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Indigenização de práticas de numeramento no desenvolvimento e na gestão de projetos sociais do povo indígena Xakriabá

Indigenization of numeracy practices in the development and management of social projects of indigenous people Xakriabá

RESUMO

Este artigo analisa processos de apropriação de práticas de numeramento que se configuram no desenvolvimento e na gestão de projetos sociais do povo indígena Xakriabá. A perspectiva etnográfica adotada permite reconhecer tais processos como instâncias de “indigenização dos projetos”, termo tomado dos estudos do antropólogo Marshall Sahlins, que se refere à “indigenização da modernidade” para explicitar a maneira como os povos indígenas “vêm elaborando culturalmente tudo aquilo que lhes foi infligido”. As práticas de numeramento analisadas veiculam diferentes racionalidades que permeiam os projetos, e é no confronto entre racionalidades de matriz cartesiana e racionalidades táticas que aqui se identifica o movimento dos sujeitos para “indigenizá-las”.

PALAVRAS-CHAVE:
Povo indígena Xakriabá; projetos sociais; indigenização; práticas de numeramento; apropriação

ABSTRACT

This paper analyzes processes of appropriation of numeracy practices that are configured in the development and management of social projects of Xakriabá indigenous people. Adopting an ethnographic perspective allows us to recognize these processes as instances of “indigenization of projects”, a term taken from studies of the anthropologist Marshall Sahlins which refer to the “indigenization of modernity” to explain the way in which indigenous peoples “have been culturally elaborating everything that has been inflicted on them”. Numeracy practices convey different rationalities that permeate the projects, and it is in the confrontation between cartesian and tatic rationalities that the movement of the subjects to “indigenize” those practices is identified.

KEYWORDS:
Xakriabá indigenous people; social projects; indigenization; numeracy practices; appropriation

A população Xakriabá é composta de aproximadamente oito mil indígenas, que vivem em uma área de aproximadamente 60 mil hectares, dividida em cerca de 30 aldeias, localizadas nos municípios de Itacarambi e São João das Missões, região norte de Minas Gerais/Brasil. Essa região, situada próximo ao Vale do Rio São Francisco, é coberta por uma vegetação de caatinga e cerrado, com poucos rios perenes. Os problemas relacionados com a seca constituem um grande desafio para a sobrevivência desse povo. Hoje, os Xakriabá vivem um processo de retomada do território, o que implica pressão para a ampliação da área territorial indígena, e tem causado fortes conflitos com os fazendeiros da região.

Os estudos de Gomes, Silva e Santos1 1 GOMES, Ana Maria R.; SILVA, R. C.; SANTOS, R. B. Organização da aprendizagem e participação das crianças Xacriabá no contexto familiar e comunitário. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPOCS, 32. Anais..., Caxambu, 2008. mostram que os Xakriabá vêm experimentando mudanças - muitas delas decorrentes da entrada de recursos financeiros oriundos de políticas sociais do Estado que chegam a esse grupo sob a forma de projetos sociais2 2 A expressão “projetos sociais”, incorporada pelos Xakriabá, designa as ações estruturadas e intencionais de entidades, organizações governamentais e não governamentais, visando intervir em determinada problemática diagnosticada na comunidade. . Esses estudos mostram também que a gestão dos projetos sociais impõe não só um grande e complicado diálogo entre a comunidade e a máquina administrativo-burocrática do Estado, com seus prazos, rubricas, documentos, mas também a necessidade de a população se organizar para elaborar e desenvolver os projetos sociais. Destacam-se na Terra Indígena Xakriabá a elaboração e a gestão de projetos sociais voltados para a solução de problemas ambientais que degradam o território, bem como um renovado incentivo à produção agrícola e às atividades econômicas, visando à garantia da permanência dos Xakriabá em suas terras.

Os Xakriabá e aqueles com quem interagem nos processos de elaboração, desenvolvimento e gestão dos projetos instauram práticas, ora submetendo-se às regras que lhes são impostas, ora transgredindo-as, driblando-as ou as transformando. É essa apropriação de práticas protagonizada pelos Xakriabá - nas quais reconhecemos processos de “indigenização” - que pretendemos abordar neste artigo.

Assim, voltando-nos para o movimento de chegada dos projetos sociais entre os Xakriabá e referenciadas na perspectiva etnográfica que orientou os procedimentos do trabalho de campo e a análise que empreendemos do material empírico, propomos discutir os processos de apropriação, pelos Xakriabá, de práticas que se configuram no desenvolvimento e na gestão dos projetos sociais.

Inevitavelmente, muitas dessas práticas, especialmente se tais projetos pleiteiam e contam com verbas públicas, colocam em evidência - e em confronto - modos de quantificar, ordenar, medir, classificar, lidar com formas e com o espaço. Por isso, podemos identificar tais práticas como práticas de numeramento, não exatamente para destacar as habilidades matemáticas que envolvem, mas para analisá-las “em sua dimensão sociocultural e, como tal, sujeitas às pressões das sociedades em que se conformam”3 3 FONSECA, Maria da Conceição F. R. Numeramento: usos de um termo na configuração de demandas e perspectivas da pesquisa em educação matemática de pessoas jovens e adultas. In: D’AMBROSIO, Beatriz S.; LOPES, Celi E. (Org.). Vertentes da subversão na produção científica em educação matemática. Campinas: Mercado das Letras, 2015, p. 257-281. p. 270. . Por isso, as práticas de numeramento flagradas nas atividades dos projetos sociais do povo indígena Xakriabá - que se configuram para atender às exigências dos financiadores, mas que também estabelecem procedimentos lógicos de um modo Xakriabá de conceber, organizar, operar, avaliar e relatar seus processos de produção, sua vivência, sua cultura - se apresentam como oportunidades férteis para analisar processos de indigenização desses projetos.

Ao assumirmos como contexto de investigação o desenvolvimento e a gestão dos projetos sociais dos Xakriabá, voltamos, assim, nossa preocupação para o aspecto pragmático das interações discursivas em que se conformam as práticas de numeramento envolvidas, “nas quais se reconhecem os recursos e os constrangimentos que as relações matemáticas mobilizadas em diferentes contextos de relação com as culturas do escrito oferecem e impõem às práticas sociais”4 4 Ibidem, p. 275. .

Projetos sociais Xakriabá, cultura e indigenização

A cultura será aqui discutida a partir dos estudos do antropólogo estadunidense Marshall Sahlins5 5 SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um “objeto” em via de extinção (parte I). Mana, v. 3, n. 1, Rio de Janeiro, 1997, p. 44. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93131997000100002>. Acesso em: 6 nov. 2017. , que respondem a várias críticas dirigidas à antropologia, reafirmando o conceito de cultura e rompendo com a visão de que ela está fadada à morte pelas consequências do imperialismo colonizador ocidental. O autor argumenta que, dentre seus vários significados, a cultura, no seu sentido antropológico, foi capaz de transcender a noção de refinamento cultural (ideia de cultura associada a culto, e não a cultural) e a das ideias progressivistas da civilização às quais esse conceito já esteve ligado. Ele pondera que, como o conceito de cultura sobreviveu a tantas tentativas de deslegitimação, ele sobreviverá também às atuais tentativas de extingui-lo.

Sahlins discute as controvérsias morais e políticas que envolvem o conceito antropológico de cultura para explicar a visão pessimista dos autores que consideram o conceito de cultura em vias de extinção. Para Sahlins, a suspeição que cerca esse conceito estaria relacionada à compreensão de cultura como a demarcação de diferenças de um grupo colonizado ou racialmente discriminado: a referência à cultura desse grupo seria uma forma de marcar-lhe hegemonicamente a servidão, demarcar a diferença e reafirmar as várias desigualdades que são próprias do sistema capitalista.

Nesse estudo, Sahlins analisa que, para os críticos da antropologia, essa visão de cultura seria também considerada como um “meio ideológico de vitimização” ou como “tropo ideológico do colonialismo”, porque as formas e as normas culturais são prescritivas e não concedem espaço algum à ação humana. Nesse caso, a ideia antropológica de cultura conferiria legitimidade às múltiplas diferenças e à estabilização da diferença, como o racismo, característica essencial do capitalismo ocidental. Portanto, o papel da antropologia ali seria o de demarcar a diferença cultural como um valor, e não o de explicar a diversidade cultural ou indagar sobre a natureza das diferenças e semelhanças existentes entre os vários povos. Para Sahlins, essa dissolução do sentido antropológico da cultura mediante uma redução de seu conteúdo a seus supostos efeitos, e de suas propriedades a suas pretensas finalidades, “termina por dissolver praticamente tudo que a antropologia busca saber, e que o trabalho de campo luta por descobrir, sobre as culturas humanas enquanto formas de vida”6 6 SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica... (parte I), op. cit., p. 44. .

Os estudos de Sahlins, entretanto, aportam outra perspectiva para a análise de como os projetos sociais, ao serem incorporados pelos Xakriabá, tendem a ser adaptados aos sistemas nativos desse grupo indígena. Segundo esses estudos, muitos trabalhos etnográficos realizados com povos indígenas e outros grupos supostamente em desaparecimento mostram que esses povos têm se recusado “tanto a desaparecer quanto a se tornar como nós”7 7 Ibidem, p. 52. . O autor reafirma:

[...] ao menos aqueles povos que sobreviveram fisicamente ao assédio colonialista não estão fugindo à responsabilidade de elaborar culturalmente tudo o que lhes foi infligido. Eles vêm tentando incorporar o sistema mundial a uma ordem ainda mais abrangente: seu próprio sistema de mundo8 8 Ibidem. .

Com essa compreensão, Sahlins ressalta que a “tarefa da antropologia agora é a indigenização da modernidade”9 9 Ibidem, p. 53. , que corresponde aos processos por meio dos quais os povos indígenas incorporam o sistema mundial, ou seja, aos modos como a ordem indígena engloba a ordem moderna, organizando o seu próprio sistema de mundo.

A constatação de que ocorrem processos de indigenização de práticas culturais nos parece essencial para entender as mudanças na vida dos Xakriabá e os processos de apropriação dos modelos externos que se apresentam a esse grupo indígena em muitas instâncias da vida social, inclusive, e, de modo especial, na gestão dos projetos sociais.

É por isso que, na análise a que submetemos o material empírico produzido no acompanhamento de projetos sociais nas aldeias Xakriabá Sumaré III, Vargens, Barreiro Preto, Santa Cruz e Caatinguinha, partimos da perspectiva antropológica defendida por Sahlins para nos referirmos à indigenização como processos de apropriação, pelos Xakriabá, de práticas envolvidas nas atividades dos projetos sociais que, ao adentrarem na cultura desse grupo indígena, são por eles transformadas e incorporadas ao seu próprio sistema de mundo. E é nesse sentido que a etnografia definiu a intencionalidade e a sistemática do desenvolvimento de nossa investigação: orientada por uma reflexão sobre cultura, práticas culturais e apropriação de práticas culturais, a pesquisa demandou a presença na aldeia, a visita aos projetos e o acompanhamento de coordenadores e de outros participantes em atividades de motivação, planejamento, desenvolvimento, discussão e prestação de contas dos projetos. Isso subsidiou as possibilidades de análise dos depoimentos concedidos em entrevistas semiestruturadas com esses sujeitos, gravadas em áudio, e daqueles outros depoimentos colhidos em conversas informais, nas diversas situações de interação que a permanência nas aldeias oportunizava.

Essa reflexão sobre os processos de apropriação pelos Xakriabá de práticas envolvidas nas atividades dos projetos sociais nos leva, ainda, a reexaminar o posicionamento dos grupos indígenas frente à globalização. Para esse reexame, Sahlins ressalta a importância de entender como as mudanças ocorrem nesses grupos e cita Watson10 10 WATSON, William. Tribal cohesion in a money economy: a study of the Mambwe people of Northern Rhodesia. Manchester: Manchester University Press for the Rhodes-Livingstone Institute, 1958. , para quem, “no processo de mudança social, uma sociedade tenderá sempre a se ajustar às novas condições através das instituições sociais já existentes. Essas instituições sobreviverão, mas com novos valores, dentro de um novo sistema social (Watson 1958: 228)”11 11 SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica... (parte I), op. cit., p. 54. .

Por isso, para tomarmos os processos de apropriação de práticas como processos de indigenização, é preciso compreender como as mudanças ocorrem: elas não acontecem de forma arbitrária, e se devem, em parte, ao fato de que são os povos indígenas que estão mudando e que eles “não se pensam necessariamente como periféricos. Estão onde está a vida, e são as outras coisas que são periféricas. Eles operam com elas em termos do seu próprio sistema”12 12 ALMEIDA, Mauro W. B. de. Uma entrevista com Marshall Sahlins. In: PEIXOTO, Fernanda Arêas; PONTES, Heloisa; SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). Antropologias, histórias, experiências. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004, p. 94. .

Nessa perspectiva, o que é construído nesses processos não é mais a mesma cultura indígena e nem sua submissão a valores da modernidade. Fazem-se continuamente novas formulações, organizadas a partir do modo pelo qual aquela cultura lida com o mundo e que, portanto, muda conforme esse modo. Tal processo é mais que uma hibridização, que corresponde à “noção de que uma coisa veio daqui, outra veio de lá, mas não há nenhum senso de ordem: não há princípio de ordenação, só mistura de coisas”13 13 Ibidem, p. 95. . No processo de apropriação, ao contrário, há uma ordenação simbólica e, desde que as pessoas sejam capazes de reter a integridade do território e da comunidade, cabe a elas essa ordenação, que também envolve, como no caso dos povos indígenas, a luta por condições básicas como autonomia, território e comunidade.

Dessa forma, muitos povos estabelecem processos de reafirmação de sua cultura pela apropriação de externalidades que são trazidas para dentro de seu próprio sistema, no qual elas passam a ter valores muito poderosos. Os povos indígenas podem apoderar-se de bens, de técnicas ou do que quer que venha de fora, transgredindo as próprias fronteiras. Entretanto, esses povos, de posse de ideias “ocidentais”, colocam-nas dentro de suas próprias ideias e, conferindo a elas valores relacionados a seu próprio conjunto de valores, as utilizam.

Sem desconsiderar as contradições existentes na relação dos Xakriabá com o mundo não indígena, buscamos compreender como esse povo indígena tem indigenizado os projetos sociais. Ou seja, focalizando como os projetos sociais adentram nas suas relações internas, nosso estudo investiga como esse povo indígena, agindo de maneira tática e pragmática14 14 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 1. Artes de fazer. 17 ed. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 2011. , tem tornado as coisas dos não indígenas suas coisas, como eles as têm tornado Xakriabá.

É nessa perspectiva que analisamos também como os projetos têm possibilitado a esse povo indígena trazer de volta algumas práticas culturais que foram abandonadas ao longo dos tempos, entre elas a produção da rapadura e a valorização das sementes nativas (principalmente de milho), as chamadas sementes crioulas, que há muito tempo foram sendo substituídas por sementes vindas de fora que passaram a ser frequentemente distribuídas para plantio pela própria Fundação Nacional do Índio - Funai15 15 A Funai é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, criado em 1967, e principal executor da política indigenista do governo federal. . Além disso, o advento dos projetos também possibilitou o fortalecimento e a ampliação de outras práticas valorizadas pelos Xakriabá, como a produção do artesanato e da farinha, que, sendo objeto dos projetos, ganham incremento e maior visibilidade nas comunidades.

É nesse sentido que compreendemos a circulação do enunciado: “projeto é cultura”, que em diversas situações vivenciadas durante o trabalho de campo, ouvimos ser proferido ou ecoar nas conversas com pessoas das várias aldeias. Esse enunciado circula estabelecendo uma forte articulação dos projetos sociais com os modos de vida Xakriabá, o que exige e propicia uma adaptação do modelo formal dos projetos à cultura local. É nessa articulação que os sujeitos parecem considerar os projetos sociais Xakriabá de modo tão imbricado com a cultura, conceito que, para tais sujeitos, ultrapassa a perspectiva da manutenção ou da recuperação do passado, e assume um forte apelo àquilo que é vivido hoje: “É uma coisa viva. É a cultura, é a sustentabilidade, é o movimento. A cultura não fica parada no tempo. Ela busca elementos lá de fora. Vêm os recursos dos projetos para movimentar essa vida”16 16 Edgar, morador da aldeia Barreiro Preto, em entrevista concedida em 2/5/2012. .

Gestão de projetos, cultura escrita e práticas de numeramento como práticas de letramento

A compreensão de cultura como produção humana, que não é determinada ou fechada nos seus significados, amplia a percepção das configurações que vão se constituindo na organização social e política do povo indígena Xakriabá. Essas configurações, decorrentes do processo de escolarização dos Xakriabá e da entrada dos projetos sociais na aldeia, definem outros modos de relação com as atividades produtivas, com a gestão de recursos financeiros, com a negociação entre as pessoas da comunidade e os vários parceiros e, também, com as formas de registro que se apresentam nas várias etapas dos projetos: análise do edital, elaboração do texto do projeto, organização e controle da produção, construção de relatórios, formas de pagamento, prestação de contas e outros documentos.

Com efeito, a relação com os projetos é permeada pela cultura escrita e, dessa forma, no processo de gestão dos projetos, é introduzida na vida dos Xakriabá toda uma lógica de regulação, por meio da proposição, por editais, de procedimentos de controle da produção e recursos, por documentos de prestação de contas etc. As práticas letradas que se configuram nessas situações se forjam como práticas dos Xakriabá envolvidos com os projetos, ou seja, surgem dessa nova vivência que compõe o que reconhecemos como cultura.

No entanto, queremos destacar que as práticas de letramento dos Xakriabá implicadas nos projetos sociais são também fortemente marcadas por processos de quantificação, de mensuração, de classificação, de ordenação e pelas representações que tais processos demandam e estabelecem, de modo que podemos considerá-las práticas de numeramento, aqui tomadas como inseridas no conjunto das práticas de letramento.

Na discussão que fazem sobre os processos de elaboração e desenvolvimento dos projetos sociais, os sujeitos envolvidos apontam para os confrontos e as articulações que constituem práticas de numeramento valorizadas ou consideradas adequadas na aprovação dos projetos e de seu desenvolvimento pelos órgãos financiadores:

Em uma reunião da Associação, todos dão suas opiniões de como deve fazer e, por último, quem tem a leitura é que vai dar o resultado final. E todos conferem se o resultado está certo e, quando não fica certo, todos falam até chegar a um consenso. São construídos acordos sobre o resultado que será escrito e, muitas vezes, usamos a calculadora para conferir. Extraído do relatório de pesquisa de Jeuzani Pinheiro Santana, estudante Xakriabá do Curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas da Universidade Federal de Minas Gerais17 17 Extraído do relatório de pesquisa de Jeuzani Pinheiro Santana, estudante Xakriabá do Curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas da Universidade Federal de Minas Gerais. SANTANA, Jeuzani P. Revivendo e fortalecendo os conhecimentos indígenas do povo Xakriabá. Belo Horizonte: Curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas (FIEI-FaE-UFMG), 2009, s. p. .

Em tais confrontos e articulações, esses sujeitos defendem diferentes posições que são assumidas: por pessoas que exercem liderança em suas aldeias, ou por membros das associações; pelos mais velhos, ou pelos mais jovens; pelos mais experientes ou pelos iniciantes na discussão dos projetos sociais; pelas mulheres ou pelos homens; pelas pessoas escolarizadas ou não; pelas pessoas com maior ou menor intimidade com práticas de leitura e escrita e de matemática hegemônicas.

Esses posicionamentos também veiculam análises sobre os modos de lidar com os conhecimentos: aqueles constituídos nas práticas da aldeia, justificados pela intenção pragmática que os motiva ou pela tradição que os pereniza; aqueles forjados na experiência escolar, de inspiração cartesiana, que cultuam os ideais da modernidade; e aqueles que ponderam contribuições e restrições de uns e de outros para atender às demandas dos projetos. A presidente da Associação Indígena Xakriabá da Aldeia Santa Cruz, ao analisar o projeto “Recuperar Nascentes”18 18 Para informações sobre o projeto, consultar: SANTANA, Jeuzani P., op.cit. , desenvolvido em sua aldeia, pondera que “às vezes, essa matemática de antigamente até entra, [...] mas a matemática dos projetos não aparece dessa forma”19 19 Depoimento concedido a Jeuzani Pinheiro Santana, estudante Xakriabá do Curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas da Universidade Federal de Minas Gerais na fase inicial de seu projeto de pesquisa. . Isso nos leva a suspeitar que, nas diversas etapas dos projetos sociais, convivam modos diferentes de matematicar: aqueles modos marcados pela cultura escrita, próximos do modelo da matemática escolar, endossado nas instâncias de formalização dos projetos; e outros modos de lidar com a quantificação, a ordenação, as métricas, as classificações, ou a organização do espaço, nos quais prevalecem valores e recursos em muitos aspectos diferentes daqueles que se mobilizam na matemática escolar.

Ao falar da gestão dos recursos financeiros de um projeto, Nicolau ressalta que é importante ter jogo de cintura, enfatizando os processos de submissão e de resistência ao “assujeitamento” imposto pelo processo de elaboração e gestão dos projetos sociais na comunidade indígena Xakriabá:

Só que o que nós compremo em vez de dar cinco deu onze. Por quê? Porque nós compremo cerâmica que não tava no projeto, compremo oito lata de tinta que não tava no projeto. Procê fazer uma construção dessa, cê coloca lá seiscentos metros de ferro, igual foi feito aqui, vai mais de mil. Então cê tem mais quatrocentos metros pra comprar, já num tem dinheiro. Cê precisa de mais barra de ferro porque lá só tem é... Quando precisa mais quatrocentos, mas esses ferro de fazer o triângulo não tem, num tá no projeto, então cê tem que comprar a mais. Aí é onde a gente, esse projeto se não tiver jogo de cintura, a gente acaba nem fazendo. Porque é muita coisa que falta e poucas que sobra20 20 Nicolau, presidente da Associação Indígena Xakriabá da Aldeia Barreiro Preto, em entrevista concedida em 21/2/2012. Na transcrição dos depoimentos, foram mantidas as marcas de oralidade presentes em conversas informais. .

É por isso que, para compreender os modos de apropriação, pelos Xakriabá, de práticas de numeramento, é preciso identificar, nas estratégias elaboradas e desenvolvidas pelos sujeitos, não só as instâncias de quantificação, classificação, medição ou ordenação, mas os valores e as relações de poder a elas relacionadas e nas quais se reconhecem processos de submissão e de resistência. Tais processos definem o posicionamento dos sujeitos nessas práticas e sua própria posição de sujeito nos projetos sociais e em sua gestão.

A atenção que legamos a tais “práticas de letramento numeradas” - as práticas de numeramento - deve-se, pois, não apenas à avaliação da relevância de tais práticas nos processos de desenvolvimento e gestão dos projetos, mas também à aposta na fertilidade da análise dessas práticas para a discussão de processos de indigenização dos projetos sociais.

Desenvolvimento e gestão dos projetos sociais pelos Xakriabá

Os relatos que trazemos para análise nesta seção foram produzidos por Nicolau, presidente da Associação da Aldeia Barreiro Preto. Sua reflexão sobre o desenvolvimento e a gestão dos recursos e das atividades dos projetos sociais mostra a submissão à lógica financeira dos órgãos financiadores, enredando as práticas numa racionalidade mais identificada com a matemática cartesiana que rege os processos de controle das sociedades não indígenas. Com efeito, diferentemente do que ouvimos outros sujeitos e o próprio Nicolau narrarem sobre as outras etapas dos projetos (definição do objeto, escrita e engajamento), quando processos de indigenização acabam por definir os modos de proceder, na gestão (que envolve a prestação de contas), os sujeitos marcarão, no discurso, os limites que se impõem à maleabilidade no trânsito entre as lógicas que envolvem os projetos.

Nas práticas de numeramento que conformam o processo da gestão dos projetos não é difícil identificar a matemática hegemônica como suporte às situações de controle impostas pelos órgãos financiadores: planilhas devem ser coerentes e completamente preenchidas; gastos devem ser corretamente classificados por rubricas; ações ou processos precisam ser registrados e justificados; “as contas têm que fechar”. A análise dos depoimentos de Nicolau a que procuramos proceder, no entanto, aponta que, apesar disso, se forjam possibilidades de se estabelecerem novas práticas de numeramento regidas por outras lógicas. É na instauração dessas possibilidades e nos discursos que as conformam que queremos compreender a indigenização na gestão dos projetos sociais.

Quando o Projeto da Aldeia Sumaré 3 foi enviado para a Carteira Indígena21 21 Com o nome oficial de Carteira de Projetos Fome Zero e Desenvolvimento Sustentável em Comunidades Indígenas, a Carteira Indígena é uma ação conjunta do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). A Carteira Indígena é “uma ação do governo federal, cuja finalidade é apoiar e fomentar o desenvolvimento sustentável, a gestão ambiental das terras indígenas e a segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas, em todo o território nacional”. Recebe projetos com focos nas seguintes linhas temáticas: apoio a atividades econômicas sustentáveis; apoio à realização e fortalecimento de práticas, rituais e saberes tradicionais associados à autossustentação econômica dos povos indígenas; apoio à gestão ambiental e territorial das terras indígenas; fortalecimento institucional das organizações e associações comunitárias indígenas; apoio à consolidação e integração de atividades econômicas sustentáveis e gestão ambiental. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente – MMA. Carteira Indígena: diretrizes e normas de funcionamento. Texto aprovado na II Oficina Nacional de Trabalho da Carteira, com ajustes aprovados na 31a Reunião do Comitê Gestor, em Brasília, de 27 a 29/10/2009. Disponível em: <www.mma.gov.br/estruturas/sds_carteira_indigena/_arquivos/diretrizes_ci_aprovadas_na_ii_oficina_nacional_com_ajustes_aprovados_pelo_comit_gestor_em_outubro_de_2009_98_98_98.pdf>. Acesso em: 19 out. 2017. , não foi exigida da Associação a planta das construções previstas (farinheira, minipadaria, criatório de galinhas). Em um dos itens do projeto, era exigido apenas que fosse descrito o que seria necessário para realizar cada uma das atividades previstas, qual o custo de cada uma e em que tipo de despesa esses custos se enquadravam. Sobre como eles calculavam os materiais necessários a cada uma das construções previstas e quem as projetava, Nicolau descreveu assim:

O projeto da construção nós já temos ele na cabeça, é só falar que é vinte por oito. No caso da Casa de Farinha da aldeia Sumaré 3, a gente colocou assim: um quarto, sala de produção para fazer a farinha, um quarto para ser o Banco de Semente, outro para a comunidade armazenar alguma coisa. Aí vem cá no fundo um quadrado de oito por oito para a padaria. Com base nesse croqui que já temos na cabeça, é que faz o cálculo de quanto de material precisa. Às vezes, a gente faz junto com o pedreiro. Mas, já na primeira vez do Projeto da Farinheira da aldeia Vargens, a gente já deu um cálculo, mas nem teve tanto cálculo porque o plano do projeto era assim: tinham dois mil blocos para fazer o alicerce, as ferragens e os quadrados para fazer a diagonal22 22 Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012. .

Mesmo que a elaboração do projeto exigisse uma previsão de recursos destinados a cada “insumo” (tijolo, areia, brita, cimento etc.), a impressão inicial que temos - ao ouvir Nicolau dizer que o projeto da construção “já temos ele na cabeça”, que “é só falar que é vinte por oito”, que o cálculo “a gente faz junto com o pedreiro”, que “nem teve tanto cálculo assim” e que ele se submete à disponibilidade de material - é que os procedimentos de planejamento, cálculo e registro das ações são, de certa forma, desdenhados.

Pelo fato de já ter experiência em executar um projeto, Nicolau confessa já estar na sua “cabeça” um plano básico que lhe permitirá efetuar a compra do material necessário. A explicitação desse projeto é feita em termos simples: “é só falar que é vinte por oito”; e orienta não só a compra dos materiais, mas também seu uso em negociação com o pedreiro. O modo de Nicolau conduzir a gestão não se filia, pois, a uma racionalidade matemática, pelo menos, não à racionalidade da matemática hegemônica.

Nesse processo inicial de lidar com os recursos do projeto, as formalidades de planejamento não ocupam uma centralidade. Nas práticas de gestão a que Nicolau vai se referindo, percebemos um jogo que em muito se parece com os que Michel de Certeau deslinda em A invenção do cotidiano23 23 CERTEAU, Michel de, op. cit., p. 46. : joga-se o tempo todo com as situações para transformá-las em “ocasiões”. O modo de gerir os projetos parece vigiar “para ‘captar no voo’ possibilidade de ganho”. Assim se consegue, em momentos oportunos, “combinar elementos heterogêneos” que definem como serão feitas as construções. A despeito da existência de um planejamento, a narrativa da gestão do projeto não se submete ao discurso que o idealiza como garantia de sucesso ou norma moral ou técnica, e a prática de gestão vai se configurando na “própria decisão, ato e maneira de aproveitar a ocasião”24 24 Ibidem, p. 46. .

Aí, nós ideiou de fazer tijolinho. Então, antes do recurso do projeto cair na conta, nós fizemos um mutirão no celeiro, lá perto da casa de Ivone, fizemos mais ou menos uns oito mil tijolo. Nós pôs fogo, mas aquela dificuldade na comunidade: ia um grupinho de seis pessoas, e ficava assim, um ia outro não ia. Ainda bem que nós fez, pois, como nós tinha material sobrando desse projeto, que era madeira, o orçamento estava bem alto, aí foi que a gente conseguiu de dois mil que tinha no orçamento, nós compramos quatro mil. Todo o alicerce foi feito de tijolo, em vez de nós levantar com tijolinho nós fizemos com bloco, faltou mais um pouco, e a gente comprou mais. A madeira que tinha uma quantidade bem maior, nós troquemos a troco de outro material, deixemos pago lá e troquemos a troco de bloco que não tinha. Ferragem, aqui mesmo, tinha seiscentos metros de ferragem. Vixe, vai ser ferro que vai sobrar! Mentira, só deu para essas pilastras e a cinta debaixo. Debaixo, tem uma cinta que corre ao redor. Quando foi pra fazer a cinta de cima, faltou a ferragem. Aí, nós peguemos, aí nós foi negociando com outras coisas. Cimento mesmo foram duzentos sacos de cimento, e esses duzentos sacos de cimento foram a conta. Ainda passou acho que dois ou três sacos a mais...25 25 Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012. .

Quando a comunidade “ideiou de fazer tijolinho”, antes mesmo de o recurso do projeto cair na conta da Associação, viu-se a oportunidade de aproveitar as “ocasiões”. Essa tática26 26 Utilizamos aqui o termo “tática” no sentido que se lhe atribui Michel de Certeau, distinguindo-a de estratégia: “a tática é determinada pela ausência de poder, assim como a estratégia é organizada pelo postulado de um poder”. CERTEAU, Michel, op. cit., p. 95. , no entanto, não tem uma implementação trivial: é preciso pôr “fogo” (para cozer os tijolos ou para incentivar os companheiros), mas, mesmo assim, é “aquela dificuldade”. A avaliação, porém, é positiva: “ainda bem que nós fez”. Assim, a tática opera “lance por lance” e vai prevendo soluções segundo os interesses e os modos de vida desse grupo indígena:

[...] aí foi que a gente conseguiu de dois mil que tinha no orçamento, nós compramos quatro mil [...], em vez de nós levantar com tijolinho nós fizemos com bloco [...]. A madeira que tinha uma quantidade bem maior, nós troquemos a troco de outro material, deixemos pago lá e troquemos a troco de bloco que não tinha. Ferragem, aqui mesmo, tinha seiscentos metros de ferragem. Vixe, vai ser ferro que vai sobrar! Mentira, só deu para essas pilastras e a cinta debaixo [...]. Aí nós peguemos, aí nós foi negociando com outras coisas.

A gestão dos recursos vai se constituindo, desse modo, em um novo fluxo que não necessariamente o que estava projetado no início. E esse movimento nos sugere também que não há uma preocupação “moral” com essa suposta falta de planejamento. A gestão do projeto se apoia em experiências anteriores, mas é algo da vida, das circunstâncias, que se estabelece fazendo “uma bricolagem com e na economia cultural dominante, usando inúmeras e infinitesimais metamorfoses da lei, segundo seus interesses próprios e suas próprias regras”27 27 Idem, p. 40. .

O acolhimento da imprevisibilidade como uma possibilidade na gestão dos recursos não significa, porém, um descaso com as experiências já vividas em outros projetos. Pelo contrário, o pouco investimento na formalização e obediência a um planejamento do gasto dos recursos convive com a consideração das experiências de gestão anteriores para tentar acertar “a conta” “pra bater”.

Foi quando nós apanhamos no projeto da aldeia Custódio, não com material, mas com diária do pedreiro, pois lá tinha cem diárias de pedreiro. E lá nós gastemos cento e trinta, só que lá foi dobrado. A parede foi feita com tijolo dobrado também, igual aqui, aí material não faltou, mas diária faltou. Aí, a prefeitura contribuiu com a nossa diária lá pra finalizar, porque faltou um pouquinho pra terminar lá um banheiro, mas já está mais ou menos tudo concluído. Aí, no projeto da Caatinguinha, como a gente já tinha apanhado no Projeto da aldeia Custódio, a gente colocou cento e trinta e sete diárias. Aí, o da Caatinguinha foi a conta. E já do Sumaré 3, como é uma obra maior, vamos colocar duzentas diárias e cem do servente. Por que cem? Porque já estava prevista a ajuda da comunidade, aí ficava metade, cem pagava e outros cem se gastar era a comunidade, mais cem... Aí, só que os pedreiros, serventes, nós estamos fechando pra conta bater. Já estava fechando, só tinha cinco diárias...28 28 Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012. .

Ainda que se contasse com as parcerias para as “horas de aperto”, não se pode negar que os discursos se deixam permear por uma valorização das “certezas cartesianas, discursivamente produzidas pela matemática escolar escrita, em sua pretensão de marcar como corretos apenas determinados modos de pensar que se configuram em certas estratégias de cálculo”29 29 SOUZA, Maria Celeste R. F. de; FONSECA, Maria da Conceição F. R. Relações de gênero, educação matemática e discurso – enunciados sobre mulheres, homens e matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 96. (Coleção Tendências em Educação Matemática). . Nicolau realiza esforços para “fechar as contas”, “pra bater”, para prever os gastos de forma mais próxima ao que, com base em experiências anteriores, se espera gastar.

Teve a contrapartida da comunidade, mas assim, algumas coisinhas, mas não teve... Mas é só pelo projeto... Aí já as diárias de pedreiro, que nós estava achando... “Ah, a construção daquela lá vai em mais de duzentas diárias...”, agora está fechando cem, quer dizer que nós vamos ter a metade das diárias pra poder movimentar com outra coisa. Mas aí você não pode pegar o dinheiro da diária e pôr em outra coisa. Só pode assim, a partir do que sobrar daquele recurso, você pode mandar assim, como se diz, é, você manda falando: “Oh, sobrou cem diárias, porque o projeto foi duzentas e nós pode investir em equipamento para a padaria, por exemplo”. Aí, nós pode usar aquele recurso30 30 Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012. .

Nicolau lida com a imprevisibilidade da contrapartida por parte da comunidade e busca alternativas para fazer a gestão, porque reconhece que, se a experiência auxilia no planejamento, há variáveis imponderáveis (a disposição, por exemplo) que exigem que se encontrem alternativas: “sobrou cem diárias, porque o projeto foi duzentas e nós pode investir em equipamento para a padaria, por exemplo”. Mas as alternativas, ao se submeterem às regras do financiador (“você não pode pegar o dinheiro da diária e pôr em outra coisa”), encontram nelas suas possibilidades de existência: “você pode mandar assim: ‘Oh, sobrou cem diárias porque o projeto foi duzentas e nós pode investir em equipamento para a padaria, por exemplo’. Aí nós pode usar aquele recurso” (que sobrou). São as táticas que Nicolau vai estabelecendo, aproveitando o tempo e as ocasiões:

As táticas são procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo - às circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma em situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a organização do espaço, às relações entre momentos sucessivos de um “golpe”, aos cruzamentos possíveis de durações e ritmos heterogêneos, etc. As táticas apontam para uma hábil utilização do tempo, das ocasiões que apresenta e também dos jogos que introduz nas fundações de um poder31 31 CERTEAU, Michel de, op. cit., p. 96. .

Assim, valendo-se de táticas, entre momentos sucessivos de um “golpe”, Nicolau volta-se ao financiador para ver possibilidades de rever o que foi previsto no projeto enviado à Carteira Indígena.

Quando eu liguei pro Gustavo da Carteira Indígena, porque na Caatinguinha o projeto lá tinha dado seis mil e alguma coisa, o engenho com o motor, e aí quando foi comprar lá deu cinco mil... Só sei que teve uns quinhentos e pouco de desconto, aí eu liguei pra ele, precisava fazer um ofício pedindo pra fazer outra coisa. Eles falaram: “Não tem problema não, pode gastar porque a Carteira Indígena não está fazendo isso mais não, tudo o que prever no projeto, o que você fazer lá de um recurso que sobrou pra fazer outra coisa, é só você escrever falando que sobrou tanto disso e que você colocou...”32 32 Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012. .

Se sobrar o recurso previsto para a compra de um equipamento ou na prestação de serviços, no caso as diárias de pedreiros, pode haver remanejamento do mesmo “pra fazer outra coisa”, desde que a associação envie ofício solicitando tal remanejamento à Carteira Indígena: “precisava fazer um ofício pedindo pra fazer outra coisa”. Vê-se, entretanto, que, mesmo com a existência de certa flexibilidade no manejo dos recursos, há o controle que é marcado pela escrita. É o poder da escrita propiciando a potencialização “dos valores da racionalidade cartesiana: exatidão, certeza, perfeição, rigor, previsibilidade, universalidade, generalidade, objetividade e linearidade”33 33 FONSECA, Maria da Conceição F. R. Matemática, cultura escrita e numeramento. In: MARINHO, M.; CARVALHO, G. T. (Org.). Cultura escrita e letramento. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010, p. 68-100. . É o poder da cultura escrita possibilitando que a razão cartesiana argumente e se veicule “de modo a permear as diversas práticas sociais das sociedades grafocêntricas, inclusive, e particularmente, as práticas de numeramento mais valorizadas nessa sociedade”34 34 Ibidem, p. 94. , que também conformam o processo de gestão dos projetos sociais Xakriabá.

Algumas considerações

Apesar de as narrativas de Nicolau revelarem ações de planejamento e adequação às normas dos órgãos financiadores, tais ações não se empreendem em nome da “saúde financeira” do projeto ou de uma “moralidade” que exige tal planejamento. Trata-se de uma apropriação de práticas que lhes permitirá sentirem-se mais confortáveis na gestão dos projetos, a ponto de conseguirem compreender (e prever) a perspectiva que lhes atribuem os órgãos de fomento.

Nessas situações, Nicolau elabora sua versão da indigenização da gestão:

Aí é onde a gente, esse projeto, se num tiver jogo de cintura, a gente acaba nem fazendo. Porque é muita coisa que falta e poucas que sobra. Na hora que você quer fazer uma construção de boa qualidade, igual essa aqui mesmo, todo mundo chega aqui e fala assim: “Isso aqui é construção pra colocar uma laje”. Tudo dobrado, essas parede aqui, tudo dobrado. E as outras construção que eles fazem aí num é assim, eles fazem de bloco em pé. Gasta mais dias de pedreiro, gasta mais cimento, isso aqui oh, o aterro que deu isso aqui, cê vai olhar um quarto daquele dali, a estrutura que tem pra baixo, é coisa pra num acabar. Pode acabar um dia...35 35 Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012. .

A intenção de Nicolau é utilizar, da melhor maneira possível, os recursos disponíveis. Para isso, ele burla, inclusive, o previsto e compra itens que não estavam no projeto: “compremo cerâmica que não tava no projeto, compremo oito lata de tinta que não tava no projeto”. E não é só escrevendo que se garante que tudo vai dando certo: “se num tiver jogo de cintura a gente acaba nem fazendo.” Na verdade, é um modo próprio de gerir o projeto, é a indigenização da gestão dos projetos. É a tática que Nicolau utiliza para “jogar com o terreno que lhe é imposto”36 36 CERTEAU, Michel de, op. cit., p. 94. e operando “golpe por golpe, lance por lance”, aproveita as “ocasiões”. E assim, para captar no voo as possibilidades oferecidas por um instante, Nicolau utiliza “vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia”37 37 Ibidem, p. 95. . Por isso, as práticas de numeramento que focalizamos parecem ser, em alguns momentos, marcadas pela cultura escrita e próximas do modelo da matemática escolar, o que, inclusive, tem levado muitos dos envolvidos nos projetos a retornarem à escola. Em outros momentos, os modos de lidar com a quantificação, a ordenação, as métricas, as classificações, a organização do espaço se aproximam de matemáticas geradas nas atividades cotidianas dos Xakriabá. Nessas atividades prevalecem valores e recursos da oralidade, em muitos aspectos diferentes daqueles que se mobilizam na matemática escolar, e que lhes servem de uma maneira que eles avaliam potencializadora das condições de realização dos projetos sociais nas aldeias.

Assim, na astuciosa “dinâmica da captura”38 38 GORDON, César. Economia selvagem: ritual e mercadoria entre os índios Xikrin-Mebêngôkre. São Paulo: ISA/Nuti/Unesp, 2006, p. 24. , elementos do mundo não indígena se estabelecem como novos desafios aos Xakriabá na lida com a gestão dos projetos sociais: são novas indigenizações que aqui buscamos compreender. Tal captura não se realiza isenta de uma “dinâmica de restrição” que, funcionando como um filtro de técnicas, argumentos, valores etc., não deixa que se tornem “comuns” os modos de os Xakriabá fazerem a gestão dos projetos sociais. Estabelece-se o modo Xakriabá de definir, escrever, narrar, engajar-se, desenvolver e gerir os projetos sociais no confronto com tudo o que envolve o mundo não indígena: “é importante que se saiba que o imperialismo não está lidando com amadores nesse negócio de construção de alteridades ou de produção de identidades”39 39 SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um “objeto” em vias de extinção (parte II). Mana, v. 3. n. 2, Rio de Janeiro, 1997, p. 133. .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • WATSON, William. Tribal cohesion in a money economy: a study of the Mambwe people of Northern Rhodesia. Manchester: Manchester University Press for the Rhodes-Livingstone Institute, 1958
  • 40
    MENDONÇA, Augusta Aparecida Neves de; FONSECA, Maria da Conceição Ferreira Reis. Indigenização de práticas de numeramento no desenvolvimento e na gestão de projetos sociais do povo indígena Xakriabá. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 68, p. 68-83, dez. 2017.
  • 1
    GOMES, Ana Maria R.; SILVA, R. C.; SANTOS, R. B. Organização da aprendizagem e participação das crianças Xacriabá no contexto familiar e comunitário. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPOCS, 32. Anais..., Caxambu, 2008.
  • 2
    A expressão “projetos sociais”, incorporada pelos Xakriabá, designa as ações estruturadas e intencionais de entidades, organizações governamentais e não governamentais, visando intervir em determinada problemática diagnosticada na comunidade.
  • 3
    FONSECA, Maria da Conceição F. R. Numeramento: usos de um termo na configuração de demandas e perspectivas da pesquisa em educação matemática de pessoas jovens e adultas. In: D’AMBROSIO, Beatriz S.; LOPES, Celi E. (Org.). Vertentes da subversão na produção científica em educação matemática. Campinas: Mercado das Letras, 2015, p. 257-281. p. 270.
  • 4
    Ibidem, p. 275.
  • 5
    SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um “objeto” em via de extinção (parte I). Mana, v. 3, n. 1, Rio de Janeiro, 1997, p. 44. Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93131997000100002>. Acesso em: 6 nov. 2017.
  • 6
    SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica... (parte I), op. cit., p. 44.
  • 7
    Ibidem, p. 52.
  • 8
    Ibidem.
  • 9
    Ibidem, p. 53.
  • 10
    WATSON, William. Tribal cohesion in a money economy: a study of the Mambwe people of Northern Rhodesia. Manchester: Manchester University Press for the Rhodes-Livingstone Institute, 1958.
  • 11
    SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica... (parte I), op. cit., p. 54.
  • 12
    ALMEIDA, Mauro W. B. de. Uma entrevista com Marshall Sahlins. In: PEIXOTO, Fernanda Arêas; PONTES, Heloisa; SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). Antropologias, histórias, experiências. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2004, p. 94.
  • 13
    Ibidem, p. 95.
  • 14
    CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. 1. Artes de fazer. 17 ed. Trad. Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 2011.
  • 15
    A Funai é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro, criado em 1967, e principal executor da política indigenista do governo federal.
  • 16
    Edgar, morador da aldeia Barreiro Preto, em entrevista concedida em 2/5/2012.
  • 17
    Extraído do relatório de pesquisa de Jeuzani Pinheiro Santana, estudante Xakriabá do Curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas da Universidade Federal de Minas Gerais. SANTANA, Jeuzani P. Revivendo e fortalecendo os conhecimentos indígenas do povo Xakriabá. Belo Horizonte: Curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas (FIEI-FaE-UFMG), 2009, s. p.
  • 18
    Para informações sobre o projeto, consultar: SANTANA, Jeuzani P., op.cit.
  • 19
    Depoimento concedido a Jeuzani Pinheiro Santana, estudante Xakriabá do Curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas da Universidade Federal de Minas Gerais na fase inicial de seu projeto de pesquisa.
  • 20
    Nicolau, presidente da Associação Indígena Xakriabá da Aldeia Barreiro Preto, em entrevista concedida em 21/2/2012. Na transcrição dos depoimentos, foram mantidas as marcas de oralidade presentes em conversas informais.
  • 21
    Com o nome oficial de Carteira de Projetos Fome Zero e Desenvolvimento Sustentável em Comunidades Indígenas, a Carteira Indígena é uma ação conjunta do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). A Carteira Indígena é “uma ação do governo federal, cuja finalidade é apoiar e fomentar o desenvolvimento sustentável, a gestão ambiental das terras indígenas e a segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas, em todo o território nacional”. Recebe projetos com focos nas seguintes linhas temáticas: apoio a atividades econômicas sustentáveis; apoio à realização e fortalecimento de práticas, rituais e saberes tradicionais associados à autossustentação econômica dos povos indígenas; apoio à gestão ambiental e territorial das terras indígenas; fortalecimento institucional das organizações e associações comunitárias indígenas; apoio à consolidação e integração de atividades econômicas sustentáveis e gestão ambiental. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente – MMA. Carteira Indígena: diretrizes e normas de funcionamento. Texto aprovado na II Oficina Nacional de Trabalho da Carteira, com ajustes aprovados na 31a Reunião do Comitê Gestor, em Brasília, de 27 a 29/10/2009. Disponível em: <www.mma.gov.br/estruturas/sds_carteira_indigena/_arquivos/diretrizes_ci_aprovadas_na_ii_oficina_nacional_com_ajustes_aprovados_pelo_comit_gestor_em_outubro_de_2009_98_98_98.pdf>. Acesso em: 19 out. 2017.
  • 22
    Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012.
  • 23
    CERTEAU, Michel de, op. cit., p. 46.
  • 24
    Ibidem, p. 46.
  • 25
    Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012.
  • 26
    Utilizamos aqui o termo “tática” no sentido que se lhe atribui Michel de Certeau, distinguindo-a de estratégia: “a tática é determinada pela ausência de poder, assim como a estratégia é organizada pelo postulado de um poder”. CERTEAU, Michel, op. cit., p. 95.
  • 27
    Idem, p. 40.
  • 28
    Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012.
  • 29
    SOUZA, Maria Celeste R. F. de; FONSECA, Maria da Conceição F. R. Relações de gênero, educação matemática e discurso – enunciados sobre mulheres, homens e matemática. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 96. (Coleção Tendências em Educação Matemática).
  • 30
    Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012.
  • 31
    CERTEAU, Michel de, op. cit., p. 96.
  • 32
    Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012.
  • 33
    FONSECA, Maria da Conceição F. R. Matemática, cultura escrita e numeramento. In: MARINHO, M.; CARVALHO, G. T. (Org.). Cultura escrita e letramento. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010, p. 68-100.
  • 34
    Ibidem, p. 94.
  • 35
    Nicolau, em entrevista concedida em 21/2/2012.
  • 36
    CERTEAU, Michel de, op. cit., p. 94.
  • 37
    Ibidem, p. 95.
  • 38
    GORDON, César. Economia selvagem: ritual e mercadoria entre os índios Xikrin-Mebêngôkre. São Paulo: ISA/Nuti/Unesp, 2006, p. 24.
  • 39
    SAHLINS, Marshall. O “pessimismo sentimental” e a experiência etnográfica: por que a cultura não é um “objeto” em vias de extinção (parte II). Mana, v. 3. n. 2, Rio de Janeiro, 1997, p. 133.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2017
  • Aceito
    10 Nov 2017
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