Acessibilidade / Reportar erro

Cultura e revanche na guerra social: comentários sobre Branco sai, preto fica, de Adirley Queirós

Culture and revenge in the social war: comments on “Branco sai, preto fica”, of Adirley Queirós

RESUMO

Este ensaio propõe uma reflexão sobre o longa-metragem brasileiro Branco sai, preto fica (2014), dirigido por Adirley Queirós, e sua pertinência histórica ao capturar o drama atingido pela dinâmica política e cultural do país. O híbrido de documentário e ficção formaliza embates com a nova forma de produção artística que se difunde junto aos coletivos culturais desde a década de 1990, ao passo que discute as vicissitudes da experiência social periférica. Por fim, o ensaio sugere que a ousadia estética do filme apreende um movimento contemporâneo de ruptura ­- não isento de impasses - com mediações emergenciais que deram alento ao capitalismo no Brasil nos últimos anos.

PALAVRAS-CHAVE:
Adirley Queirós; Cinema; cultura periférica; conflitos sociais

ABSTRACT

This essay proposes a reflection on the Brazilian film "Branco sai, preto fica" (2014), directed by Adirley Queirós, and its historical pertinence when capturing the dramatic point reached by the political and cultural dynamics of the country. The hybrid of documentary and fiction formalizes clashes with the new form of artistic production that has spread along with cultural collectives since the 1990s, while discussing the vicissitudes of the peripheral social experience. Finally, the essay suggests that its aesthetic boldness indicates a breaking motion with emergency mediations that encouraged capitalism in Brazil in recent years, but which, however, is not capable of crystallizing into a viable political alternative.

KEYWORDS:
Adirley Queirós; cinema; peripheral culture; social conflicts

Branco sai, preto fica (2014), o segundo longa-metragem do diretor Adirley Queirós, é um termômetro do ponto culminante atingido pela dinâmica política e cultural brasileira. Neste ensaio, menos que uma análise detida acerca das técnicas cinematográficas, propomos a reflexão sobre a pertinência histórica da obra ao conseguir formalizar esteticamente um movimento contemporâneo de ruptura, e seus impasses políticos, com mediações emergenciais que deram alento ao capitalismo no Brasil nos últimos anos.

Em Branco sai, linguagem documentária e ficção científica são acionadas para contar um episódio real ocorrido em 1986 na região de Ceilândia (DF), uma das cidades-satélites de Brasília, quando um baile de dança black e ponto de encontro da juventude local, o Quarentão, é subitamente interrompido por violenta ação policial. Em pleno processo de abertura democrática, bombas, helicópteros, cachorros e gás pimenta das forças do Estado promovem um tumulto, aparentemente gratuito, que ocasiona inúmeras agressões físicas e psicológicas aos jovens negros que se divertiam no espaço e foram impedidos de evadir. Marquim (Marquim do Tropa) e Sartana (Cláudio Irineu Shokito) são dois deles, personagens reais que tiveram parte da vida mutilada no acontecimento, e é através de suas histórias, organizadas numa fábula futurista, que somos conduzidos na obra de Adirley.

Dimas Cravalanças (Dilmar Durães) é seu narrador-personagem, o “agente terceirizado”, uma espécie de funcionário de organização de direitos humanos, enviado do ano de 2070 com a missão de coletar provas desse evento para mover uma ação indenizatória contra o Estado brasileiro por crimes praticados contra a população negra e periférica. Sua tarefa é “achar o paradeiro de Sartana, o homem que exalou, nosso mega-sena”, conforme seu primeiro relatório de chegada. Tudo leva a crer que a narrativa é montada a partir de informações que Cravalanças vai juntando: fotos e matérias de jornais da década de 1980, sobretudo, observações sobre o cotidiano de Sartana, que parece perceber sua presença, e escuta da rádio clandestina de Marquim. Em momento posterior, fica sugerido que as vozes em off dos dois personagens que cortam algumas passagens do filme fazem parte de depoimentos audiovisuais documentados por Cravalanças como peça da investigação. Desse modo, a história se configura como a colagem de relatórios de viagem desse narrador vindo do futuro, ponto de vista evidenciado já na cartela de abertura, “Antiga Ceilândia-Distrito Federal”. Ou seja, a história se enuncia de um tempo em que a cidade-satélite já não existe mais, porém o desenrolar das ações às quais assistimos situa-se naquilo que, para Cravalanças, é um passado visitado - de 2009 a 2012 -, mas, para Marquim e Sartana, o próprio presente.

Os dois personagens-protagonistas possuem sequelas do acidente que os privara de viver a cidade plenamente, pois ambos tiveram a mobilidade comprometida. Marquim é cadeirante e depende de engenhocas de acessibilidade precariamente instaladas em sua residência, onde solitariamente mantém, em um cômodo subterrâneo e pouco iluminado, uma rádio clandestina que rumina histórias e músicas do tempo em que ainda exibia seus passinhos no Quarentão. Sartana, também ex-dançarino, tivera uma das pernas amputadas e usa uma prótese mecânica, sistema com o qual trabalha informalmente, executando manutenções a partir de conhecimentos que adquiriu por autodidatismo e peças sucateadas. Após o reencontro dos dançarinos, aparentemente separados desde o acontecimento, Cravalanças consegue juntar as provas necessárias e, do futuro, recebe a mensagem de que o governo brasileiro será acionado, e as famílias, ressarcidas. Mas é informado também de que um evento eletromagnético ocorrido no passado (o presente da ação) ameaça o futuro da Terra. O agente seria recompensado se conseguisse impedir a “grande explosão” e teria seu regresso ao futuro consentido. No entanto, Cravalanças opta por ficar e não põe obstáculos a que a bomba cultural concebida por Marquim e Sartana seja lançada sobre Brasília.

Nesse enredo, Adirley Queirós reelabora um arco histórico que compreende as últimas décadas de experiência democrática no Brasil pelos relatos montados sob a perspectiva de jovens negros moradores de áreas periféricas. A impossibilidade de constituição de um sujeito político em um “território de precariedade”1 1 RIZEK, C. Práticas culturais e ações sociais: novas formas de gestão da pobreza. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 14., 2011. Anais... Rio de Janeiro, 2011. , marcado pela perpetuação da violência de Estado, pela suspensão seletiva de direitos fundamentais, pelo racismo institucional, pela segregação socioespacial, compõe a matéria sobre a qual se debruça Adirley. A juventude interrompida dos ex-dançarinos e a consequente manipulação da cultura como arma de confronto parecem formalizar o impasse atingido pelo projeto democrático como arena de encaminhamento de demandas e resolução de conflitos. Branco sai, preto fica se inscreve, assim, num cenário cultural de desengano quanto à promessa de justiça social ofertada pelo Estado reparador ou pelas oportunidades de mercado, que, contudo, não encontra condições de se desvencilhar dos próprios mecanismos contra os quais se rebela.

Entre o neorrealismo e a fabulação

“Enquanto eles capitalizam a realidade, eu socializo meus sonhos” (Sérgio Vaz)2 2 Sérgio Vaz, poeta, é cofundador da Cooperifa, coletivo de produção cultural da região do Parque Santo Antônio, Zona Sul de São Paulo. .

Embora assinado por Adirley Queirós, Branco sai resulta de uma experiência de associativismo cultural que ganha espaço nas regiões periféricas das cidades brasileiras desde a década de 1990. O diretor é membro do Coletivo de Cinema em Ceilândia (Ceicine), iniciativa que há 11 anos desenvolve, junto a comunidades do Distrito Federal, atividades ligadas ao audiovisual, como a exibição de filmes, cursos, palestras e, inclusive, a ousada proposta de serem seus próprios moradores produtores de cinema. Como em trabalhos anteriores do cineasta, o longa-metragem foi filmado em Ceilândia, com atores amadores da comunidade, tendo por mote questões suscitadas nos grupos de discussão e que dispararam processos investigativos entre rappers e artistas de outras linguagens3 3 QUEIRÓS, A. Entrevista com Adirley Queirós, diretor de Branco sai, preto fica. Cine Festivais, 30 mar. 2014. Disponível em: <https://goo.gl/oV3FWM>. Acesso em: 15 jun. 2015. - aspecto em que retoma parcialmente a caracterização que Migliorin4 4 MIGLIORIN, C. O que é um coletivo. In: BRASIL, A. (Org.). Teia: 2002-2012. Belo Horizonte: Teia, 2012. faz da emergência de um novo tipo coletivo de produção no âmbito do cinema e do audiovisual.

Todavia, se para Migliorin5 5 Idem. Por um cinema pós-industrial: notas para um debate. Cinética – cinema e crítica (on-line), fev. 2011. Disponível em: <http://www.revistacinetica.com.br/cinemaposindustrial.htm>. Acesso em: 15 jul. 2015. a formação de coletivos no “cinema pós-industrial” do século XXI é um fenômeno propiciado mormente pela abundância e disponibilidade de meios técnicos, adota-se aqui uma acepção diferente, cuja existência se deve a contextos de escassez. Trata-se, a nosso ver, de formas associativas propulsoras de um modo próprio de produção que, intimamente relacionado com a onda de políticas estatais focalizadas, começa a se delinear na árdua década de 1990 e se generaliza durante as gestões petistas na esfera federal. Como apontou D’Andrea6 6 D’ANDREA, T. P. A formação dos sujeitos periféricos: cultura e política na periferia de São Paulo. Tese (Doutorado em Sociologia). Departamento de Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. , é nesse período que um grande número de ações culturais coletivas propaga-se por regiões periféricas de grandes cidades brasileiras, como uma espécie de saída improvisada ao avanço neoliberal, à falência de antigas instituições agregadoras, à perda de garantias sociais e, sobretudo, ao encolhimento do poder de interferência dos movimentos sociais. Data daí o notável crescimento de programas de financiamento estatal, privado e do terceiro setor destinados à promoção de atividades artísticas, sobretudo aquelas voltadas a expressões minoritárias e de grupos identitários marginalizados, tradução para o campo da cultura daquilo que pesquisadores sobre políticas públicas de nosso tempo têm denominado “mercado da cidadania”7 7 ABÍLIO, L. A gestão do social e o mercado da cidadania. In: CABANES, R. et al. Saídas de emergência: ganhar/perder a vida na periferia de São Paulo. São Paulo: Boitempo, 2011. : uma engenharia de gestão na qual entidades da sociedade civil concorrem entre si para executar programas que visam atender urgências sociais.

Porém, foi nessa zona fronteiriça denominada cultura que as classes populares teriam encontrado uma importante forma de protagonismo nos últimos tempos, e o filme de Adirley tem o mérito de captar essa matéria viva, na qual está imerso, e ficcionalizá-la para levar ao extremo a indagação: onde isso tudo vai dar? O híbrido de documentário e ficção reflete formalmente embates com uma condição material que lhe está pressuposta enquanto forma de produção. Desprovida de meios próprios para sua realização, a produção cinematográfica periférica, tal como os personagens de Branco sai, é compelida a desenvolver artifícios que a credenciem para sobreviver no mercado dos programas de financiamento. Nesse sentido, é curioso notar que o filme acessou um recurso de pouco mais de 200 mil reais (baixo para a produção cinematográfica) de um edital público de Brasília inscrevendo-se na categoria “documentário”, embora o desejo de seus produtores fosse o de fazer “ficção”8 8 QUEIRÓS, A., op. cit. .

Nas palavras de um gestor e estudioso da cena cultural periférica paulistana:

A cultura da periferia goza de um reconhecimento, cuja valorização reside notadamente na dimensão ética, como resistência, dadas as condições adversas que assolam os bairros nos extremos da Metrópole. Isso lhe confere uma legitimidade política importante, mas confina a produção cultural no campo unicamente ideológico, retirando-lhe a possibilidade de ser valorizada também por suas concepções artísticas9 9 LEITE, A. E. O programa VAI e a cena cultural da periferia paulistana. In: SÃO PAULO, Secretaria Municipal de Cultura. Via Vai: percepções e caminhos percorridos. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, 2012, p. 119. .

A mistura de documentário com ficção é, por um lado, a saída formal encontrada para dar conta de matérias históricas tão absurdas e desmedidas que, enquanto tais, não poderiam ser contadas ao estilo naturalista, no qual geralmente se esbarra o gênero documental tradicional. Ao fantasiar a construção de uma bomba - cultural, ainda por cima! - e a vinda de um agente do futuro, Branco sai esboça uma negativa ao excesso de realidade e impotência para proporcionar ao espectador periférico uma espécie de catarse revanchista, relutando em se tornar mais um entre tantos registros de denúncia. Por outro, manifesta o intento de contornar necessidades objetivas ao incorporar certas exigências regimentais na estrutura interna da obra, sem as quais a produção não se realizaria, e subvertê-las com procedimentos de rebeldia artística10 10 Foi algo dessa “insubordinação” às formas narrativas consagradas para o tratamento de fatos reais e aos parâmetros ordinários das políticas de incentivo que Suppia identificou em Branco sai para apreendê-lo à luz do conceito de circuit bending, que nesse caso significaria uma prática de “repropositura”, adulteração, ou ainda uma gambiarra, da forma convencional de uso de um dado objeto. SUPPIA, Alfredo. Acesso negado: circuit bending, borderlands science fiction e lo-fi sci-fi em Branco sai, preto fica. Famecos – mídia, cultura e tecnologia. Porto Alegre, v. 24, n. 1, jan.-abr. 2017. . Nesse sentido, Adirley renuncia que a legitimação de seu discurso audiovisual decorra apenas de seu lugar de enunciação.

Entretanto, é preciso constatar que o filme de modo algum se desliga por completo de uma possível reinvenção realista-naturalista que, conforme a crítica literária11 11 NASCIMENTO, E. “Literatura marginal”: os escritores da periferia entram em cena. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Programa de Pós-Graduação, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006; PATROCÍNIO, P. A volta da realidade das margens. Estudos de literatura brasileira contemporânea. Brasília: UnB, n. 39, jan./jun. 2012, p. 57-75. , compreende boa parte da produção cultural marginal que ganha corpo no Brasil a partir dos anos 1990. A escolha das locações e os enquadramentos abertos, que abarcam casas desordenadamente dispostas sobre o chão de terra batida com entulhos e os canteiros de obras e prédios em construção ao fundo, revelam o esforço de transposição nua e crua da realidade.

Espremidos entre a urbanidade agreste e o céu imponente do Planalto Central estão seus personagens. Os planos longos, a lentidão dos movimentos, sua exposição em situações aparentemente banais e corriqueiras, com o uso preciso da gíria local, dão ares etnográficos à representação. Sonoridades metálicas, ferros retorcidos e descartes feitos grades e portões, dando conta de uma cidade altamente entrincheirada, concorrem para a construção da atmosfera pós-apocalíptica do dia a dia de Ceilândia e parecem transformar todos em parte desse universo inorgânico. Num processo mimético, Marquim e Sartana são sobreviventes cuja própria forma de se mover no mundo depende, respectivamente, de uma cadeira de rodas e uma perna mecânica. A ausência de diálogos dos personagens, que na maior parte do filme estão em cena sozinhos, repõe para o plano da atuação o isolamento e o abandono de Ceilândia como periferia da capital do país.

O deslocamento e a segregação em relação a Brasília são enfatizados pela apresentação da capital federal como área controlada e restrita, na qual moradores dos “núcleos habitacionais” só podem adentrar por meio de passaportes. Também a forma como os personagens principais são apresentados confere-lhes o tom de exilados da própria vida. Cravalanças está deslocado de seu tempo histórico de origem, da sua vida no futuro, e comenta, como se risse da própria tragédia, que perdeu dinheiro e até sua identidade durante a viagem ao passado, além do “saldo de transtornos psicológicos”. Marquim, o cadeirante que se vira sozinho, está preso ao passado de sua juventude no Quarentão e faz de seu presente um contínuo reviver desses momentos. Não por acaso, na primeira sequência do filme, seu relato sobre o fatídico dia é flexionado no tempo presente, ao som da batida do hip-hop que sai de sua pickup: “Domingo, sete horas da noite. Já tô com meu pisante, minha beca. Tô em frente de casa. Tô indo em direção ao centro da Ceilândia...”. Sartana, diferentemente, gasta seu tempo observando os céus, como se esperasse algum sinal do futuro. Apesar de se ter readaptado à perna mecânica, afirma que ainda sente o membro amputado, simbolizando na carne a impossibilidade de apagar as marcas do passado que deram outro rumo para sua vida. Assim, a penúria da territorialidade retratada encontra correspondência na conformação mal resolvida das subjetividades dos personagens-moradores, retomando nossa velha conhecida “sensação de estarmos fora do eixo em relação a um mundo do qual entretanto somos parte”12 12 ARANTES, P. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira: dialética e dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 15. .

Paralelamente, a qualidade “científica” da ficção de Branco sai, como era de esperar frente às limitações orçamentárias, é assumidamente precária. A cápsula do tempo de Cravalanças é um contêiner de lata, iluminado em seu interior por um strobo, que a faz produzir efeito risível. Se há desajuste entre intencionalidade e resultado, este é conscientemente acionado como escárnio à “grande narrativa da convergência providencial do Progresso com a sociedade brasileira em construção”13 13 Idem. A fratura brasileira do mundo. In: ARANTES, P. E. Zero à esquerda. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004, p. 29. . Nessa chave, é de se perguntar se a fabulação de Branco sai embarca ou apenas detecta os pressupostos dessa operação que, como na epígrafe deste capítulo, aposta na subversão simbólica como arma em si mesma capaz de gerar efeitos reversos sobre o real. E a bomba de Adirley: adere a esse implícito? Ou seria a constatação, isso sim, de que a socialização dos sonhos acabou, sugerindo em seu lugar a difusão do estrago?

A produção da bomba cultural

Sob os relatos em off, pontuados por cenas da locução nostálgica de Marquim em sua rádio clandestina - que, ao que tudo indica, é indiferente à inexistência de ouvintes -, o cotidiano dos dois personagens principais retratados em Branco sai é preenchido por aparentes hiatos, reticências e situações triviais. Reinam no ambiente relações rarefeitas que transmitem a fragilidade de qualquer tipo de interação comunitária. Mas, sob a mansidão de superfície, uma engenhosa ação de revide está sendo maquinada.

É na segunda metade da história, após três anos da chegada de Cravalanças, que nos é dada a compreensão de que o cilindro metálico que Marquim manuseia desde a primeira sequência do filme é uma bomba. Ele explica para Jamaika que a finalidade do artefato é elevar a “frequência pra cima, que vai derrubar até helicóptero. A ideia é essa”. Numa das raras cenas de diálogo, o que temos é uma negociação entre Marquim e Jamaika feita à base da pechincha. Convidado a participar da elaboração do artefato, Jamaika não adere ao plano por princípio ou convicção ideológica, mas em troca de dois passaportes falsos que lhe darão acesso a Brasília. Ironicamente, o mesmo sitiamento que restringe a circulação dos moradores dos núcleos habitacionais ao plano piloto acaba por criar um nicho de mercado paralelo. Este, por sua vez, se liga a toda trama de pequenos negócios situados entre o lícito e o ilícito - como a gráfica onde são confeccionados os documentos, a “feira do rolo” onde Marquim encontra seus discos antigos, o centro de comércio popular de eletrônicos ou a loja de materiais de informática sucateados que crackeia a senha do software para que Sartana possa configurar e ser “dono” de sua própria perna.

Portanto, é na vida subterrânea dessa “cidade informal” porém globalizada, como salienta Vera Telles14 14 TELLES, V. S. Transitando na linha de sombra, tecendo as tramas da cidade (anotações inconclusas de uma pesquisa). In: OLIVEIRA, F.; RIZEK, C. (Org.). A era da indeterminação. São Paulo: Boitempo, 2007. , que a bomba cultural é fermentada, como se seus ingredientes procedessem do próprio modo de vida gestado no dia a dia daquela população. Nesse ponto, o sentido de cultura em Branco sai assume contornos abrangentes. Não se trata apenas da cultura em sua acepção estrita, enquanto o campo isolado das artes e das letras, mas em seu sentido “antropológico”, isto é, estendido a toda forma de “interação social”, o que engloba aspectos materiais e espirituais, “um sistema de práticas, significados e valores” experimentados cotidianamente15 15 WILLIAMS, R. Culture is ordinary. In: HIGHMORE, B. (Org.). The everyday life reader. London, New York: Routledge, 2002. Esse conceito de cultura começa a ser consagrado na década de 1980 por diferentes organismos internacionais, quando buscam redesenhar um novo arranjo de governança e desenvolvimento para os países periféricos. VIEIRA, M. P. Reinventando sentidos para a cultura: uma leitura do papel normativo da Unesco através da análise da Convenção para a Promoção e a Proteção para a Diversidade das Expressões Culturais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. No Brasil ele ganha força quando, sob o primeiro mandato de Lula, em 2003, Gilberto Gil assume o comando do Ministério da Cultura, e atinge o seu auge com o Programa Cultura Viva, que ampliou a dimensão participativa e abriu espaço para políticas de apoio e reconhecimento das chamadas minorias. CALABRE, L.; LIMA, D. R. Do do-in antropológico à política de base comunitária – 10 anos do Programa Cultura Viva: uma trajetória da relação entre Estado e sociedade. Políticas Culturais em Revista, v. 2 (7), p. 6-25, 2014. . É assim que no processo de construção do artefato vemos Marquim e Jamaika não apenas procederem à gravação de uma banda de forró e de um rapper locais atraídos pela possibilidade de sucesso via mercado da cultura, como também captarem o som ambiente do centro popular de comércio de eletrônicos. Em outra passagem, Jamaika chama a atenção de Marquim para a necessidade de acrescentar mais sons da vida cotidiana ao experimento, como os de vendedores ambulantes, para “dar mais a cara de Ceilândia”. O resultado desse amálgama cultural é uma massa sonora indecifrável, mas que será usada com finalidades beligerantes.

Nesse aspecto, Adirley mobiliza o que seria um particular combinado do modo de vida das comunidades periféricas para conferir-lhe o status de instrumento de guerra. Sua abordagem da questão cultural afasta-se de qualquer pretensão pacificadora ou inclusiva, como a que está presente, por exemplo, no longa-metragem Cidade de Deus (2002). Na adaptação para o cinema que Fernando Meirelles fez do romance de Paulo Lins, o deslocamento do personagem Buscapé (Alexandre Rodrigues) para a posição de narrador, em nossa leitura, parece atender a um claro propósito. O jovem da favela une suas habilidades desenvolvidas como fotógrafo amador à “vantagem” de ser nascido e criado em meio à guerra cotidiana para poder registrá-la com exclusividade e, daí, providenciar o seu escape individual. O protagonismo conferido a Buscapé faz dele protótipo de público-alvo do novo filantropismo que fomenta atividades artísticas e culturais nos territórios de “vulnerabilidade social”. Tanto em Branco sai como em Cidade de Deus, a cultura é mobilizada no sentido de resgate da autoestima e valorização da identidade territorial, transformando o que até então era carência em potencialidade. Mas no filme de Meirelles a positivação do pertencimento à periferia se desdobra em possibilidade de inclusão econômica e projeção pessoal, estando próxima do que Tommasi16 16 TOMMASI, L. D. Culturas de periferia: entre o mercado, os dispositivos de gestão e o agir político. Revista Política & Sociedade, Florianópolis, v. 12, n. 23, jan.-abr. 2013, p. 29. identificou como o novo regime discursivo sobre a favela, que, permeado pela lógica empreendedorista liberal, “tem feito desaparecer o conflito, a carga de ruptura, a crítica à ordem vigente”, resultando no esvaziamento do agir político17 17 Para Ismail Xavier a premissa do “resgate através da cultura” tematizado em Cidade de Deus repousa na sua própria forma de produção, na medida em que as crianças e adolescentes que fizeram parte da filmagem foram selecionados em favelas cariocas para serem treinados como atores. Alguns deles faziam parte do grupo de teatro, que é também um projeto social, o Nós do morro. XAVIER, I. Angels with dirty faces. Sight & Sound, v. 13, issue, jun. 2003. .

Em Branco sai, a carência se transmuta em potência não para desarmar o conflito, senão para incitá-lo. Marquim e Sartana são sobreviventes do mesmo acontecimento, compartilham uma experiência em comum, por isso demonstram características semelhantes: sentimentos contidos, frustrações e privações. Mas, ao mesmo tempo, precisamente por conta da condição em que vivem, foram obrigados a criar artimanhas e habilidades para amenizar as dificuldades do dia a dia. Marquim, por estar mais preso à juventude interrompida, deixa escapar com maior agudeza seu ressentimento ou, como ele diz, sua “dor de cotovelo”. Seu apego ao passado se manifesta nos próprios aparatos tecnológicos com os quais lida: a vitrola, os vinis e a rádio analógica. Já Sartana, desde a primeira aparição, é mostrado com os olhos atentos aos céus, como se sondasse algo a mais no horizonte, insinuando uma capacidade sensitiva que percebe a chegada da nave de Cravalanças e sua movimentação nesse “território do passado”; os desenhos que faz do personagem do futuro reforçam essa impressão. Sartana converte sua deficiência em oportunidade de explorar novos conhecimentos, buscando, de maneira autodidata, noções de mecânica, elétrica e até programação de softwares. É assim que, tão logo consegue crackear a senha para configurar sua prótese, tem como primeira atitude voltar a frequentar um baile funk.

A bomba em construção de Branco sai está presente desde a primeira sequência, que mostra Marquim no moroso sobe e desce para acessar o porão, onde a alimenta. Mas é somente quando ele restabelece o contato com seu companheiro de baile que andara sumido que a bomba ganha potência e pode ser acionada. Sartana é quem se responsabiliza por desviar a energia da estação elétrica e abastecer o mecanismo; sua dedicação é que impulsiona o projeto e permite o extravasamento da carga cultural por tanto tempo contida. Assim, a alegoria formaliza o ponto dramático alcançado por uma espécie de desrecalque da experiência social periférica. Nessa guinada, a dor e a humilhação acumuladas pelas camadas oprimidas ao largo da história se unem a sua potencialidade inventiva, que as mantém vivas, para formar a base de uma nova construção identitária.

D’Andrea18 18 D’ANDREA, T. P., op. cit. encontrou na mescla de “desesperança, raiva, fracasso, resignação, pobreza, sangue, insegurança”, que reinava no tecido social esgarçado dos bairros pobres da cidade de São Paulo, os elementos de fundo que teriam realçado a importância dos coletivos culturais que eclodiram na década de 1990. Para ele, essa afluência para a cultura, num contexto de retração das possibilidades de ação política, foi fundamental para que emergisse uma nova subjetividade para os moradores dos extremos da cidade, expressão de uma vivência urbana compartilhada, diferente daquela assente no mundo do trabalho, impactado por profundas transformações e enfraquecido em seu papel organizador de valores e instituições. Capaz de exprimir uma experiência de vida mais tangível, a positivação da identificação periférica - e sua constituição em sujeito - carregaria em si ares de criatividade e potência, rompendo com a prisão semântica que os reduzia à noção de pobreza e violência. A esse processo corresponderia o “deslocamento do indivíduo da posição de estigma à posição de orgulho”.

Walter Garcia19 19 GARCIA, W. Elementos para a crítica da estética do Racionais MC’S (1990-2006). Ideias – Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Campinas, n. 7, 2o semestre, 2013. já havia vislumbrado na figura de um grupo de rap como o Racionais MC’s a ascensão desse fazer artístico periférico em sintonia com o sentimento, partilhado entre os jovens pobres e negros das grandes cidades, de que o fato de resistirem ao cenário de incerteza e violência arbitrária faria deles autênticos sobreviventes. Trata-se, pois, do reconhecimento e da afirmação de uma situação geográfico-social particular em oposição a outras situações geográfico-sociais da cidade. Cada vez mais presente no imaginário da juventude, a experiência urbana versada nas músicas dos Racionais MC’s ou no cinema de Adirley repõe na ordem do dia uma nova fissura que pode se apresentar tanto em termos de renda (ricos e pobres), espacialidade (centro e periferia) ou estilo de vida (playboys e manos).

A operação que positiva aspectos de inferioridade, atribuindo-lhes vantagens redentoras, é traço comum em nossa experiência cultural20 20 CANDIDO, A. Literatura e cultura de 1900 a 1945 (panorama para estrangeiros) In: ____. Literatura e sociedade. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz, Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro); ARANTES, P., 1992, op. cit. , mas, no contexto de “crescente circulação transnacional de comunicações, informação, imagens de novos estilos de vida, igualdade dos sexos e sua relação com o colapso da política formal”, como salientou Yúdice21 21 YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013, p. 144. , a ênfase na localidade toma novas feições e sentidos. Estamos longe do ideário desenvolvimentista que se notabilizou por exortar a diferença enquanto recurso de transposição de obstáculos rumo a um novo patamar civilizatório. São demarcações de diferenças que, por consequência, denotam também o esgotamento de qualquer estratégia política e cultural nacionalista, ou seja, fundamentada na conciliação entre o povo e a elite em favor de um projeto de desenvolvimento da nação, que deu sentido ao grande empreendimento modernista e suas diferentes formas de reaparição ao longo do século passado22 22 PACHECO, A. P. Cidade-cárcere: violência e representação das classes baixas na literatura brasileira contemporânea. Terceira Margem. Rio de Janeiro: UFRJ, ano XI, n. 16, 2007. . Em seu lugar, nenhuma aspiração histórica integral é recolocada, posto que a artilharia cultural figurada na atualidade sugere um quadro em que distintos sistemas de crenças e valores, ou a especificidade de certas experiências sociais, exercem mais influência na demarcação dos campos em luta do que o tradicional antagonismo de classes. Junto com ele, a noção de oposição integral ao capitalismo, ancorada em última instância nas diferentes posições ocupadas pelos agentes na estrutura produtiva da sociedade, desbota-se no ideário político progressista, onde salpica, em seu lugar, uma multiplicidade de novos atores que se validam pelo simples fato de existirem em recíproca diferença entre si.

A forma extrema encontrada em Branco sai e sua penetração no circuito comercial de cinema nacional talvez assinalem seu acerto em capturar um movimento real, em que a cultura vai sendo eleita como arena privilegiada para o direcionamento de demandas; ou, mais que isso, a própria “moeda corrente do combate político”, nas palavras de Eagleton23 23 EAGLETON, T. A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p. 61. . No seu entendimento, a importância tomada pela noção identitária de cultura estaria ligada à convergência entre os embates culturais que se desenvolveram nos países ocidentais durante o pós-guerra e as lutas por libertação nacional conduzidas por correntes políticas nacionalistas profundamente enraizadas na ideia de cultura. Ao atingirem o ponto culminante, essas últimas se haveriam cruzado com a política cultural da esquerda ocidental renovada, isto é, aquela que restara dos acalorados anos 1960.

O que gradualmente ocorreu foi uma passagem dessa cultura politizada para a política cultural [...]. À medida que as forças do mercado penetram mais profundamente na produção cultural, enquanto as lutas da classe operária eram derrotadas e as forças socialistas, dispersadas, a cultura ganhou renome como “dominante” tanto para o capitalismo avançado como para uma série de seus oponentes24 24 Ibidem, p. 179. .

A exemplo do que aconteceu nos EUA no final da década de 1980, será que estaríamos enfim nos instalado numa guerra cultural? Na hipótese de Pablo Ortellado25 25 ORTELLADO, P. Guerras culturais no Brasil. Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo, 25 abr. 2015. seria essa a marca do debate político brasileiro após a exasperação de ânimos disparada pelos levantes de 2013 e a resposta da chamada “nova direita”. Nessa contenda, a antiga polarização que dividia a direita liberal, baseada em princípios da livre iniciativa, da esquerda, orientada para a promoção de justiça social, estaria sendo deslocada para o campo da moral, submetendo toda a política a essa lógica. Restaria à ala progressista, agora centrada na “moral compreensiva”, não mais se basear em grandes projetos estratégicos de superação da ordem, mas travar embates imediatos em torno de reconhecimento e reparação conforme a trajetória dos diferentes segmentos.

De qualquer modo, o desarme do conflito político e sua conversão para arena ambígua da cultura não estancam a grande explosão. O radar de Branco sai sinaliza não a velha toupeira aludida por Marx, que de tempos em tempos irromperia renovando as grandes perspectivas históricas, mas o caldeirão de ressentimento alimentado no subterrâneo desses territórios de precariedade. Seu alvo é claro: Brasília, cidade-símbolo da política institucional, versão urbanística de nossa modernidade acabada e da segregação sociorracial que a acompanha. Todavia, a opção pela bomba no filme é o emblema de um impasse: ao enorme reservatório de desilusões e inventividades difusas não se apresenta um caminho político viável, por isso a massa sonora é amorfa, embora com muito poder de estrago. A ação reativa ensaiada pelos personagens assinala o encerramento do velho, mas não lhe é dada a condição de inaugurar um novo campo de expectativas.

O esgotamento da mediação institucional

Em trabalhos anteriores, Adirley e seus parceiros do Ceicine lançaram-se ao desafio de testar artisticamente algumas das alternativas deixadas pelo repertório da esquerda clássica: se Dias de greve (2009) diagnostica a fragilidade de retomada da consciência histórica através de lutas a partir do local de trabalho, A cidade é uma só? (2013) satiriza a efetividade da disputa por voz dos periféricos via representação nos mecanismos da política institucional. É sintomático, portanto, que com Branco sai o cinema em Ceilândia tenha chegado não só à problemática da cultura, mas também à metáfora da bomba. Tendo isso em vista, o filme apresenta um percurso no sentido da radicalização do discurso.

No quadro dos anos 1990 traçado por D’Andrea26 26 D’ANDREA, T. P., op. cit. , o discurso dos Racionais MC’s e de todo o movimento rap que ascendeu no período marcava uma clivagem social de novo tipo, como já dissemos. O movimento serviu, naquela etapa, para avançar no processo de desmascaramento do mito da cordialidade e, ao mesmo tempo, colocar em xeque o projeto de democracia como lócus de encaminhamento e resolução das tensões sociais. Era a época em que a dita onda neoliberal penetrava em todos os poros das instituições brasileiras, provocando os esgarçamentos sociais por todos conhecidos. A agressividade e as metáforas bélicas já faziam parte do universo hip-hop, que, no Brasil, alcançou o seu apogeu em 1997, com o lançamento do disco Sobrevivendo no inferno, dos Racionais MC’s. Entretanto, naquele momento, situada entre a dureza do mundo terreno e as tentativas de fuga num universo metafísico/religioso27 27 GARCIA, W., op. cit., p. 95. , ainda era possível falar da busca por uma “fórmula mágica da paz”. E ela pareceu ter surgido quase uma década depois, durante os anos de prosperidade da era Lula.

O lulismo, de certa forma, restabeleceu no plano eleitoral uma polarização referenciada na distinção entre ricos e pobres - fato bem marcado na eleição de 2006 e parcialmente repetido na de 2010. Não se tratou, naturalmente, de uma polaridade ideológica no sentido forte, mas da combinação de um “reformismo fraco” e desmobilizador com um processo de identificação com a “imagem popular”, sobretudo das massas miseráveis nunca incorporadas à condição proletária28 28 SINGER, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. . O modelo pautado no crescimento econômico e nas políticas distributivas, inclusivas e de reparação, sempre em harmonia com o mercado, relegou para segundo plano a relação com as classes fundamentais (ou entre capital e trabalho), mas reconstruiu temporariamente um imaginário de oposição entre riqueza e pobreza que se refletia nas desigualdades regionais e territoriais. De certo modo, a clivagem social delineada pela cultura periférica dos anos 1990 encontrou correspondências nesse cenário e foi devidamente mobilizada em situações eleitorais posteriores29 29 Os Racionais MC’s e outras bandas de hip-hop já estabeleciam relações com a política petista desde ao menos o final da década de 1990, fato aliás que motivou um artigo de Maria Rita Kehl a respeito. Ver: KEHL, M. R. Radicais, Raciais, Racionais: a grande fratria do rap na periferia de São Paulo. São Paulo em perspectiva, 13 (3), São Paulo: 1999. Disponível em: <http://goo.gl/euEiBD>. Acesso em: 15 jul. 2015. Em 2012 Mano Brown, vocalista dos Racionais, notabilizou-se por se empenhar na campanha, vitoriosa, de Fernando Haddad (PT), afilhado político de Lula, à prefeitura de São Paulo. Em 2014, o rapper volta à cena para alavancar a candidatura (com vitória apertadíssima) de Dilma Rousseff, no que contou com o apoio de uma grande rede de coletivos culturais da periferia de São Paulo. FONSECA, Leandro; LIMA, Lívia. Coletivos da periferia manifestam apoio a Dilma durante ato em Itaquera. Por blog. Mural–blog dos correspondentes comunitários da Grande SP. Folha de S. Paulo, 21 out. 2014. Disponível em: <http:goo.gl/cRpIdP>. Acesso em: 15 jul. 2015. . Mas é aqui que a mensagem de Branco sai se bifurca.

A reviravolta de junho de 2013, é claro, tem a ver com isso. A intensidade das lutas de ação direta impulsionadas por movimentos e coletivos de matriz autonomista devolveu para as ruas os tensionamentos sociais que eram equacionados no âmbito institucional e nas negociações de gabinetes. Mas também descortinou o conservadorismo individualista cultivado pelo mesmo modelo de gestão que conciliou medidas compensatórias e distributivas (de efeito muito mais simbólico do que impactante sobre os mecanismos de reprodução das desigualdades) ao fortalecimento e à generalização da racionalidade predatória de mercado. Nas palavras de Paulo Arantes30 30 ARANTES, Paulo. A fórmula mágica da paz social se esgotou. Correio da Cidadania, 15 jul. 2015. Disponível em: <goo.gl/6BRQdI>. Acesso em: 15 jul. 2015. :

[...] a fórmula mágica da paz simplesmente se esgotou, como todos os demais recursos que alimentaram o jogo de cena da trégua lulista. Todo mundo sabe de trás para frente quais eram esses recursos: o consenso das commodities, o acesso facilitado ao crédito e consequente endividamento popular em grande escala, o consumo de massa puxado por uma descomunal e caótica expansão urbana etc.

O afastamento em relação ao último sopro de esperança suscitado pela era Lula já estava claramente presente em A cidade é uma só?, em que a mirrada e quixotesca campanha do fictício “Partido da Correria Nacional” é contrastada, na última sequência, precisamente com um comício da candidatura de Dilma Rousseff e sua exuberante máquina eleitoral, que tomava as ruas de Brasília. Em Branco sai esse movimento se completa e é levado ao limite. Ele pode ser percebido pela transformação por que passam seus três personagens principais quando comungam, direta ou indiretamente, com a construção e o acionamento da bomba.

Sartana, como já mencionado, é o personagem que guarda alguma expectativa em relação ao futuro e possui uma engenhosidade própria demonstrada ao fazer das condições geradas por sua deficiência um campo de atuação e fonte de sentido para sua vida. Entretanto, ele não só adere ao plano da bomba como é o responsável pela sua potencialização. Essa postura talvez se compreenda a partir da passagem em que comenta sobre a persistência da dor na perna e no pé, como se ainda estivessem lá as partes amputadas do corpo: “Tem gente que fala em dor fantasma. Não tem essa, não. Você sente tudo. Mesmo sem a perna, até hoje eu sinto”. O personagem demonstra assim que, apesar do tempo transcorrido, as formas improvisadas para aproximá-lo de uma vida normal não são suficientes para superar o trauma do passado. A experiência sofrida reitera-se no seu dia a dia, quando, por exemplo, ele folheia seu álbum de casamento sentado sozinho numa cama de solteiro, instantes antes do detonamento da bomba.

Marquim, que durante quase todo o filme está imerso em suas lembranças do passado, à medida que se aproxima o grande momento, esconde dentro do sofá que fica em sua rádio o que parecem ser desenhos e projetos da construção da bomba e, principalmente, alguns discos antigos que colecionava. Pouco antes da explosão, o sofá é mostrado em chamas em um descampado, com Marquim ao lado fumando um cigarro (cena do cartaz do longa-metragem). A tentativa de expurgar o passado também não o faz retroceder de seu plano.

Mas é com Cravalanças que o poder de decidir ganha em peso e significado, pois esse é o personagem ao qual, por vir do futuro, são dadas maiores chances de conhecimento sobre o desenrolar dos fatos, a consequência das ações. Suas escolhas se dão, portanto, num campo estruturado por duas grandes alternativas que denotam igualmente as possibilidades em jogo dentro da história: a reparação ou a vingança. Antes do mais, convém sublinhar que Cravalanças vem em missão como “agente terceirizado”, o que nos faz supor que seu empenho na reconstituição da memória de violações de direitos humanos, de início, não é movido por qualquer senso de justiça, mas porque está submetido a uma relação laboral em uma entidade que presta serviços ao Estado. Suas condições, aliás, pouco diferem das de um trabalhador precarizado de nosso tempo: desde a chegada, ele reclama à sua superior pela falta de pagamento e pede que o dinheiro para sua manutenção no “território do passado” seja depositado na conta com urgência. A busca por justiça permeada pela lógica do valor de troca fica mais clara em sequências posteriores, como a em que ele ouve uma mensagem enviada do futuro, pressionando-o a restabelecer o contato e agilizar o colhimento de provas, com o seguinte ultimato: “Cravalanças, sem provas, não há passado. Sem passado, no money. Entendeu? No mo-ney!”. As trocas de mensagem intermitentes entre Cravalanças e sua base no futuro sugerem não só a permanência dos traços da engenharia pela qual a luta por direitos se viu transfigurada em negócio nos tempos que correm, mas a ideia de que os avanços sociais que os esperam se terão desdobrado no sub-ramo do “mercado da reparação”.

Paulo Arantes lembra que foi na luta por emancipação que alargamos o campo de reparações no qual tudo se equipara monetariamente:

O fato é que batalhando por, e em nome de, emancipação, alargávamos uma espécie bizarra de Câmaras de Compensação e Reparações onde cabia todo tipo de acertos de contas: novamente um continuum no qual se expressa uma outra relação da política com o tempo, uma tremenda novidade em sociedades nacionais que se formaram orientadas para o futuro, de acertos seja com as contas de um passado de abandono ao deus-dará social, seja com um passado de grandes violações de direitos humanos em que a reparação monetária passa a entrar, sim, em linha de conta, como se os crimes da história se pagassem agora com dinheiro (note-se de passagem que a história deixou de ser uma estrela guia), ou ainda na forma de ajustes pontuais a título de redução de danos, e mais uma montanha de etecéteras na mesma linha da política de ambulância e governos terceirizados31 31 ARANTES, Paulo, 2015, op. cit. .

As seis décadas que separam o presente de Marquim e Sartana (2009) e o tempo de origem de Cravalanças (2070) provocam neste último o efeito comparativo, impelindo-o à reflexão. Os questionamentos se aguçam quando o agente é informado de que no ano de 2073 a Vanguarda Cristã terá assumido o poder, o que demanda ainda mais agilidade no caso. Ele resmunga para si mesmo: “Vou fazer o que aí com essa nova mudança?”. Ao final da mensagem, recebe outra exigência: “Produza provas, Cravalanças”. A aposta no futuro, já aqui, dá sinais de sua inviabilidade, e a transformação de Cravalanças começa a ocorrer. É então que sobre o contêiner, em uma situação à primeira vista despretensiosa, o homem do futuro cantarola uma canção de Roberto Carlos que versa sobre uma mudança de postura de quem decreta o fim da espera diante de um amor que não comparece: “De hoje em diante/ vou modificar o meu modo de vida/ Naquele instante que você partiu/ destruiu nosso amor/ Agora não vou mais chorar/ cansei de esperar/ de esperar enfim/ E pra começar eu só vou gostar/ de quem gosta de mim [...] Por isso é que eu vou mudar [...]”32 32 ROBERTO CARLOS. Só vou gostar de quem gosta de mim. In: ROBERTO CARLOS. Em ritmo de aventura. 1967. 1 disco sonoro. .

Adiante, Cravalanças é parabenizado por ter reunido as provas e informado de que “seus serviços não são mais necessários”, mas poderá ser “devidamente recompensado” e ter seu retorno ao tempo de origem consentido se conseguir evitar que a bomba seja lançada e ameace o futuro da Terra. A escolha de Cravalanças, como se sabe, é a de não impedir a grande explosão, abrindo mão da viagem de volta, escolha que pode ser elucidada por outra cena aparentemente deslocada do conjunto da história que sucede. Em meio a uma enorme quantidade de estruturas metálicas oxidadas e retorcidas, o agente aparece sozinho, num plano único, simulando movimentos de filmes de ação, como se empunhasse uma arma na mão e se protegesse de tiros e ataques imaginários. Então desfere:

Toma aí, paga pau do progresso. Toma aí, duzentas e vinte e cinco prestação. Toma aí, ferro retorcido do caralho. Não vai vir aqui não, vai ficar aí no futuro. O progresso é o futuro mesmo. Ninguém tem a moral de cair pra dentro do baguio, não! Traá! Racista aqui não vai mudar a cara nunca, vai ficar desse jeito mesmo. Toma, Europa do inferno. Toma, todo mundo. Toma, última pintura do inferno. Toma, grafite paga pau da porra. Toma, falta de posse. Toma, falta de fazer as coisa. Toma, boca aberta, ó um monte de mosca aí na boca. Praá, praá!

Na sequência, transgredindo o universo ficcional da ação, vira-se para a câmera, finge mirar e solta “Praá, praá!”, não poupando de sua revolta generalizada nem mesmo o espectador provável, o público de classe média branca e escolarizada que frequenta as salas de cinema. A transformação de Cravalanças nessa passagem já se mostra total; ele revela estar completamente desacreditado quanto à mutabilidade da história e não sabemos se os fatos contra os quais se dirige dizem respeito ao presente da ação ou ao futuro - ou tanto faz.

No universo ficcional de Branco sai, Cravalanças fala com propriedade, a autoridade de quem conhece o futuro por experiência própria e sabe que é falsa qualquer promessa de redimir o passado. Entre as impossibilidades a escolher, o personagem opta por aquela que ao menos lhe dê o sabor da vingança, em detrimento da outra que, em 60 anos de avanço, como já se sabe, estará fazendo da justiça uma oportunidade de negócio, regida pela lógica das equivalências monetárias. O impasse, devidamente tratado no filme de Adirley, é que a incineração do passado, simbolizada na queima do sofá de Marquim, acontece sem que uma redefinição de um novo campo de intervenção e expectativa desponte no horizonte, posto que o futuro, bem conhecido por Cravalanças, não é outra coisa senão o próprio presente exagerado.

Eis a forma representada da “dualidade sem dualismo” notada por certa sociologia que sobre nossa formação assinalou: “o antigo e o novo continuavam em presença um do outro” sem nunca poderem se converter num estágio histórico de superação33 33 ARANTES, P., 1992, op. cit., p. 37. . A renúncia de Cravalanças ao futuro denota a postura de quem cansou de esperar por um progresso que não compareceu. A experiência social de Marquim e Sartana também, mesmo vivendo sob a realidade de Brasília, a “metassíntese” de nossa modernização: Ceilândia e seus habitantes descartáveis não foram atingidos pelas benesses civilizatórias como anunciava o “ideário progressista”. Ao contrário, no comentário de Schwarz34 34 SCHWARZ, R. Desapareceu a perspectiva de um progresso que torne o país decente. In: CARIELLO, R. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, 2007. Disponível em: <https://goo.gl/P7Tbil>. Acesso em: 15 ago. 2014. , a globalização acabou por redefinir drasticamente essa expectativa, uma vez que “a modernização agora se tornava excludente e reiterava a marginalização e a desagregação social em grande escala”. Nesse sentido, os traumas do passado revelam não ser realidades em si opostas ao que entendemos por moderno, mas parte integrante de sua constituição. Ainda nas palavras de Schwarz, relembrando o argumento central de um dos principais críticos da leitura dualista, já não se trata de compreender a sociedade brasileira como subdesenvolvida, “não porque se desenvolveu, mas porque deixou de ser tensionada pelo salto desenvolvimentista; e que não é desenvolvida, pois continua aquém da integração social civilizada”35 35 Ibidem. .

* * *

Em 2009, o escritor português João Bernardo36 36 BERNARDO, J. Epílogo e prefácio (um testemunho presencial). História Social, n. 17. Campinas: Unicamp, 2o sem. 2009. traçou um panorama que testemunhava o encerramento de um ciclo de embates contundentes promovido pelo movimento anticapitalista mundial da década de 1960 e especulava sobre o perfil que as lutas sociais poderiam assumir doravante. Segundo ele, a hegemonia incontestável das classes dominantes teria sido alcançada mediante a transnacionalização de suas atividades, num sentido inverso do que tomavam as resistências e oposições, cada vez mais repartidas por fronteiras e particularismos culturais. Com o esmaecimento das forças anticapitalistas, configurando o avanço do que chamamos neoliberalismo, teria sido possível proceder ao desmonte dos mecanismos de integração social keynesianos e outras instituições que, se serviam como espaços para mobilização radical da juventude, serviam também para contê-la e regular os conflitos sociais dentro de limites administráveis. Paralelamente, poderíamos assistir a cidades do mundo todo assumirem a forma de casernas ao passo que a segregação urbana se tornasse um objetivo sistemático. Considerados ainda o nível de degradação a que chegariam as instituições educacionais e o descrédito das democracias representativas, as classes dominantes tenderiam a confiar apenas no uso dos meios eletrônicos de fiscalização e na brutalidade repressiva. Sem os biombos institucionais, conclui ele, restará o “furor destrutivo”37 37 Ibidem, p. 261. de uma juventude que em nada se assemelha à “candura” dos revolucionários de antes.

Talvez seja uma parte desse todo integrado o fenômeno notado pelo pesquisador Gabriel Feltran a respeito da elaboração discursiva e dos “regimes normativos”38 38 FELTRAN, G. A disputa política nas periferias. Pública: agência de reportagem e jornalismo investigativo. Entrevista por Marina Amaral. São Paulo: 17 jul. 2015. Disponível em: <http://goo.gl/TLXaG8>. Acesso em: 17 jul. 2015. próprios que tomam corpo no cotidiano recente dos jovens de periferia. Nesse contexto em que se esgarçam os fatores usuais de coesão entre os grupos sociais, diz ele, a crítica social é presente mas não encontra eco na polarização caduca da política tradicional, incluindo aí os movimentos sociais. Ao contrário: o que “se percebe transitando entre favelas e elites é que a metáfora da guerra (inimigos a combater) parece fazer mais sentido para pensar a política hoje do que a metáfora da democracia (comunidade de cidadãos)”39 39 Ibidem. .

Não é de admirar, portanto, que a percepção artística de Branco sai redunde em uma bomba, uma ação de revide, que assim se manifesta por não ter condições de reinventar a política. O recado que emana é explícito no funk de Mc Dodô, que serve de trilha para o encerramento do filme junto às imagens da explosão: “Bomba explode na cabeça, estraçalha ladrão/ Fritô logo o neurônio que apazigua a razão/ Eu vou cobrar e com certeza a guerra eu vou ganhar [...]”40 40 Mc Dodô. “Bomba explode na cabeça”, 2009. Disponível em<https://youtu.be/Tm3BilKOjeM>. .

A radicalidade da bomba encenada em Branco sai anuncia um movimento truncado de ruptura com as instituições mediadoras emergenciais que deram alento ao capitalismo no Brasil nos últimos anos. Se seu efeito não chega a formular uma “solução possível”41 41 SUPPIA, Alfredo, op. cit. , capaz de inaugurar um novo campo de ação política, convém dizer, isso não se constitui como problema da obra, mas da matéria histórica que ela apreende. A precisa alegorização desse nó histórico é, portanto, um mérito de Branco sai, havendo boas razões para inscrevê-lo no que poderíamos chamar de uma estética da indeterminação42 42 Aludimos aqui às ideias de Francisco de Oliveira, para quem a “era da indeterminação” se funda na impossibilidade de fazer política num momento em que: “A sociabilidade plasmada na época do trabalho como categoria central [...] dançou. Sistemas políticos longamente amadurecidos no consenso welfarista, tolerâncias crescentes à sombra do crescimento e reconhecimento dos direitos humanos estão cedendo o passo às novas intolerâncias. [...] A relação entre classe, interesses, representação foi para o espaço; a possibilidade da formação de consensos tornou-se uma quimera, mas, num sentido intensamente dramático, [o que] não é o anúncio do dissenso e não gera política. As relações são difusas e indeterminadas. [...] A indeterminação não significa o estancamento das experimentações inventivas; quer dizer apenas que elas ainda não cristalizaram o campo de conflitos dentro do qual os atores devem se movimentar doravante”. OLIVEIRA, F. Política numa era de indeterminação: opacidade e reencantamento. In: OLIVEIRA, F.; RIZEK, C. (Org.). A era da indeterminação. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 15-43. .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ABÍLIO, L. A gestão do social e o mercado da cidadania. In: CABANES, R. et al. Saídas de emergência: ganhar/perder a vida na periferia de São Paulo. São Paulo: Boitempo, 2011.
  • ARANTES, P. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira: dialética e dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
  • ____. A fratura brasileira do mundo. In: ARANTES, P. E. Zero à esquerda. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004.
  • ____. A fórmula mágica da paz social se esgotou. Correio da Cidadania, 15 jul. 2015. Disponível em: <goo.gl/6BRQdI>. Acesso em: 15 jul. 2015.
    » goo.gl/6BRQdI
  • BERNARDO, J. Epílogo e prefácio (um testemunho presencial). História Social, n. 17. Campinas: Unicamp, 2o sem. 2009.
  • CALABRE, L.; LIMA, D. R. Do do-in antropológico à política de base comunitária - 10 anos do Programa Cultura Viva: uma trajetória da relação entre Estado e sociedade. Políticas Culturais em Revista, v. 2 (7), p. 6-25, 2014.
  • CANDIDO, A. Literatura e cultura de 1900 a 1945 (panorama para estrangeiros) In: ____. Literatura e sociedade. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz, Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro).
  • D’ANDREA, T. P. A formação dos sujeitos periféricos: cultura e política na periferia de São Paulo. Tese (Doutorado em Sociologia). Departamento de Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
  • EAGLETON, T. A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp, 2011.
  • FELTRAN, G. A disputa política nas periferias. Pública: agência de reportagem e jornalismo investigativo. Entrevista por Marina Amaral. São Paulo: 17 jul. 2015. Disponível em: <http://goo.gl/TLXaG8>. Acesso em: 17 jul. 2015.
    » http://goo.gl/TLXaG8
  • FONSECA, Leandro; LIMA, Lívia. Coletivos da periferia manifestam apoio a Dilma durante ato em Itaquera. Por blog. Mural-blog dos correspondentes comunitários da Grande SP. Folha de S. Paulo, 21 out. 2014. Disponível em: <http:goo.gl/cRpIdP>. Acesso em: 15 jul. 2015.
    » http:goo.gl/cRpIdP
  • GARCIA, W. Elementos para a crítica da estética do Racionais MC’S (1990-2006). Ideias - Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Campinas, n. 7, 2o semestre, 2013.
  • GOMES, Joceline. Adirley Queirós: o não representante que nos representou no cinema. Favela Potente, 21 nov. 2014. Disponível em <https://goo.gl/cfes09>. Acesso em: 20 jun. 2015.
    » https://goo.gl/cfes09
  • KEHL, M. R. Radicais, Raciais, Racionais: a grande fratria do rap na periferia de São Paulo. São Paulo em perspectiva, 13 (3), São Paulo: 1999. Disponível em: <http://goo.gl/euEiBD>. Acesso em: 15 jul. 2015.
    » http://goo.gl/euEiBD
  • LEITE, A. E. O programa VAI e a cena cultural da periferia paulistana. In: SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Cultura. Via Vai: percepções e caminhos percorridos. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, 2012.
  • MIGLIORIN, C. Por um cinema pós-industrial: notas para um debate. Cinética - cinema e crítica (on-line), fev. 2011. Disponível em: <http://www.revistacinetica.com.br/cinemaposindustrial.htm>. Acesso em: 15 jul. 2015.
    » http://www.revistacinetica.com.br/cinemaposindustrial.htm
  • ____. O que é um coletivo. In: BRASIL, A. (Org.). Teia: 2002-2012. Belo Horizonte: Teia, 2012.
  • NASCIMENTO, E. “Literatura marginal”: os escritores da periferia entram em cena. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Programa de Pós-graduação, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
  • OLIVEIRA, F. Política numa era de indeterminação: opacidade e reencantamento. In: OLIVEIRA, F.; RIZEK, C. (Org.). A era da indeterminação. São Paulo: Boitempo, 2007.
  • ORTELLADO, P. Guerras culturais no Brasil. Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo, 25 abr. 2015.
  • PACHECO, A. P. Cidade-cárcere: violência e representação das classes baixas na literatura brasileira contemporânea. Terceira Margem. Rio de Janeiro: UFRJ, ano XI, n. 16, 2007.
  • PATROCÍNIO, P. A volta da realidade das margens. Estudos de literatura brasileira contemporânea. Brasília: UnB, n.39, jan./jun. 2012, p. 57-75.
  • QUEIRÓS, A. Entrevista com Adirley Queirós, diretor de Branco sai, preto fica. Cine Festivais, 30 mar. 2014. Disponível em: <https://goo.gl/oV3FWM>. Acesso em: 15 jun. 2015.
    » https://goo.gl/oV3FWM
  • RIZEK, C. Práticas culturais e ações sociais: novas formas de gestão da pobreza. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 14., 2011. Anais... Rio de Janeiro, 2011
  • ROBERTO CARLOS. Só vou gostar de quem gosta de mim. In: ROBERTO CARLOS. Em ritmo de aventura. 1967. 1 disco sonoro.
  • SCHWARZ, R. Desapareceu a perspectiva de um progresso que torne o país decente. In: CARIELLO, R. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, 2007. Disponível em: <https://goo.gl/P7Tbil>. Acesso em: 15 ago. 2014
    » https://goo.gl/P7Tbil
  • SINGER, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
  • SUPPIA, Alfredo. Acesso negado: circuit bending, borderlands science fiction e lo-fi sci-fi em Branco sai, preto fica. Famecos - mídia, cultura e tecnologia. Porto Alegre, v. 24, n.1, jan.-abr. 2017.
  • TELLES, V. S. Transitando na linha de sombra, tecendo as tramas da cidade (anotações inconclusas de uma pesquisa). In: OLIVEIRA, F.; RIZEK, C. (Org.). A era da indeterminação. São Paulo: Boitempo, 2007.
  • TOMMASI, L. D. Culturas de periferia: entre o mercado, os dispositivos de gestão e o agir político. Revista Política & Sociedade, Florianópolis, v. 12, n. 23, jan.-abr. 2013.
  • VIEIRA, M. P. Reinventando sentidos para a cultura: uma leitura do papel normativo da Unesco através da análise da Convenção para a Promoção e a Proteção para a Diversidade das Expressões Culturais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009.
  • XAVIER, I. Angels with dirty faces. Sight & Sound, v. 13, issue, jun. 2003.
  • WILLIAMS, R. Culture is ordinary. In: HIGHMORE, B. (Org.). The everyday life reader. London, New York: Routledge, 2002.
  • YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013.
  • 43
    OLIVEIRA, Taiguara Belo de; MACIEL, Danielle Edite Ferreira. Cultura e revanche na guerra social: comentários sobre Branco sai, preto fica, de Adirley Queirós. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 68, p. 12-31, dez. 2017.
  • 1
    RIZEK, C. Práticas culturais e ações sociais: novas formas de gestão da pobreza. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 14., 2011. Anais... Rio de Janeiro, 2011.
  • 2
    Sérgio Vaz, poeta, é cofundador da Cooperifa, coletivo de produção cultural da região do Parque Santo Antônio, Zona Sul de São Paulo.
  • 3
    QUEIRÓS, A. Entrevista com Adirley Queirós, diretor de Branco sai, preto fica. Cine Festivais, 30 mar. 2014. Disponível em: <https://goo.gl/oV3FWM>. Acesso em: 15 jun. 2015.
  • 4
    MIGLIORIN, C. O que é um coletivo. In: BRASIL, A. (Org.). Teia: 2002-2012. Belo Horizonte: Teia, 2012.
  • 5
    Idem. Por um cinema pós-industrial: notas para um debate. Cinética – cinema e crítica (on-line), fev. 2011. Disponível em: <http://www.revistacinetica.com.br/cinemaposindustrial.htm>. Acesso em: 15 jul. 2015.
  • 6
    D’ANDREA, T. P. A formação dos sujeitos periféricos: cultura e política na periferia de São Paulo. Tese (Doutorado em Sociologia). Departamento de Sociologia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
  • 7
    ABÍLIO, L. A gestão do social e o mercado da cidadania. In: CABANES, R. et al. Saídas de emergência: ganhar/perder a vida na periferia de São Paulo. São Paulo: Boitempo, 2011.
  • 8
    QUEIRÓS, A., op. cit.
  • 9
    LEITE, A. E. O programa VAI e a cena cultural da periferia paulistana. In: SÃO PAULO, Secretaria Municipal de Cultura. Via Vai: percepções e caminhos percorridos. Secretaria Municipal de Cultura, São Paulo, 2012, p. 119.
  • 10
    Foi algo dessa “insubordinação” às formas narrativas consagradas para o tratamento de fatos reais e aos parâmetros ordinários das políticas de incentivo que Suppia identificou em Branco sai para apreendê-lo à luz do conceito de circuit bending, que nesse caso significaria uma prática de “repropositura”, adulteração, ou ainda uma gambiarra, da forma convencional de uso de um dado objeto. SUPPIA, Alfredo. Acesso negado: circuit bending, borderlands science fiction e lo-fi sci-fi em Branco sai, preto fica. Famecos – mídia, cultura e tecnologia. Porto Alegre, v. 24, n. 1, jan.-abr. 2017.
  • 11
    NASCIMENTO, E. “Literatura marginal”: os escritores da periferia entram em cena. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social). Programa de Pós-Graduação, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006; PATROCÍNIO, P. A volta da realidade das margens. Estudos de literatura brasileira contemporânea. Brasília: UnB, n. 39, jan./jun. 2012, p. 57-75.
  • 12
    ARANTES, P. Sentimento da dialética na experiência intelectual brasileira: dialética e dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, p. 15.
  • 13
    Idem. A fratura brasileira do mundo. In: ARANTES, P. E. Zero à esquerda. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004, p. 29.
  • 14
    TELLES, V. S. Transitando na linha de sombra, tecendo as tramas da cidade (anotações inconclusas de uma pesquisa). In: OLIVEIRA, F.; RIZEK, C. (Org.). A era da indeterminação. São Paulo: Boitempo, 2007.
  • 15
    WILLIAMS, R. Culture is ordinary. In: HIGHMORE, B. (Org.). The everyday life reader. London, New York: Routledge, 2002. Esse conceito de cultura começa a ser consagrado na década de 1980 por diferentes organismos internacionais, quando buscam redesenhar um novo arranjo de governança e desenvolvimento para os países periféricos. VIEIRA, M. P. Reinventando sentidos para a cultura: uma leitura do papel normativo da Unesco através da análise da Convenção para a Promoção e a Proteção para a Diversidade das Expressões Culturais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. No Brasil ele ganha força quando, sob o primeiro mandato de Lula, em 2003, Gilberto Gil assume o comando do Ministério da Cultura, e atinge o seu auge com o Programa Cultura Viva, que ampliou a dimensão participativa e abriu espaço para políticas de apoio e reconhecimento das chamadas minorias. CALABRE, L.; LIMA, D. R. Do do-in antropológico à política de base comunitária – 10 anos do Programa Cultura Viva: uma trajetória da relação entre Estado e sociedade. Políticas Culturais em Revista, v. 2 (7), p. 6-25, 2014.
  • 16
    TOMMASI, L. D. Culturas de periferia: entre o mercado, os dispositivos de gestão e o agir político. Revista Política & Sociedade, Florianópolis, v. 12, n. 23, jan.-abr. 2013, p. 29.
  • 17
    Para Ismail Xavier a premissa do “resgate através da cultura” tematizado em Cidade de Deus repousa na sua própria forma de produção, na medida em que as crianças e adolescentes que fizeram parte da filmagem foram selecionados em favelas cariocas para serem treinados como atores. Alguns deles faziam parte do grupo de teatro, que é também um projeto social, o Nós do morro. XAVIER, I. Angels with dirty faces. Sight & Sound, v. 13, issue, jun. 2003.
  • 18
    D’ANDREA, T. P., op. cit.
  • 19
    GARCIA, W. Elementos para a crítica da estética do Racionais MC’S (1990-2006). Ideias – Revista do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Campinas, n. 7, 2o semestre, 2013.
  • 20
    CANDIDO, A. Literatura e cultura de 1900 a 1945 (panorama para estrangeiros) In: ____. Literatura e sociedade. 8. ed. São Paulo: T. A. Queiroz, Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro); ARANTES, P., 1992, op. cit.
  • 21
    YÚDICE, G. A conveniência da cultura: usos da cultura na era global. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2013, p. 144.
  • 22
    PACHECO, A. P. Cidade-cárcere: violência e representação das classes baixas na literatura brasileira contemporânea. Terceira Margem. Rio de Janeiro: UFRJ, ano XI, n. 16, 2007.
  • 23
    EAGLETON, T. A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp, 2011, p. 61.
  • 24
    Ibidem, p. 179.
  • 25
    ORTELLADO, P. Guerras culturais no Brasil. Le Monde Diplomatique Brasil. São Paulo, 25 abr. 2015.
  • 26
    D’ANDREA, T. P., op. cit.
  • 27
    GARCIA, W., op. cit., p. 95.
  • 28
    SINGER, A. Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.
  • 29
    Os Racionais MC’s e outras bandas de hip-hop já estabeleciam relações com a política petista desde ao menos o final da década de 1990, fato aliás que motivou um artigo de Maria Rita Kehl a respeito. Ver: KEHL, M. R. Radicais, Raciais, Racionais: a grande fratria do rap na periferia de São Paulo. São Paulo em perspectiva, 13 (3), São Paulo: 1999. Disponível em: <http://goo.gl/euEiBD>. Acesso em: 15 jul. 2015. Em 2012 Mano Brown, vocalista dos Racionais, notabilizou-se por se empenhar na campanha, vitoriosa, de Fernando Haddad (PT), afilhado político de Lula, à prefeitura de São Paulo. Em 2014, o rapper volta à cena para alavancar a candidatura (com vitória apertadíssima) de Dilma Rousseff, no que contou com o apoio de uma grande rede de coletivos culturais da periferia de São Paulo. FONSECA, Leandro; LIMA, Lívia. Coletivos da periferia manifestam apoio a Dilma durante ato em Itaquera. Por blog. Mural–blog dos correspondentes comunitários da Grande SP. Folha de S. Paulo, 21 out. 2014. Disponível em: <http:goo.gl/cRpIdP>. Acesso em: 15 jul. 2015.
  • 30
    ARANTES, Paulo. A fórmula mágica da paz social se esgotou. Correio da Cidadania, 15 jul. 2015. Disponível em: <goo.gl/6BRQdI>. Acesso em: 15 jul. 2015.
  • 31
    ARANTES, Paulo, 2015, op. cit.
  • 32
    ROBERTO CARLOS. Só vou gostar de quem gosta de mim. In: ROBERTO CARLOS. Em ritmo de aventura. 1967. 1 disco sonoro.
  • 33
    ARANTES, P., 1992, op. cit., p. 37.
  • 34
    SCHWARZ, R. Desapareceu a perspectiva de um progresso que torne o país decente. In: CARIELLO, R. Folha de S. Paulo, Ilustrada, São Paulo, 2007. Disponível em: <https://goo.gl/P7Tbil>. Acesso em: 15 ago. 2014.
  • 35
    Ibidem.
  • 36
    BERNARDO, J. Epílogo e prefácio (um testemunho presencial). História Social, n. 17. Campinas: Unicamp, 2o sem. 2009.
  • 37
    Ibidem, p. 261.
  • 38
    FELTRAN, G. A disputa política nas periferias. Pública: agência de reportagem e jornalismo investigativo. Entrevista por Marina Amaral. São Paulo: 17 jul. 2015. Disponível em: <http://goo.gl/TLXaG8>. Acesso em: 17 jul. 2015.
  • 39
    Ibidem.
  • 40
    Mc Dodô. “Bomba explode na cabeça”, 2009. Disponível em<https://youtu.be/Tm3BilKOjeM>.
  • 41
    SUPPIA, Alfredo, op. cit.
  • 42
    Aludimos aqui às ideias de Francisco de Oliveira, para quem a “era da indeterminação” se funda na impossibilidade de fazer política num momento em que: “A sociabilidade plasmada na época do trabalho como categoria central [...] dançou. Sistemas políticos longamente amadurecidos no consenso welfarista, tolerâncias crescentes à sombra do crescimento e reconhecimento dos direitos humanos estão cedendo o passo às novas intolerâncias. [...] A relação entre classe, interesses, representação foi para o espaço; a possibilidade da formação de consensos tornou-se uma quimera, mas, num sentido intensamente dramático, [o que] não é o anúncio do dissenso e não gera política. As relações são difusas e indeterminadas. [...] A indeterminação não significa o estancamento das experimentações inventivas; quer dizer apenas que elas ainda não cristalizaram o campo de conflitos dentro do qual os atores devem se movimentar doravante”. OLIVEIRA, F. Política numa era de indeterminação: opacidade e reencantamento. In: OLIVEIRA, F.; RIZEK, C. (Org.). A era da indeterminação. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 15-43.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    01 Dez 2016
  • Aceito
    03 Jul 2017
Instituto de Estudos Brasileiros Espaço Brasiliana, Av. Prof. Luciano Gualberto, 78 - Cidade Universitária, 05508-010 São Paulo/SP Brasil, Tel. (55 11) 3091-1149 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaieb@usp.br