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O portfólio como avaliação: análise de sua utilização na graduação de enfermagem

Resumos

Este é um estudo qualitativo, realizado no período de abril a agosto de 2007. O objetivo foi analisar a utilização do portfólio pela comunidade acadêmica. Entrevistaram-se, através de um roteiro, nove docentes efetivos e 119 discentes matriculados a partir do terceiro período. Na análise de dados utilizou-se da análise de conteúdo. A avaliação da aprendizagem é considerada como verificação do conhecimento, como eficácia do método pedagógico e incentivo ao estudo. Com relação aos tipos de avaliação são eles processuais e pontuais. O portfólio é definido como instrumento de avaliação gradual e contínuo. É necessário que o corpo docente e discente aceite experimentar a utilização do portfólio e assim avaliar as possibilidades desse recurso. Representa a primeira aproximação ao processo de avaliação na graduação e, dessa forma, o portfólio e outras estratégias precisam ser consolidadas de forma a melhorar o processo de formação na graduação de enfermagem.

Educação em Enfermagem; Ensino; Aprendizagem


This qualitative study was carried out between April and August 2007. It analyzed the use of portfolios in the academic community. A total of nine full-time professors and 119 students enrolled in their third semester were interviewed through a semi-structured interview. Content analysis was used to analyze data. Learning evaluations are seen as a verification of knowledge and efficacy of pedagogical method, and also as an incentive to study. Evaluations are procedural, that is, evaluation is continuous, or one-time, e.g. semester end tests. The portfolio is defined as a gradual and continuous evaluation tool. The faculty members and students need to accept the use of portfolios and evaluate the possibilities of this resource. This study is a first attempt to appraise the evaluation process of an undergraduate program, and the use of portfolios and other strategies needs to be consolidated in order to improve the educational process in undergraduate nursing programs.

Education, Nursing; Teaching; Learning


Se trata de un estudio cualitativo, realizado en el período de abril a agosto de 2007. El objetivo fue analizar la utilización del portafolio por la comunidad académica. Se entrevistó a través de un guión a nueve docentes efectivos y 119 discentes matriculados a partir del tercer período. En el análisis de datos se utilizó el análisis de contenido. La evaluación del aprendizaje es considerada como verificación del conocimiento, como eficacia del método pedagógico e incentivo al estudio. Con relación al tipo de evaluación son procesuales y puntuales. El portafolio es definido como un instrumento de evaluación gradual y continuo. Es necesario que el cuerpo docente y discente acepte experimentar la utilización del portafolio y así evaluar las posibilidades de este recurso. Representa una primera aproximación al proceso de evaluación en la graduación y de esa forma el portafolio y otras estrategias necesitan ser consolidadas de forma a mejorar el proceso de formación en la graduación de enfermería.

Educación en Enfermería; Enseñanza; Aprendizaje


ARTIGO ORIGINAL

O portfólio como avaliação: análise de sua utilização na graduação de enfermagem

Denise Barbosa de Castro FriedrichI; Angela Maria Corrêa GonçalvesII; Tatiana Santos de SáIII; Leticia Ribeiro SanglardIII; Débora Ribeiro DuqueIII; Gabriela Mota Antunes de OliveiraIII

IDoutor em Saúde Coletiva, Professor, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: denisebcf@yahoo.com.br

IIMestre em Enfermagem, Professor, Faculdade de Enfermagem, Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, Brasil. E-mail: gelagon@oi.com.br

IIIEnfermeira. E-mail: Tatiana - tatyenf2006@yahoo.com.br, Leticia - letsanglard@yahoo.com.br, Débora - debora_enf@hotmail.com, Gabriela - gabriesmota@hotmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

Este é um estudo qualitativo, realizado no período de abril a agosto de 2007. O objetivo foi analisar a utilização do portfólio pela comunidade acadêmica. Entrevistaram-se, através de um roteiro, nove docentes efetivos e 119 discentes matriculados a partir do terceiro período. Na análise de dados utilizou-se da análise de conteúdo. A avaliação da aprendizagem é considerada como verificação do conhecimento, como eficácia do método pedagógico e incentivo ao estudo. Com relação aos tipos de avaliação são eles processuais e pontuais. O portfólio é definido como instrumento de avaliação gradual e contínuo. É necessário que o corpo docente e discente aceite experimentar a utilização do portfólio e assim avaliar as possibilidades desse recurso. Representa a primeira aproximação ao processo de avaliação na graduação e, dessa forma, o portfólio e outras estratégias precisam ser consolidadas de forma a melhorar o processo de formação na graduação de enfermagem.

Descritores: Educação em Enfermagem; Ensino; Aprendizagem.

Introdução

O curso de graduação em Enfermagem tem como objetivo formar enfermeiros generalistas, tendo em vista um conjunto de competências e habilidades específicas, para que possam atuar de modo autônomo ou em equipe multiprofissional, nos diversos cenários da prática profissional: instituições de saúde pública ou privada, clínicas ou domicílios, nos níveis primário, secundário e terciário de atenção à saúde, desenvolvendo funções assistenciais, administrativas, educativas e de investigação(1).

Para adquirir as competências e habilidades específicas, os graduandos de enfermagem devem realizar atividade prática (ou ensino clínico), considerada como "treinamento" em hospitais escola ou unidades básicas de saúde. O estágio é considerado pela legislação educacional vigente como atividade de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionada aos estudantes de ensino técnico e de graduação pela participação em situações reais de vida e de trabalho em seu meio, sendo realizada na comunidade geral ou em pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação de instituição de ensino(2).

As atuais exigências mundiais buscam profissionais qualificados com habilidades de comunicação, relacionamento interpessoal e pensamento crítico reflexivo. Para que os cidadãos possam assumir o papel de atores críticos, é necessário desenvolver a competência da compreensão que assenta na capacidade de escutar, observar, pensar, relacionar-se com o mundo e com os outros. Isso porque o mercado de trabalho exige que as pessoas sejam capazes de se adaptar facilmente às mudanças e à realidade, por convicção e por vontade própria, sem se deixarem manipular, fazendo ouvir sua voz crítica(3).

Nessa perspectiva, as instituições formadoras buscam formas de avaliação mais democráticas, justas, qualitativas e significantes para aplicação prática no cotidiano de cada aluno. No entanto, há séria resistência, por parte da sociedade, em relação à perspectiva inovadora de avaliação nos sistemas educacionais, pois se acredita que não asseguraria ensino de qualidade. Assim, como explicar situações em que alunos presentes, atentos, participativos demonstrem fracasso no resultado da aprendizagem? Por isso, atualmente, muitos questionam os ditames da avaliação tradicional, discordando dela e denunciando sua incoerência(4).

Neste estudo, optou-se por utilizar a seguinte definição(4): avaliação é essencialmente questionar, é observar e promover experiências educativas que signifiquem provocações intelectuais no sentido do desenvolvimento do aluno.

Entende-se que a avaliação da aprendizagem é recurso pedagógico útil e necessário para auxiliar cada educador e cada educando na busca e na construção de si mesmo e do seu melhor modo de ser na vida. A avaliação da aprendizagem, por ser avaliação, é inclusiva, dinâmica e construtiva. Avaliar é um ato pelo qual, através de disposição acolhedora, qualifica-se alguma coisa (um objeto, ação ou pessoa), tendo em vista, de alguma forma, tomar uma decisão sobre ela(5).

A abordagem tradicional(4) da avaliação tem como principais características a educação centrada no professor, que detém o saber absoluto e a autoridade máxima. A metodologia é considerada transmissão vertical, baseada na exposição oral dos conteúdos planejados e aplicação pontual de testes, onde só o aluno aprende com o professor. O aluno assume posição de mero receptor, sendo comparado a uma tábua rasa, não são consideradas as vivências e os saberes subjetivos de cada um.

Já na abordagem sociocultural, há inversão de papéis: o aluno assume a posição de ser ativo, curioso e social. O centro da educação deixa de ser o professor e seus conteúdos disciplinares, passando a ser o aluno. O processo de aprendizagem parte do interesse dos alunos que são estimulados a construir o conhecimento, a refletir, a pensar. O professor assume, nessa situação, o papel de facilitador do processo ensino/aprendizagem ao criar espaços para diálogos, compartilhar responsabilidades, estimular constantes desafios; favorecendo o comprometimento, a convivência entre alunos, a solidariedade, a busca por novas informações, a autoavaliação e a reflexão crítica sobre cada conteúdo trabalhado(4).

O ato de avaliar tem por objetivo subsidiar a permanente inclusão do educando no processo educativo. A avaliação não exclui a partir de um padrão preestabelecido, mas, sim, diagnostica para incluir, na busca do resultado mais satisfatório, mais pleno, qualitativamente mais saudável(6).

O portfólio representa instrumento de desenvolvimento da capacidade de reflexão, já que constitui um conjunto coerente de documentação, refletidamente selecionada, significativamente comentada e sistematicamente organizada e contextualizada no tempo. Trata-se de construção pessoal, a qual representa as evidências da aprendizagem, dotada de peças únicas, singulares(3). Ele facilita a tomada de decisão, permite postura reflexiva tanto do aluno como do professor e difere de outros processos de avaliação, pois favorece aos docentes e discentes a oportunidade de pensar sobre as suas mudanças ao longo do curso(6).

Os dados registrados no portfólio subsidiam professor e aluno em seus processos de trabalho, nas tarefas de autorreflexão que antecedem a autoavaliação. Os estudantes aprendem a refletir sobre sua experiência acadêmica e a avaliá-la. O corpo docente, por outro lado, tem a oportunidade de examinar a experiência curricular como um todo e oferecer importante e relevante feedback. Dessa forma, ele é importante instrumento de avaliação, onde os alunos participam ativamente, selecionando as melhores amostras de seu trabalho para incluí-las no portfólio(7).

Pode-se inferir que o portfólio é uma proposta promissora, ou seja, um caminho adequado para a avaliação continuada, que favoreça o desenvolvimento do aluno com consequente elevação do nível da qualidade do ensino.

Em estudo(8) realizado no Chile, obteve-se que há baixa utilização de metodologias participativas de ensino, demonstrando que instrumentos inovadores, como o portfólio, devem ser inseridos no processo de ensino/aprendizagem dos cursos de enfermagem.

O método de avaliação utilizado, na graduação da Faculdade de Enfermagem- FACENF de uma Instituição Federal de Ensino Superior – IFES, consiste na realização de testes de verificação de conhecimentos (TVCs) ao longo de cada período letivo. O sistema de avaliação da IFES possibilita aos professores optarem por outras formas complementares de avaliação como, por exemplo: seminários, estudos de casos, portfólios, entre outras.

A participação de docentes no Curso de Especialização em Ativação de Processos de Mudança na Formação Superior dos Profissionais de Saúde, promovido pela Escola Nacional de Saúde Pública/Ministério da Saúde, estimulou esses docentes em suas disciplinas - Enfermagem em Saúde Mental e o Estágio Curricular I – a adotar o portfólio como instrumento de avaliação para monitorizar o desenvolvimento dos conhecimentos, competências e atitudes dos estudantes. Nessa perspectiva, surgiu uma questão: como essa forma de avaliação foi utilizada pela comunidade acadêmica?

A partir desse questionamento, optou-se por realizar este estudo, que teve como objetivo analisar a utilização do portfólio pela comunidade acadêmica.

Percurso Metodológico

Para analisar a utilização do portfólio pelos discentes e docentes, optou-se por estudo descritivo, utilizando abordagem qualitativa. O cenário deste estudo foi a Faculdade de Enfermagem – FACENF de uma IFES.

O curso de graduação de Enfermagem da IFES foi criado em 1979, e tem como missão formar enfermeiros e capacitar recursos humanos em enfermagem, através do ensino, pesquisa e extensão, contribuindo efetivamente para promover a saúde e a qualidade de vida da população dentro do contexto sociopolítico e econômico no qual se insere. A faculdade é constituída por três departamentos: Enfermagem Básica, Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública e Enfermagem Aplicada. São oferecidas ao estudante, além da formação de Bacharel em Enfermagem, disciplinas pedagógicas na Faculdade de Educação.

Os sujeitos do estudo foram nove docentes efetivos e 119 discentes matriculados no curso de Enfermagem a partir do terceiro período, uma vez que esses sujeitos já tiveram algum tipo de experiência com a utilização de portfólio, acreditando-se, com isso, que eles possuíssem informações valiosas em relação à experiência vivenciada. A participação dos sujeitos foi voluntária e só aconteceu mediante seu consentimento por escrito, após conversa informativa explicativa sobre a pesquisa. Do total de discentes entrevistados, 105 são do sexo feminino, com predomínio da faixa etária de 22 e 23 anos.

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, seguindo um roteiro escrito, previamente formulado pelos pesquisadores, e ocorreu no período de abril a agosto de 2007. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da IFES.

Na análise dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo, que se baseia na generalização dos dados obtidos com maior frequência e no conteúdo manifesto das comunicações(9), buscando-se evidenciar, nos dados registrados, um recorte da opinião dos entrevistados sobre a utilização do portfólio, o que possibilitou a construção de temas e subtemas.

Resultados e Discussão

A avaliação da aprendizagem na Faculdade de Enfermagem é processo em construção, na medida em que professores e alunos buscam outras formas de avaliação, entre elas o portfólio. Isso foi apreendido através da análise do conteúdo dos roteiros das entrevistas. Os temas e subtemas que emergiram, a partir das respostas dos sujeitos, serão descritos a seguir.

Pode-se apreender nas respostas dos sujeitos que avaliação da aprendizagem é considerada como verificação do conhecimento e da eficácia do método pedagógico utilizado.

Avaliar consiste em diagnosticar uma experiência, avaliar não classifica nem seleciona. É inclusiva. Examinar, ao contrário, classifica e seleciona, é excludente. Avaliar tem seu foco na construção de melhores resultados possíveis, enquanto examinar centra-se na aprovação ou reprovação. Avaliar e examinar são atos praticamente opostos(10).

Observou-se que discentes e docentes não distinguem examinar de avaliar, na sua prática cotidiana. Ocorrem na graduação exames que levam à aprovação ou reprovação, e alunos e professores praticam exames como se estivessem praticando avaliação. As respostas a seguir demonstram isso.

Importante, pois o acadêmico tem uma noção maior de como foi o seu desempenho na disciplina e muitas vezes é a avaliação que faz com que acadêmicos descompromissados com seu curso estudem e adquiram conhecimento (resposta discente 2).

Indispensável porque a avaliação deve ser um instrumento para a condução do processo de aprendizagem no que diz respeito a facilitar o professor na avaliação do método que ele utiliza para mediar o aluno no processo do conhecimento (resposta docente 2).

De fato, para praticar avaliação no processo ensino/aprendizagem, há necessidade de ruptura do paradigma do ato de examinar, uma vez que a avaliação orienta o processo pedagógico, permite acompanhar a evolução do aprendizado e determinar objetivos a serem atingidos.

As respostas dos sujeitos também descrevem avaliação como incentivo ao estudo.

A avaliação do aprendizado de um aluno(11) está diretamente relacionada ao processo de ensino, logo, deve ser conduzida como mais um momento em que o aluno aprende. Por isso é necessário tornar esse momento privilegiado, uma vez que o mesmo empenha-se na busca pelo sucesso. Assim, diante de uma cultura que preconiza a prova como maneira de incentivo ao estudo, por que então não aproveitá-la e transformá-la em momento de construção do conhecimento? Pode-se observar tal cultura expressa na fala a seguir.

Importante. É uma metodologia na qual possibilita ao aluno testar e avaliar o grau de internalização dos conteúdos abordados nas disciplinas, contudo, se aplicado como exclusiva forma de avaliação, não apresentará um fiel retrato da realidade quanto ao processo de aprendizagem (resposta discente 7).

O ato de avaliar pode ser considerado forma de incentivo ao estudo, uma vez que o fato de se ter um exame marcado faz com que o aluno busque os conteúdos trabalhados para a realização do mesmo. Entretanto, dessa forma, a maioria dos alunos se preocupa em atingir a nota mínima exigida, unicamente para sua aprovação, não se importando com a construção do seu conhecimento que deveria ocorrer de forma gradativa e contínua. Cabe ao corpo docente buscar estratégias que tornem o ato de examinar, através de provas, algo além de uma forma classificatória e excludente, mais próximo o quanto possível do ato de avaliar.

A FACENF tem como objetivo formar enfermeiros generalistas, tendo em vista um conjunto de competências e habilidades específicas. A avaliação na Faculdade de Enfermagem permite a progressão do aluno ao longo do curso, e se dá, a priori, através da realização de TVCs, reiterando a prática dominante na Universidade, que classifica e exclui(8).

A qualidade da avaliação no estudo em questão ficou entre boa e regular, a maioria dos docentes (62,5%) classifica as avaliações realizadas na Faculdade de Enfermagem como "boas". Já a maioria dos discentes (49,6%) as considera regulares.

A qualidade está definitivamente ligada à educação e ao conhecimento(12). Uma avaliação de qualidade deve considerar o aspecto holístico, ou seja, analisar os diversos atores envolvidos no processo ensino/aprendizagem; deve levar em conta as diferentes perspectivas e interpretações dos mesmos, devendo, também, contribuir para a autoavaliação.

Dessa forma, para se atingir avaliação com qualidade, considera-se fundamental que ela assuma uma vertente crítica e reflexiva, permitindo ao aluno processo de reflexão-ação-reflexão. Para tanto, é necessário que o professor tenha em conta as perspectivas alternativas e diferentes interpretações dos outros atores do processo ensino/aprendizagem, ou seja, os alunos.

Com relação ao tipo de avaliação, os entrevistados fazem distinção entre os formatos de avaliação, no que se refere à frequência e regularidade no sistema avaliativo, classificando esses formatos em processual e pontual.

A avaliação processual é vista como acompanhamento do processo ensino/aprendizagem de forma regular e contínua. Essa regularidade não deve ser confundida como avaliação permanente, aproximando-se esse conceito da ideia de que se está sempre avaliando. Na realidade, a avaliação está sempre presente na medida em que não se pode deixar de questionar, permanentemente, acerca do valor daquilo que se faz(13).

A avaliação pontual corresponde a uma avaliação isolada, podendo coincidir ou não com a avaliação final. Geralmente, as avaliações pontuais não são organizadas de forma a permitir acompanhamento fidedigno do processo de aprendizagem do aluno, portanto, não consistem em avaliação contínua. No entanto, pode-se observar seu emprego pela maioria dos docentes, o que ressalta a necessidade de reformulação nas práticas pedagógicas, visto que uma avaliação processual retrata todo o percurso de construção do conhecimento pelo aluno.

A resposta a seguir demonstra a existência dos dois tipos de avaliação.

Na graduação de Enfermagem da UFJF, temos os dois tipos de avaliação. As avaliações processuais são aquelas que, no nosso curso, são utilizadas durante a prática, são, no meu ver, mais fidedignas que as avaliações pontuais porque mostram, na prática, a evolução do aluno. As avaliações pontuais são as provas teóricas, que, conforme disse, são menos fidedignas, porém, possuem sua importância (resposta discente 8).

As avaliações pontuais foram definidas pelos participantes como sendo um tipo de avaliação quantitativa, que não avalia a qualidade do processo ensino/aprendizagem. Além disso, não retratam o real conhecimento adquirido pelo aluno, uma vez que podem sofrer influências de fatores psicoemocionais, não favorecem a aplicação de conhecimentos articulados entre as disciplinas e nem o desenvolvimento do pensamento crítico reflexivo pelos acadêmicos. A seguir, alguns depoimentos que retratam tal afirmação.

As avaliações pontuais não retratam de forma fidedigna o conhecimento do aluno, uma vez que podem receber influências de fatores psicoemocionais e não traduzir a realidade do aprendizado (resposta discente 8).

É uma avaliação quantitativa que não avalia a qualidade do processo ensino/aprendizagem (resposta docente3).

É necessário ver a avaliação como parte integrante do processo ensino/aprendizagem e não como algo que lhe é alheio e que apenas serve para medir o nível de conhecimento dos alunos.

A avaliação atua durante o processo de aprendizagem. Atua tanto de forma processual como pontualmente. Como processo, ela estará atuando em todas as atividades, pontualmente, podendo oferecer diagnóstico sobre os resultados da aprendizagem de uma determinada unidade de conteúdo, por exemplo. Ou seja, de forma processual, ela diagnostica os eventos de um processo construtivo; pontualmente, diagnostica se determinado processo produziu minimamente o resultado desejado(6). Pode-se inferir que os tipos de avaliação não devem ser considerados dicotômicos, mas, sim, complementares.

A avaliação tradicional tem como meta verificar se os objetivos foram atingidos e se houve a aprendizagem dos conteúdos trabalhados. Esse tipo de avaliação caracteriza-se por período de apresentação de um conteúdo, por parte do professor, e, logo a seguir, a aplicação de uma prova, referente a esse conteúdo trabalhado.

O método tradicional não leva em conta o que o aluno já construiu e não trabalha com a realidade na qual está inserido. A avaliação da aprendizagem é considerada como processo em que não cabe criatividade, nem interpretação. Cria uma relação professor/aluno, de dominação, de autoritarismo do professor e submissão do aluno, gerando relação perniciosa na formação de cidadãos(13). Observou-se, nas respostas a seguir, o conhecimento do discente sobre o método tradicional de avaliação.

É aquela que segue padrões estabelecidos e normas (resposta discente 12).

É a avaliação com nota, o sistema exige que seja assim (resposta docente 4).

Percebe-se que a avaliação tradicional é ainda hegemônica nos processos ensino/ aprendizagem, justificada por normas institucionais e pelo sistema educacional.

Na leitura dos roteiros das entrevistas, pode-se apreender a avaliação sociocultural, aqui entendida como aquela em que o discente é sujeito de sua aprendizagem.

Dessa forma, questiona-se a concepção passiva do aluno no processo da aprendizagem, enquanto mero receptor de informações prontas e surge uma nova perspectiva dentro do real significado da avaliação sociocultural, na qual o aluno é sujeito ativo desse processo. As seguintes respostas ilustram tal perspectiva.

É a avaliação voltada para as necessidades de aprendizado e formação do aluno, sem objetivo de quantificar o conhecimento (resposta discente 10).

[...] é aquela que dá oportunidade ao educando de se ver e estar como sujeito da aprendizagem. Deve ser uma avaliação que contemple a aprendizagem por inteiro e não apenas os aspectos relacionados à dimensão quantitativa (resposta docente 5).

As respostas acima demonstram conhecimento pelos docentes e discentes sobre a avaliação sociocultural, embora não signifique que essa prática aconteça na Faculdade de Enfermagem.

O portfólio é ferramenta de avaliação diagnóstica, processual, em que o estudante vai colecionando atividades realizadas no decorrer do ensino clínico e estágio, com propósito determinado, que revelem aspectos do seu conhecimento e desenvolvimento, facilitando a tomada de decisão, permitindo postura reflexiva tanto do aluno como do professor/preceptor enfermeiro, em que o professor/preceptor enfermeiro perguntam mais do que respondem. Esse instrumento difere de outros processos de avaliação, pois favorece aos envolvidos a oportunidade de refletir sobre as suas mudanças ao longo do processo(5).

Em sua concepção, o portfólio pode ser tratado(14) como instrumento alternativo de avaliação, capaz de superar os conflitos históricos e o apego excessivo às notas. Os autores(14) defendem, ainda, o portfólio como estratégia que possibilita práticas de avaliação emancipatórias, coerentes com o processo de ensino, uma vez que esse deve estar comprometido com a formação crítica e reflexiva.

Para complementar esse conceito, o portfólio pode ajudar a respeitar e a valorizar as diferenças de aprendizagem, promovendo aprendizagem não apenas superficial, mas algo que realmente os alunos sintam como seu e do qual possam se orgulhar(15).

A passagem de uma avaliação normativa para a formativa(16) implica necessariamente modificação das práticas do professor, exige do professor postura avaliativa diferente da tradicional(7) para compreender que o aluno é não só o ponto de partida, mas, também, o de chegada. Seu progresso só pode ser percebido quando comparado consigo mesmo: Como estava? Como está? As ações desenvolvidas entre as duas questões compõem a avaliação formativa, avaliação que pode ser realizada através da utilização do portfólio.

Segundo os entrevistados, o portfólio pode ser definido como se segue.

É um instrumento montado durante a disciplina onde o acadêmico agrupa os materiais expostos em sala de aula, pesquisas feitas e conhecimentos adquiridos através de relatórios feitos pelos alunos (resposta discente 13).

Um portfólio é como se fosse o diário do aluno. Um local onde ele registra toda a sua evolução, o seu caminhar. E, portanto, o acadêmico faz anotações frequentes, tendo que estudar sempre, caracterizando a aprendizagem como ela realmente é, ou seja, um processo contínuo (resposta discente 12).

[...] é um recurso para registro e avaliação da aprendizagem. Eu acho que o portfólio oportuniza para o aluno um momento de elaboração e de orientação em relação ao seu processo de aprendizagem. Acho que possibilita também a abordagem da experiência como está sendo vivenciada pelo aluno e isso possibilita ir além de uma avaliação quantitativa e exclusivamente de conhecimentos adquiridos, além de facilitar para que o aluno se implique com seu processo de aprendizagem (resposta docente 5).

Diante de tais concepções, pode-se inferir que as respostas acima retratam o portfólio como um instrumento de avaliação gradual e contínuo. Além disso, acredita-se ser o portfólio instrumento que possibilita ao aluno construir seu próprio conhecimento e não apenas um mero receptor de informações. Com o uso do portfólio, o discente é estimulado a buscar um referencial teórico que embase suas reflexões, ou seja, isso amplia o exercício da autonomia do aluno, o qual se torna protagonista do processo da aprendizagem.

Em estudo semelhante(17), é descrito que a heterogeneidade das identidades profissionais do corpo docente torna o processo de mudança da prática pedagógica uma tarefa complexa. O mesmo acontece na FACENF, o que pode ser constatado nas falas a seguir, demonstrando que não há unanimidade de opiniões com relação à utilização do portfólio.

Gostei muito, pois me permitiu perceber as evoluções do meu conhecimento, através de pesquisas pessoais (resposta discente 14).

Como professora, excelente, porque ele direciona o professor na visualização de como está sendo o processo de aprendizado do aluno e de uma forma aparentemente menos formal; ele mantém o diálogo entre o aluno e o professor de modo que o aluno tem no portfólio um espaço para ele se autoavaliar, para ele posicionar dúvidas que ele não tem coragem de colocar diante da turma. O aluno reflete sobre seu processo de aprendizagem, enquanto que o professor consegue trabalhar dadosqualitativos que, através de números, ele não consegue visualizar (resposta docente 2).

Chato, pela matéria, tinha que ler textos e textos sobre o assunto (resposta discente 18).

Eu adoto o portfólio como recurso para desenvolver o processo do ensino/aprendizado, tentando fazer com que o aluno o utilize também com o entendimento de sua utilização, mas, para operacionalização, existem alguns problemas como o aluno queixar que fica caro trabalhar com o portfólio e pode ocorrer também do portfólio ser entendido apenas como arquivo para a produção (resposta docente 5).

Considera-se que o portfólio é instrumento mais justo e eficaz no processo de avaliação, uma vez que não avalia pontualmente e sim de maneira contínua. Entretanto, para que a sua utilização atinja os objetivos, ele deve ser compreendido como ferramenta que auxilia alunos e professores no processo ensino/aprendizagem, permitindo o acompanhamento da evolução do discente, o compartilhamento de experiências. Quando entendido apenas como um "arquivo" de materiais, ele não será eficaz.

Considerações finais

Pode-se inferir que o sucesso do uso do portfólio na FACENF depende de sua real aceitação e participação dos interessados nesse processo, isto é, alunos e professores. Se não houver relação dialógica, disciplina e rigor no seu uso, o portfólio passa a ser desvirtuado. É necessário que o corpo docente e discente aceite experimentar sua utilização e assim avaliar as possibilidades desse recurso.

Este estudo representa uma primeira aproximação ao processo de avaliação da FACENF, por isso, sugere-se a realização de nova pesquisa sobre processos de avaliação, incluindo maior participação docente como sujeitos da pesquisa bem como o monitoramento da utilização do portfólio nas disciplinas de Enfermagem em Saúde Mental e Estágio Obrigatório.

Essa realidade é a condição necessária para que não somente o portfólio seja utilizado, mas outras estratégias de avaliação sejam consolidadas na FACENF, de forma a melhorar o processo ensino/aprendizagem na graduação de enfermagem.

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  • Corresponding Author:
    Denise Barbosa de Castro Friedrich
    Universidade Federal de Juiz de Fora. Faculdade de Enfermagem.
    Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Saúde Pública.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      28 Nov 2009
    • Aceito
      17 Set 2010
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