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Validação da escala de conforto para familiares de pessoas em estado crítico de saúde 1 1 Artigo extraído da tese de doutorado "Construção e validação da escala de conforto para familiares de pessoas em estado crítico de saúde (ECONF)", apresentada à Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 483821/2011.

Resumo

Objetivo:

validar a Escala de Conforto para Familiares de pessoas em estado crítico de saúde.

Método:

trata-se de estudo metodológico. A amostra foi constituída por 274 familiares de pessoas adultas internadas em seis unidades de terapia intensiva que responderam a 62 itens, distribuídos em 7 dimensões. Os procedimentos de validação adotados foram embasados nas técnicas da Teoria Clássica dos Testes.

Resultados:

a análise da dimensionalidade foi realizada por meio da análise por componentes principais, obtendo-se uma escala com 55 itens distribuídos em 4 fatores: segurança, suporte, interação familiar/ente e integração consigo e com o cotidiano. A análise do poder discriminativo dos itens, realizada pelo coeficiente de correlação item-total, mostrou boa relação dos itens com seus respectivos fatores. O exame da fidedignidade da escala, por meio da análise da consistência interna, apresentou coeficiente alfa de Cronbach elevado para os 4 fatores e a medida geral.

Conclusão:

a Escala de Conforto apresentou parâmetros psicométricos satisfatórios, constituindo-se no primeiro instrumento válido para a avaliação do conforto de familiares de pessoas em estado crítico de saúde. A pesquisa avançou na construção de um referencial teórico sobre o conforto, e disponibilizou à equipe de saúde uma medida pautada em evidências empíricas.

Descritores:
Psicometria; Família; Unidades de Terapia Intensiva; Enfermagem

Abstract

Objective:

this methodological study aims to present the construct validity of the Comfort scale for family members of people in a critical state of health (ECONF).

Method:

this is a methodological study. The sample was made up of 274 family members of adults receiving inpatient treatment in six Intensive Care Units (ICU) in the State of Bahía responded to 62 items distributed in 7 dimensions. The validation procedures adopted were based on the techniques of the Classical Test Theory.

Results:

the analysis of dimensionality was undertaken through principal components analysis, a scale being obtained with 55 items distributed in four factors: Safety, Support, Family member-relative interaction and Integration with oneself and the everyday. The analysis of the items' , discriminative power, undertaken by the item-total correlation-coefficient showed a good relationship of the items with their respective factors. From the ECONF's reliability test, from the analysis of internal consistency, a raised Alpha Cronbach coefficient was obtained for the 4 factors and the general measurement.

Conclusion:

the comfort scale presented satisfactory psychometric parameters, thus constituting the first valid instrument for evaluating the comfort of family members of people in a critical state of health. The advance made by the study lies in its theoretical framework on comfort, and provides the health team with a scale based on empirical evidence.

Descriptors:
Psychometrics; Family; Intensive Care Units; Nursing

Resumen

Objetivo:

validar la Escala de Confort para Familiares de personas en estado crítico de salud.

Método:

se trata de un estudio metodológico. La muestra estuvo constituida por 274 familiares de personas adultas, internadas en seis unidades de terapia intensiva, que respondieron a 62 ítems, distribuidos en 7 dimensiones. Los procedimientos de validación adoptados fueron basados en las técnicas de la Teoría Clásica de las Pruebas.

Resultados:

el análisis de la dimensionalidad fue realizada por medio del análisis por componentes principales, obteniéndose una escala con 55 ítems distribuidos en 4 factores: seguridad, soporte, interacción familiar/ente e integración consigo y con lo cotidiano. El análisis del poder discriminatorio de los ítems, realizado por el coeficiente de correlación ítem-total, mostró buena relación de los ítems con sus respectivos factores. El examen de confiabilidad de la escala, realizado por medio del análisis de consistencia interna, presentó un coeficiente Alfa de Cronbach elevado para los 4 factores y la medida general.

Conclusión:

la Escala de Confort presentó parámetros psicométricos satisfactorios, constituyéndose en el primer instrumento válido para la evaluación del confort de familiares de personas en estado crítico de salud. La investigación avanzó en la construcción de un referencial teórico sobre el confort, y suministró al equipo de salud una medida guiada en evidencias empíricas.

Descriptores:
Psicometría; Familia; Unidades de Terapia Intensiva; Enfermería

Introdução

O conforto pode ser descrito como um construto complexo e multidimensional, sendo que diferentes conceitos têm sido utilizados pelos pesquisadores da área para caracterizá-lo. Quando associado a familiares de pessoas internadas em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), o conforto tem sido relacionado apenas à infraestrutura do ambiente hospitalar, como salas de espera com cadeiras confortáveis e televisores, acesso a alimentos, bebidas e cobertores 1. Hoghaug G, Fagermoen MS, Lerdal A. The visitor's regard of their need for support, comfort, information proximity and assurance in the intensive care unit. Intensive Crit Care Nurs. 2012;28(1):263-8.. Entretanto, entendese que a promoção do conforto extrapola a esfera ambiental, pois decorre da interação dos familiares com as práticas de saúde, a racionalidade médico-científica que as fundamentam e os objetos institucionais, os quais poderão ser fonte de conforto ou desconforto 2. Mussi FC. Conforto e lógica hospitalar: análise a partir da evolução histórica do conceito conforto na enfermagem. Acta Paul Enferm. 2005;18(1):72-81.. Além disso, a vivência de (des)confortos perpassa pela posição que o seu membro internado ocupa no contexto familiar, evolução da sua condição da saúde e percepção da família sobre o seu sofrimento, bem como pelas estratégias de enfrentamento utilizadas pela família em experiências prévias com internação hospitalar ou doença 3. Urizzi F, Corrêa AK. Relatives' experience of intensive care: the other side of hospitalization. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007;15(4):598-604..

O reconhecimento do impacto da doença grave para familiares de pacientes em condições críticas de saúde está descrito na literatura(4-5), mas ainda há compreensão limitada sobre o que significa para a família sentirse confortada e sobre a multidimensionalidade desse fenômeno pelos profissionais. Nesse sentido, as práticas de cuidar podem não contemplar a sua promoção.

A carência de estudos nacionais e internacionais sobre o tema conforto, na perspectiva de familiares e sobre a sua medida no contexto da UTI, foi evidente na revisão de literatura feita nas bases de dados LILACS, MEDLINE e CINAHAL, nos últimos dez anos, empregando-se os unitermos conforto, família, UTI, comfort, family, intensive care unit. Não se identificaram estudos sobre a medida do conforto de familiares de pessoas em UTI. Em apenas uma investigação foi proposta a medida do conforto de cuidadores de pessoas em fase terminal, a qual se constituiu em uma adaptação do General Comfort Questionnaire 6. Novak B, Kolcaba K, Steiner R, Dowd T. Measuring comfort in caregivers and patients during late end-of-life care. Am J Palliative Care. 2001;18(3):170-80.

Considerando-se essas lacunas, a defesa do conforto da família como meta do cuidado em enfermagem(7-8), a evidência da necessidade de maior conhecimento específico sobre o conforto, com bases alicerçadas na família brasileira, bem como a carência de instrumentos apropriados para a sua mensuração, torna-se indispensável aproximar-se da compreensão e da medida desse fenômeno.

Diante desse panorama, identificou-se a necessidade de construção da Escala de Conforto para Familiares de Pessoas em Estado Crítico de Saúde (ECONF), empregando procedimentos teóricos e empíricos para a elaboração de escalas, segundo a Teoria Clássica dos Testes (TCT) 9. Pasquali L. Psicometria. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(Esp):992-999.. Para o estudo da validade de conteúdo da ECONF, primeira etapa do processo de construção de uma escala, identificaram-se o significado, as dimensões e os descritores do conforto para familiares, desenvolveramse os itens para cada dimensão do construto, definiramse o formato do instrumento-piloto e as instruções para a sua aplicação. Uma vez definidos os procedimentos de validade de conteúdo, a ECONF foi submetida ao estudo de suas propriedades psicométricas, dimensionalidade e fidedignidade, visando a sua validação final.

Com base no exposto, neste estudo objetivou-se validar a Escala de Conforto para Familiares de Pessoas em Estado Crítico de Saúde.

Método

Trata-se de estudo metodológico, realizado em seis UTIs de três hospitais de grande porte, da rede pública do Estado da Bahia.

Os participantes foram familiares de pessoas adultas internadas em UTI, que atenderam os critérios de: ter idade ≥ a 18 anos, ser a pessoa mais próxima do membro hospitalizado que com ele convive e mantém relacionamento estreito, ter um familiar adulto na UTI com mais de 24 horas de internação, ter realizado pelo menos uma visita a seu membro e estar em condições emocionais para responder aos questionamentos da pesquisa. Para o cálculo amostral, adotou-se como parâmetro um erro amostral de 5% e uma população de 420 sujeitos. Considerou-se o total de 210 leitos de UTI em hospitais públicos das cidades de Feira de Santana e Salvador, entretanto, visando-se entrevistar dois familiares de um membro na UTI, estimaram-se, como população para o estudo, 420 sujeitos. Após o estabelecimento desses parâmetros, o cálculo amostral apontou 246 participantes. Todavia, chegou-se a uma amostra de 274 familiares, entre 8/7 e 27/11/2010.

Para a coleta de dados, empregaram-se dois instrumentos mediante entrevista. O primeiro foi composto por perguntas fechadas sobre dados referentes ao membro da família internado e sobre dados sociodemográficos dos familiares. O segundo constitui-se da versão preliminar da ECONF, formada por 62 itens distribuídos nos sete dimensões: segurança (14 itens), acolhimento (12 itens), informação (12 itens), suporte social e espiritual (4 itens): proximidade (4 itens), comodidade (7 itens) e integração consigo e com o cotidiano (9 itens).

Para mensurar o grau de conforto em relação a cada item, utilizou-se uma escala graduada do tipo Likert, com cinco intervalos de resposta, que variavam de 1 - nada confortável, 2 - pouco confortável, 3 - mais ou menos confortável, 4 - muito confortável e 5 - totalmente confortável. A escala de medida é crescente, ou seja, quanto maior o valor atribuído aos itens, maior é o grau conforto.

O trabalho foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa e atendeu as observações da Resolução nº466/12, do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado sob Protocolo CEP: 078/09.

Para a identificação dos sujeitos, buscavam-se, no censo diário das UTIs, as pessoas com tempo de internação superior a 24 horas e, na sala de espera, os familiares que atendiam os demais critérios de inclusão. Esses eram orientados sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa. Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), eram convidados a participar da entrevista em sala privativa próxima à UTI. Entrevistaramse até dois membros de uma mesma família.

Para a análise, utilizou-se o Statistical Package for the Social Sciences(SPSS), versão 18.0, plataforma Windows. O teste da hipótese de normalidade utilizado foi o Kolmogorov-Smirnov, sendo verificados, ainda, os valores de assimetria e de curtose da distribuição multivariada. Após o exame dessa distribuição, excluíram-se 24 casos outlierspara corrigir os desvios de normalidade da distribuição, permanecendo 250 casos para as análises. Empregaram-se estatísticas descritivas para descrever as características dos familiares e os escores da ECONF.

Para a análise da dimensionalidade, utilizou-se a Análise por Componentes Principais (ACP). Para avaliar a fatorabilidade da escala realizou-se o teste Kaiser-MeyerOlkin Measure of Sampling Adequacy(KMO), que indica a adequação dos dados à ACP. Quanto mais próximo do valor 1 melhor a adequação. Para determinar o número de fatores a serem extraídos, utilizaram-se os critérios de Kaiser ( Eigenvalue>1), Cattell ( Scree Plot) e de Horn (análise paralela). O procedimento de rotação adotado foi ortogonal do tipo VarimaxPara confirmar ou refutar a hipótese de unidimensionalidade do construto, devido à variância elevada do primeiro componente extraído, realizou-se uma ACP, com dois fatores, rotação oblíqua Promax, no programa Microfact, utilizando-se a matriz de correlações policóricas, utilizando-se como parâmetro a correlação entre os dois fatores. As cargas fatoriais foram consideradas significativas quando excediam o valor absoluto de 0,30. Foram excluídos itens que não apresentaram carga fatorial em nenhum fator e itens ambíguos, por apresentaram carga fatorial em mais de um fator, cuja diferença entre elas foi menor que 0,10. Os itens que apresentaram carga fatorial em mais de um fator, e cuja diferença entre elas foi maior que 0,10, permaneceram no fator em que obtiveram maior carga fatorial 1010 . Damásio BF. Uso da análise fatorial exploratória em psicologia. Avaliação Psicol. 2012;11(2):213-28..

A análise do poder discriminativo dos itens foi feita pelo coeficiente de Correlação Item-Total (CIT), que visa medir o relacionamento de cada item com a sua respectiva dimensão. Esse tipo de análise norteou a permanência ou exclusão de um item ao apontar o quanto de contribuição oferecia à sua dimensão. Padronizou-se 0,20 como valor mínimo para exclusão de um item 1111 . Salmond SS. Evaluating the reliability and validity of measurement instruments. Orthop Nurs. 2008;27(1):28-30.. Para o exame da consistência interna da escala, realizou-se, o coeficiente alfa de Cronbach dos fatores e da medida geral, considerando-se um valor de alfa para a medida como um todo, assim como para suas dimensões de, no mínimo, 0,70 1111 . Salmond SS. Evaluating the reliability and validity of measurement instruments. Orthop Nurs. 2008;27(1):28-30.. Para a análise paralela de Horn foi utilizado o softwareStata.

Resultados

A idade média das pessoas na UTI foi de 55,8 anos (±19,0) e o tempo de internação médio foi de 8,2 dias (±8,4). O diagnóstico médico predominante foi clínico (49,6%), seguido de cirúrgico (39,3%) e clínico com evolução para cirúrgico (11,1%). Predominaram como motivos de internação o pós-operatório (33,8%), distúrbio cardíaco (20,5%) e respiratório (12,0%) e como nível de gravidade, grave instável e gravíssimo (24,0%) e estável (28,2%). Predominaram familiares do sexo feminino (75,6%), com idade média de 40,6 anos (±11,9), casados/união estável (69,2%), católicos (59,2%), com 2º grau completo (33,2%), economicamente ativos (60%) e sem experiência anterior com familiar em UTI (66,4%). A maior parte era filho(a) (44,8%) ou cônjuge (18,4%) do membro internado, porém, apenas 44,8% residiam com o mesmo. O próprio entrevistado era o responsável pela família em 41,2% dos casos. Predominou a procedência de cidades diferentes dos hospitais lócus do estudo (40%), seguida por Salvador (39,6%) e Feira de Santana (20,4%).

Análise da dimensionalidade

O teste KMO foi de 0,858, indicando a adequação dos dados para a ACP. O critério do autovalor ( eigenvalue>1) indicou uma solução de 16 fatores com eigenvaluesacima de 1,0, respondendo em seu conjunto por um percentual da variância total de 63%. A análise mostrou elevada variância explicada para a dimensão 1, indicando que esse novo fator, isoladamente, representou a maior parte dessa variância (22,24%), o que sugeriu a possibilidade da unidimensionalidade da ECONF. Como a variância explicada para o primeiro fator foi elevada e distante da variância explicada do segundo fator (6,13%), partiu-se para confirmar ou refutar a hipótese de unidimensionalidade do construto. Constatou-se que não era unidimensional, pois não houve forte correlação entre os dois fatores (r=0,481), nem mesmo a predominância de itens no primeiro fator.

A análise do screeplotmostrou que até cinco fatores poderiam ser retidos, com destaque para a grande diferença entre a variância do primeiro fator em relação aos demais.

Outro critério adotado para arbitrar sobre o número de fatores a serem retidos foi a análise paralela. Observa-se, na Figura 1, que a linha da análise paralela cortou os fatores do screeno quinto fator, bem como se verificou que a diferença entre os eigenvaluesdo PA (Análise Paralela - valor médio dos autovalores após 10 replicações) e da PCA (Análise Paralela por Componentes Principais) foi positiva. Considerando esse dois critérios, a solução sugerida pela análise paralela foi a de quatro fatores ou limítrofe de cinco fatores.

Reunindo as evidências de que o construto não era unidimensional e a estrutura de quatro a cinco fatores obtida pela análise paralela e pelo Screeplot,testaramse as soluções e passou-se à realização da ACP, analisando-se as estruturas de cinco e quatro fatores. Na análise de cinco fatores, constatou-se a saturação confusa dos itens. Já para a análise de quatro fatores verificou-se melhor estrutura fatorial, pois houve menor número de itens ambíguos e confusos, assim como se verificou maior congruência teórica no modelo de quatro fatores, ao considerar que os agrupamentos de itens obtidos permitiram interpretação compreensível e lógica dessa nova dimensionalidade pelos pesquisadores, tomando por base toda a experiência vivenciada e o conhecimento desenvolvido na fase de validade de conteúdo. A ACP resultou em uma escala com um número menor de fatores do que os sete identificados, inicialmente, na etapa da validade de conteúdo.

Na Tabela 1, verifica-se que o agrupamento em 4 fatores mostrou que 45 dos 62 itens da ECONF tiveram carga fatorial maior que 0,30 em apenas um fator, sugerindo a sua pertinência ao mesmo. Catorze itens apresentaram carga fatorial superior a 0,30 em mais de um fator e quando a diferença entre as duas cargas foi maior que 0,10 o item permaneceu no fator em que obteve maior carga fatorial (43, 60, 09, 10, 28, 24, 18, 55, 37, 52). Sete itens foram excluídos, pois apresentaram carga fatorial em dois fatores com diferença menor que 0,10 (14, 15, 48, 58) e não obtiveram carga fatorial superior a 0,30 em nenhum dos fatores (34, 61 e 62).

Na ACP, o fator 1 agrupou 21 itens que antes pertenciam, predominantemente, à dimensão segurança e acolhimento com cargas fatoriais entre 0,364 e 0,717, as quais demonstraram boa relação desses itens com seu fator. O fator 2 agrupou itens que pertenciam às dimensões de informação, suporte e comodidade. Esse fator reuniu 20 itens, e todos apresentaram valores aceitáveis de carga fatorial. Os itens 18, 37 e 55 apresentaram cargas fatoriais nos fatores 1 e 2, permanecendo no segundo devido à maior carga no mesmo com diferença maior que 0,10. O fator 3 agrupou 7 itens que pertenciam às dimensões segurança e proximidade, havendo predominância de altas cargas fatoriais no mesmo fator. O fator 4 apresentou 7 itens, com cargas fatoriais altas e exclusivas para esse fator, mantendo o agrupamento inicial, correspondendo à dimensão integração consigo e com o cotidiano ( Figura 2). Os itens 34, 61 e 62 não apresentaram cargas fatoriais adequadas para representar algum fator.

Análise da fidedignidade

Os resultados da análise da fidedignidade da ECONF mostraram que o coeficiente alfa de Cronbach (α) mantevese elevado para os 55 itens, com excelente valor (α=0,923), evidenciando alta consistência interna da ECONF.

A análise da discriminação dos itens mostrou correlações item-total dentro dos parâmetros esperados, exceto para os itens 12 e 35 que foram menores que 0,20. Os demais itens apresentaram correlações itemtotal esperadas. Apesar de esses itens apresentarem correlações limítrofes, os coeficientes foram positivos, e a exclusão deles não ocasionou aumento considerável no alfa total. Assim, decidiu-se mantê-los.

A análise da consistência interna dos quatro fatores que representam a ECONF mostrou que o fator 1 "segurança" apresentou uma consistência interna muito boa (α=0,89), assim como boas correlações de seus itens com o escore total da dimensão que variaram entre 0,311 (item 21) e 0,670 (item 41). O fator 2 "suporte" mostrou uma consistência interna alta (α=0,88), não havendo melhora desse valor se algum item fosse excluído. O fator 3 "interação familiar/ente" apresentou consistência interna satisfatória (α=0,81) e as correlações item/total apresentadas pelos itens com o total foram consideradas de moderadas a fortes, mostrando que os itens continuaram discriminativos.

O fator 4 apresentou alfa satisfatório, de 0,776.

Figura 1
Análise paralela dos itens

Tabela 1
Distribuição dos itens da ECONF, após a análise de componentes principais para 4 fatores. Salvador, Bahia, Brasil, 2013

Figura 2
- Distribuição dos 55 itens da ECONF em quatro fatores

Discussão

Para medir com maior precisão construtos abstratos, como o conforto, é imprescindível trabalhar com instrumentos válidos e confiáveis. Para esse fim, técnicas e métodos de medidas têm sido utilizados, justificando a preocupação de pesquisadores com as análises psicométricas, a fim de garantir a validade e fidedignidade de escalas(9-11).

Este é um estudo pioneiro quanto à construção de uma escala para a mensuração do conforto de familiares com um membro na UTI. Seu ineditismo dificulta a comparação dos resultados da pesquisa com outras. A validade de construto da ECONF não confirmou a estrutura com sete dimensões teóricas. Assim, os procedimentos empíricos e analíticos permitiram uma nova compreensão da estrutura conceitual do construto para esses familiares.

Apesar de a análise dos eingenvaluessugerir inicialmente 16 fatores, levou-se em consideração os resultados gráficos do screeplote da análise paralela de Horn, que apontaram um construto de 4 a 5 fatores. A análise da variância explicada apontou ainda a predominância do fator 1, em relação aos demais, levando ao teste da hipótese de unidimensionalidade do construto, o que contrariaria a sua compreensão como fenômeno multidimensional, segundo estudiosos do tema 1212 . Goodwin M, Sener I, Steiner SH. A Novel Theory for Nursing Education: holistic Comfort. J Holistic Nurs. 2007;25:278-85.. Todavia, após testagem desse pressuposto, refutou-se a unidimensionalidade da ECONF, no entanto, pode-se representar a relevância do primeiro fator para a explicação do conforto das famílias.

Considerando essa nova estrutura proposta, o primeiro fator passou a ser, então, denominado segurança, representando o conforto relacionado à confiança dos familiares na competência técnicocientífica da equipe de saúde, bem como à competência humanística dos profissionais da instituição hospitalar que se associou à consideração da família como pessoa e às demonstrações afetivas para com ela. O primeiro fator agrupou os itens da primeira dimensão (segurança) e da segunda dimensão (acolhimento) presentes no modelo teórico preliminar, demonstrando que a segurança implica associação entre técnica e sensibilidade. Agrupou ainda três itens que, no modelo teórico, pertenciam à dimensão informação. Esses itens não se referiam apenas à informação oferecida sobre a condição de saúde e o tratamento do membro internado, mas expressam a forma de compartilhamento das mesmas, mediante comunicação compreensível e ainda gentil, tornando evidente que a segurança é promovida quando a informação possui tais características, permitindo melhor acolhimento e apreensão do conteúdo pela família 1313 . Marques RC, Silva MJP, Maia FOM. Comunicação entre profissional de saúde e familiares de pacientes em terapia intensiva. Rev Enferm UERJ. 2009;17(1):91-5..

O fator 2 foi composto por itens que trataram da necessidade de apoio à família, em razão das demandas que surgem, quando um membro é internado na UTI. Denominado suporte representou o conforto relacionado à infraestrutura hospitalar em termos de espaço físico para acomodação e atendimento das necessidades dos familiares no hospital, à flexibilização das normas e rotinas hospitalares em função das demandas da família, especialmente as relacionadas à visita e ao acesso a informações para a família ficar ciente sobre a condição de saúde de seu membro. Os itens sobre informação que se alocaram no segundo fator diferiram qualitativamente dos incorporados ao primeiro fator, por tratarem do acesso à informação pela família, englobando conteúdos como: previsões do tratamento para o membro da família na UTI, frequência do recebimento das informações, categoria profissional que presta a informação, local e meio de transmissão da informação (na residência ou no hospital, por telefone ou pessoalmente, entre outros), estrutura e organização da UTI e mudanças nas rotinas e nos fluxos da unidade hospitalar.

Os itens do fator suporte abordaram também o conforto relacionado às instalações da sala de espera. Sabe-se que, devido à política restritiva de visitas nas UTIs brasileiras, essa sala é o local onde o familiar permanece mais tempo. Lá pode sentir-se próximo e disponível para acompanhar o que está acontecendo com seu membro e resolver problemas emergentes, É necessário, portanto, que esse local seja agradável e disponha de acomodações e alguns recursos. Deve ser ampla, limpa, privativa, próxima à UTI, equipada com móveis confortáveis, água para beber, banheiros, meios de distração e telefone público. Outro aspecto retratado, nos itens desse fator, refere-se à disponibilidade de um local para refeições no hospital. Tal suporte pode prevenir o surgimento de novos desconfortos(7-8,14).

Os itens do fator 3, denominado interação entre familiar e ente, retrataram a dimensão afetiva da relação familiar e membro internado. Representou o conforto de estar junto do seu membro, desfrutar da interação estabelecida entre eles, perceber a possibilidade de vêlo recuperado e a sua satisfação com o atendimento prestado. Favorecer a proximidade entre eles e assegurar as melhores condições de cuidado é fundamental para a promoção do conforto à família. Os itens do fator 3 retrataram, ainda, o conforto associado à percepção dos familiares da chance de recuperação do seu membro, à minimização da possibilidade de sua perda, a fim de retomarem as relações antes existentes na vida cotidiana. A doença tem sido experimentada coletivamente, o "paciente incapacitado", mesmo que temporariamente, é igual à família incapacitada, ainda que essa disponha de capacidade para reorganizar-se(5,14-15).

O fator 4 denominado integração consigo e o cotidiano manteve o agrupamento dos sete itens do modelo teórico e representou o conforto associado à possibilidade de o familiar conseguir cuidar de si, ajudar o seu ente e dar continuidade à vida familiar, como ocorria antes da entrada do seu membro na UTI. Esse fator evidenciou o impacto da internação de um membro na UTI na vida das famílias como já foi constatado por alguns autores(7-8,14-16).

Conclusão

A ECONF é o primeiro instrumento construído para a avaliação do conforto de familiares de pessoas em UTI. A escala foi testada em uma cidade da Região Nordeste e deve ser testada em outras regiões brasileiras para confirmar sua validade e precisão como uma escala para ser usada com familiares brasileiros de pacientes internados em UTI.

Avançou-se na construção de um referencial teórico sobre o conforto e disponibiliza-se à comunidade científica uma escala pautada em evidências empíricas. A ECONF pode auxiliar enfermeira(o)s e demais profissionais de saúde a refletir e compreender as situações de conforto e desconforto experienciadas por familiares. Os resultados advindos da sua aplicação contribuirão para se propor e avaliar a efetividade do cuidado interdisciplinar na promoção do conforto de familiares, favorecendo a criação de medidas de conforto, voltadas para esse público.

Os resultados obtidos podem nortear a elaboração de políticas públicas para a promoção de conforto, bem como fortalecer as políticas de humanização do Ministério da Saúde para familiares.

Estudos sobre a mensuração do conforto ainda são incipientes em nosso meio, sobretudo com familiares e, a partir desses resultados, futuras pesquisas poderão ser desenvolvidas visando aprimorar a compreensão da temática e oferecer subsídios para as práticas de cuidar que visem, efetivamente, a promoção do conforto de familiares com um membro hospitalizado na UTI.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Aug 2015

Histórico

  • Recebido
    22 Maio 2014
  • Aceito
    08 Mar 2015
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