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Estressores na assistência de enfermagem ao potencial doador de órgãos

Resumos

Esta pesquisa teve como objetivo conhecer as situações que a equipe de enfermagem identifica como estressantes, comuns à atuação em unidade de terapia intensiva, sobretudo na assistência prestada ao paciente considerado potencial doador de órgãos e tecidos. Trata-se de estudo exploratório, descritivo e estruturado a partir de abordagem qualitativa, desenvolvido em unidade de terapia intensiva adulto. Os relatos revelaram que o processo de captação de órgãos remete a diferentes situações e emoções, no que se refere à percepção da assistência de enfermagem ao paciente potencial doador de órgãos. Os sujeitos relataram que assistim esse paciente sem distinções, mas reconheciam certa insegurança e despreparo em se tratando de paciente com morte encefálica. No entanto, buscavam minimizar os estressores com atividades físicas, suporte social, espiritualidade ou, ainda, tentavam separar o trabalho da sua vida pessoal.

transplante de órgãos; unidades de terapia intensiva; enfermagem; estresse


This study examines those situations that are typical to the work of the nursing team in the intensive care unit, especially those that nursing teams consider stressful and are common in intensive care units in the treatment of patients being considered as potential organ or tissue donors. It is an exploratory-descriptive study, established with a qualitative approach, conducted at an Adult Intensive Care Unit. The reports revealed the fact that organ donation leads to different situations and emotions. Regarding the perception of nursing care to the potential organ donor patient, the subjects reported they did not discriminate patients when delivering care, but recognize a certain lack of self-confidence and preparation dealing with brain death. They try to minimize the effects of stressors with physical activities, social support, spirituality, or attempt to separate work from personal life.

organ transplantation; intensive care units; nursing; stress


Esta investigación tuvo como objetivo conocer las situaciones que el equipo de enfermería identifica como factores de estrés, comunes a la actuación en unidad de terapia intensiva, especialmente en la asistencia prestada al paciente considerado potencial donador de órganos y tejidos. Se trata de estudio exploratorio, descriptivo y estructurado a partir de un abordaje cualitativo, desarrollado en una unidad de terapia intensiva para adultos. Los relatos revelaron que en el proceso de captación de órganos se encuentran diferentes situaciones y emociones, en lo que se refiere a la percepción de la asistencia de enfermería al paciente potencial donador de órganos. Los sujetos relataron que asisten a ese paciente sin distinciones, sin embargo reconocían cierta inseguridad y falta de preparación tratando pacientes con muerte encefálica. Sin embargo, buscaban minimizar los factores de estrés con actividades físicas, soporte social, espiritualidad o, también, trataban de separar el trabajo de su vida personal.

trasplante de órganos; unidades de terapia intensiva; enfermería; estrés


pt_15

ARTIGO ORIGINAL

Estressores na assistência de enfermagem ao potencial doador de órgãos

Laura de Azevedo GuidoI; Graciele Fernanda da Costa LinchII; Rafaela AndolheIII; Carmine Cony ConegattoIV; Carolina Codevila ToniniIII

IGrupo de Pesquisa 'Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem', Universidade Federal de Santa Maria, Brasil: Enfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Adjunto, e-mail: lauraazevedoguido@gmail.com

IIGrupo de Pesquisa 'Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem', Universidade Federal de Santa Maria, Brasil: Enfermeira, Mestranda em Enfermagem, bolsista CAPES, e-mail: gracielelinch@gmail.com

IIIGrupo de Pesquisa 'Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem', Universidade Federal de Santa Maria, Brasil: Mestre em Enfermagem, e-mail: rafaela_andolhe@yahoo.com.br, carolinatonini@yahoo.com.br

IVGrupo de Pesquisa 'Trabalho, Saúde, Educação e Enfermagem', Universidade Federal de Santa Maria, Brasil: Enfermeira, e-mail: carminec@bol.com.br

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo conhecer as situações que a equipe de enfermagem identifica como estressantes, comuns à atuação em unidade de terapia intensiva, sobretudo na assistência prestada ao paciente considerado potencial doador de órgãos e tecidos. Trata-se de estudo exploratório, descritivo e estruturado a partir de abordagem qualitativa, desenvolvido em unidade de terapia intensiva adulto. Os relatos revelaram que o processo de captação de órgãos remete a diferentes situações e emoções, no que se refere à percepção da assistência de enfermagem ao paciente potencial doador de órgãos. Os sujeitos relataram que assistim esse paciente sem distinções, mas reconheciam certa insegurança e despreparo em se tratando de paciente com morte encefálica. No entanto, buscavam minimizar os estressores com atividades físicas, suporte social, espiritualidade ou, ainda, tentavam separar o trabalho da sua vida pessoal.

Descritores: transplante de órgãos; unidades de terapia intensiva; enfermagem; estresse

INTRODUÇÃO

A Enfermagem, nas últimas décadas, vem se caracterizando como profissão em contínuo desenvolvimento, na conquista de novos horizontes e perspectivas, por meio do saber profissional e das inovações tecnológicas. Em consequência, promove assistência holística e humanizada às pessoas e assume, ainda, espaço concreto e visível nos sistemas de saúde.

Diferentes tipos de trabalho são considerados estressantes, ou seja, cujo ambiente contribui para o desgaste físico e mental no trabalhador, levando-o a alterações no seu desempenho(1). Dessa forma, os profissionais envolvidos com os cuidados de saúde enfrentam a necessidade de adequar a crescente tecnologia à qualidade da assistência aos pacientes e, assim, as instituições hospitalares assumem posição de destaque como ambiente propício ao estresse, o que tem exigido dos profissionais adaptação, consciência e habilidade para enfrentar tamanhas evoluções.

Nessa direção, o enfermeiro age, em seu cotidiano de trabalho, com pouca ou nenhuma consciência do estresse que enfrenta. Por conseguinte, o conhecimento do processo de estresse é imprescindível para seu adequado enfrentamento, caso contrário não haverá resolução, o que levará o trabalhador ao desgaste físico e emocional(2).

A identificação de estressores no trabalho corresponde a um agente de mudança, uma vez que, desenvolvidas as possíveis estratégias para minimizar seus efeitos, essas podem tornar o cotidiano do enfermeiro mais produtivo, menos desgastante e, possivelmente, valorizá-lo mais como ser humano e como profissional.

Percebe-se que as emoções da equipe de enfermagem se modificam de acordo com a gravidade dos pacientes. Quando esses se encontram mais graves, necessitando de cuidados intensos e com risco iminente de morte, como em unidades de terapia intensiva (UTIs), o ambiente torna-se mais desgastante, exigindo maior adaptação dos profissionais(3).

A UTI caracteriza-se como unidade fechada, inserida na instituição hospitalar. Sofre sua influência e, ainda, apresenta peculiaridades na organização do trabalho e nas relações que se estabelecem, em decorrência do tipo e da gravidade do seu paciente(4).

Nessa perspectiva, destaca-se a presença, nessa unidade, de pacientes acometidos por patologias como traumatismo cranioencefálico, acidentes vasculares cerebrais e tumores cranianos que, por vezes, evoluem para morte encefálica (ME) e demandam cuidados específicos e intensivos. Isso permite, ao observar a dinâmica do processo de trabalho, evidenciar maior tensão nos profissionais de saúde.

Vida e morte - dois extremos, dois opostos, dois fenômenos(5) com os quais a enfermagem se depara todos os dias. Luta-se sempre pela manutenção da vida, mas, no caso dos pacientes com ME, mesmo diante da morte a enfermagem luta pela vida, essa representada pela vitalidade dos órgãos e tecidos.

A morte, como processo, distingue-se entre clínica (paralisação da função cardíaca e respiratória), biológica (destruição/morte celular) e encefálica (paralisação das funções cerebrais). O avanço da ciência permitiu o prolongamento artificial de funções vitais do organismo como circulação e respiração, contudo, esse avanço não possibilita reverter a paralisação das funções cerebrais. Dessa forma, os critérios para a determinação da ME foram estabelecidos pelas normas para a realização de transplante, o que resulta em variados debates sobre o assunto, na busca de informações e conceitos(5).

O Decreto nº 10.211 regulamenta a Lei nº 9434/97, a qual dispõe sobre as questões post-mortem de tecidos, órgãos e partes do corpo humano para transplante. A mesma lei designa, como fonte de critérios para diagnóstico de morte encefálica, a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) nº 1480/97. Nessa, a ME é definida como a parada total e irreversível da atividade do tronco e hemisférios cerebrais, sendo necessários exames clínicos neurológicos e exame gráfico complementar. Em tal situação, a função cardiorrespiratória é mantida por meio de equipamentos e medicações(6).

Observa-se, portanto, que, de modo geral, a equipe de enfermagem em UTI, no suporte ao paciente em ME, além de estar exposta ao estresse relacionado às características do setor, ainda está sujeita ao estresse dos exigentes cuidados dispensados a esse tipo de paciente. As atividades da equipe de enfermagem englobam a assistência direta ao potencial doador, além de outras que dizem respeito ao atendimento aos familiares e à equipe de saúde em geral, como também dizem respeito à preocupação com os órgãos e com o receptor.

A assistência de enfermagem é fundamental para a manutenção do doador e da qualidade dos órgãos a serem doados. Nesse sentido, um recente estudo(7) indica que crenças e valores relacionados aos cuidados de manutenção do potencial doador de órgãos interferem ou determinam o distanciamento em relação ao paciente e consequente prejuízo na assistência. Ainda, os autores evidenciam que a educação é fator determinante para o sucesso ou fracasso dos transplantes, contudo, apontam a incorporação de treinamentos, cursos, textos e palestras como estratégias para instrumentalizar a assistência e, como decorrência, minimizar o sofrimento.

Os cuidados dispensados ao paciente em ME e potencial doador são desgastantes, em virtude das várias alterações fisiológicas, principalmente hemodinâmicas que, se não manejadas de forma rápida e efetiva, podem comprometer a manutenção e doação de um ou mais órgãos.

Nessa perspectiva, o presente estudo teve como objetivo conhecer as situações que a equipe de enfermagem identifica como estressantes, comuns à atuação em UTI, sobretudo na assistência prestada ao paciente potencial doador de órgãos e tecidos.

METODOLOGIA

Este é um estudo exploratório, descritivo, de campo e estruturado a partir de abordagem qualitativa, desenvolvido em unidade de terapia intensiva adulto (UTI-A) de um hospital universitário do Sul do Brasil.

A pesquisa foi desenvolvida com 19 membros da equipe de enfermagem da UTI-A, entrevistados em seu ambiente e turno de trabalho. Utilizou-se, para a coleta de dados, entrevistas semiestruturadas, com questões fechadas, para caracterizar a população, identificar a satisfação no trabalho e o preparo para os cuidados aos pacientes potenciais doadores de órgãos e tecidos. E, ainda, questões abertas para levantar junto aos entrevistados, quanto aos estressores comuns à sua atuação em UTI, a sua percepção relativa à assistência prestada ao potencial doador de órgãos e as maneiras encontradas para minimizar a tensão do dia a dia.

Nas questões fechadas, foram abordados os seguintes itens: idade, sexo, função desempenhada, tempo de trabalho na UTI-A. Em relação à satisfação e ao preparo para esse trabalho, foram previamente estabelecidas três opções de resposta, quais sejam: satisfeitos/preparados, mediamente satisfeitos/preparados, pouco satisfeitos/preparados.

As entrevistas foram conduzidas pelas seguintes questões abertas: em relação ao ambiente de UTI, quais os principais estressores que você identifica? Levando em conta os pacientes com ME e possíveis doadores de órgãos e tecidos, que você acompanhou na UTI, como você percebe a assistência de enfermagem dispensada aos mesmos e, ainda, dos cuidados prestados, o que você considera mais estressante e/ou desgastante físico/emocional? O que você faria para diminuir a sua tensão do dia a dia, em particular após a assistência prestada a pacientes com ME?

Buscou-se registrar as respostas e reações dos entrevistados no próprio roteiro da entrevista, o que permitiu leitura e validação desses registros imediatamente após a entrevista.

Os entrevistados (enfermeiros e técnicos) foram identificados, respectivamente, pelas letras E e T, seguidas de numeração arábica em ordem crescente.

Para a organização e análise dos dados obtidos com as entrevistas, realizou-se a leitura e interpretação dos resultados, identificando-os e agrupando-os conforme as semelhanças entre as respostas. Essas foram organizadas em áreas temáticas: estressores relacionados ao ambiente de trabalho em UTI, estressores na assistência de enfermagem ao paciente em ME, em UTI-A, e maneiras para minimizar os estressores.

A análise temática possibilita descobrir núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença, ou freqüência, signifique algo para o objetivo analítico visado(8). Sendo assim, optou-se por organizar o conteúdo pelas fases sequenciais propostas pela autora, sendo elas: pré-análise, a exploração do material, o tratamento dos dados e a interpretação.

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição. Os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 19 entrevistados, identificaram-se sete enfermeiros e 12 técnicos de enfermagem e, para melhor compreensão do fenômeno pesquisado, foram analisados separadamente, pelo fato de se distinguirem como grupos, tanto em relação aos dados demográficos, aos aspectos relacionados à sua atuação/percepção da assistência ao paciente com ME, como quanto aos possíveis estressores.

O grupo dos enfermeiros foi composto por mulheres (100%) com idade média de 41 anos, e tempo médio de trabalho na UTI-A de 8,14 anos. Entre os técnicos, 91,67% eram do sexo feminino, com média de idade em 35,66 anos e de 4,25 anos de trabalho na unidade.

Quando questionados sobre a satisfação em relação ao trabalho, os enfermeiros, em sua maioria (71,42%), apresentavam-se mediamente satisfeitos; os demais (28,58%) sentiam-se satisfeitos. Entre os técnicos, 50% declararam-se satisfeitos; 41,66% mediamente satisfeitos e 8,33% pouco satisfeitos. Pode-se perceber que os profissionais que se declararam poucos satisfeitos eram aqueles que tinham menor tempo de trabalho na UTI-A.

Destaca-se que estudo realizado com enfermeiros que atuavam em UTI encontrou correlação entre a insatisfação com o trabalho e os níveis de estresse. Sendo que esse repercutia na saúde dos profissionais, com manifestações cardiovasculares, alterações do aparelho digestivo ou, ainda, alterações musculoesqueléticas(3).

As instituições de saúde, seus gestores e gerentes podem interferir positivamente no intuito de assegurar melhores condições de trabalho no ambiente profissional e, consequentemente, maior qualidade nos serviços de saúde prestados. A esse respeito, acredita-se que "se os gerentes conseguirem utilizar a força de seus atributos positivos e criar um ambiente de trabalho que permita aos indivíduos prosperar, o trabalho será uma empreitada mais positiva e produtiva"(9).

Com relação a estarem ou não preparados para o atendimento a pacientes potenciais doadores de órgão e tecidos, os enfermeiros consideraram-se, em sua maioria (71,44%), mediamente preparados; 14,28% preparados e 14,28% pouco preparados. Dos técnicos, 50% se sentiam preparados; 33,34% mediamente preparados e 16,66% consideravam-se pouco preparados para lidar com essa situação.

Sendo a UTI ambiente com características próprias, com pacientes diferenciados e emprego de tecnologias avançadas, exige permanente atualização da equipe(3-4). Dessa maneira, os profissionais capacitados, melhor preparados, consequentemente, se sentem mais seguros para o trabalho nessa unidade.

Estressores relacionados ao ambiente de trabalho em UTI

Em relação ao ambiente de terapia intensiva, os dois grupos foram convergentes em suas respostas, descrevendo como principais estressores o relacionamento interpessoal, a carência de equipamentos necessários para a assistência, o barulho intenso caracterizado pelos sons de alarme dos aparelhos e até mesmo pelas conversas e circulação da equipe de saúde. Esses estressores confirmam-se a partir de alguns dos seguintes discursos:

- as dificuldades de relacionamento com alguns profissionais, e por vezes o envolvimento em atritos interpessoais que você fica como mediador da situação... sendo necessário preparo para não se envolver (E8).

- a falta de equipamentos estressa, pois os que temos funcionam mal ou estão estragados, o que dificulta e muito nosso trabalho (T2).

- barulho intenso, a todo o momento tocam alarmes, e a circulação de muitas pessoas na unidade também causa barulho e estresse (E17).

Dados semelhantes foram encontrados em estudo realizado junto a equipe de enfermagem de UTI(10), sendo o relacionamento interpessoal considerado importante estressor, associado à falta de cooperação, à comunicação deficiente e ao tratamento desigual dos funcionários, interferindo diretamente na assistência e na satisfação pessoal. Acredita-se que o relacionamento interpessoal é difícil, enfatizando, ainda, a presença de estresse entre enfermeiros, decorrente da relação com outras pessoas pelo exercício de suas atividades administrativas(11).

Cabe considerar que, se o convívio e a relação com o outro no ambiente de trabalho da enfermagem é algo natural e necessário, sobretudo por se tratar de trabalho em equipe, seria oportuno que esses profissionais tivessem espaço para discussão de estratégias que permitissem conhecimento de si e dos outros.

Outro estressor pontuado foi a preocupação com a manutenção de equipamentos necessários à assistência ao paciente. Esses resultados foram semelhantes aos encontrados entre enfermeiros de centro cirúrgico e recuperação anestésica que avaliaram, de modo individual e subjetivo, as atividades relacionadas ao serviço de manutenção como as de maior estresse(2).

Alguns autores associam estresse às condições de trabalho, consideram o número de funcionários para o trabalho, materiais e equipamentos em quantidade e qualidade adequadas, como indispensáveis para que a assistência seja prestada da melhor forma possível(2,10-11).

Destaca-se que os alarmes dos monitores, respiradores, bombas de infusão e outros faz-se necessário, pois sinalizam quando algo não responde como esperado, alertando para problemas(10). No entanto, o barulho e o tumulto causado pelos profissionais são desnecessários, com prejuízo tanto para o sono e repouso dos pacientes quanto para os próprios membros da equipe.

No local do estudo, o estressor referido pode ser justificado pelo fato de se tratar de unidade fechada em um hospital escola, o que, por vezes, propicia o barulho e tumulto pela circulação de acadêmicos e professores de cursos da área da saúde. E, ainda, a circulação de profissionais de outras áreas que dão suporte para a assistência dos pacientes como fisioterapeutas, técnicos de radiologia, nutrição e farmácia.

Estressores na assistência de enfermagem ao paciente em ME, em UTI-A

A utilização de órgãos de doador cadáver para transplante depende fundamentalmente da detecção do quadro de ME, dos cuidados clínicos e da manutenção hemodinamicamente em condições estáveis, com a finalidade de otimização dos órgãos e tecido, assegurando sua vitalidade(12). Cabe ressaltar que alguns desses cuidados competem, em grande parte, ao enfermeiro, demandando atenção e responsabilidade por parte desse profissional e, da mesma forma, alto grau de colaboração por parte da equipe de enfermagem que presta assistência.

No que se refere à percepção da assistência de enfermagem ao paciente potencial doador de órgãos e tecidos, os enfermeiros relataram que assistiam esse paciente sem distinções. No entanto, reconheceram certa insegurança, em se tratando de paciente com morte encefálica, ao afirmarem:

- o paciente em ME deve ser tratado ou cuidado como um paciente normal, sendo necessários maior atenção e treinamento (E3).

- assistência adequada, com muita atenção, da mesma maneira que assistimos aos outros pacientes (E7).

A ausência das funções cerebrais não impede que sejam mantidas artificialmente as funções respiratórias e da circulação, o que os fisiologistas definem como vida técnica. O conhecimento desse fato é de grande importância para o transplante de órgãos de doadores cadáveres, pois a manutenção artificial das funções cardiopulmonares, durante certo período, garante o estado nutritivo de tecidos e órgãos, favorecendo as condições de transplantação(5). O enfermeiro tem como responsabilidade manter o doador estável hemodinamicamente até o momento do encaminhamento para o centro cirúrgico.

A esse respeito, os técnicos de enfermagem se reconheciam despreparados quanto à assistência ao paciente potencial doador, preocupavam-se com a manutenção adequada e vitalidade dos órgãos, com o "manter vivo o corpo morto". É o que se observa pelas seguintes afirmações:

- a assistência é meio tensa, não fomos preparados para essas situações (T5).

- o atendimento ocorre normal, claro, com uma observação maior para que o mesmo mantenha-se em ótimo estado para a doação (T10).

Dentre os cuidados que um paciente com morte encefálica e potencial doador de órgãos e tecidos exige, os enfermeiros pontuaram como mais estressante a interação e orientação da família, bem como o convívio com a reação da mesma à morte encefálica. De modo semelhante, os técnicos de enfermagem consideraram estressante conviver com o enfrentamento da família perante a morte encefálica. O que pode ser evidenciado nas seguintes expressões, de ambos os grupos:

- o que considero mais estressante é o convívio e assistência à família, o seu sofrimento, sua aceitação e reações apresentadas (E3).

- eu considero mais desgastante é a parte emocional dos familiares que acaba abalando o profissional, o que é bem estressante para nós da enfermagem (T13).

- o saber lidar com a família é bastante complicado e difícil (E12).

O enfermeiro e os profissionais de enfermagem ficam expostos a estressores relacionados à situação crítica em que se encontram os pacientes, as famílias e toda a equipe de saúde. A abordagem da família do potencial doador é uma das tarefas também designadas à enfermagem, sendo uma das etapas mais delicadas a serem enfrentadas por esses profissionais(13).

Devem ser consideradas as diferentes reações das famílias, o desespero, choro, sentimentos de profunda tristeza, revolta e mágoa, crenças de reverter a situação e até mesmo a aceitação de perda. Cada família se ampara em princípios, valores, crenças diversas, intervindo algumas vezes em sua decisão(14).

A entrevista familiar é uma das etapas de maior complexidade, pois envolve aspectos éticos, legais e emocionais. Salienta-se que, em função dos valores e crenças de cada família, não existe roteiro a ser seguido(12). Durante a entrevista, o enfermeiro deve estar preparado para elucidar dúvidas e enfrentar diferentes sentimentos e situações que possam ocorrer, sendo esse um dos momentos mais estressante para o profissional.

A entrevista com a família para o esclarecimento e a solicitação da doação dos órgãos, após a confirmação da ME, é um choque e uma situação delicada para o profissional. Contudo, quando há esclarecimento adequado do que é a ME, a família consegue enfrentar melhor esse momento e tem maior facilidade para pensar na possibilidade de doação. Por esse motivo, considera-se importante o profissional estar preparado para prestar tais esclarecimentos à família, o que, possivelmente, irá representar menor desgaste para a mesma, bem como repercutir na sua própria satisfação profissional e pessoal(12,14).

Maneiras para minimizar os estressores

Para minimizar a tensão e o desgaste do dia a dia, em particular após a assistência prestada ao paciente com morte encefálica, os enfermeiros realizavam atividades físicas e buscam suporte entre os próprios colegas. Enquanto os técnicos de enfermagem procuravam enfrentar o estresse com foco na espiritualidade ou, ainda, tentavam separar o trabalho da sua vida pessoal. Essas atitudes podem ser evidenciadas nas seguintes afirmações:

- tento me desligar desse ambiente, pois o que acontece no trabalho fica aqui. Continuo minha vida particular (T9).

- procuro deixar o meu trabalho dentro do hospital e não levá-lo para fora, mas quando acontece eu procuro fazer atividades de lazer (T6).

- conversar com alguém sobre fatos ocorridos. Fazer hidroginástica e caminhadas (E3).

- (...) faço caminhadas, busco equilíbrio interno, converso com as colegas em busca de apoio (E19).

No que se refere à espiritualidade, essa pode repercutir na saúde dos indivíduos, sendo que podem se adaptar ao estresse se vivenciarem a sua religiosidade(15). É uma possível justificativa para o quanto a espiritualidade repercute positivamente no enfrentamento do estresse, sobretudo entre os técnicos de enfermagem pesquisados.

Além disso, o suporte social, apontado entre os enfermeiros como forma de minimizar o estresse, pode representar benefícios à qualidade de vida no trabalho. Em uma relação de proporcionalidade inversa, ele representa efeito protetor que se manifesta em baixos níveis de estresse, isto é, quanto maior o suporte social, tanto na instituição quanto na família, menor o nível de estresse(16).

Dessa forma, as instituições deveriam abrir espaços para reflexão, discussão e aprendizagem para os profissionais que nelas trabalham, a fim de que possam ampliar sua habilidade de adaptação às situações que envolvem dilemas éticos, oportunizando troca de experiências(17).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos últimos anos, o transplante de órgãos e tecidos vem evoluindo significativamente, em virtude do avanço técnico e imunológico. Principalmente após o desenvolvimento de novas drogas imunossupressoras, que vieram conferir melhores resultados, tornando cada vez mais eficaz um procedimento que tem salvado numerosas vidas.

O tema morte encefálica é polêmico, mas faz parte do processo de trabalho na organização hospitalar, especialmente em UTI. Neste estudo, a insegurança e dificuldade dos sujeitos pesquisados em formular respostas para os questionamentos demonstraram a importância de espaços de discussão acerca dessa temática, bem como do estresse que, confirmado nesta pesquisa, é inerente à assistência ao potencial doador e sua família.

Assim, pode-se denotar que o processo de captação de órgãos remete a diferentes situações e emoções, simultaneamente. Ele remete ao conhecimento técnico-científico, à subjetividade e à relação com pacientes e familiares heterogêneos em conceitos, crenças e atitudes, num tempo muito curto e de grande complexidade.

Dessa maneira, confirmam-se aspectos já demonstrados em outros estudos(3,10,18) em relação ao estresse da equipe de enfermagem em unidades de terapia intensiva, bem como o sofrimento e desgaste desses profissionais. Assim como outras pesquisas(4,7,13), este estudo reafirma e aponta dificuldades e limitações dos profissionais para conviver com o potencial doador, interagir e orientar a família. Diante das evidências, acredita-se que esta pesquisa contribua com reflexões e conhecimentos que permitem a identificação e a consequente minimização de estressores em UTI.

Tendo investido nesses pressupostos, pensa-se que esses temas abrirão um leque de possibilidades para intervenções da enfermagem. Especialmente para o aprimoramento profissional e a tentativa de decifrar o sofrimento humano, responder por suas singularidades, reconhecendo as diferenças entre os indivíduos, respeitando a esfera íntima de cada um.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jan 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009

Histórico

  • Aceito
    04 Ago 2009
  • Recebido
    11 Fev 2009
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