Acessibilidade / Reportar erro

Adaptação cultural para o português do Brasil da escala de avaliação de dor Face, Legs, Activity, Cry, Consolability revised(FLACCr)

Resumo

Objetivo:

realizar a tradução para a língua portuguesa do Brasil e adaptação cultural da escala Face, Legs, Activity, Cry, Consolability revised(FLACCr), com crianças de até 18 anos de idade, acometidas por paralisia cerebral, apresentando ou não comprometimento cognitivo e impossibilitadas de relatar sua dor.

Método:

estudo de desenvolvimento metodológico de tradução para o português e adaptação cultural da FLACCr. Após aprovação do comitê de ética, o processo contemplou tradução e retrotradução, avaliação da tradução e da retrotradução utilizando a técnica de Delphi e avaliação da equivalência cultural. O processo incluiu as cinco categorias da escala e as quatro orientações de aplicação, considerando nível de concordância igual ou maior a 80%.

Resultados:

foram necessários três ciclos da técnica de Delphi para consenso entre os juízes. A concordância obtida para as cinco categorias foi: Face 95,5%, Pernas 90%, Atividade 94,4%, Choro 94,4% e Consolabilidade 99,4%. As quatro orientações alcançaram os seguintes níveis de consenso: 1ª 99,1%, 2ª 99,2%, 3ª 99,1% e 4ª 98,3%.

Conclusão:

o método possibilitou o desenvolvimento da tradução e adaptação cultural da FLACCr. Sendo um estudo capaz de ampliar o conhecimento de profissionais brasileiros sobre a avaliação da dor em crianças com PC.

Descritores:
Dor; Criança; Paralisia Cerebral; Estudos de Validação

Abstract

Objective:

to perform the translation into Brazilian Portuguese and cultural adaptation of the Face, Legs, Activity, Cry, Consolability revised (FLACCr) scale, with children under 18 years old, affected by cerebral palsy, presenting or not cognitive impairment and unable to report their pain.

Method:

methodological development study of translation into Portuguese and cultural adaptation of the FLACCr. After approval by the ethics committee, the process aimed at translation and back-translation, evaluation of translation and back-translation using the Delphi technique and assessment of cultural equivalence. The process included the five categories of the scale and the four application instructions, considering levels of agreement equal to or greater than 80%.

Results:

it was necessary three rounds of the Delphi technique to achieve consensus among experts. The agreement achieved for the five categories was: Face 95.5%, Legs 90%, Activity 94.4%, Cry 94.4% and Consolability 99.4%. The four instructions achieved the following consensus levels: 1st 99.1%, 2nd 99.2%, 3rd 99.1% and 4th 98.3%.

Conclusion:

the method enabled the translation and cultural adaptation of the FLACCr. This is a study able to expand the knowledge of Brazilian professionals on pain assessment in children with CP

Descriptors:
Pain; Child; Cerebral Palsy; Validation Studies

Resumen

Objetivo:

realizar la traducción para el portugués de Brasil y la adaptación cultural de la escala, Face, Legs, Activity, Cry, Consolability revised(FLACCr), con niños menores de 18 años de edad, afectados por la parálisis cerebral, presentando o no deterioro cognitivo y que no pueden comunicar su dolor.

Método:

estudio de desarrollo metodológico de traducción al portugués y adaptación cultural de la FLACCr. Después de la aprobación por el comité de ética, el proceso incluyó la traducción y retrotraducción, evaluación de la traducción y retrotraducción utilizando la técnica Delphi y evaluación de la equivalencia cultural. El proceso incluyó las cinco categorías de la escala y las cuatro orientaciones de aplicación, teniendo en cuenta nivel de concordancia igual o superior al 80%.

Resultados:

fueron necesarios tres ciclos de la técnica Delphi para el consenso entre los jueces. La concordancia obtenida para las cinco categorías fue: Cara 95,5%, Piernas 90%, Actividad 94,4%, Llanto 94,4% y Capacidad de Consuelo 99,4%. Las cuatro orientaciones alcanzaron los siguientes niveles de consenso: 1ª 99,1%, 2ª 99,2%, 3ª 99,1% y 4ª 98,3%.

Conclusión:

el método permitió el desarrollo de la traducción y adaptación cultural de la FLACCr. Este estudio fue capaz de aumentar el conocimiento de los profesionales brasileños en la evaluación del dolor en niños con PC.

Descriptores:
Dolor; Niño; Parálisis Cerebral; Estudios de Validación

Introdução

A avaliação da dor na população pediátrica demanda conhecimento técnico-científico e habilidade prática. É um processo complexo, tanto para os profissionais que prestam assistência, quanto para os pesquisadores 1. Mitchell A, Boss BJ. Adverse effects of pain on the nervous systems of newborns and young children: a review of literature. J Neurosci Nurs. 2002 Oct;34(5):228-36.. O desafio torna-se mais evidente quando relaciona-se à avaliação da dor em crianças com comprometimento neurológico, especialmente do sistema cognitivo e da fala.

Entre as patologias mais prevalentes que comprometem o sistema neurológico da criança destacase a Paralisia Cerebral (PC), com incidência em torno de 2 a 3:1000 nascidos vivos em países desenvolvidos 2. Power R, Mcmanus V, Fourie R. Hardship, dedication and investment: An exploration of Irish mothers commitment to communicating with their children with cerebral palsy. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2009Aug;16(6):531-8., ancorando o foco do presente estudo.

A PC é definida como um grupo de desordens do desenvolvimento da postura e do movimento, causando limitação da atividade, atribuídas a distúrbios não progressivos que ocorrem no cérebro durante o desenvolvimento fetal ou na infância. As desordens motoras da PC são frequentemente acompanhadas por distúrbios sensoriais, cognitivos, de comunicação e percepção, ocorrendo ou não distúrbios comportamentais e processos convulsivos 3. Bax M, Goldstein M, Rosenbaum P, Leviton A, Paneth N, Dan B, et al. Proposed definition and classification of cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005Aug;47(8):571-6.. Diante desta complexidade, a utilização de instrumentos de avaliação de dor validados e confiáveis é uma prática recomendada(4-5).

Entre os instrumentos estruturados para avaliação da dor em crianças com comprometimento neurológico, destaca-se a Face, Legs, Activity, Cry, Consolablity revised(FLACCr).

A escala de avaliação de dor FLACC foi desenvolvida em 1997, com base em parâmetros comportamentais, destinada à utilização dos profissionais da saúde, visando contribuir para a prática clínica na avaliação da dor em crianças não verbais ou com prejuízo da fala, impedidas de relatar sua dor 4. Merkel SI, Voepel-Lewis T, Shayevitz JR, Malviya S.The FLACC: a behavioral scale for scoring postoperative pain in young children. Pediatric Nursing. 1997 MayJun;23(3):293-7.. A partir de 2002, os autores da escala FLACC fizerem modificações nos descritores de avaliação, a fim de adequá-la ao atendimento de crianças com comprometimento cognitivo, na faixa etária entre 4 e 19 anos. Intitulando-a FLACC revised(FLACCr) ou revisedFLACC (rFLACC)(5-7), os autores também alteraram e ampliaram para quatro orientações de aplicação da escala.

A FLACCr apresenta cinco categorias de avaliação, com escores somados que variam entre zero e dez. A autora classificou os escores da seguinte forma: zero a três (dor leve); quatro a seis (dor moderada) e sete a dez (dor intensa).

Dada a escassez de estudos voltados à avaliação sistemática da dor em crianças com PC, este estudo objetivou realizar a tradução para a língua portuguesa do Brasil e adaptação cultural da escala de avaliação de dor FLACCr com crianças acometidas por PC, apresentando ou não comprometimento cognitivo e impossibilitadas de relatar sua dor.

Método

Trata-se de um estudo de desenvolvimento metodológico de tradução para a língua portuguesa e adaptação cultural da escala de avaliação de dor FLACCr. Após autorização formal da autora da escala, o estudo foi desenvolvido em duas etapas: tradução para a língua portuguesa do Brasil e adaptação cultural da escala de avaliação de dor FLACCr. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo e aprovado sob o protocolo de número 1480/10.

Os critérios para tradução e adaptação cultural da escala FLACCr para a língua portuguesa seguiram um modelo específico, considerando três etapas: tradução e retrotradução, avaliação da tradução e da retrotradução e equivalência cultural 8. Guillemin F, Bombardier C, Beaton DE. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12): 1414-32..

Tradução para a língua portuguesa e retrotradução para o inglês

A tradução e a retrotradução foram realizadas por dois tradutores, juramentados independentemente, não pertencentes à área da saúde, com fluência em ambos os idiomas, inclusive em suas formas coloquiais.

Avaliação da tradução e da retrotradução por um comitê de juízes

Foram convidados cinco juízes, de acordo com os seguintes critérios de inclusão: fluência na língua inglesa; disponibilidade para participação do projeto até o consenso final do instrumento; mestrado como nível mínimo de pós-graduação, com a temática "Dor na população pediátrica/neonatal"; exercer prática clínica pediátrica há mais de um ano; ter praticado assistência à criança com PC (com ou sem comorbidades) e demais disfunções neurológicas (períodos estratificados no questionário); e aceitar formalmente sua participação, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O método utilizado para obtenção do consenso foi a técnica de Delphi, que garante o anonimato entre os especialistas, com absoluta reserva das respostas individuais. A avaliação é produzida pelo conjunto das respostas destes juízes. O método permite obter consenso de um grupo de especialistas sobre um fenômeno, de uma determinada área de conhecimento 9. Faro ACM. Técnica Delphi na validação das intervenções de enfermagem. Rev. Esc. Enf.USP. 1997 ago;31(1):259-73..

Para conduzir a avaliação da FLACCr foi utilizada a escala de Likert, que baseia-se na indicação de um grau de discordância ou concordância, comparando-se com a escala original, tradução e retrotradução. Neste processo foram incluídas as cinco categorias/indicadores de avaliação e as quatro orientações de aplicação da escala. Para cada item avaliado foi utilizada a seguinte classificação: Discordo Totalmente (DT); Discordo (D); Não Concordo Nem Discordo (NCND); Concordo (C); Concordo Totalmente (CT).

Foi solicitado aos juízes que avaliassem a equivalência semântica, equivalência idiomática e equivalência experimental ou cultural 8. Guillemin F, Bombardier C, Beaton DE. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12): 1414-32.. Esta avaliação também teve como objetivo verificar a validade de conteúdo da escala.

Equivalência cultural

Esta fase teve como finalidade analisar a equivalência entre as versões original e final da escala. Optou-se pela técnica investigativa, que preconiza uma amostra de participantes, preferivelmente entre 30 e 40, que avalie a versão final da escala 1010 . Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91.. Assim, foram convidados 38 profissionais (18 enfermeiros, 10 médicos e 10 fisioterapeutas), sendo que, 30 (78,9%) devolveram os questionários devidamente preenchidos.

Os profissionais avaliaram o título, as cinco categorias de medida da dor propostas na escala FLACCr, com seus respectivos descritores e as quatro orientações para aplicação da escala, de acordo com os seguintes atributos 1111 . Pasquali L. Psicometria. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(Esp):992-9.: Compreensibilidade - a categoria avaliada expressa clareza, sendo inteligível; Simplicidade - a categoria avaliada expressa ideia única; Objetividade - a categoria avaliada permite resposta pontual, considerando os comportamentos descritos; Tipicidade - a categoria avaliada está expressa de forma condizente, típica ou própria da categoria avaliada; Relevância - a categoria avaliada expressa pertinência, sendo a frase consistente; Credibilidade - a categoria avaliada está descrita de forma que não parece descaracterizada ou despropositada.

A avaliação de cada atributo foi realizada por meio da escala de Likert, com a classificação DT, D, NCND, C e CT.

Alguns pesquisadores consideram que os níveis mínimos de consenso estão entre 50% e 80%(12-13). Assim, adotou-se o nível mínimo de concordância de 80%, tanto para os cinco juízes, no momento da fase de consenso da tradução e da equivalência cultural, quanto para os 30 profissionais que participaram da fase de adaptação cultural.

Os resultados foram analisados através de estatística descritiva, medições das frequências absoluta e relativa das respostas emitidas pelo comitê de cinco juízes e pelos 30 profissionais da saúde, considerando um nível de concordância igual ou maior que 80%. O resultado foi obtido pela da soma dos valores dos itens de classificação CT e C na escala de Likert.

A versão final do instrumento retrotraduzido para a língua inglesa foi enviada à autora da escala original, tendo total concordância com a versão brasileira.

Resultados

Os juízes participantes do comitê foram um médico e quatro enfermeiras, respeitando-se todos os critérios de inclusão, estabelecidos previamente. As versões traduzidas e retrotraduzidas da escala foram encaminhadas aos juízes para o consenso, constituindo assim, a primeira rodada de avaliação.

No retorno do comitê de juízes, observou-se que o instrumento não havia alcançado consenso igual ou maior que 80% na tradução e retrotradução das categorias: Face (60% de consenso na tradução e 40% na retrotradução), Atividade (40% de consenso na tradução e 50% na retrotradução), Choro (60% de consenso na tradução e 50% na retrotradução), Consolabilidade (60% de consenso na tradução e 60% na retrotradução), 1ª orientação de uso da escala (60% de consenso na tradução e 60% na retrotradução), 2ª orientação (40% de consenso na tradução), 3ª orientação (60% de consenso na tradução e 60% na retrotradução) e 4ª orientação (20% de consenso na tradução e 20% na retrotradução).

A categoria Atividade, no escore 1, foi enviada à autora da escala original, para que esclarecesse o termo splinting, conforme sugestão de um dos juízes. A autora explicou que a palavra relaciona-se ao quadro respiratório da criança, contribuindo para o consenso do comitê. A palavra gaspingfoi mantida em inglês, por não haver tradução para o português e ser utilizada frequentemente na prática clínica.

Adotaram-se as sugestões do comitê, executandose a segunda rodada de avaliação com os juízes.

Recebidas as versões da segunda rodada, identificou-se falta de consenso para a 4ª orientação de aplicação da escala. As pesquisadoras consideraram as sugestões dos juízes, sendo necessária uma terceira rodada. Devolvidas as versões do comitê, identificou- se conformidade igual ou maior a 80% em todas as podendo a letra "r" ser inserida no início ou no final categorias da escala. do título. Assim, manteve-se a sigla FLACCr para a

A autora da escala original solicitou que o título versão em português falado no Brasil, conforme a fosse mantido como se apresenta em inglês (FLACCr), Figura 1.

Figura 1
Versão final em português falado no Brasil da escala de avaliação de dor FLACCr. São Paulo, SP, Brasil, 2013

Na fase de equivalência cultural, dos 30 profissionais participantes, 18 eram enfermeiros, seis médicos e seis fisioterapeutas. Do total, 28 (93,3%) eram do sexo feminino e 26 (86,6%) apresentavam tempo de formação e atuação em pediatria superior a 10 anos. Quando questionados sobre a frequência aproximada de assistência a crianças com PC no último ano, 11 (36,6%) responderam que cuidaram diariamente de crianças com PC, 11 (36,6%) cuidaram frequentemente (mais de uma vez ao mês), sete (23,6%) cuidaram algumas vezes (uma vez a cada dois meses) e um (3,2%) cuidou raramente (uma vez a cada três meses).

Os profissionais avaliaram as cinco categorias da escala Face, Pernas, Atividade, Choro e Consolabilidade, considerando os atributos Compreensibilidade, Simplicidade e Objetividade, conforme a Tabela 1, e a Tipicidade, Relevância e Credibilidade, conforme a Tabela 2.

As cinco categorias da escala, representadas nas Tabelas 1e 2, alcançaram consenso superior a 80%, variando da seguinte forma: Face de 93% a 100% (média de 95,5%); Pernas de 83,3% a 93,3% (média de 90%); Atividade de 90% a 100% (94,4%); Choro de 90% a 96,6% (média de 94,4); e Consolabilidade de 96,7% a 100% (média de 99,4%). A categoria Pernas, embora tenha alcançado consenso, com resultados satisfatórios, apresentou a menor média de concordância em comparação com as demais. As quatro orientações referentes à aplicação da escala também foram avaliadas pelos 30 profissionais, segundo os atributos Compreensibilidade, Simplicidade, Relevância e Credibilidade, conforme a Tabela 3.

As quatro orientações da escala obtiveram consenso superior a 80%, variando da seguinte forma: 1ª orientação de 96,7% a 100% (média de 99,1%); 2ª orientação de 96,7% a 99,2% (média de 99,2%); 3ª orientação de 96,7% a 100% (média de 99,1%); e 4ª orientação de 96,6% a 100% (média de 98,3%). As quatro orientações apresentaram excelentes índices de concordância, com média menor na 4ª orientação.

Tabela 1
Avaliação dos atributos Compreensibilidade, Simplicidade e Objetividade, das cinco categorias da FLACCr. São Paulo, SP, Brasil, 2013

Tabela 2
Avaliação dos atributos Tipicidade, Relevância e Credibilidade, das cinco categorias da FLACCr. São Paulo, SP, Brasil, 2013

Tabela 3
Avaliação dos atributos Compreensibilidade, Simplicidade, Relevância e Credibilidade, das quatro orientações da FLACCr. São Paulo, SP, Brasil, 2013

Discussão

A seleção da escala a ser traduzida e submetida à adaptação cultural foi determinada após diversas pesquisas na literatura, envolvendo discussões com profissionais sobre instrumentos factíveis a serem aplicados à beira do leito e a experiência prévia das pesquisadoras com a utilização da FLACC. Alguns autores descrevem a FLACCr como ferramenta de fácil aplicação à beira do leito e discutem a acurácia e sensibilidade de outros instrumentos para aplicação em criança com comprometimento neurológico. O propósito é assistir, da melhor maneira possível, esta população tão vulnerável(14-15).

Vale ressaltar que, em 2011, o Royal College of Nursing 1616 . Royal College of Nursing. Clinical Practice Guideline: The recognition and assessment of acute pain in children. [Internet]. 2009 [acesso 20 jun 2013]. Disponível em: http://www.rcn.org.uk/__data/assets/ pdf_file/0004/269185/003542.pdf
http://www.rcn.org.uk/__data/assets/pdf_...
publicou um guia de boas práticas clínicas para reconhecimento e avaliação da dor aguda em crianças, no qual incluiu a avaliação de crianças com comprometimento neurológico. Entre os instrumentos existentes, indicou a FLACCr como uma ferramenta adequada para esta população. Enfatizou a importância da quarta orientação da escala, em que família/cuidador são questionados sobre os comportamentos específicos considerados sinais de alerta para a caracterização da dor. O guia ainda reforçou que os instrumentos devem conter validade e confiabilidade bem estabelecidas.

O presente estudo prevê um método específico. Pesquisadores na área recomendam dois tradutores para validação e dois tradutores para retrotradução 8. Guillemin F, Bombardier C, Beaton DE. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12): 1414-32.. Em 2003, foi proposta uma simplificação na metodologia, mais especificamente na fase de tradução e retrotradução 1717 . Falcão DM, Ciconelli RM, Ferraz MB. Translation and Cultural Adaptation of Quality of Life Questionnaires: An Evaluation of Methodology. J Rheumatol. 2003 Feb;30(2):379-85.. Neste sentido, alguns autores têm simplificado as fases de tradução e retrotradução, sem comprometer a qualidade da versão final(18-19).

Este estudo seguiu o método descrito na literatura 8. Guillemin F, Bombardier C, Beaton DE. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12): 1414-32.com variação no número de tradutores nas fases de tradução e retrotradução, fato que não se refletiu nos resultados apresentados nas Tabelas 1, 2 e 3. Considerou-se como consenso um índice de concordância igual ou maior a 80%.

Os 30 profissionais (especialistas) que participaram da avaliação da equivalência cultural da FLACCr eram de diferentes categorias (multiprofissional), conforme referencial teórico utilizado(8,10). O grupo foi composto por profissionais com experiência na área pediátrica e no cuidado à criança com PC, evidenciando-se no fato de 26 (86,6%) possuírem experiência na área de pediatria há mais de 10 anos e 73,2% terem assistido crianças com PC diariamente e frequentemente no ano anterior. É possível afirmar que, os resultados obtidos na fase de equivalência cultural, em que foi concluída a adaptação, são consistentes com evidências de resultados satisfatórios.

Ao avaliar os resultados de consenso, conforme as Tabelas 1e 2, observa-se que, comparada às demais categorias, especialmente nos atributos Compreensibilidade, Tipicidade e Relevância, a categoria Pernas obteve menor concordância entre os especialistas, com variação de 83,3% a 93,3% e média de 90% nos atributos avaliados.

A criança com PC pode apresentar variações importantes, relacionadas ao comprometimento postural e à movimentação de membros. De acordo com a proposta, utilizando-se a escala na avaliação da dor, o avaliador deve conversar com a família/cuidador sobre comportamentos e posturas considerados normais para a criança e sinais de alerta para dor, constituindo-se em procedimento complementar para uma avaliação mais precisa. Na ausência da família/cuidador, o profissional assume o compromisso de observar a criança com mais frequência, reconhecendo comportamentos e posturas normais e sinais de alerta 2020 . Solodiuk J, Curley MAQ. Pain Assessment in nonverbal Children with severe congnitive impairment: The Individualized Numeric Rating Scale. J Pediatric Nurs. (INRS). 2003 Aug;18(4):295-9.. Buscou-se, também, a definição da palavra "Normal", num dicionário da língua portuguesa 2121 . Ferreira ABH. Mini Aurélio: dicionário da língua portuguesa. [Internet]. 2008. [acesso 10 dez 2014]. Disponível em: http://www.agaleradodownload.org/ novo-dicionario-aurelio-5-0
http://www.agaleradodownload.org/novo-di...
: refere-se àquilo que é comum ou habitual. Sendo assim, os descritores da categoria Pernas foram mantidos, conforme o consenso estabelecido.

A 4ª orientação da escala obteve o menor índice de concordância entre os juízes, logo na primeira rodada. A discussão entre os juízes ocorreu à luz do entendimento da primeira frase da orientação : "The revised FLACC can be used for all non-verbal children". Alguns juízes questionaram se a escala poderia ser utilizada apenas para crianças não verbais. Ao término da 3ª rodada, houve consenso entre os juízes de que a FLACCr aplica-se a todas as crianças não verbais e que os descritores acrescentados em negrito aplicamse às crianças com dificuldades cognitivas. Ou seja, a autora manteve a escala original FLACC, indicada para todas as crianças não verbais (sem comprometimento neurológico) e acrescentou descritores para crianças com comprometimento neurológico na mesma escala, obtendo a FLACCr.

Embora a 4ª orientação tenha obtido excelentes concordâncias entre os profissionais especialistas, variando de 96,6% a 100%, com média de 98,3%, em relação à avaliação da dor de crianças não verbais, a 4ª orientação é bem clara e ressalta que o profissional pode abordar a família/cuidador para discutir comportamentos específicos que indiquem dor, e que os mesmos podem ser adicionados na escala, para que outros profissionais tenham acesso à informação. Pesquisadores da temática reforçam a importância da abordagem da família/cuidador de crianças com PC, auxiliando no reconhecimento de sinais de dor e, assim, contribuindo para um melhor resultado clínico(20,22).

As demais categorias da escala obtiveram consenso superior a 80%, com algumas considerações que remetem novamente à aproximação do profissional à beira do leito, na abordagem da família/cuidador.

Vale ressaltar que, ainda são incipientes nesse meio discussões sobre avaliação de dor em populações vulneráveis, como crianças com PC. As dificuldades são amplas e a falta de profissionais capacitados e interessados na temática gera ineficiência na prática clínica. Alguns estudos revelam que indivíduos com comprometimento cognitivo são particularmente vulneráveis ao subtratamento da dor, quando comparados àqueles sem comprometimento cognitivo e que conseguem relatar sua dor. Além disso, alguns pesquisadores têm descrito a falta de padrões de medida de dor para esta população tão vulnerável(5-6). Dessa forma, é premente nesse meio, a instrumentalização dos profissionais da saúde, com ferramentas que possam uniformizar condutas e gerar indicadores clínicos e administrativos. Instrumentos de avaliação de dor validados são ferramentas úteis, quando utilizados de maneira planejada e sistemática, sobretudo no desenvolvimento da discussão com a equipe assistencial sobre formas de avaliação e manejo da dor, possibilitando a melhoria contínua do processo 1414 . Bussotti EA, Pedreira MLG. Pain in children with cerebral palsy and implications on nursing practice and research: integrative review. Rev Dor. (São Paulo) 2013;14(2):142-6..

Conclusão

Seguindo a orientação metodológica foi possível desenvolver, com resultados satisfatórios, a tradução e adaptação da escala de avaliação de dor FLACCr.

A seleção dos profissionais participantes dessa primeira etapa foi fundamental para alcançar os resultados demonstrados.

A utilização de escalas de avaliação de dor é uma realidade em algumas instituições. Recomenda-se a disponibilização de escalas devidamente validadas. Caso a equipe de saúde escolha um instrumento existente em outra língua, é necessário que se desenvolva o processo de tradução e adaptação cultural. Desta forma, será possível a avaliação de dor de maneira mais fidedigna.

A próxima etapa deste estudo será a avaliação da confiabilidade e da consistência das propriedades psicométricas da FLACCr em crianças com PC.

Este é um dos trabalhos pioneiros no Brasil voltados à população pediátrica com PC, que apresenta ou não comprometimento cognitivo. Além disso, o estudo requer continuidade, para que esta população se beneficie do manejo adequado da dor.

References

  • 1
    Mitchell A, Boss BJ. Adverse effects of pain on the nervous systems of newborns and young children: a review of literature. J Neurosci Nurs. 2002 Oct;34(5):228-36.
  • 2
    Power R, Mcmanus V, Fourie R. Hardship, dedication and investment: An exploration of Irish mothers commitment to communicating with their children with cerebral palsy. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2009Aug;16(6):531-8.
  • 3
    Bax M, Goldstein M, Rosenbaum P, Leviton A, Paneth N, Dan B, et al. Proposed definition and classification of cerebral palsy. Dev Med Child Neurol. 2005Aug;47(8):571-6.
  • 4
    Merkel SI, Voepel-Lewis T, Shayevitz JR, Malviya S.The FLACC: a behavioral scale for scoring postoperative pain in young children. Pediatric Nursing. 1997 MayJun;23(3):293-7.
  • 5
    Voepel-Lewis T, Merkel S, Tait AR, Trzcinka A, Malviya S. The reliability and validity of the Face, Leg, Activity, Cry, Consolability Observational Tool as a measure of pain in children with cognitive impairment. Anesth Analg. 2002 Nov;95(5):1224-9.
  • 6
    Malviya S, Voepel-Lewis T, Burke CN, Merkel S, Tait AR. The revised FLACC observational pain tool: improved reliability and validity for pain assessment in children with cognitive impairment. Pediatr Anesthesia. 2006 Mar;16(3):258-65.
  • 7
    Manworren RC, Hynan LS. Clinical validation of FLACC: preverbal patient pain scale. Pediatr Nurs. 2003MarApr;29(2):140-6.
  • 8
    Guillemin F, Bombardier C, Beaton DE. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12): 1414-32.
  • 9
    Faro ACM. Técnica Delphi na validação das intervenções de enfermagem. Rev. Esc. Enf.USP. 1997 ago;31(1):259-73.
  • 10
    Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91.
  • 11
    Pasquali L. Psicometria. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(Esp):992-9.
  • 12. Salmond SW. Orthopedic nursing research priorities: a Delphi study. Orthop Nurs. 1994 Mar-Apr;13(2):31-45.
  • 13
    Grant JS, Kinney MR. Using the Delphi tecnique to examine the content validity of nursing diagnosis. Nurs Diagn. 1992 Jan-Mar;3(1):12-22.
  • 14
    Bussotti EA, Pedreira MLG. Pain in children with cerebral palsy and implications on nursing practice and research: integrative review. Rev Dor. (São Paulo) 2013;14(2):142-6.
  • 15
    Hunt AK, Franck LS. Special needs require special attention: A pilot project implementing the paediatric pain profile for children with profound neurologic impairment in a in-patient following surgery. J Child Health Care. 2011 Sep;15(3):210-20.
  • 16
    Royal College of Nursing. Clinical Practice Guideline: The recognition and assessment of acute pain in children. [Internet]. 2009 [acesso 20 jun 2013]. Disponível em: http://www.rcn.org.uk/__data/assets/ pdf_file/0004/269185/003542.pdf
    » http://www.rcn.org.uk/__data/assets/pdf_file/0004/269185/003542.pdf
  • 17
    Falcão DM, Ciconelli RM, Ferraz MB. Translation and Cultural Adaptation of Quality of Life Questionnaires: An Evaluation of Methodology. J Rheumatol. 2003 Feb;30(2):379-85.
  • 18
    Salvetti MG, Pimenta CAM. Validação da Chronic Pain Self-Efficacy Scale para a Língua Portuguesa. Rev Psiq Clín. 2005;32(4):202-10.
  • 19
    Ayres MT. Adaptação Transcultural para o Português do Instrumento "The Bowel Disease Questionnaire", utilizado para a avaliação de desordens gastrointestinais funcionais. Rio de Janeiro [dissertação] Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva do Departamento de Medicina Preventiva. Universidade Federal do Rio de Janeiro [Internet]. 2003 [acesso 20 out 2013]. Disponível em: http://www.posgraduacao.iesc.ufrj.br/media/ tese/1372778284.pdf
    » http://www.posgraduacao.iesc.ufrj.br/media/tese/1372778284.pdf
  • 20
    Solodiuk J, Curley MAQ. Pain Assessment in nonverbal Children with severe congnitive impairment: The Individualized Numeric Rating Scale. J Pediatric Nurs. (INRS). 2003 Aug;18(4):295-9.
  • 21
    Ferreira ABH. Mini Aurélio: dicionário da língua portuguesa. [Internet]. 2008. [acesso 10 dez 2014]. Disponível em: http://www.agaleradodownload.org/ novo-dicionario-aurelio-5-0
    » http://www.agaleradodownload.org/novo-dicionario-aurelio-5-0
  • 22
    Hunt A, Goldman A, Seers K, Crichton N, Mastroyannopoulou K, Moffat V, et al. Clinical validation of the paediatric pain profile. Dev Med Child Neurol. 2004 Jan;46(1):9-18.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2014
  • Aceito
    21 Fev 2015
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br