os olhos semipreciosos de gato da coruja –/ acordado, dormindo, ‘orelhas levantadas estendidas para finos pontos’, e assim/ por diante – o amor não crescerá.” .

Essa é a primeira das seis estrofes que compõem o poema “The hero”. Os dois versos iniciais formam a epígrafe de que Cabral se utiliza em Agrestes, só para relembrar. A lógica de conjunção de diversos que encontramos na estrofe se repetirá ao longo de todo o texto. E são várias as informações contidas no poema como um todo (algo de que já nos dá uma breve ideia essa estrofe inicial). À primeira vista, as informações contidas no poema não se conectam muito bem. Parecem, antes, o resultado de uma costura de experiências captadas em locais e momentos distintos, algumas delas até relacionáveis entre si, mas só esparsamente. Como assunto, “o herói [ou a heroína]” já aparecia em poema anterior (“The steeple-jack”), ainda que secundariamente. Aqui, não dá para especificar com exatidão quem seria esse herói (ou essa heroína). Seria a própria voz poética? Mas essa possibilidade se esfacela, porque a segunda estrofe a contradiz: “We do not like some things, and the hero/ doesn’t [...]”32 32 “Nós não gostamos de algumas coisas, e o herói também não [...].” . O “nós” e “the hero” têm, portanto, existência própria e diversa. O curioso é que, ainda assim, articulam experiências que, sendo similares, unem um ao outro. A primeira pessoa do plural presente nos versos iniciais e no princípio da segunda estrofe é abandonada nos demais versos em favor de um texto em terceira pessoa, o que reforça a objetividade. De algum modo, caminha-se por aquilo que é “gosto pessoal” (“personal liking”), mas com uma personalização que só se faz de modo indireto. Em nível de coerência, a pessoalidade se realiza justamente porque tudo quanto é abordado em terceira pessoa no restante do poema representa experiências que faziam parte do universo cultural de Marianne Moore. As citações biológicas (“ervas da altura de pés de feijão” e “dentes hipodérmicos de cobras”), históricas (“General Washington”), musicais (“basso-falsetto”), bíblicas (“José”, “Jacó” e “Moisés), das artes plásticas (“El Greco”), tudo isso compõe um quadro cultural que é o da própria autora. Os versos finais do poema acrescentam: “this then you may know/ as the hero”33 33 MOORE, Marianne, op. cit., p. 9. “[...] tudo isso pode-se conhecer como o herói.” . Assim, tudo quanto compõe em costura o poema favorece uma definição do que caracterizaria “the hero” e, de modo indireto, do que também selaria sua identidade. Nesse sentido, passamos a ver “the hero” como aquele a quem estão ligadas as referidas citações, já que isso é o que se declara nos últimos versos.

De Ponge, como vimos, Cabral se aproximaria pelo gosto à metáfora. De Moore, como vemos, sua aproximação se dá também pelo gosto acentuado às associações imprevistas. Como afirmamos, Cabral se encontra entre um outro, até porque o “imprevisto” em Moore não são associações de referentes (como em metáfora), mas de recortes frasais de contextos diversos, cuja montagem, aí sim, poderia propiciar um contexto também metafórico, mas com relação ao tema (citado frequentemente no título). Em Cabral, as associações imagéticas se fazem por símile ou metáfora, e elas nos conduzem a pares imprevistos como do mar associado à cana-de-açúcar, de uma mulher associada a uma espiga, a uma gaiola ou a uma montanha, do ato de escrever associado ao de catar feijão, da poesia associada a um cogumelo etc.

E se o adjetivo “vago” presente em “Imaginação do pouco” pode até agora ter preservado algum ranço de apreciação negativa, tal impressão se desfaz de vez se não desconsideramos a avaliação que João Cabral faz da poeta em “Ouvindo em disco Marianne Moore”:

Ouvindo em disco Marianne MooreEla desvestiu a poesia,
como se desveste uma roupa,
das verticais, do falar alto,
menos de quem prega, apregoa,
de quem esquece o microfone
que tem a dois palmos da boca
porque falando alto imagina
que a emoção sobre-exposta é a boa.
Em disco, a voz desconhecida,
que nunca berra nem cantoa,
da voz fria do poema impresso
em nenhum momento destoa34 34 MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra e depois, op. cit., p. 243. .

“Ela desvestiu a poesia”: mesmo tratando com uma “imaginação do alto”, a obra de Moore, segundo a voz poética cabralina, é desvestida, despida, construída numa “frieza” que chega a refletir, na voz que lê o poema, a matéria impressa na obra. O modo como a escritora lê projeta, assim, a matéria contida no livro. Essa atenção que João Cabral assinala acerca da forma como se lê um poema é possível de ser mais bem compreendida à luz de algumas de suas afirmações. Destacamos a seguinte:

Essa espécie de poesia, geralmente, e hoje em dia sobretudo, atinge mais facilmente o leitor. Ela é escrita em linguagem corrente, não por amor à linguagem corrente, mas como um resultado de sua pouca elaboração. Também porque é pouco elaborada ela desdenha completamente os efeitos formais e tudo o que faça apelo ao esforço e à inteligência. [...] É uma poesia que se lê mais com a distração do que com a atenção, em que o leitor mais desliza sobre as palavras que as absorve. Vagamente, para captar das palavras, sua música. E uma poesia para ser lida mais do que para ser relida35 35 Idem. Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 59-60. Conferência pronunciada na Biblioteca de São Paulo, em 1952. .

Uma poesia para ser relida, do estranhamento e do convite à atenção, à renovação do ato de ler, esse era um critério-chave na avaliação poética de João Cabral de Melo Neto. Para ele, não servia (quando muito, serviria pouco) uma poesia da declamação, pautada mais num ritmo musical que na rijeza da elaboração e no desconcerto da imagem. Esses dois elementos (dureza da forma e imagem forte), juntos ou não numa mesma poesia, serviriam para uma leitura quebrada, difícil, ardilosa. Logo, uma leitura que reivindicaria retorno ao texto (algo positivo para Cabral). É certo que, se ouvirmos uma ou outra das gravações de poemas feitas por Moore, notaremos facilmente que o ritmo e a entoação entretidos por ela na leitura de seus textos são regulares e de uma aparente monotonia, algo que, à primeira vista, tenderia a romper com essa perspectiva de uma leitura travada, tão ao gosto do poeta de “Uma faca só lâmina”. Mas essa seria uma leitura dos lábios, não do entendimento. Como ritmo de se ler e se escutar, a poesia de Moore flui tranquilamente, mas, para a compreensão de seus textos, do “vago” presente neles, é preciso ir e vir, ficar e sair, buscar o que de dentro e o que de fora, o que do texto e das informações que com ele dialogam externamente. Nada disso se faz sem releitura, nada disso é feito sem esforço e concentração sobre o texto, sem sair dele também à cata de informações complementares que auxiliem no desvendamento de “so much confusion”36 36 MOORE, Marianne, op. cit., p. 5. . Se esse acúmulo de artifícios pode tornar hermética a poesia, para o escritor isso será apenas impressão ocasional:

Ora, desde o momento em que você se afasta da norma você se faz esta palavra antipática que é hermético. Quer dizer, você se faz hermético numa leitura superficial. Agora, se o leitor ler e reler, estudar esse texto, ele verá que a coisa não é tão hermética assim. Apenas está escrito com um pequeno desvio da linguagem usual. Eu acredito no seguinte: um poeta que hoje é considerado hermético amanhã será inteiramente claro37 37 Apud ATHAYDE, Félix, op. cit., p. 44. Originalmente, entrevista a O Globo, Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1973. .

Um último aspecto a ser considerado nessa avaliação de Cabral sobre a poeta estadunidense é a relação sujeito/objeto, uma das bases da discussão lírica versus antilírica, também cara ao juízo estético cabralino. É o que encontramos, nesse sentido, em “Dúvidas apócrifas de Marianne Moore”:

Dúvidas apócrifas de Marianne MooreSempre evitei falar de mim,
falar-me. Quis falar de coisas.
Mas na seleção dessas coisas
não haverá um falar de mim?
Não haverá nesse pudor
de falar-me uma confissão,
uma indireta confissão,
pelo avesso, e sempre impudor?
A coisa de que se falar
até onde está pura ou impura?
Ou sempre se impõe, mesmo impura-
mente, a quem dela quer falar?
Como saber, se há tanta coisa
de que falar ou não falar?
E se o evitá-la, o não falar,
é forma de falar da coisa?38 38 MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra e depois, op. cit., p. 245-246. .

No caso de Moore, isso não deixa de ser de todo verdade; basta, para confirmação de ideia, o reconhecimento de que a escrita da poeta tinha muito a dever a seus estudos de formação biológica, à sua formação histórica e a seu credo religioso. A precisão no lidar com as palavras indica, no profundo de si da poeta, um traço dela mesma. Cada poema de Moore (a maior parte, pelo menos) não revela somente a técnica da poetisa, mas também sua bagagem de leitura, tendo em vista, repetindo, os recortes que confeccionam seus textos, como em colagens. Nisso se declara a dialética: por mais objetivos que se revelem os textos de Moore, neles a encontramos também a fundo, seja em sua faceta de poeta e/ou de leitora. E aqui tornamos aos versos iniciais de “The hero”, os que servem de epígrafe a Cabral: “Where there is personal liking we go/ Where the ground is sour [...]”. Neles descobrimos o “anverso das coisas”: esse começo indica que, aparentemente, o texto se desenvolverá numa perspectiva lírica, impressão que se desfaz com a objetividade do restante do poema (ainda na primeira estrofe lemos a promessa: “love won’t grow”); por sua vez, a objetividade presente nas demais estrofes não esconde, por fim, gostos que de fato são pessoais, o que explicaria a afirmação inicial. Segundo a epígrafe, vai-se pelo gosto pessoal, por onde o chão se mostra azedo, árduo, difícil, à semelhança do que Cabral exigia quanto à leitura. Tanto é que esse trecho é mencionado epigraficamente em Agrestes, livro em que o poeta aborda muita matéria pernambucana (algo pessoal de sua parte). Matéria agreste como o azedo de Moore, mas tratada por ele com escrita “limpa”, “econômica” e “reta”, ao modo de Moore também.

Tomando em revisão todos os poemas sobre Moore citados anteriormente, vemos que, apesar de diferenças pontuais entre Cabral e ela, dois modos de composição se encontram aí. Mas não só: também se aproximam duas formas de ver e ler o mundo, duas perspectivas que convergem. Não sabemos se João Cabral chegou a conhecer pessoalmente Marianne Moore (possivelmente não), mas isso não seria forçadamente necessário: as diversas menções a ela destacam que o poeta a conhecia bem, ao menos de leitura e releituras, de acompanhar a escrita, como a de tantos outros que participavam de seu campo de afinidade estética. Dada a equivalência, nasce a simpatia e o reconhecimento, dos quais são sinais concretos os poemas acima citados, como também um último, declaradamente uma “Homenagem renovada a Marianne Moore”:

Homenagem renovada a Marianne MooreCruzando desertos de frio
que a pouca poesia não ousa,
chegou ao extremo da poesia
quem caminhou, no verso, em prosa.
E então mostrou, sem pregação,
com a razão de sua obra pouca,
que a poesia não é de dentro,
que é como casa, que é de fora;
que embora se viva de dentro
se há de construir, que é uma coisa
que quem faz faz para fazer-se
- muleta para a perna coxa39 39 MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra e depois, op. cit., p. 250. .

Os predicativos são todos positivos acerca de Moore. Por quê? Porque ela “ousa” o que “pouca poesia” ousaria; ela “[chega] ao extremo da poesia” e trabalha “sem pregação”; ela, que “caminhou, no verso, em prosa”; ela, que fez uma poesia não “de dentro”, mas “de fora”, como quem constrói “uma casa”; ela, que, por fazer, fez se fazendo, essa “indireta confissão,/ pelo avesso”, como o “anverso das coisas”, anteriormente mencionado. E, como antes, a referência arquitetônica de agora aponta outra vez para o próprio poeta, já que também predicativo que lhe dizia respeito direta e intimamente: “Gostaria de ser arquiteto. A arquitetura sempre foi a arte que mais me interessou, e, ao meu ver, é a que está mais próxima do que tento fazer com a poesia”40 40 Apud ATHAYDE, Félix, op. cit., p. 145. Entrevista a Ricardo Leitão, Manchete, Rio de Janeiro, 1º de novembro de 1973. . Como a de Moore, sua poesia “não é de dentro”, mas “é como casa, que é de fora”, que é arquitetada, projetada, construída41 41 Para aprofundamento do aspecto arquitetônico da poesia de Cabral, indicamos: OLIVEIRA, Fábio de. O poema inquieta o papel e a sala: um estudo sobre João Cabral de Melo Neto e a arquitetura. São Luís: EDUFMA, 2017, 111 p. .

É nesse conjunto que se encontra a importância do estudo sobre a obra de João Cabral de Melo Neto em comparação à de Marianne Moore. Para um escritor que considerava positiva a metáfora da faca e a da lâmina (haja vista Uma faca só lâmina e A escola das facas), avaliar a poética de Moore como feita por “bisturi, simples canivete”, não seria, portanto, valor a menos. Pelo contrário, inclusive e como visto. Em certo sentido, para Cabral, tratar sobre a obra de Moore significaria referir-se também à sua própria obra. As várias menções do poeta (sob a forma de poesia ou epígrafe) a algum aspecto da obra de Moore reforçam os traços estilísticos referidos acima, impelindo-nos a uma curiosidade epistêmica que nos ajuda a ler a obra de Cabral de um modo renovado, mesmo que destacando, em partes, pontos já conhecidos sobre sua obra. Se pudéssemos destacar, em resumo, o que da poesia de Moore mais atraía o olhar cabralino, arriscaríamos assinalar a objetividade, a precisão e uma poesia em termos de prosa. O poeta não afirma isso às claras, mas, considerando sua própria estética e o conteúdo dos poemas acima citados, somos conduzidos a esse entendimento. Tal conjunto, ao final, explica a agudeza da metáfora do “bisturi, simples canivete”. A lâmina de Moore não é do tipo da de Cabral, de uma escola das facas, das facas de feira, cuja raiz metafórica é a de uma “imaginação do pouco”. Sua faca é lâmina, como a dele, mas de um aço distinto: porque sem rasgos profundos. Ainda assim, essa lâmina de Moore, por se revelar contundente, opera com precisão de limpa cicatriz, como se feita, repetindo, por “bisturi, simples canivete”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ATHAYDE, Félix. Ideias fixas de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Mogi das Cruzes: Universidade de Mogi das Cruzes, 1998.
  • BEACH, Christopher. The Cambridge introduction to twentieth-century American poetry. United Kingdom: Cambridge University Press, 2003.
  • CECIRE, Natalia. Marianne Moore’s precision. Arizona Quarterly: a Journal of American Literature, Culture, and Theory, v. 67, n. 4, Winter, 2011, p. 83-110.
  • HOLANDA, Sérgio Buarque de. Branco sobre o branco. In: _____. O espírito e a letra (1948-1959). V. II. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 522-525.
  • MELO NETO, João Cabral de. Considerações do poeta em vigília [entrevista]. Cadernos de Literatura Brasileira, São Paulo, v. 1, p. 18-31, mar. 1996.
  • _____. Serial e antes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
  • _____. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
  • _____. Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.
  • MOORE, Marianne. The complete poems of Marianne Moore. London: Faber and Faber, 1967.
  • OLIVEIRA, Fábio de. O poema inquieta o papel e a sala: um estudo sobre João Cabral de Melo Neto e a arquitetura. São Luís: EDUFMA, 2017, 111 p.
  • PAIXÃO, Fernando. Arte da pequena reflexão: poema em prosa contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2014.
  • SECCHIN, Antonio Carlos. João Cabral: a poesia do menos. São Paulo: Duas Cidades; Brasília: INL, 1985, p. 221.
  • SISCAR, Marcos. “Responda, cadáver”: o discurso da crise na poesia moderna. Alea, v. 9, n. 2, p. 176-189, jul.-dez., 2007.
  • SÜSSEKIND, Flora. Com passo de prosa: voz, figura e movimento na poesia de João Cabral de Melo Neto. Revista USP, n. 16, p. 93-102, dez./2002-fev./1993.
  • THE PARIS REVIEW. Marianne Moore: the Art of Poetry n° 4. Interviewed by Donald Hall. Issue 26, Summer-Fall, 1961.
  • 42
    OLIVEIRA. Fábio José Santos de. A lâmina que opera: um estudo sobre João Cabral e Marianne Moore. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 68, p. 145-163, dez. 2017.
  • 1
    MELO NETO, João Cabral de. Considerações do poeta em vigília [entrevista]. Cadernos de Literatura Brasileira, São Paulo, v. 1, p. 18-31, mar. 1996, p. 28.
  • 2
    Depois de pronto este ensaio, chegou a nosso conhecimento um artigo sobre a presença de Marianne Moore na obra de João Cabral de Melo Neto. A menção foi feita por um dos pareceristas da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, a quem agradecemos mesmo sob a forma do anonimato eticamente necessário no processo de avaliação editorial. À parte certos trechos de confluência, o texto de Flora Süssekind tem um caráter mais panorâmico que o nosso (ao menos no que toca ao par Cabral/Moore), o que nos distancia, em partes, do que ela propôs. Fica, de nossa parte e por ajuda desse avaliador desconhecido, a indicação do texto da autora, se ao leitor interessar mais informações sobre o assunto: SÜSSEKIND, Flora. Com passo de prosa: voz, figura e movimento na poesia de João Cabral de Melo Neto. Revista USP, n. 16, p. 93-102, dez./1992-fev./1993.
  • 3
    “[...] jardins imaginários com sapos reais neles”. Todas as traduções realizadas ao longo deste texto são de nossa autoria.
  • 4
    MOORE, Marianne. The complete poems of Marianne Moore. London: Faber and Faber, 1967, p. 36.
  • 5
    Ibidem, p. 8-9. “Vamos aonde há gosto pessoal/ Aonde o chão é azedo [...]”.
  • 6
    MELO NETO, João Cabral de. Serial e antes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 286-287.
  • 7
    Os textos de Francis Ponge são, em geral, poemas em prosa; logo, textos ainda do campo da poesia. Se destacamos na sua poética a realidade da prosa, o fazemos desconsiderando o aspecto classificatório e tendo por parâmetro avaliativo a estrutura mesma e básica dos textos, em parágrafos e não em estrofes, motivo que justifica o quiasmo que apontamos.
  • 8
    PAIXÃO, Fernando. Arte da pequena reflexão: poema em prosa contemporâneo. São Paulo: Iluminuras, 2014, p. 106-107.
  • 9
    THE PARIS REVIEW. Marianne Moore: the Art of Poetry n° 4. Interviewed by Donald Hall. Issue 26, Summer-Fall, 1961. “Entrevistador: E o uso reiterado de citações? Moore: Eu estava apenas tentando ser respeitosa e não roubar coisas. Eu sempre senti que, se algo foi dito da melhor maneira, como poderia dizê-lo melhor? Se eu quisesse dizer algo e alguém já o tivesse dito melhor, então eu tomaria [o trecho] mas daria os créditos à pessoa.”
  • 10
    Flora Süssekind associa essas metáforas “cirúrgicas” que Cabral utiliza na caracterização de Moore a dois versos específicos do poema “Those Various Scalpels”: “But why dissect destiny with instruments/ more highly specialized than components of destiny itself?”. SÜSSEKIND, Flora, op. cit., p. 97. “Mas por que dissecar o destino com instrumentos mais especializados do que o próprio destino?”
  • 11
    CECIRE, Natalia. Marianne Moore’s precision. Arizona Quarterly: a Journal of American Literature, Culture, and Theory, v. 67, n. 4, p. 83-110, Winter, 2011, p. 84. “Que Marianne Moore é uma poeta ‘precisa’, isso já é um lugar-comum na crítica sobre ela. [...] Precisão é talvez a característica mais largamente aceita sobre a poética de Moore e, como um modo de conhecimento seguro, tem servido para ratificar a sua posição como uma figura central no Modernismo norte-americano.”
  • 12
    THE PARIS REVIEW, op. cit. “A exatidão do vernáculo! É a espécie de coisa pela qual tenho interesse. Estou sempre tomando nota de expressões e sotaques locais. Penso que eu deveria estar em alguma operação ou trabalho filológico. Eu realmente tenho mais interesse por dialetos e entonações. De fato, mal penso no que entra nos meus assim chamados poemas.”
  • 13
    Apud ATHAYDE, Félix. Ideias fixas de João Cabral de Melo Neto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Mogi das Cruzes: Universidade de Mogi das Cruzes. 1998. Originalmente, entrevista a Manchete, Rio de Janeiro, 14 de agosto de 1976, p. 137.
  • 14
    Apud ATHAYDE, Félix, op. cit., p. 24-25. Originalmente, entrevista a Edla van Steen, Viver e escrever, v. 1, Porto Alegre: L&PM, 1981, p. 24-25.
  • 15
    “O que escrevo, como eu disse antes, só pode ser chamado de poesia porque não há outra categoria em que se possa colocá-lo.”
  • 16
    THE PARIS REVIEW, op. cit. “Eu gosto de estórias. Eu gosto de ficção. E – isso soa patético, estranho também – eu penso que o verso talvez fosse para mim a próxima melhor coisa [a ser feita]. Não escrevo eu algo [que é] a um só tempo ‘parte de um Poema, parte de um Romance, parte de uma Peça’?”
  • 17
    MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra e depois. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 138-139.
  • 18
    Continuando na linha prosaica, João Cabral organiza um livro em que esse traço é o ponto-chave. Trata-se de O rio (1953), que, por sinal, traz como epígrafe o seguinte fragmento de Berceo: “Quiero que compongamos yo y tú una prosa”.
  • 19
    MOORE, Marianne, op. cit., p. 48. “Eu, também, não gosto dela./ Lendo-a, no entanto, com um perfeito desprezo por ela, descobre-se/ nela, ao fim de tudo, um lugar para o genuíno.”
  • 20
    SISCAR, Marcos. “Responda, cadáver”: o discurso da crise na poesia moderna. Alea, v. 9, n. 2, p. 176-189, jul.-dez., 2007, p. 185.
  • 21
    MOORE, Marianne, op. cit., p. VIII. “Omissões não são acidentes.”
  • 22
    HOLANDA, Sérgio Buarque de. Branco sobre o branco. In: ____. O espírito e a letra (1948-1959). V. II. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 522-525. p. 525.
  • 23
    MELO NETO, João Cabral de. Serial e antes, op. cit., p. 65.
  • 24
    Ibidem, p. 67.
  • 25
    Ibidem, p. 68.
  • 26
    Apud ATHAYDE, Félix, op. cit., p. 44. Originalmente, entrevista a O Globo, Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1973.
  • 27
    MELO NETO, João Cabral de. Serial e antes, op. cit., p. 12
  • 28
    SECCHIN, Antonio Carlos. João Cabral: a poesia do menos. São Paulo: Duas Cidades; Brasília: INL, 1985, p. 221.
  • 29
    BEACH, Christopher. The Cambridge introduction to twentieth-century American poetry. United Kingdom: Cambridge University Press, 2003, p. 92. “[...] ela revela o jogo de sua própria mente acerca das complexidades de um assunto e, assim, deixa ao leitor a tarefa de juntar as peças num todo coerente. Mesmo o argumento primário é relativamente claro, a complexidade repousa na riqueza de observação e descrição detalhadas do poema.”
  • 30
    THE PARIS REVIEW, op. cit. “[Se] os estudos de laboratório afetaram minha poesia? Tenho certeza que sim. Eu achava os cursos de biologia (menor, maior e histologia) estimulantes. Eu pensei, de fato, em fazer medicina. Ao que me parece, precisão, economia de frase, lógica empregada em fins desinteressados, ao coletar e identificar, liberam (ao menos, têm alguma influência sobre) a imaginação.”
  • 31
    MOORE, Marianne, op. cit. p. 8. “Vamos aonde há gosto pessoal/ Aonde o chão é azedo; aonde existem/ ervas da altura de pés de feijão,/ dentes hipodérmicos de cobras, ou/ o vento [que] traz a ‘voz infantil de pavor’/ do teixo rejeitado disposto com/ os olhos semipreciosos de gato da coruja –/ acordado, dormindo, ‘orelhas levantadas estendidas para finos pontos’, e assim/ por diante – o amor não crescerá.”
  • 32
    “Nós não gostamos de algumas coisas, e o herói também não [...].”
  • 33
    MOORE, Marianne, op. cit., p. 9. “[...] tudo isso pode-se conhecer como o herói.”
  • 34
    MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra e depois, op. cit., p. 243.
  • 35
    Idem. Prosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 59-60. Conferência pronunciada na Biblioteca de São Paulo, em 1952.
  • 36
    MOORE, Marianne, op. cit., p. 5.
  • 37
    Apud ATHAYDE, Félix, op. cit., p. 44. Originalmente, entrevista a O Globo, Rio de Janeiro, 27 de outubro de 1973.
  • 38
    MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra e depois, op. cit., p. 245-246.
  • 39
    MELO NETO, João Cabral de. A educação pela pedra e depois, op. cit., p. 250.
  • 40
    Apud ATHAYDE, Félix, op. cit., p. 145. Entrevista a Ricardo Leitão, Manchete, Rio de Janeiro, 1º de novembro de 1973.
  • 41
    Para aprofundamento do aspecto arquitetônico da poesia de Cabral, indicamos: OLIVEIRA, Fábio de. O poema inquieta o papel e a sala: um estudo sobre João Cabral de Melo Neto e a arquitetura. São Luís: EDUFMA, 2017, 111 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    25 Abr 2017
  • Aceito
    28 Nov 2017
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