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Anticoncepção pós-abortamento: atenção e práticas1 1 Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2010/15298-0

Resumos

OBJETIVO:

analisar a atenção em anticoncepção recebida por mulheres durante a hospitalização por abortamento e suas práticas contraceptivas, no mês subsequente a esse episódio.

MÉTODO:

estudo longitudinal com mulheres hospitalizadas por abortamento, em uma maternidade pública da cidade de São Paulo. Foram feitas entrevistas face a face (n=170) e, após um mês, por contato telefônico (n=147) entre maio e dezembro de 2011.

RESULTADOS:

as orientações em anticoncepção e a alta hospitalar com método anticonceptivo prescrito foram referidas por proporção reduzida de mulheres. Houve tendência de significância estatística para a prescrição de método anticonceptivo, ajustado pela idade, na alta hospitalar e o seu uso no mês subsequente. A maioria das mulheres teve relações sexuais (69,4%) com uso de método anticoncepcional (82,4%), mas sem orientação de profissional de saúde (63,1%).

CONCLUSÃO:

apesar da atenção em anticoncepção pós-abortamento estar aquém das diretrizes estabelecidas pelas políticas públicas, as mulheres demonstraram disponibilidade para usar métodos anticonceptivos.

Anticoncepção; Aborto; Atenção à Saúde


OBJECTIVE:

to analyze assistance regarding contraception methods received by women during hospitalization due to abortion, and contraceptive practices the month after this episode.

METHODS:

a longitudinal study of women hospitalized due to abortion in a public hospital in the city of São Paulo. Face-to-face interviews (n=170) followed by telephone interviews in the subsequent month (n=147) were conducted between May and December of 2011.

RESULTS:

a small number of women reported they received guidance on, and prescription for, contraceptive methods at hospital discharge. A trend of statistical significance was identified for prescription of contraceptive methods at discharge and its use in the following month, when adjusted for age. Most women reported sexual intercourse (69.4%) with the use of contraceptive method (82.4%), but no health professional guidance (63.1%).

CONCLUSION:

despite the fact that post-abortion contraception assistance was lower than the recommended guidelines by public health policies, women demonstrated willingness to use contraceptive methods.

Contraception; Abortion; Health Care (Public Health).


OBJETIVO:

analizar la atención en anticoncepción recibida por mujeres durante la hospitalización por aborto y sus prácticas anticonceptivas en el mes subsecuente a ese episodio.

MÉTODO:

estudio longitudinal con mujeres hospitalizadas por aborto en una maternidad pública de la Ciudad de Sao Paulo. Fueron hechas entrevistas frente a frente (n=170) y después de un mes por contacto telefónico (n=147) entre mayo y diciembre de 2011.

RESULTADOS:

las orientaciones en anticoncepción y el alta hospitalaria con método anticonceptivo prescrito fueron referidas por una proporción reducida de mujeres. Hubo tendencia de significación estadística para la prescripción de método anticonceptivo, ajustado por la edad, en el alta hospitalaria y su uso en el mes subsecuente. La mayoría de las mujeres tuvo relaciones sexuales (69,4%) con uso de método anticonceptivo (82,4%), pero sin orientación de profesional de la salud (63,1%).

CONCLUSIÓN:

a pesar de la atención en anticoncepción postaborto estar fuera de las directrices establecidas por las políticas públicas, las mujeres demostraron disposición para usar métodos anticonceptivos.

Anticoncepción; Aborto; Atención a la Salud


Introdução

Em 2011, o Ministério da Saúde( 11. Ministério da Saúde (BR). Atenção Humanizada ao Abortamento. Norma Técnica. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - Caderno no 4. 2.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. ) (MS) reeditou o Manual de Atenção Humanizada ao Abortamento para padronizar e qualificar a atenção às mulheres. Independentemente do fato do abortamento ter sido espontâneo ou induzido, a atenção qualificada às mulheres que o vivenciam é considerada prioridade, sobretudo para minimizar danos como a morte materna e neonatal, principais desafios que persistem no atual contexto de assistência à saúde( 11. Ministério da Saúde (BR). Atenção Humanizada ao Abortamento. Norma Técnica. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - Caderno no 4. 2.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. ). A prioridade à atenção ao abortamento emergiu, entre outros aspectos, em razão da necessidade de cumprir as proposições das Conferências do Cairo e de Pequim e alcançar as metas dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio( 22. Victora CS, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FA, Szwarcwald CL. Saúde de mães e crianças no Brasil: progressos e desafios. Lancet. 2011; 6736(11):60138-4. ), que incluem a diminuição da razão de mortalidade materna que, no Brasil, está próxima de 60( 33. World Health Organization. Trends in maternal mortality: 1990 to 2010. WHO, UNICEF, UNFPA and The World Bank estimates. Genebra: WHO; 2012. ).

O marco conceitual de atenção ao abortamento, que embasa o referido Manual, preconiza que uma rede integrada de serviços seja disponibilizada às mulheres, de modo a atender suas necessidades físicas e mentais, considerando sua inserção social. Preconizou-se, também, que os serviços de planejamento reprodutivo sejam disponibilizados durante a hospitalização, para garantir o fornecimento de orientações adequadas para as mulheres que desejam engravidar novamente e evitar novos episódios de abortamento.

Este artigo teve como objeto de estudo as práticas anticonceptivas pós-abortamento, tendo em vista a complexidade da relação entre anticoncepção e abortamento. Mulheres que vivenciam abortamento espontâneo possuem, na maioria das vezes, a intenção de engravidar tão brevemente quanto possível e as que vivenciam o abortamento induzido provavelmente não possuem tal intenção. Quaisquer que sejam os desejos pessoais, a adoção de medidas para propiciar autonomia e liberdade para decidir sobre o planejamento reprodutivo é importante, no momento vivido por essas mulheres.

A Organização Mundial da Saúde (OMS)( 44. World Health Organization. Report of a WHO Technical Consultation on Birth Spacing. Genebra: WHO; 2006. ) e a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (Figo)( 55. Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia. Planejamento familiar: componente-chave no atendimento pós-abortamento [Internet]. FIGO. 2009. [acesso 13 jan 2013]; Disponível em: http://www.esdproj.org/site/DocServer/PAC_FP_consensus_report_Port_final_for_web.pdf?docID=3162
Disponível em: http://www.esdproj.org/si...
) preconizam que mulheres que vivenciam abortamento devem receber atenção em anticoncepção, para que possam engravidar em condições clínicas apropriadas ao desenvolvimento adequado da gravidez. Isso requer intervalo intergestacional mínimo de seis meses, essencialmente para minimizar os riscos de resultados adversos para a saúde da mulher e da criança, tais como anemia materna, parto prematuro e baixo peso ao nascer. Esses são desfechos amplamente reconhecidos como associados ao espaço intergestacional inferior a seis meses( 66. Conde-Agudelo A, Belizán IM, Breman R, Brockman SC, Rosas-Bermudez A. Effect of the interpregnancy interval after an abortion on maternal and perinatal health in Latin America. Int J Gyn Obst. 2005;89:s34-s40. ).

O MS( 11. Ministério da Saúde (BR). Atenção Humanizada ao Abortamento. Norma Técnica. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - Caderno no 4. 2.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. ) preconiza que os Métodos Anticonceptivos (MAC) sejam disponibilizados no local onde as mulheres recebem assistência durante o processo de abortamento. Baseia essa premissa no fato de que 75% das mulheres reiniciam o processo ovulatório até seis semanas após a ocorrência do abortamento( 44. World Health Organization. Report of a WHO Technical Consultation on Birth Spacing. Genebra: WHO; 2006. ), indicando a necessidade do início precoce do aconselhamento em anticoncepção.

Embora a atenção em anticoncepção seja aspecto relevante da assistência humanizada às mulheres em processo de abortamento, há escassez no conhecimento sobre as práticas contraceptivas por elas adotadas. Essa foi a justificativa desta pesquisa, que objetivou analisar a atenção em anticoncepção recebida por mulheres durante a hospitalização por abortamento e as práticas contraceptivas por elas adotadas, no mês subsequente a esse episódio. Tem-se por hipótese que o acesso à atenção em anticoncepção, durante a hospitalização pós-abortamento, está associado ao uso de MAC no mês subsequente.

Método

Os dados apresentados são parte de estudo quantitativo longitudinal mais amplo, que teve como objetivo analisar as práticas anticonceptivas adotadas por mulheres nos primeiros seis meses após hospitalização por abortamento. Este artigo foca dados referentes à atenção em anticoncepção recebida durante a hospitalização e as práticas adotadas no primeiro mês subsequente ao abortamento.

A população do estudo foi composta por amostra não probabilística de mulheres hospitalizadas por abortamento, em maternidade pública da cidade de São Paulo, entre maio e dezembro de 2011. Todas as mulheres hospitalizadas por abortamento foram convidadas a participar desta pesquisa. Os dados foram coletados por meio de entrevista individual face a face durante a hospitalização (Momento 0) e por via telefônica, 30 dias após a alta (Momento 1). Foram excluídas as mulheres que não possuíam telefone (fixo ou móvel) e as que não conseguiam estabelecer diálogo na língua portuguesa. Esse critério foi estabelecido pelo fato de muitas mulheres atendidas nessa instituição serem imigrantes de países cuja língua nativa não era o português.

A coleta de dados no Momento 0 foi realizada por enfermeiras obstétricas, previamente treinadas para coletar dados por meio de entrevistas. No Momento 1, as entrevistas foram realizadas por duas pesquisadoras experientes no campo da saúde sexual e reprodutiva e no desenvolvimento de entrevistas telefônicas. Foram convidadas a participar da pesquisa, no Momento 0, 184 mulheres. Dessas, 14 recusaram (oito não justificaram e as demais alegaram dificuldade para compartilhar dados de natureza pessoal e íntima), o que resultou em 170 mulheres participantes no Momento 0. No momento 1, houve 23 perdas, motivadas por um óbito materno, 15 mulheres cujo telefone não existia, não era atendido ou não constava ninguém com o nome procurado e sete recusas, resultando na participação de 147 mulheres. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as mulheres consideradas perdas e as que permaneceram no estudo no Momento 1 em relação à idade, planejamento da gravidez e abortamento anterior.

Questionários estruturados foram utilizados para coletar dados. O questionário utilizado no Momento 0 continha questões sobre dados sociodemográficos e reprodutivos das mulheres e questões específicas, para classificar o planejamento da gravidez. Trata-se de questionário que foi traduzido para o português e validado para a cultura brasileira( 77. Borges ALV, Cavalhieri FB, Hoga LAK, Fujimori E, Barbosa LR. Planejamento da gravidez: prevalência e aspectos associados. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(spe2):1679-84. ). Os dados reprodutivos foram relativos à atenção em anticoncepção recebida no decorrer da hospitalização, ao uso de MAC no mês subsequente, além de questões sobre data da última menstruação, intencionalidade de nova gravidez e possibilidade de estar grávida novamente. Não se questionou a etiologia do abortamento tendo em vista que, no Brasil, o abortamento induzido é legalmente restrito e esse fato poderia resultar em dados subestimados.

Os dados foram analisados no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0, para Windows. Realizou-se análise descritiva, univariada e múltipla. As variáveis quantitativas foram descritas por meio de médias e desvio-padrão e as variáveis qualitativas em frequências absolutas e relativas. As diferenças entre duas proporções foram analisadas por meio dos testes qui-quadrado e exato de Fisher. A descrição do intervalo entre abortamento e a primeira menstruação (em dias) foi realizada por meio da técnica de Kaplan-Meier.

A análise da associação entre a variável dicotômica dependente (uso de MAC 30 dias após o abortamento) e as variáveis independentes: MAC prescrito na hospitalização (não/sim); orientação sobre MAC na hospitalização (não/sim); idade (15-24, 25-34 e 35 e mais anos); trabalho remunerado (não/sim); situação conjugal (vive/não vive com parceiro); existência de filhos (não/sim); abortamento anterior (não/sim); planejamento da gravidez (não/sim ou ambígua) e intenção de engravidar novamente (não/sim/não pensou) foi feita por meio de regressão logística múltipla.

As variáveis independentes foram submetidas à regressão logística múltipla apenas quando p<0,20 no resultado da análise univariada com o uso de MAC, 30 dias após o abortamento. A entrada de cada variável no modelo obedeceu à seguinte sequência: 1) entrada no modelo das variáveis independentes de maior interesse, conforme a hipótese deste trabalho (MAC prescrito na hospitalização e orientação sobre MAC na hospitalização) e 2) entrada no modelo por ordem de significância estatística, ou seja, as que apresentaram menor valor de p foram alocadas primeiramente. O teste Hosmer-Lemeshow foi utilizado para analisar o ajuste do modelo.

O projeto foi aprovado em dois Comitês de Ética em Pesquisa credenciados no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), sendo um deles o da Instituição que sediou o estudo. Todos os preceitos éticos determinados pelo Conep foram seguidos. As mulheres com menos de 18 anos de idade foram devidamente autorizadas por seus pais ou responsáveis a participar da pesquisa. As próprias mulheres definiram o melhor horário para receber as ligações telefônicas e responder as perguntas da entrevista. No instrumento de coleta de dados, havia campo específico para registrar a possibilidade de deixar recado e com quem as entrevistadoras poderiam falar sobre a pesquisa. Tais indicações foram respeitadas.

Resultados

As mulheres tinham, em média, 29 anos de idade (dp=7,5). Doze (7,0%) tinham 17 anos de idade ou menos. A escolaridade média foi 9,2 anos (dp=2,5), sendo que duas tinham concluído curso superior e seis tinham iniciado, e uma mulher era analfabeta.

Quase metade das mulheres classificou-se como preta ou parda (48,8%). Pouco mais da metade estava inserida no mercado de trabalho no momento da entrevista (59,4%) e 43,5% referiram ser católicas. Quanto ao comportamento sexual e à história reprodutiva, 75,3% viviam com parceiro, que tinha média de idade de 32,7 anos (dp=8,7). Cerca de dois terços (68,2%) tinha filhos. Para três quartos (75,3%), aquela foi a primeira experiência de abortamento e 22,4% do total não tinha planejado a gravidez que resultou no abortamento. Alguns desses dados podem ser visualizados na Tabela 1.

Tabela 1
Características sociodemográficas e reprodutivas das mulheres. São Paulo, SP, Brasil, 2012

Quase metade das mulheres (45,3%) referiu ter menstruado no primeiro mês subsequente ao abortamento, em média após 28,5 dias (IC 95%=27,4-29,6), com mediana de 29,0 dias. Apresenta-se, na Figura 1, a distribuição das mulheres, segundo o intervalo de tempo (dias) entre a hospitalização e o retorno da menstruação.

Figura 1
Distribuição das mulheres, segundo o intervalo de tempo entre a hospitalização e o retorno da menstruação. São Paulo, SP, Brasil, 2012

Em relação à atenção e práticas em anticoncepção, apenas 33,3% das mulheres receberam orientação durante a hospitalização e proporção menor (8,9%) recebeu alta hospitalar com MAC prescrito. Durante o primeiro mês após a hospitalização, 25,9% das mulheres receberam orientação sobre o uso de MAC, nem sempre fornecida por profissionais de saúde. A maior parte teve relações sexuais no primeiro mês após o abortamento e usou MAC (Tabela 2). Os MACs mais utilizados foram o preservativo masculino e a pílula anticoncepcional, com início, em média, 15 dias (dp=10,9) após a alta hospitalar (dados não apresentados em tabela).

Tabela 2
Atenção em anticoncepção recebida durante a hospitalização por abortamento e prática anticonceptiva no mês subsequente. São Paulo, SP, Brasil, 2012

Questionadas sobre a intencionalidade de nova gravidez, um mês após a hospitalização, a maioria (61,8%) referiu essa intenção para algum momento da vida, cerca de um quinto (19,2%) não desejava engravidar novamente e proporção similar (19,0%) não havia ainda pensado sobre o assunto (dados não apresentados em tabela).

As variáveis que apresentaram p<0,20 e foram incluídas na análise de regressão logística múltipla, juntamente com a prescrição de MAC, foram a idade, a situação conjugal e a existência de trabalho remunerado. Na análise múltipla, foi mantida a variável prescrição de MAC ajustada pela idade, pois essa variável foi a única que apresentou associação significativa com o uso de MAC no mês subsequente ao abortamento (Tabela 3).

Tabela 3
Número, proporção e aspectos associados ao uso de MAC, 30 dias após o abortamento (análise univariada e regressão logística múltipla). São Paulo, SP, Brasil, 2012

A variável orientação sobre MAC na hospitalização, embora também faça parte da hipótese, não foi mantida no modelo final de regressão múltipla, pelo fato de não ter sido significativa nem ter melhorado ou modificado o ajuste do modelo.

Discussão

Os resultados comprovaram que, aproximadamente duas semanas após o abortamento, muitas mulheres já se encontram vulneráveis à nova gravidez, pois pouco menos da metade já havia menstruado no mês subsequente. Esses dados reiteram a possível ocorrência prévia da ovulação com retorno à fertilidade ao redor de duas semanas após o episódio( 44. World Health Organization. Report of a WHO Technical Consultation on Birth Spacing. Genebra: WHO; 2006. , 88. Wilcox AJ, Dunson D, Baird DD. The timing of the "fertility window" in the menstrual cycle: day specific estimates from a prospective study. Br Med J. 2000;321(7271):1259-62. ). A maior parte das mulheres já tinha retomado a atividade sexual nessa fase, nem sempre com o devido uso de MAC, corroborando resultados de outra pesquisa( 99. Boesen HC, Rörbye C, Närgaard M, Nilas L. Sexual behavior during the first eight weeks after legal termination of pregnancy. Acta Obstet Gynecol Scand. 2004;83(12):1189-92. ). Essa conjuntura evidencia a vulnerabilidade anticonceptiva a que as mulheres ficam sujeitas já no mês subsequente ao episódio de abortamento.

A única variável que apresentou associação com o uso de MAC foi a idade das mulheres (entre 25 e 34 anos). Essas tinham 2,3 vezes mais chance de usar MAC em comparação às mulheres jovens (abaixo de 24 anos). Verificou-se que essa associação ocorreu independentemente da história reprodutiva, da gravidez que terminou em abortamento não ter sido planejada, ou das intenções reprodutivas futuras. Como não fica claro de que forma a idade influencia a decisão de usar MAC, no período pós-abortamento, esse resultado não deve ser interpretado isoladamente, pois pode levar a conclusões precipitadas a respeito de um evento que é socialmente modulado, no caso, o uso de MAC.

O modelo de regressão logística múltipla permitiu constatar que a existência da prescrição de MAC na hospitalização esteve muito próxima da significância estatística, indicando provável influência sobre o uso de MAC no mês subsequente ao abortamento. O intervalo de confiança excessivamente amplo sugere que o número de mulheres nesse grupo foi pequeno. De fato, apenas 13 mulheres relataram que tiveram alta com MAC prescrito. Achados de estudo conduzido( 1010. Aquino EML, Menezes G, Barreto-de-Araújo TV, Alves MT, Alves SV, Almeida MCC, et al. Qualidade da atenção ao abortamento no Sistema Único de Saúde do Nordeste brasileiro: o que dizem as mulheres?. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(7):1765-76. ) em três capitais da Região Nordeste do Brasil mostraram que a atenção à mulher em processo de abortamento ainda é precária, tendo as ações de continuidade do cuidado - entre elas, a atenção em contracepção - sido a menos citada. Parece, pois, que a recomendação do Manual reeditado pelo MS( 11. Ministério da Saúde (BR). Atenção Humanizada ao Abortamento. Norma Técnica. Série Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - Caderno no 4. 2.ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. ) não está sendo integralmente cumprida no que se refere à atenção em anticoncepção. Interessante notar que a simples orientação sobre o uso de MAC durante a hospitalização não mostrou qualquer influência no seu uso posterior, o que indica que a atenção não deve se pautar apenas nas explicações sobre a importância ou forma de uso, mas na oferta de insumos.

De fato, estudos têm mostrado que o índice de adoção de MAC no período pós-abortamento é alto quando são oferecidos insumos anticonceptivos durante a hospitalização( 1111. Schunmann C, Glasier A. Specialist contraceptive counselling and provision after termination of pregnancy improves uptake of long-acting methods but does not prevent repeat abortion: a randomized trial. Hum Reprod. 2006;21(9):2296-2303. - 1212. Ferreira ALCG, Souza AI, Lima RA, Braga C. Choices on contraceptive methods in post-abortion family planning clinic in the northeast Brazil. Rep Health. 2010;7(5):1-5. ). Outros estudos ressaltam, também, que tanto o aconselhamento quanto a possibilidade de escolha de MAC nesse período aumentam a chance de uso de MAC nos meses posteriores( 1313. McDougall J, Fetters T, Clark KA, Rathavy T. Determinants of contraceptive acceptance among Cambodian abortion patients. Stud Fam Plann. 2009;40(2):123-32.

14. Kestler E, Barrios B, Hernández EM, del Valle V, Silva A. Humanizing access to modern contraceptive methods in national hospitals in Guatemala, Central America. Contraception. 2009;80(1):68-73.
- 1515. Ferreira AL, Souza AI, Pessoa RE, Braga C. The effectiveness of contraceptive counseling for women in the postabortion period: an intervention study. Contraception. 2011;84(4):377-83. ). Dessa forma, a hospitalização, embora breve, parece ser mesmo o momento mais propício para desenvolver ações visando atender as necessidades das mulheres( 1616. Mariutti MG, Almeida AM, Panobianco MS. Nursing care according to women in abortion situations. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007;15(1):20-6. ), incluindo as relativas ao uso de MAC.

Após a alta hospitalar, apenas uma em cada quatro mulheres recebeu orientação sobre como evitar a gravidez. Esse resultado evidencia a falta de continuidade na atenção no período pós-abortamento, refletindo a ausência de integralidade na atenção dispensada a essas mulheres, como já descrito anteriormente( 1717. Koch C, Santos C, Santos MR. Study of the measurement properties of the Portuguese version of the Well-Being Questionnaire 12 (W-BQ12) in women with pregnancy loss. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012;20(3):567-74. ).

A proporção de mulheres que teve relação sexual foi maior do que a que usou MAC no mês subsequente ao abortamento. O MAC adotado pós-abortamento foi similar ao da maioria das mulheres brasileiras( 1818. Ministério da Saúde (BR). PNDS 2006. Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher. Relatório. Brasília: Ministério da Saúde; 2008. ), que usa predominantemente a pílula e o preservativo masculino. Ademais, destaca-se que, cerca de metade das vezes, o MAC foi adquirido em farmácias privadas, sem qualquer orientação de profissional de saúde. Apesar de muitas mulheres terem tomado a iniciativa de usar MAC, no primeiro mês subsequente ao abortamento, e obtido os insumos para evitar nova gravidez, não se pode negar que algumas ainda permaneceram vulneráveis à gravidez nesse período, mesmo que tenham reportado a intenção de não engravidar novamente.

Apesar de este estudo apontar achados interessantes no tocante à atenção e às práticas anticonceptivas no período pós-abortamento, é importante pontuar que não foi possível concluir se as mulheres com abortamento induzido adotariam práticas diferenciadas nesse âmbito, ou se outras maternidades públicas ou privadas teriam proporcionado o mesmo tipo de atenção. O fato de este estudo ter sido conduzido com amostra não probabilística não permite que esses achados sejam amplamente generalizáveis.

É importante destacar que o desenvolvimento de um estudo longitudinal é permeado por grandes desafios, dentre os quais a necessidade de garantir o menor número de perdas. Diante do fato de este estudo ter como objeto um tema delicado e cercado de controvérsias, no cenário brasileiro, e a literatura( 1919. Babbie E. Métodos de pesquisa de survey. Belo Horizonte: Ed. UFMG; 2001. 519 p. ) recomendar que as perdas em estudos quantitativos não devam ultrapassar 20%, considerou-se que as perdas ocorridas foram aceitáveis (13,8%).

Conclusão

Poucas mulheres tiveram alta hospitalar pós-abortamento com MAC prescrito, de forma que as diretrizes do MS em relação à atenção em anticoncepção pós-abortamento não têm sido cumpridas. Muitas mulheres adotaram MAC no mês subsequente ao abortamento, o que mostra a disposição em adotar medidas para adiar nova gravidez, independentemente do recebimento de suporte profissional. Ter tido alta hospitalar com MAC prescrito - ajustado pela idade - mostrou tendência de associação com o uso de MAC no mês subsequente ao abortamento. Esses dados evidenciam a importância da atenção e da prática anticonceptiva no período pós-abortamento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    15 Abr 2013
  • Aceito
    14 Nov 2013
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