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Adaptação cultural e análise da confiabilidade do instrumento Modified Dyspnea Index para a cultura brasileira

Resumos

Este estudo apresenta o processo de adaptação cultural do Modified Dyspnea Index para a cultura brasileira e a avaliação de sua validade de conteúdo e confiabilidade. Esse processo incluiu as etapas de tradução, retrotradução e avaliação da equivalência semântica, idiomática, conceitual, cultural/experimental e metabólica. Utilizou-se o Índice de Validade de Conteúdo para avaliar a proporção de concordância entre os juízes. Foi desenvolvido e validado um roteiro para nortear a aplicação do Modified Dyspnea Index. Dois diferentes profissionais avaliaram a confiabilidade da versão brasileira do Modified Dyspnea Index, de acordo com o critério da equivalência interobservador, em 31 pacientes, apontando para um coeficiente Kappa=0,960 (p<0,001). A versão brasileira do Modified Dyspnea Index apresentou provas de equivalência interobservador em amostra de pacientes cardíacos.

Dispnéia; Cardiopatia Coronariana; Confiabilidade e Validade; Estudos de Validação


This study aims to present the cross-cultural adaptation process of the Modified Dyspnea Index to the Brazilian culture and to investigate its content validity and reliability. This process included the steps of translation, back translation and review by two experts to assess semantic, conceptual, idiomatic, cultural and metabolic equivalence. The Index of Content Validity was used to evaluate the extent of inter-observer agreement. A Guide to implement the Modified Dyspnea Index was developed and validated. Two different professionals assessed the reliability of the Brazilian version of the Modified Dyspnea Index, according to the inter-observer equivalence criterion, with 31 patients, indicating a Kappa coefficient=0.960 (p<0.001). In conclusion, the Brazilian version of MDI presented evidence of interobserver equivalence when applied by different health professionals in the population of cardiac patients.

Dyspnea; Coronary Disease; Reproducibility of Results; Validation Studies


Este estudio presenta el proceso de adaptación cultural del Modified Dyspnea Index para la cultura brasileña y la evaluación de su validad de contenido y confiabilidad. Este proceso incluyó las etapas de traducción, retrotraducción y evaluación de la equivalencia semántica, idiomática, conceptual, cultural/experimental y metabólica. El Índice de Validad de Contenido fue utilizado para evaluar la proporción de concordancia entre los jueces. Fue desarrollado y validado un guión para orientar la aplicación del Modified Dyspnea Index. Dos diferentes profesionales evaluaron la confiabilidad de la versión brasileña del Modified Dyspnea Index, de acuerdo con el criterio de la equivalencia inter-observador, en 31 pacientes, apuntando para un coeficiente Kappa=0,960 (p<0,001). La versión brasileña del Modified Dyspnea Index presentó pruebas de equivalencia inter-observador en una muestra de pacientes cardíacos.

Disnea; Enfermedades Coronaria; Reproducibilidad de Resultados; Estudios de Validación


ARTIGO ORIGINAL

Adaptação cultural e análise da confiabilidade do instrumento Modified Dyspnea Index para a cultura brasileira1

Cinthya Tamie Passos MiuraI; Maria Cecília Bueno Jayme GallaniII; Gabriela de Barros Leite DominguesI; Roberta Cunha Matheus RodriguesIII; James K. StollerIV

IFisioterapeuta, Mestranda, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Faculdade de Ciência Médicas, Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil. E-mail: cinthyamiura@gmail.com, e-mail: gabrielafisio@yahoo.com.br

IIEnfermeira, Livre-docente, Professor Associado, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil. E-mail: ceciliag@fcm.unicamp.br

IIIEnfermeira, Livre-docente, Professor Associado, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil. E-mail: robertar@fcm.unicamp.br

IVDoutor em Medicina, Presidente, Education Institute, Cleveland Clinic Main Campus, Cleveland, Ohio, Estados Unidos. E-mail: stollej@ccf.org

Endereço para correspondência

RESUMO

Este estudo apresenta o processo de adaptação cultural do Modified Dyspnea Index para a cultura brasileira e a avaliação de sua validade de conteúdo e confiabilidade. Esse processo incluiu as etapas de tradução, retrotradução e avaliação da equivalência semântica, idiomática, conceitual, cultural/experimental e metabólica. Utilizou-se o Índice de Validade de Conteúdo para avaliar a proporção de concordância entre os juízes. Foi desenvolvido e validado um roteiro para nortear a aplicação do Modified Dyspnea Index. Dois diferentes profissionais avaliaram a confiabilidade da versão brasileira do Modified Dyspnea Index, de acordo com o critério da equivalência interobservador, em 31 pacientes, apontando para um coeficiente Kappa=0,960 (p<0,001). A versão brasileira do Modified Dyspnea Index apresentou provas de equivalência interobservador em amostra de pacientes cardíacos.

Descritores: Dispnéia; Cardiopatia Coronariana; Confiabilidade e Validade; Estudos de Validação.

Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) constituem importante causa de morbi e mortalidade no mundo, sendo, nesse contexto, a dispneia um dos mais importantes sintomas, caracterizada como experiência subjetiva de desconforto respiratório, geralmente desencadeado por exercício físico, que consiste em sensações qualitativamente diferentes que variam também em intensidade(1-2). A experiência da dispneia deriva de múltiplos fatores (fisiológicos, psicológicos, sociais e ambientais), podendo induzir respostas fisiológicas e comportamentais(3).

O estudo sobre dispneia é complicado pela dificuldade existente para definição precisa do estímulo físico que a desencadeia. Na tentativa de tornar a avaliação e quantificação da dispneia de maneira mais objetiva, foram desenvolvidos diferentes instrumentos, incluindo entrevistas estruturadas, questionários de autorrelato, escala visual analógica e escalas numéricas que avaliam a dispneia tanto de maneira qualitativa como quantitativa.

Especificamente no contexto das afecções cardiopulmonares, a dispneia vem sendo avaliada com emprego dos instrumentos que avaliam a intensidade do sintoma: a escala visual analógica horizontal (HVAS)(4), escala de Borg(5), escala modificada de Borg(5), e escala de taxa numérica(6), e por instrumentos que avaliam o impacto ou limitações impostas pela dispneia: Perfil de Sintomas e Limitações Cardiovasculares (CLASP)(7), Questionário de Insuficiência Cardíaca Crônica – subescala de dispneia (CHQ-D)(8); o Diagrama de Custo de Oxigênio (OCD)(9) e o Índice de Dispneia Basal (BDI)(10).

Em 1986, foi proposto o Modified Dyspnea Index (MDI), adaptação do BDI, o qual incorporou critérios adicionais de avaliação da dispneia, contribuindo para maior precisão da medida(11).

O MDI foi desenvolvido na língua inglesa, voltado para a cultura norte-americana e tem sido aplicado em estudos junto a pacientes portadores de afecções cardiorrespiratórias(12-13).

A aplicação do MDI no contexto brasileiro requer, entretanto, a adoção de procedimentos metodológicos que permitam sua adaptação cultural - processo complexo, que envolve etapas muito mais elaboradas do que somente a simples tradução do instrumento(14). Para realizar a adaptação, o pesquisador deve considerar as diferenças culturais de percepção de saúde, levando em consideração o idioma, o contexto cultural e o estilo de vida da população em questão(14-15).

O presente estudo teve por finalidade apresentar o processo de adaptação cultural do Modified Dyspnea Index para a cultura brasileira, bem como a análise de sua validade de conteúdo e confiabilidade.

Materiais e Método

Local da pesquisa

O estudo foi realizado em unidade de internação da especialidade cardiologia de um hospital universitário de grande porte, no interior do Estado de São Paulo.

Sujeitos

Foram sujeitos deste estudo pacientes de ambos os sexos, com mais de 18 anos, internados na referida unidade, com diagnóstico médico de doença cardiovascular e com queixa de dispneia. Foram excluídos os pacientes que apresentavam déficits cognitivos, com dificuldade de compreensão dos questionários.

Processo de adaptação cultural

Primeiramente foi solicitado o consentimento formal do autor do instrumento original para dar início ao processo de adaptação cultural.

Tradução para a língua portuguesa

O primeiro passo para a adaptação cultural foi encaminhar o questionário para tradução, do inglês para o português, realizado por dois tradutores independentes, profissionais qualificados que tinham a língua inglesa como língua materna. Como recomendado, um dos tradutores foi informado quanto aos objetivos e conceitos implicados ao instrumento e o outro realizou a tradução sem o conhecimento prévio dessas informações(14-16). Cada tradutor produziu um relatório escrito, referente à tradução realizada, sendo incluídas as sugestões que descartaram frases ou incertezas, juntamente com a fundamentação para as escolhas finais(17).

As duas versões foram comparadas pelos pesquisadores até a obtenção de consenso(17). Esse procedimento facilitou a tradução conceitual, garantindo também que os erros e as interpretações ambíguas fossem eliminados(16).

Retrotradução

A versão traduzida final, obtida na etapa anterior, foi vertida, novamente, para o idioma original (inglês) por dois outros tradutores que não participaram da primeira etapa. Os tradutores bilíngues, com o inglês (na qual foi desenvolvido o instrumento original) como língua materna, trabalharam de forma independente, obtendo-se, assim, duas versões de retrotradução (RT1 e RT2)(14,16-18).

A retrotradução tem por finalidade a revisão de dados e verificação de possível interpretação duvidosa para a língua portuguesa, garantindo, assim, a qualidade da adaptação cultural do instrumento de estudo(14,17).

Validade de conteúdo

Como descrito(14,16-17), para a avaliação das equivalências, da versão traduzida do MDI (para o português) e do MDI original, foi necessária a revisão de cinco critérios, mostrados a seguir.

1. Equivalência semântica: avalia se houve manutenção do significado de cada item, após a tradução para a língua da cultura alvo(14,17).

2. Equivalência idiomática: identifica dificuldades para traduzir expressões coloquiais de um determinado idioma(14,17).

3. Equivalência cultural/experimental: avaliação que busca identificar se os termos utilizados na versão original são coerentes com as experiências vivenciadas pela população à qual se destina(14,17,19).

4. Equivalência conceitual: avalia se as situações evocadas ou retratadas nos itens realmente avaliam o impacto causado pela dispneia em pacientes cardiopatas(14,17).

5. Equivalência metabólica: para avaliar se todas as atividades culturalmente não adequadas, substituídas na versão traduzida, podem ser consideradas metabolicamente equivalentes às atividades do instrumento da versão original do MDI.

Nesse contexto, a análise da validade de conteúdo foi realizada em duas etapas: 1. revisão da equivalência semântica, idiomática, conceitual e cultural da versão traduzida e 2. avaliação da equivalência metabólica. Para cada uma dessas avaliações, foram formados comitês de avaliação (total de três comissões), cada qual com uma tarefa específica no processo de validação.

Comitê para revisão das equivalências semântica, idiomática, conceitual e cultural/experimental

Nessa primeira revisão, um comitê, composto por pessoas bilíngues e especialistas na avaliação da dispneia e de instrumentos de medida, foi convidado a revisar e comparar as traduções finais obtidas na língua portuguesa e as retrotraduções. Esse processo teve como finalidade garantir que a versão traduzida final preservasse o significado da versão original em inglês (isto é, equivalência semântica e idiomática) e também se as situações mencionadas ou retratadas nos itens realmente avaliavam o impacto da dispneia, e se eram culturalmente pertinentes à população alvo (isto é, equivalência conceitual e cultural/experimental)(14,16,18-19). O comitê de juízes foi composto por três profissionais com experiência na assistência ao paciente portador de cardiopatia (enfermeira, médico e fisioterapeuta), uma pesquisadora especialista em metodologia de pesquisa e uma linguista. Cada membro do comitê de juízes foi informado sobre as medidas e conceitos implicados e receberam um instrumento, construído especificamente para nortear a avaliação.

Comitê para revisão da equivalência metabólica

A avaliação inicial pelo primeiro comitê de juízes identificou atividades não habituais à população alvo, sendo sugeridas outras atividades para substituí-las. Para substituição, foi realizada consulta ao Compêndio de Ainsworth, adaptado por Farinatti(20), que trata dos equivalentes metabólicos de diferentes atividades físicas. Um segundo comitê foi, então, constituído com o objetivo de avaliar a equivalência metabólica entre as atividades sugeridas e aquelas do instrumento original, uma vez que essas atividades se relacionavam aos níveis de atividade física que desencadeavam sintomas. Esse comitê de juízes foi formado por um educador físico com experiência em fisiologia do exercício e uma fisioterapeuta.

Quantificação da validade de conteúdo

Como recomendado(21-22), além da avaliação qualitativa das equivalências, este estudo realizou também a quantificação do julgamento do MDI. Nessa etapa, avalia-se o nível de concordância dos juízes na avaliação de cada item, gerando-se um índice de validade de conteúdo (Index of Content Validity – CVI). O número de juízes necessário para esse estágio da avaliação, bem como a proporção de concordância necessária para que possa ser estabelecida a validade de conteúdo, pode ser decidido pela aplicação do erro padrão da proporção. Recomenda-se um número mínimo de 3 a 5 especialistas. Para a interpretação da representatividade dos índices de concordância, foi adotado o critério proposto por Lynn(21), segundo o qual para quatro ou cinco juízes, considerando o nível de significância de 0,05, todos os juízes devem estar de acordo com a avaliação do item para que o item seja considerado válido (CVI=1). A constatação de CVI£0,75 implica na revisão automática do item, pois significa que ao menos um dos juízes não avaliou como adequada pelo menos uma das equivalências analisadas.

O MDI foi concebido para ser respondido pelo profissional de saúde, a partir da avaliação do paciente. Assim, os itens não são formulados sob forma de perguntas, o que pode dificultar a reprodução da pontuação por diferentes observadores. Dessa maneira, antecedendo a aplicação do pré-teste da versão final traduzida do MDI, foi proposto o desenvolvimento de roteiro para guiar o profissional no emprego do MDI, que tem como finalidade padronizar a administração do MDI e do estabelecimento dos escores.

Validade de conteúdo do roteiro para aplicação do MDI

Comitê de juízes para avaliação do roteiro para aplicação do MDI

O instrumento criado para nortear o profissional, na aplicação da versão brasileira do MDI, foi avaliado por um novo comitê de juízes, composto por quatro profissionais: dois médicos cardiologistas com ampla experiência no atendimento clínico de pacientes cardiopatas, uma enfermeira com experiência em cardiologia e uma fisioterapeuta especialista na área cardiorrespiratória. Posteriormente, as avaliações foram quantificadas de acordo com o CVI(21).

Modified Dyspnea Index (MDI)

O MDI propõe a avaliação dos indivíduos de acordo com cada um dos três componentes: comprometimento funcional (a extensão em que a realização das atividades domiciliares e/ou do trabalho são prejudicadas pela falta de ar), amplitude da tarefa (o limiar de tarefa em que a presença da dispneia torna-se evidente para o paciente) e amplitude do esforço (o vigor com que os indivíduos podem desempenhar sua tarefa máxima)(11-12).

Ao definir a amplitude da tarefa e do esforço, o instrumento deliberadamente separa o limiar de tarefa realizado, no qual se dá a primeira ocorrência da dispneia e o máximo de tarefa realizada, mesmo com a presença de dispneia. Como alguns pacientes continuam a exercer a atividade mesmo após o início da dispneia, procura-se distinguir, com o instrumento, a tarefa máxima e a tarefa mais extenuante que o paciente consegue fazer. Para quantificar a magnitude de esforço, considera-se o limiar de tarefa, prevendo-se a possibilidade de o sujeito despender pouco esforço para atingir o limiar para o desencadeamento da dispneia, mas esforço considerável para superá-la. A magnitude da tarefa, por sua vez, é avaliada pelo limiar da tarefa, considerando-se a tendência de os pacientes subestimarem sua capacidade para exercer a tarefa mais extenuante. O emprego do limiar de tarefa para medir a magnitude da tarefa, assim, evita o risco de subestimação pelo paciente sobre sua capacidade(11).

Para avaliação do comprometimento funcional, são considerados dois escores em separado: um para designar o comprometimento funcional em casa e, outro, no trabalho. Essas duas avaliações são posteriormente combinadas para formar o escore composto de comprometimento funcional, que varia de zero a quatro. O escore total varia de zero a doze, como resultado da soma de escores (de zero a quatro) para cada componente (tarefa, esforço e função) do MDI. Quanto menor o escore, maior a gravidade da dispneia(11).

Pré-teste do MDI e do roteiro para aplicação junto à população alvo

As versões finais dos instrumentos (MDI e o roteiro para aplicação do MDI) foram submetidos a dois pré-testes que consistiram na aplicação do instrumento por um dos pesquisadores a uma amostra da população, objetivando detectar erros e confirmar que todas as questões podiam ser compreendidas, verificando também aspectos práticos de sua aplicação(15-16). O primeiro pré-teste consistiu na aplicação do instrumento junto a seis pacientes com queixa de dispneia, internados em unidade especializada de cardiologia. Todos os pacientes apresentaram dificuldade para compreender as questões do roteiro de aplicação do MDI. Com base nessa experiência piloto, o roteiro para a aplicação do MDI foi reformulado e novamente avaliado pelo comitê de juízes (descrito no item 2.5). A seguir, foi realizado o segundo pré-teste, com a versão reformulada do roteiro para aplicação do MDI, junto a oito pacientes internados na unidade já descrita. No segundo pré-teste, foi verificado o tempo de aplicação do instrumento(14).

Pré-teste do MDI e do roteiro para sua aplicação junto ao profissional da saúde

Essa etapa consistiu na avaliação da praticabilidade do MDI e do roteiro para aplicação do MDI por profissionais de saúde, sem conhecimento prévio do instrumento(23). O MDI foi empregado junto a seis pacientes da unidade de internação já descrita, por seis profissionais (três fisioterapeutas e três enfermeiras), com emprego do roteiro de aplicação do MDI.

Avaliação da confiabilidade

A confiabilidade foi avaliada segundo critério da equivalência interobservadores, com emprego do coeficiente Kappa para avaliação do grau de concordância entre dois profissionais de saúde (um enfermeiro e um fisioterapeuta) na atribuição dos escores parciais e totais do MDI. Foram avaliados 31 pacientes de uma unidade especializada em cardiologia de um hospital universitário de grande porte, no interior do Estado de São Paulo.

Análise de dados

Os dados coletados foram inseridos em uma planilha eletrônica (Software Excel, 2003) e transferidos para o programa SPSS 15.0 for Windows, para descrição e análise da concordância interobservadores com emprego do coeficiente Kappa. Foi adotado p£0,05 como nível de significância estatística.

Aspectos éticos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa local. Todos os pacientes arrolados assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, conforme determinado pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Comitê de juízes I (avaliação de equivalência semântica, idiomática, conceitual e cultural/experimental do MDI)

A análise da quantificação de concordância entre juízes, sobre as equivalências semântica e idiomática, apontou CVI médio de 0,64 (±0,23) e na equivalência conceitual de 0,88% (±0,19). Portanto, os itens que obtiveram CVI menor que 1 sofreram modificações que variaram desde substituições de palavras a alterações quanto à estrutura de algumas frases como, por exemplo: esquema substituído por atividade, extenuante por cansativo, lentamente por "mais devagar", realisticamente por realmente, muito ofegante por "muita falta de ar", atividades profissionais por atividade de trabalho, atividades burocráticas por atividades administrativas, hobby por atividades de lazer, imóvel por sem se movimentar, entre outros.

Com relação ao termo "dispneia", padronizou-se, em todo o texto, o emprego do termo "falta de ar", antecipando o termo técnico (falta de ar/dispneia), permitindo, ao mesmo tempo, compreensão pela população do estudo, preservando a expressão que melhor designa o sintoma.

Comitê de juízes II (avaliação de equivalência metabólica)

Algumas atividades foram consideradas pelos juízes como hábitos incomuns à população brasileira (frequentar jogos de baseball, ir ao teatro). Assim, os juízes sugeriram a substituição dessas atividades por outras que correspondessem ao mesmo valor de gasto energético (METs)(20), (baseball por futebol e ir ao teatro por ir à igreja).

Além disso, no Grau 1 (atividades leves) do critério de avaliação da magnitude da tarefa, "barbear-se" foi substituído por "escovar os dentes", com a finalidade de eliminar o viés de gênero.

Comitê de juízes III (avaliação do roteiro para aplicação do MDI)

A média de CVI para a versão brasileira do roteiro para a aplicação do MDI, inicialmente foi de 0,95 (±0,10). Após a reformulação do roteiro, a média final do CVI foi de 0,89 (±0,16), sendo acatadas todas as sugestões do comitê.

Para tornar mais claro o critério de avaliação da magnitude da tarefa, foram incluídos exemplos específicos de cargas pesadas e cargas leves: 1- uma criança recém-nascida; 2- dois sacos grandes de arroz; 3- um pacote de ração grande para cachorro. Esses exemplos satisfazem os critérios de equivalência metabólica, segundo Farinatti(20).

Pré-teste junto à população alvo

A versão final do roteiro para aplicação do MDI e a versão brasileira do MDI foram pré-testadas em uma amostra com oito pacientes, assim caracterizada: sexo feminino 62,5%, média de idade 57,5 (±11,7) anos, escolaridade 5,1 (±3,6) anos, renda mensal individual média 1,5 (±1,1) salários mínimos (SM) (1 SM=R$510,00) e familiar de 2,2 (±0,8) SM. A maioria dos entrevistados encontrava-se profissionalmente inativa (62,5%). As hipóteses de diagnóstico médico mais frequente foram: hipertensão arterial sistêmica (37,5%), insuficiência cardíaca congestiva descompensada (25,0%) e infarto agudo do miocárdio (25,0%).

O tempo médio de aplicação do instrumento foi de 15 minutos. A versão reformulada do instrumento mostrou-se facilmente compreendida por todos os pacientes da amostra.

Pré-teste junto ao profissional de saúde

A versão final do roteiro para aplicação do MDI e a versão brasileira do MDI foram pré-testadas por uma amostra de profissionais de saúde. Foram evidenciadas algumas dificuldades para a determinação do escore nas três dimensões do MDI.

Na avaliação da praticabilidade dos instrumentos, 83,3% dos profissionais avaliaram ambos os instrumentos como compreensíveis e reportaram facilidade na forma de assinalar as respostas no MDI. No entanto, 50,0% dos profissionais não concordaram quanto à facilidade de compreensão das instruções formuladas no roteiro, para aplicação do MDI.

Avaliação da confiabilidade - equivalência interobservador

A equivalência interobservador, da versão brasileira do MDI, foi avaliada por meio da aplicação do instrumento a 31 sujeitos, assim caracterizados: sexo feminino 61,3%; caucasóides 87,1%; média de idade 55,0 (±15,4) anos, escolaridade 6 (±5,6) anos. Médias de renda mensal individual e familiar 1,8 (±2,0) e 3,6 SM (±3,3), respectivamente, e profissionalmente inativos 51,7%. As hipóteses de diagnóstico médico mais frequentes foram: hipertensão arterial (58,1%), síndrome coronariana aguda, (32,3%) e insuficiência cardíaca congestiva descompensada (22,6%).

Para esta análise foi solicitado que os dois profissionais de saúde aplicassem simultaneamente os instrumentos e estabelecessem a pontuação de forma absolutamente independente. A análise de concordância nos escores parciais e total, emitidos pelos observadores, mostrou coeficientes Kappa que variaram de 0,946 a 1,000, apontando para evidências de equivalência de avaliação entre observadores (Tabela 1).

Discussão

Por este estudo demonstra-se o desenvolvimento com sucesso da versão brasileira do Modified Dyspnea Index, desenvolvido originalmente em inglês para população norte-americana. O processo de adaptação cultural do MDI, aqui, para população brasileira, cumpriu a abordagem sugerida por Guillemin(14) e Beaton(15), considerando ambas as características linguísticas e culturais.

Mais especificamente, para a garantia de adaptação adequada, exige-se a demonstração de que o instrumento traduzido se assemelha ao instrumento original em pelo menos quatro quesitos específicos: equivalência semântica (as palavras possuem o mesmo significado em ambas as versões), equivalência idiomática (os termos e as expressões coloquiais são semelhantes), equivalência cultural/experimental (os termos utilizados na versão original são coerentes com as experiências vivenciadas pela população alvo) e equivalência conceitual (se as situações evocadas ou retratadas nos itens realmente avaliam o impacto causado pela dispneia em pacientes cardiopatas)(14,19). O processo pelo qual a versão brasileira do MDI foi submetida satisfez rigorosamente os critérios de equivalência entre o instrumento original e o traduzido.

Várias características complicam a adaptação do MDI original para uso na população brasileira. Por exemplo, algumas das tarefas descritas no instrumento americano não eram compatíveis à experiência brasileira e exigiu a substituição das atividades por outras atividades do cotidiano brasileiro, metabolicamente equivalentes (por exemplo, substituindo o beisebol pelo futebol).

Dada a complexidade para administração do MDI e ao fato de não ter havido, ainda, de acordo com nosso conhecimento, a adaptação do MDI para outras culturas, foi dada especial atenção ao desenvolvimento e validação de um roteiro de aplicação para acompanhar o instrumento traduzido.

Dentre os diferentes instrumentos utilizados para avaliar a dispneia, as escalas de Borg (original e a modificada)(5), a Escala Visual Analógica(4) e o Medical Research Council(24) são instrumentos já descritos no contexto brasileiro e aplicados na avaliação de pacientes cardiopatas. No entanto, nenhum desses instrumentos explora o impacto e as limitações causados pela dispneia, de forma profunda e extensa, em diferentes contextos como é o objetivo do MDI.

Destaca-se a necessidade de prosseguir com as etapas de validação da versão brasileira do MDI. A continuidade do estudo permitirá avaliar a validade convergente do instrumento, tendo como referência a percepção de esforço pela aplicação da escala modificada de Borg; avaliação da força muscular respiratória e da qualidade de vida (Minnesota Living with Heart Failure Questionnaire). O MDI permitirá ao profissional da saúde estimar, com maior precisão, a evolução da dispneia e, assim, direcionar o planejamento da reabilitação cardiovascular no contexto brasileiro.

Conclusão

O processo de adaptação cultural do Modified Dyspnea Index para a cultura brasileira foi realizado com grande rigor metodológico, acrescentando às etapas habituais de adaptação o estabelecimento de um segundo comitê de especialistas, para avaliação dos equivalentes metabólicos das atividades substituídas e elaboração de um roteiro de aplicação do MDI para padronizar sua aplicação por diferentes profissionais de saúde. Houve avaliação satisfatória da aplicabilidade de ambos os instrumentos e a avaliação de sua equivalência interobservador apontou índice de concordância satisfatório.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Aceito
      25 Ago 2010
    • Recebido
      05 Maio 2010
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