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Pronto-socorro público: impactos psicossociais no domínio físico da qualidade de vida de profissionais de enfermagem

Resumos

OBJETIVOS:

determinar os principais fatores psicossociais do trabalho, relacionados a prejuízos no domínio físico de qualidade de vida de profissionais de enfermagem, em um pronto-socorro público.

MÉTODOS:

estudo transversal, descritivo, com a participação de 189 profissionais de enfermagem. Utilizou-se a Job Stress Scale e a versão abreviada do instrumento para avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde, para a coleta de dados, e o Modelo Demanda-Controle de Robert Karasek como referencial para análise da configuração psicossocial. Calcularam-se o risco para prejuízos e o intervalo de confiabilidade de 95%.

RESULTADOS:

em relação ao ambiente psicossocial, a maior proporção de trabalhadores apresentou vivência de baixas demandas psicológicas (66,1%) e baixo suporte social (52,4%), além de 60,9% dos profissionais serem categorizados vivenciando as situações de trabalho com maior potencial patologizante: trabalho de alta exigência (22,8%) e trabalho passivo (38,1%).

CONCLUSÕES:

baixo discernimento intelectual, baixo suporte social e vivenciar um trabalho de alta exigência ou trabalho passivo foram os principais fatores de risco para prejuízos no domínio físico de qualidade de vida.

Qualidade de Vida; Impacto Psicossocial; Enfermagem; Serviços Médicos de Emergência


OBJECTIVES:

to determine the psychosocial factors of work related to harm caused in the physical domain of the quality of life of nursing professionals working in a public emergency department.

METHOD:

cross-sectional, descriptive study addressing 189 nursing professionals. The Job Stress Scale and the short version of an instrument from the World Health Organization to assess quality of life were used to collect data. Robert Karasek's Demand-Control Model was the reference for the analysis of the psychosocial configuration. The risk for damage was computed with a confidence interval of 95%.

RESULTS:

In regard to the psychosocial environment, the largest proportion of workers reported low psychological demands (66.1%) and low social support (52.4%), while 60.9% of the professionals experienced work situations with a greater potential for harm: high demand job (22.8%) and passive work (38.1%).

CONCLUSIONS:

low intellectual discernment, low social support and experiencing a high demand job or a passive job were the main risk factors for damage in the physical domain of quality of life.

Quality of Life; Psychosocial Impact; Nursing; Emergency Medical Services


OBJETIVOS:

determinar los principales factores psicosociales del trabajo relacionados a factores que causan perjuicios en el dominio físico de calidad de vida de los profesionales de enfermería en una emergencia pública.

MÉTODOS:

estudio transversal, descriptivo, con la participación de 189 profesionales de enfermería. Se utilizó la versión abreviada del instrumento Job Stress Scale, de la Organización Mundial de la Salud, para evaluar la calidad de vida y el Modelo Demanda-Control de Robert Karasek como marco teórico para analizar la configuración psicosocial. Se calculó el riesgo para el aparecimiento de perjuicios; el intervalo de confiabilidad fue de 95%.

RESULTADOS:

en relación al ambiente psicosocial, la mayor proporción de trabajadores presentó existencia de bajas demandas psicológicas (66,1%) y bajo soporte social (52,4%), además 60,9% de los profesionales fueron categorizados como experimentando situaciones de trabajo con mayor potencial de causar enfermedades: trabajo de alta exigencia (22,8%) y trabajo pasivo (38,1%).

CONCLUSIONES:

el bajo discernimiento intelectual, el bajo soporte social y el experimentar un trabajo de alta exigencia o trabajo pasivo, fueron los principales factores de riesgo para causar perjuicios en el dominio físico de la calidad de vida.

Calidad de Vida; Impacto Psicosocial; Enfermería; Servicios Médicos de Urgencia


Introdução

Desde as expoentes contribuições de Christopher Dejours e da psicodinâmica do trabalho, uma nova vertente de estudos a respeito da saúde do trabalhador tem destacado a inexistência de relações de neutralidade entre o trabalho e o processo de saúde/doença, reforçando a concepção de que toda atividade produtiva possui potencial para promover saúde ou produzir doença, dependendo da maneira como se configuram elementos da organização e do processo de trabalho e do modo como esses se articulam com características subjetivas do trabalhador( 11. Dejours C. Psicodinâmica do Trabalho: contribuições da escola Dejouriana à análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo:Atlas; 2010. 145 p. ).

De modo geral, o ambiente psicossocial do trabalho compreende a interação de uma série de determinantes de natureza psicossociológica (fatores psicossociais) que se relacionam estreitamente com características específicas do trabalho como, por exemplo, o processo de trabalho, modo de organização, estruturação e a dinâmica das relações interpessoais existentes( 22. Villalobos F, Gloria H. Vigilancia epidemiológica de los factores psicosociales: aproximación conceptual y valorativa. Cienc Trab. 2004;6(14):197-201. - 33. Cassel EJ. The contribution on the social environment to host resistence. Am J Epidemiol. 1976;104:107-23. ).

O ambiente e os fatores psicossociais que o constituem dialogam dicotomicamente com a saúde do trabalhador e, nessa relação paradoxal, é possível distinguir os fatores psicossociais por meio de suas repercussões na vida do profissional, tomando como base dois referenciais principais: os aspectos psicossociais que, dependendo das circunstâncias como ocorrem, são benéficos e agem salutogenicamente, protegendo a saúde do trabalhador, e os que exercem significante papel na manifestação de doenças( 33. Cassel EJ. The contribution on the social environment to host resistence. Am J Epidemiol. 1976;104:107-23. ).

Os aspectos psicossociais deletérios que se encontram no ambiente laboral são numerosos e de natureza diversa, interagem entre si e repercutem sobre o clima psicossocial da instituição e, principalmente, sobre a qualidade de vida e a saúde física e mental dos trabalhadores( 44. Urbaneto JS, Silva PC, Hoffmeister E, Negri BS,Costa BEP, FigueiredoCEP. Workplace stress in nursing workers from an emergency hospital: Job Stress Scale analysis. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(5):1122-31. ). Nas unidades de urgência ou emergência do sistema público brasileiro, o processo e a organização do trabalho são acentuadamente marcados por essas relações psicossociais paradoxais( 55. Dal Pai D, Lautert L. Work under urgency and emergency and its relation with the health of nursing professionals. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(3):439-44. ) e com potencial para prejuízos à saúde do trabalhador.

Salienta-se que os elementos psicossociais do ambiente de trabalho possuem potencial para comprometer quaisquer esferas da saúde e qualidade de vida do indivíduo. Neste estudo, abordou-se o potencial para os prejuízos à dimensão física da saúde humana, pois esse tipo de comprometimento contribui diretamente para o aumento do absenteísmo no trabalho, afastamentos ou necessidade de readaptação de funções, diminuição da produtividade e possível perda da qualidade dos serviços prestados.

Tendo por base, sobretudo, a constatação do potencial patogênico que o ambiente psicossocial do trabalho pode assumir e a vivência cotidiana de um pronto-socorro público, questiona-se, nesta pesquisa, como se configura a organização psicossocial do trabalho de profissionais de enfermagem nesse ambiente, e quais seriam os elementos psicossociais que se caracterizariam como fatores de riscos, estatisticamente significativos, para possíveis prejuízos ao domínio físico de qualidade de vida desses profissionais.

Sendo o ambiente psicossocial constituído por múltiplos e variados elementos que englobam as dimensões psíquica e social do trabalho, para direcionar este estudo optou-se por analisar a configuração psicossocial, adotando-se como referencial teórico-metodológico as três dimensões básicas avaliadas pelo Modelo Demanda-Controle (MDC), proposto por Robert Karasek: controle sobre o processo de trabalho, demandas psicológicas e suporte social( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. ).

Dessa maneira, este estudo teve por objetivo determinar os principais fatores relacionados a prejuízos no domínio físico de qualidade de vida de profissionais de enfermagem em um pronto-socorro público, haja vista que, dentre os profissionais de saúde, são os profissionais de enfermagem que passam mais tempo na assistência direta ao paciente e, conforme apontam alguns estudos, esses profissionais estão altamente sujeitos a riscos de desgaste físico e adoecimento, decorrentes do modo como o trabalho no ambiente hospitalar se organiza( 88. Kirchhof ALC, Magnago TSBS, Camponogara S, Griep RH,Tavares JP, PrestesFC, et al. Condições de trabalho e características sociodemográficas relacionadas à presença de distúrbios psíquicos menores em trabalhadores de enfermagem. Texto Contexto-Enferm. 2009;18(2):215-23. - 99. Magnago TSBS, Lisboa MTL, Griep RH,Kirchhof ALC, GuidoLA. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbio musculoesquelético em trabalhadores de enfermagem. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2010; 18(3); 991-1003. ).

Métodos

Realizou-se estudo descritivo e de recorte transversal, com profissionais de enfermagem de um pronto-socorro público estadual, localizado em Rondônia, Brasil. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal de Rondônia (CEP/Unir) em dezembro de 2010 (CAAE: 6563.0.000.047-10) e observou todas as recomendações da Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, mantendo os procedimentos necessários para assegurar a confidencialidade e a privacidade dos sujeitos.

A amostra foi composta por 189 profissionais de enfermagem, sendo 36 enfermeiros e 153 técnicos de enfermagem, considerando nível de significância de 5%, com erro amostral de 4,7% e proporção estimada de 50%. O estudo apresentou amostra não probabilística intencional, definida pela disponibilidade e aceitação do profissional em participar da pesquisa. Foram considerados potenciais participantes deste estudo todos os profissionais lotados na instituição pesquisada, que exerciam atividades assistenciais durante o período de coleta de dados e que concordaram livremente em participar da pesquisa, mediante leitura, ciência e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A coleta de dados foi realizada por meio de instrumentos autoaplicáveis e preenchidos de forma autônoma pelo próprio entrevistado, embora, se necessário, pudessem recorrer ao auxílio dos pesquisadores. Um bloco contendo três instrumentos foi disponibilizado para os sujeitos e consistia em um questionário sociodemográfico e laboral, elaborado pelos autores, o questionário para avaliação da qualidade de vida, proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS), conhecido como WHOQOL-bref( 1010. World Health Organization. WHOQOL-BREF: Introduction, administration, scoring and generic version of the assessment. Programme on Mental Health. Geneva;1996. ), e uma versão abreviada e traduzida para a língua portuguesa do Job Content Questionnaire, que permite a avaliação de aspectos psicossociais do ambiente de trabalho (Job Stress Scale)( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. , 1111. Alves MGM, Chor D, Faerstein E,Lopes CS, WerneckdGL. Versão resumida da "Job Stress Scale" adaptação para o português. Rev Saúde Pública. 2004;38(2):164-71. ).

Análise estatística dos dados

Após a análise individual de cada instrumento, usando-se os elementos de estatística descritiva recomendados pelos autores, os resultados obtidos foram tratados de maneira associativa, verificando-se quais elementos psicossociais se associavam de maneira estatisticamente significativa com as variáveis relacionadas à avaliação da qualidade de vida. Para tanto, utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson (ou o teste exato de Fisher, quando pertinente), para as variáveis categoriais e o teste t de Student, para as variáveis contínuas. Na sequência, foi realizada análise multivariada, utilizando-se Regressão Logística, obtendo-se assim Odds Ratios (OR). Entraram no modelo de regressão logística todas as variáveis psicossociais ou laborais que previamente apresentaram associações com nível de significância = 0,05.

Para a análise do domínio físico de qualidade de vida foram consideradas apenas as sete questões do WHOQOL-bref que avaliam esse domínio, além do indicador geral obtido por meio do cálculo da média aritmética da soma dos escores atribuídos a cada uma das sete questões que o avaliam, no qual a cada resposta dada pelos sujeitos da pesquisa é atribuído um valor entre um e cinco. O resultado médio do domínio foi multiplicado por quatro, de forma a possibilitar a comparação entre os valores utilizados no instrumento WHOQOL-100, para, finalmente, serem convertidos em uma escala numérica que varia de 0 a 100 - na qual "zero" representa o nível mais baixo de qualidade de vida e "100" o melhor (ou máximo) nível( 1212. Pedroso B, Pilatti LA, Frasson AC,Scandelari L, SantosCB. Qualidade de vida: uma ferramenta para o cálculo dos escores e estatística descritiva do WHOQOL-100. 28º Encontro Nacional de Engenharia de Produção; 13 a 16 de outubro de 2008; Rio de Janeiro, Brasil. Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Engenharia de Produção; 2008. ).

Após o cálculo do escore geral do domínio, essa variável foi dicotomizada, utilizando-se como referência a mediana dos resultados obtidos. Os profissionais que apresentaram escores iguais ou inferiores ao ponto de corte foram considerados como apresentando baixa qualidade de vida no domínio físico e os que apresentaram escores superiores à mediana foram considerados com alta qualidade de vida. Replicaram-se esses passos para cada uma das questões do domínio. Ressalta-se que as questões 3 e 4 tiveram seus escores invertidos, de modo a padronizar o sentido de gradação de todas as respostas do instrumento, sendo o aumento gradativo da resposta equivalente, na mesma proporção, ao aumento no positivismo do resultado da faceta( 1010. World Health Organization. WHOQOL-BREF: Introduction, administration, scoring and generic version of the assessment. Programme on Mental Health. Geneva;1996. ).

A Job Stress Scale (JSS) é constituída por 17 questões e reúne as três dimensões básicas propostas pelo MDC: demanda psicológica, controle do trabalho e suporte social. Da totalidade de questões, cinco avaliam os níveis de demanda psicológica, abordando aspectos quantitativos do trabalho como o tempo, a exigência e a velocidade na execução das tarefas e, também, o conflito entre as diferentes demandas do trabalho. Seis questões avaliam o grau de controle sobre o processo de trabalho por parte do trabalhador e seis avaliam o suporte social, abordando as relações com colegas e chefias. Ressalta-se que a dimensão "controle" pode ser dividida em duas subescalas que avaliam o discernimento intelectual do trabalhador (composta por quatro questões) e a autoridade sobre decisões (composta por duas questões)( 1111. Alves MGM, Chor D, Faerstein E,Lopes CS, WerneckdGL. Versão resumida da "Job Stress Scale" adaptação para o português. Rev Saúde Pública. 2004;38(2):164-71. , 1313. Alves MGM, Chor D, Faerstein E,Werneckd GL, LopesCS, Estresse no trabalho e hipertensão arterial em mulheres no Estudo Pró-Saúde. Rev Saúde Pública. 2009;43(5):893-6. ).

O cálculo dos escores de cada uma das dimensões psicossociais ocorreu pela soma dos escores atribuídos pelos profissionais às questões que avaliam o respectivo quesito na JSS; a cada resposta dada pelos sujeitos da pesquisa é atribuído um valor entre 1 (menos frequente) e 4 (mais frequente). Algumas questões desse instrumento também possuem escore reverso e a inversão dos valores foi realizada antes da soma dos itens, para que a intensidade de todas as respostas permanecesse no mesmo sentido( 1111. Alves MGM, Chor D, Faerstein E,Lopes CS, WerneckdGL. Versão resumida da "Job Stress Scale" adaptação para o português. Rev Saúde Pública. 2004;38(2):164-71. , 1313. Alves MGM, Chor D, Faerstein E,Werneckd GL, LopesCS, Estresse no trabalho e hipertensão arterial em mulheres no Estudo Pró-Saúde. Rev Saúde Pública. 2009;43(5):893-6. ).

O modelo teórico adotado para a avaliação psicossocial prediz que a interação entre diferentes níveis de demandas (alta ou baixa) com diferentes níveis de controle (alto ou baixo) resultam em experiências ocupacionais distintas, de acordo com o grau de exposição a estressores ocupacionais( 1111. Alves MGM, Chor D, Faerstein E,Lopes CS, WerneckdGL. Versão resumida da "Job Stress Scale" adaptação para o português. Rev Saúde Pública. 2004;38(2):164-71. , 1313. Alves MGM, Chor D, Faerstein E,Werneckd GL, LopesCS, Estresse no trabalho e hipertensão arterial em mulheres no Estudo Pró-Saúde. Rev Saúde Pública. 2009;43(5):893-6. ). Para a identificação desses grupos que vivenciam, em diferentes graus de intensidade, os aspectos psicossociais do trabalho, utilizou-se, como ponto de corte, as medianas das referidas dimensões( 1111. Alves MGM, Chor D, Faerstein E,Lopes CS, WerneckdGL. Versão resumida da "Job Stress Scale" adaptação para o português. Rev Saúde Pública. 2004;38(2):164-71. , 1313. Alves MGM, Chor D, Faerstein E,Werneckd GL, LopesCS, Estresse no trabalho e hipertensão arterial em mulheres no Estudo Pró-Saúde. Rev Saúde Pública. 2009;43(5):893-6. ).

O software utilizado para a construção do banco de dados, neste estudo, foi o Microsoft Office Excel for Windows (r), versão 2010. Para a realização dos cálculos estatísticos foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.

Resultados

Em relação aos principais quesitos sociodemográficos e laborais investigados (Tabela 1), a amostra caracterizou-se pela prevalência do sexo feminino (76,2%), idade média de 32,79 anos (dp = ±8,06) e foi majoritariamente composta por técnicos de enfermagem (81%).

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica e laboral da amostra do estudo (N=189), 2012, Porto Velho, RO, Brasil

Da totalidade de profissionais de enfermagem que atuam no pronto-socorro estudado, 53,4% vivem com um(a) companheiro(a), 44,5% trabalham na instituição há mais de cinco anos e 60,73% cumprem carga horária semanal de trabalho igual ou inferior a 40 horas.

Quanto aos aspectos relacionados ao domínio físico da qualidade de vida desses profissionais, a amostra caracterizou-se pela prevalência de baixos escores para qualidade de vida (51,9%) (Tabela 1).

A respeito da situação de trabalho avaliada pela Job Stress Scale, verificou-se que 60,9% da amostra se enquadra em um dos dois perfis potencialmente mais patologizantes, de acordo com o MDC, trabalho de alta exigência (22,8%) e trabalho passivo (38,1%). Tendo como base as categorias interativas, foi possível determinar que a maior proporção da amostra de profissionais de enfermagem se percebe com baixas demandas psicológicas (66,1%) (Tabela 1).

Além disso, com base na análise do ambiente psicossocial do trabalho, foi possível determinar que suporte social, discernimento intelectual e os perfis de trabalho do MDC se comportaram como fatores de risco, estatisticamente significativos, para prejuízos na qualidade de vida dos profissionais de enfermagem. Entre as variáveis sociolaborais, apenas o "número de vínculos empregatícios" caracterizou-se como fator de risco para comprometimento da satisfação com o sono e repouso dos trabalhadores (Tabela 2).

Tabela 2
Fatores psicossociais e sociolaborais associados a baixos escores/prejuízos no domínio físico de qualidade de vida e as suas respectivas facetas, 2012, Porto Velho, RO, Brasil

Ressalta-se que as facetas dor/desconforto, dependência de medicamentos e capacidade para o trabalho, apesar de serem elementos integrantes na avaliação do domínio físico de qualidade de vida, não foram acrescentadas na Tabela 2, pois não apresentaram associações estatisticamente significativas com nenhuma das variáveis psicossociais ou laborais estudadas com esta amostra de profissionais.

Discussão

De maneira geral, a organização do trabalho nos prontos-socorros públicos brasileiros é complexa e permeada por situações laborais deletérias, ambíguas e paradoxais, sobretudo no que tange à manutenção da saúde física e psíquica do trabalhador. Inúmeros fatores contribuem para essa configuração negativa e insalubre desse ambiente laboral e as causas perpassam por questões sociais, político-organizacionais, além da própria essência desse tipo de serviço( 1414. Awada SB, Rezende WW. Serviços de emergência: problema de saúde pública. In: Martins HS, Damasceno MCT,Awada SB. Pronto-Socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.Barueri: Manole; 2007. ).

Os serviços de urgência e emergência públicos deveriam se caracterizar pela sua capacidade para manutenção da vida humana e por possuir métodos de diagnóstico e de terapêutica eficientes para a redução da mortalidade, morbidade e de sequelas. No entanto, tendem a ser reconhecidos por outras características que mancham negativamente essas instituições, tais como: superlotação, condições precárias de atendimento, escassez de recursos, sobrecarga e ritmo acelerado de trabalho para os profissionais assistenciais. São algumas dessas características que, na atualidade, estão arraigadas à imagem de um pronto-socorro público( 44. Urbaneto JS, Silva PC, Hoffmeister E, Negri BS,Costa BEP, FigueiredoCEP. Workplace stress in nursing workers from an emergency hospital: Job Stress Scale analysis. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(5):1122-31. - 55. Dal Pai D, Lautert L. Work under urgency and emergency and its relation with the health of nursing professionals. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(3):439-44. , 1414. Awada SB, Rezende WW. Serviços de emergência: problema de saúde pública. In: Martins HS, Damasceno MCT,Awada SB. Pronto-Socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.Barueri: Manole; 2007. ).

Além disso, soma-se a carga psíquica negativa inerente a unidades críticas, nas quais a potencialidade de haver óbitos é uma constante. Assim, dor, sofrimento, impotência, angústia, medo, desesperança, sensação de desamparo e perda permeiam as unidades de emergência e constituem demandas psicológicas com possível efeito deletério à saúde e qualidade de vida do trabalhador(4-5). De tal maneira, a forma como o trabalho nos prontos-socorros públicos se organiza mais a configuração do ambiente psicossocial laboral possuem importante e significativa associação com a gênese do estresse laboral( 55. Dal Pai D, Lautert L. Work under urgency and emergency and its relation with the health of nursing professionals. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(3):439-44. , 1414. Awada SB, Rezende WW. Serviços de emergência: problema de saúde pública. In: Martins HS, Damasceno MCT,Awada SB. Pronto-Socorro: condutas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.Barueri: Manole; 2007. ).

O estresse é uma situação psicofisiológica distinta, complexa e que impacta diretamente as dimensões física, psicológica e social da vida humana. Esse fenômeno, de acordo com seu modo e intensidade de manifestação, interfere em menor ou maior grau em algumas facetas que integram o conceito de qualidade de vida( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. ).

Múltiplas correntes teóricas tentam compreender a manifestação do estresse laboral e seus impactos na vida humana, situando-se em uma dessas vertentes a origem do MDC de Robert Karasek. Esse modelo, amplamente utilizado em estudos nos últimos anos, tem se mostrado instrumento útil na avaliação do ambiente psicossocial e na compreensão de suas relações com a gênese do estresse laboral e suas repercussões na saúde do trabalhador( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. ). Permite a avaliação isolada das interações entre os níveis de demandas psicológicas, controle sobre o processo de trabalho e suporte social que são vivenciados pelos trabalhadores em seus espaços ocupacionais( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. ).

Em relação à análise das interações entre as variáveis do MDC, as principais e mais conhecidas são as combinações entre os níveis de demandas psicológicas e de controle. Essas interações geram quatro experiências laborais que caracterizam experiências bem delineadas, específicas e distintas nos ambientes laborais( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. , 1515. Araújo TM, Graça CC, Araújo E. Estresse ocupacional e saúde: contribuições do Modelo Demanda-Controle.Cienc Saúde Coletiva. 2003;8(4):991-1003. ), com extremos marcados pela potencialidade de adoecimento do trabalhador (trabalho de alta exigência) ou pela motivação desse trabalhador em desenvolver e aplicar novos padrões comportamentais em seu ambiente ocupacional (trabalho ativo). As situações intermediárias podem conduzir à redução da capacidade produtiva do trabalhador, com o declínio de sua atividade global, ou à inércia motivacional em relação ao seu trabalho (trabalho passivo)( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. , 1515. Araújo TM, Graça CC, Araújo E. Estresse ocupacional e saúde: contribuições do Modelo Demanda-Controle.Cienc Saúde Coletiva. 2003;8(4):991-1003. - 1616. Araújo TM, Aquino E, Menezes G,Santos CO, AguiarL. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadores de enfermagem. Rev Saúde Pública. 2003;37(4):424-33. ).

De acordo com o MDC, o trabalho de "alta exigência" é considerado o perfil potencialmente "mais patologizante" por se caracterizar pela presença de altas demandas associadas a baixos níveis de controle sobre a atividade laboral( 1515. Araújo TM, Graça CC, Araújo E. Estresse ocupacional e saúde: contribuições do Modelo Demanda-Controle.Cienc Saúde Coletiva. 2003;8(4):991-1003. - 1616. Araújo TM, Aquino E, Menezes G,Santos CO, AguiarL. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadores de enfermagem. Rev Saúde Pública. 2003;37(4):424-33. ). Quando os trabalhadores vivenciam uma sobrecarga de trabalho e apresentam pouco controle sobre como executá-las, ao longo do tempo experimentam elevado nível de excitação fisiológica e aumento da tensão sobre os sistemas nervoso e cardiovascular. Se esse quadro persiste por período muito longo e o indivíduo não consegue reduzir as demandas laborais, seu organismo inicia um processo de desgaste e perda da homeostase interna( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. , 1515. Araújo TM, Graça CC, Araújo E. Estresse ocupacional e saúde: contribuições do Modelo Demanda-Controle.Cienc Saúde Coletiva. 2003;8(4):991-1003. - 1616. Araújo TM, Aquino E, Menezes G,Santos CO, AguiarL. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadores de enfermagem. Rev Saúde Pública. 2003;37(4):424-33. ).

O segundo perfil com maior potencial danoso à qualidade de vida do trabalhador é o denominado "trabalho passivo". Nesse enquadramento, os trabalhadores podem apresentar redução gradual na capacidade de resolução de problemas gerais presentes em seu ambiente de trabalho. Vivenciam níveis mais altos de tédio e de insatisfação relacionados à repetição de tarefas e à diminuição da capacidade para desafios intelectuais decorrentes dessa( 1515. Araújo TM, Graça CC, Araújo E. Estresse ocupacional e saúde: contribuições do Modelo Demanda-Controle.Cienc Saúde Coletiva. 2003;8(4):991-1003. - 1616. Araújo TM, Aquino E, Menezes G,Santos CO, AguiarL. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadores de enfermagem. Rev Saúde Pública. 2003;37(4):424-33. ). No perfil "trabalho ativo", apesar de vivenciarem altas demandas, os trabalhadores apresentam maiores níveis de satisfação no trabalho e menores níveis de estresse, pois possuem controle sobre suas atividades e percebem as demandas como oportunidades de aumentar sua competência, autoeficácia, crescimento pessoal e desenvolvimento ou aperfeiçoamento de suas habilidades( 1515. Araújo TM, Graça CC, Araújo E. Estresse ocupacional e saúde: contribuições do Modelo Demanda-Controle.Cienc Saúde Coletiva. 2003;8(4):991-1003. - 1616. Araújo TM, Aquino E, Menezes G,Santos CO, AguiarL. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadores de enfermagem. Rev Saúde Pública. 2003;37(4):424-33. ).

Sobre o trabalho de "baixa exigência", o MDC o considera como sendo o que apresenta menor potencial de efeitos danosos à saúde do trabalhador, mas, mesmo com altos níveis de controle, não demonstra o potencial para o desenvolvimento de novas habilidades e crescimento pessoal, como o perfil de "trabalho ativo"( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. , 1515. Araújo TM, Graça CC, Araújo E. Estresse ocupacional e saúde: contribuições do Modelo Demanda-Controle.Cienc Saúde Coletiva. 2003;8(4):991-1003. - 1616. Araújo TM, Aquino E, Menezes G,Santos CO, AguiarL. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadores de enfermagem. Rev Saúde Pública. 2003;37(4):424-33. ).

Os achados deste estudo são consonantes aos pressupostos da teoria de Robert Karasek. Os dois perfis com potencial patologizante foram os que apresentaram riscos estatisticamente significativos para prejuízos gerados pelo estresse laboral à dimensão física da qualidade de vida e suas facetas correlatas.

Os profissionais de enfermagem que se enquadraram no perfil de trabalho de "alta exigência" apresentaram riscos significativos para baixo escore geral do domínio físico de qualidade de vida (OR=2,34; p=0,04), para percepção de cansaço e fadiga no dia a dia (OR=3,34, p=0,01), para insatisfação com o sono (OR=2,40, p=0,05) e para insatisfação com a capacidade para realização de atividades cotidianas (OR=2,63, p=0,03) quando comparados aos profissionais enquadrados no perfil de "baixa exigência" (Tabela 2).

Encontrou-se, também, que se perceber com baixas demandas e baixo controle sobre o processo de trabalho (trabalho passivo) foi fator de risco estatisticamente significativo para cansaço e fadiga (OR=2,15, p=0,05) e insatisfação com a capacidade para realização de atividades cotidianas (OR=2,64, p=0,01) (Tabela 2).

Enquanto essas duas experiências laborais divergem em relação à percepção dos trabalhadores quanto aos níveis de demandas psicológicas experimentadas, a principal similitude entre elas centra-se na vivência de baixos níveis de controle sobre o processo de trabalho. Essa constatação leva à reflexão acerca do modo como cada um desses elementos psicossociais dialoga com a saúde e qualidade de vida do trabalhador.

As demandas são pressões de ordem psicológica às quais os trabalhadores estão submetidos no ambiente de trabalho e podem se originar da quantidade de labor a ser executado, em um determinado tempo ou do desacerto entre as capacidades do trabalhador e a atividade a se executar( 1515. Araújo TM, Graça CC, Araújo E. Estresse ocupacional e saúde: contribuições do Modelo Demanda-Controle.Cienc Saúde Coletiva. 2003;8(4):991-1003. ). Evidências na literatura ressaltam que, por mais que as demandas sejam comumente caracterizadas por exercerem efeitos negativos à saúde do trabalhador, nem toda a situação de exigência é prejudicial ao indivíduo. No cenário laboral, por exemplo, quando as demandas excedem as habilidades e conhecimentos do trabalhador, abre-se uma janela de oportunidade para mobilização de forças e energia adaptativa( 1515. Araújo TM, Graça CC, Araújo E. Estresse ocupacional e saúde: contribuições do Modelo Demanda-Controle.Cienc Saúde Coletiva. 2003;8(4):991-1003. ). Em relação ao controle, diversos estudos defendem que condições laborais favoráveis ao desenvolvimento desse elemento, por parte do trabalhador, e que propiciam a utilização e incremento de suas habilidades têm sido identificadas como requisitos importantes para que o trabalho aja como componente salutar na vida das pessoas, propiciando bem-estar, prazer e saúde( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. ).

Quando o nível de controle é baixo, os níveis de estresse acumulados ao longo de um dado período de tempo diminuem as capacidades de aprendizado e assimilação de novas estratégias de coping ( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. ). Consequentemente, podem levar o trabalhador à exaustão física e emocional, bem como ao desamparo e ao absenteísmo. Dessa forma, o adequado controle do trabalho é um importante meio de proteção dos trabalhadores contra os efeitos insalubres dos trabalhos contemporâneos e é um modo importante para a conquista do bem-estar, saúde física e qualidade de vida no ambiente laboral( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. ).

No MDC, a dimensão controle é avaliada por meio da integração de dois subcomponentes distintos: discernimento intelectual e autoridade decisória. Em relação ao discernimento intelectual, epistemologicamente pode-se tentar compreender a essência desse componente sob a perspectiva da dialética marxista entre trabalho e seu potencial transformador. Durante o processo laboral, enquanto o homem modifica a natureza, concomitantemente modifica a si próprio à medida que suas potencialidades latentes são estimuladas ou desenvolvidas. São situações que permitem ao trabalhador o desenvolvimento de suas habilidades, seja no aperfeiçoamento das que possui ou na aquisição de novas. Essas situações compõem o cerne da dimensão "discernimento intelectual"( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. , 1515. Araújo TM, Graça CC, Araújo E. Estresse ocupacional e saúde: contribuições do Modelo Demanda-Controle.Cienc Saúde Coletiva. 2003;8(4):991-1003. - 1616. Araújo TM, Aquino E, Menezes G,Santos CO, AguiarL. Aspectos psicossociais do trabalho e distúrbios psíquicos entre trabalhadores de enfermagem. Rev Saúde Pública. 2003;37(4):424-33. ).

Nessa perspectiva, pode-se entender o discernimento intelectual como variável com potencial transformador. No sentido de quanto mais frequentes são as oportunidades de aprendizado e assimilação de novas práticas, habilidades e conhecimentos, mais frequentes também são as oportunidades para mudanças de comportamentos e hábitos. Esses novos aprendizados podem ser convertidos para a promoção de hábitos salutares e minimização de comportamentos/práticas de risco à saúde, preparando o trabalhador para enfrentar, de maneira satisfatória, os agentes estressogênicos do ambiente laboral e, consequentemente, melhorando a percepção da sua qualidade de vida.

Por sua vez, o suporte social, como característica psicológica do trabalho no contexto do MDC, inclui componentes de natureza coletiva que são capazes de alterar as dimensões de ordem individual da relação demanda/controle e saúde. Refere-se aos níveis globais de interação social, úteis e cooperantes com o ambiente de trabalho, englobando as relações entre pares e superiores hierárquicos na organização( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. , 1717. Giovanetti RM. Saúde e apoio social no trabalho: estudo de caso de professores da educação básica pública [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2006. 141 p. ).

O suporte social é apontado como importante variável na manutenção da saúde. Perceber-se com níveis baixos desse elemento psicossocial pode estar associado a manifestações deletérias e efeitos negativos à saúde. Vários estudos com distintas categorias profissionais evidenciaram que não se perceber apoiado no ambiente laboral torna o trabalhador mais propenso a distúrbios cardiovasculares, ao estresse, à exaustão física e emocional( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. - 77. Karasek RA. Job demand, job decision latitude, and mental strain: implications for job redesign. Adm. Sci. Q. 1979; 24: 285-308. , 1717. Giovanetti RM. Saúde e apoio social no trabalho: estudo de caso de professores da educação básica pública [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2006. 141 p. - 1818. Costa SV, Ceolim MF, Neri AL. Sleep problems and social support: Frailty in a Brazilian Elderly Multicenter Study. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(4):920-7. ).

No Brasil, existem poucos estudos que avaliaram a relação entre baixo suporte social e prejuízos a aspectos físicos da saúde/qualidade de vida de profissionais de enfermagem. Comumente, estudos que utilizam o referencial teórico do MDC focam apenas o papel desempenhado pelas demandas psicológicas e pelo controle no trabalho, bem como em suas interações. Entretanto, alguns estudos europeus, realizados na última década, com amostras de trabalhadores variadas, têm evidenciado importantes associações entre a ausência ou níveis baixos de suporte social no trabalho e agravos à saúde dos trabalhadores. Muitas dessas evidências são condizentes com as relações encontradas nesta amostra de profissionais de enfermagem.

Além de evidências da deteriorização do estado geral de saúde e da qualidade de vida, baixos níveis de suporte social têm sido associados à presença de distúrbios do sono, problemas gastrointestinais, aumento do risco de cardiovasculopatias, aparecimento e complicações decorrentes de dores musculoesqueléticas, fadiga e cansaço excessivos, diminuição da capacidade funcional e aumento do absenteísmo( 1717. Giovanetti RM. Saúde e apoio social no trabalho: estudo de caso de professores da educação básica pública [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2006. 141 p. - 1818. Costa SV, Ceolim MF, Neri AL. Sleep problems and social support: Frailty in a Brazilian Elderly Multicenter Study. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(4):920-7. ).

Os mecanismos pelos quais o suporte social no ambiente laboral afeta a saúde, bem-estar e qualidade de vida são diversos. Pode agir como mecanismo atenuante dos efeitos deletérios dos estressores psicossociais do trabalho, potencializador do desenvolvimento de novas habilidades ou comportamentos, bem como estimulador da aquisição/aperfeiçoamento de estratégias de coping. Por outro lado, não havendo nenhuma dessas situações de apoio social ao trabalhador, os efeitos negativos à saúde muitas vezes são registrados( 66. Karasek RA, Theorell T. Healthy work: stress, productivity, and the reconstruction of working life. Nova Iorque: Basic Books;1990. 381 p. , 1717. Giovanetti RM. Saúde e apoio social no trabalho: estudo de caso de professores da educação básica pública [dissertação de mestrado]. São Paulo (SP): Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; 2006. 141 p. - 1818. Costa SV, Ceolim MF, Neri AL. Sleep problems and social support: Frailty in a Brazilian Elderly Multicenter Study. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(4):920-7. ).

Considerações finais

O trabalho no pronto-socorro pode ser considerado um elemento negativamente determinante dos níveis de qualidade de vida dos profissionais que exercem suas funções laborais nesse tipo de espaço, pois essas instituições costumam ter ritmo de demandas urgentes e emergentes, muitas vezes frustrantes, que são potencialmente fontes de sofrimento e de desgaste emocional. Sobrecarga de trabalho, superlotação, condições precárias, recursos humanos/materiais insuficientes e inadequados e a qualidade das relações interpessoais são fatores que podem contribuir para a baixa qualidade de vida.

Deve-se destacar que a presença de altas demandas psicológicas, características do trabalho em pronto-socorro, desempenha papel relativizado na gênese do estresse laboral e em prejuízos à qualidade de vida, tornando-se prejudicial quando associada à ausência de controle sobre o processo de trabalho e baixa percepção de suporte social. Altos níveis de suporte social podem ser associados diretamente a melhores níveis de saúde física, uma vez que proporcionam ao indivíduo melhor adaptação aos efeitos deletérios de eventos estressantes, reduzindo as consequências negativas sobre o organismo e propiciando bem-estar, predisposição à saúde e melhores indicadores de qualidade de vida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2013
  • Aceito
    23 Set 2013
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