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Educação do doutorado em enfermagem no Brasil

Resumos

O objetivo do trabalho foi apresentar a trajetória da educação do doutorado em Enfermagem no Brasil de 1981 a 2004. Estudo descritivo, analítico que utilizou dados documentados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES/MEC), órgão responsável pelo reconhecimento, avaliação e coordenação de estudos de pós-graduação no Brasil. A análise dos dados evidenciou que há treze cursos de doutorado em Enfermagem, com concentração na região sudeste (69,2%), e que o ensino e a produção científica tem sido influenciados pela transição demográfica, epidemiológica e pelos movimentos históricos, sociais e políticos. A produção do conhecimento está relacionada à assistência de Enfermagem, Gestão e Práticas de Saúde e Fundamentos Teóricos do Cuidar. O programa de Doutorado tem preparado líderes em educação, pesquisa e desenvolvimento de políticas públicas, em instituições de saúde e órgãos governamentais.

educação em enfermagem; educação; enfermagem


This study aimed to present the trajectory of doctoral education in nursing in Brazil from 1981 to 2004. A descriptive and analytical study was carried out, using documents available at the Brazilian Federal Agency for Support and Evaluation of Graduate Education, a body responsible for the recognition, evaluation and coordination of graduate studies in Brazil. Data analysis revealed that there are 13 doctoral courses in nursing, most of which are concentrated in the Southeast (69.2%), and that teaching and scientific production have been influenced by demographic and epidemiological transitions and by historical, social and political movements. Knowledge production is related to Nursing Care, Health Management and Practices and Theoretical Foundations of Care. Doctoral programs have prepared leaders in the fields of education, research and public policy development, in health institutions as well as in public policies, health institutions and governmental entities.

education, nursing; education; nursing


El objetivo de este trabajo fue presentar la trayectoria de la educación del doctorado en Enfermería en Brasil de 1981 a 2004. Se trata de un estudio descriptivo y analítico que utilizó datos documentados por la Coordinación de Perfeccionamiento de Nivel Superior (CAPES/MEC), órgano responsable por el reconocimiento, evaluación y coordinación de estudios de postgrado en Brasil. El análisis de los datos puso en evidencia que existen trece cursos de doctorado en Enfermería, con concentración en la región sureste (69,2%), y que la enseñanza y la producción científica han sido influenciadas por la transición demográfica, epidemiológica y por los movimientos históricos, sociales y políticos. La producción del conocimiento está relacionada a la asistencia de Enfermería, Gestión y Prácticas de Salud y Fundamentos Teóricos del Cuidar. El programa de Doctorado ha preparado líderes en educación, investigación y desarrollo de políticas públicas, en instituciones de la salud y órganos gubernamentales.

educación en enfermería; educación; enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Membros da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, do Ministério da Educação, Brasil:

IFull Professor, University of Sao Paulo at Ribeirao Preto, School of Nursing, WHO Collaborating Center for Nursing Research Development, Brazil, e-mail: rosalina@eerp.usp.br

IIFull Professor, Federal University of Santa Catarina, Brazil, e-mail: alacoque@newsite.com.br

IIIFull Professor, University of São Paulo College of Nursing, Brazil, e-mail: isasilva@usp.br

IVFull Professor, Federal University of Bahia, Brazil, e-mail: dumet@ufba.br

VAdjunct Professor, Federal University of Ceará, Brazil, e-mail: thelmaaraujo2003@yahoo.com.br

VIFull Professor, Federal University of São Paulo, Brazil, e-mail: lvianna@denf.epm.br

VIIFull Professor, Federal University of Rio de Janeiro College of Nursing, Brazil, e-mail: roiva@superig.com.br

VIIIFull Professor, Federal University of Rio Grande do Sul College of Nursing, Brazil, e-mail: marta@enf.ufrgs.br

RESUMO

O objetivo do trabalho foi apresentar a trajetória da educação do doutorado em Enfermagem no Brasil de 1981 a 2004. Estudo descritivo, analítico que utilizou dados documentados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES/MEC), órgão responsável pelo reconhecimento, avaliação e coordenação de estudos de pós-graduação no Brasil. A análise dos dados evidenciou que há treze cursos de doutorado em Enfermagem, com concentração na região sudeste (69,2%), e que o ensino e a produção científica tem sido influenciados pela transição demográfica, epidemiológica e pelos movimentos históricos, sociais e políticos. A produção do conhecimento está relacionada à assistência de Enfermagem, Gestão e Práticas de Saúde e Fundamentos Teóricos do Cuidar. O programa de Doutorado tem preparado líderes em educação, pesquisa e desenvolvimento de políticas públicas, em instituições de saúde e órgãos governamentais.

Descritores: educação em enfermagem; educação; enfermagem

INTRODUÇÃO

A pós-graduação se constitui na condição básica capaz de outorgar à Instituição de Ensino Superior, o caráter universitário que a caracteriza como centro criador de ciência e cultura. Além disso, construir o alicerce para o desenvolvimento da pesquisa, também contribui para a expansão da base científica nacional. Seu papel é social, e seu desempenho depende da mobilização da comunidade acadêmica brasileira e da integração entre a Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

O Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG), no Brasil, aprovado pelo Conselho Federal de Educação, através do documento Parecer Sucupira nº 977/65, foi instituído pela Reforma Universitária, em 1968. Sua expansão teve início em 1990, com abrangência das áreas de conhecimento, que buscavam respostas que indicassem a necessidade de se formarem docentes qualificados para atender à demanda do ensino superior no país, assim como para o motivo da ampliação da capacidade investigativa das universidades. Isso só seria possível com a formação de novos pesquisadores (1).

O SNPG, é coordenado pelo Ministério da Educação (MEC), através da Fundação de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que, por sua vez, subsidia o MEC na formulação das políticas de pós-graduação, na coordenação e estimulo à concessão de bolsas de estudo, de auxílios e outros mecanismos direcionados à formação de recursos humanos voltados para o ensino superior e pesquisa.

O SNPG vem sendo implementado com base em cinco propostas de Planos Nacionais de Pós-Graduação (PNPG)(2). O I PNPG (1975-1979) indicava a expansão da pós-graduação como objeto de plano estatal, integrada às políticas de desenvolvimento social e econômico. O II PNPG (1982-1985) tinha como objetivo central a formação de recursos humanos qualificados para as atividades docentes, de pesquisa e técnicas, com isso surgiu à necessidade de se institucionalizar e aperfeiçoar a avaliação, com a participação da comunidade. O III PNPG (1986-1989) avaliou que não havia um quantitativo suficiente de pesquisadores para que o país atingisse um nível favorável de capacitação científica e tecnológica, portanto, enfatizava a necessidade do desenvolvimento da pesquisa nas Universidades e da integração da pós-graduação ao sistema de ciência e tecnologia. O IV PNPG (1996) trazia como pontos fundamentais: evolução das formas de organização da pós-graduação; formação de recursos humanos e mercado de trabalho; integração da graduação com a pós-graduação, carreira acadêmica e qualificação do corpo docente; avaliação da pós-graduação pela Capes; expansão da pós-graduação, desequilíbrios regionais, e financiamento e custo da pós-graduação. O V PNPG (2005-2010) tem como objetivos: estabilidade e indução da educação da pós-graduação no país; estratégias para melhorar o desempenho do sistema, ou seja, criação de programas específicos e ampliação da articulação entre agências federais e estatais para apoiar programas e pesquisas; financiamento de pesquisas; introdução de novos modelos de pós-graduação com vistas a fortalecer o ensino em todos os níveis; formação de quadros não-acadêmicos; estimular a cooperação nacional e internacional e, finalmente, ao avaliar o sistema nacional de pós-graduação deve-se preservar a sua qualidade e periodicidade(2). Nessa perspectiva, o SNPG evidencia três aspectos: 1- adoção dos critérios de avaliação pela comunidade científica e acadêmica, sob a coordenação da CAPES; 2- incremento da concessão de recursos financeiros para o desenvolvimento de pesquisas, concedidos pela CAPES, CNPq e Fundações Estaduais; 3- participação permanente da comunidade científica no processo de avaliação e reavaliação da pós-graduação brasileira.

A Pós-Graduação brasileira, na busca da qualidade, elegeu a produção científica como um dos principais parâmetros de avaliação dos Programas de Pós-Graduação, mestrado e doutorado.

A CAPES, na avaliação dos Programas de Pós-Graduação visa, primeiramente, a qualidade que se resume em três compromissos: primeiro, fazer bem o que se está fazendo mal; isto significa introduzir sistemas de diagnóstico do funcionamento dos diversos setores para identificar seus pontos fortes e fracos; o outro, fazer melhor o que se está fazendo bem, diz respeito a um plano estratégico de qualificação e desenvolvimento institucional capaz de consolidar e sustentar as realizações obtidas e, por último, fazer o que não se está fazendo e fazê-lo bem, isto é, incorporar dispositivos que facilitem e tornem possíveis inovações e processos de crescimento sistemáticos(3).

Considerando estes três compromissos voltados à obtenção da qualidade da pós-graduação, e ainda as rápidas mudanças sociais advindas da globalização, da era da informação, das mudanças demográficas e econômicas, das políticas governamentais, as modificações que ocorreram nos setores de educação e de saúde no Brasil, assim como a remoção de barreiras internacionais, questiona-se qual modelo de doutorado a sociedade exige na busca da alta qualidade de atenção à saúde da população.

Em resposta a esse questionamento, o presente estudo parte do entendimento de que a formação de doutores deve estar alicerçada nos limites e possibilidades do seu espaço histórico-cultural que, por sua vez, não é estático; e está sujeito as transformações contínuas. Apreende-se, então, que a formação de doutores em enfermagem seja dinamicamente ajustada à evolução da sociedade, e obedeça às exigências da profissão e do setor saúde. Ela é, destarte, produto de uma multiplicidade de processos sociais, resultante, historicamente, da prática da categoria e dos conjuntos sociais onde esta prática se desenvolve.

Sob essa perspectiva, enfoca-se neste trabalho a formação de doutores em enfermagem no Brasil, não como algo idealizado, abstrato, mas como parte e produto do processo de construção da área de conhecimento.

Com base nessas considerações, o presente estudo apresenta a trajetória e as tendências da educação do doutorado em enfermagem no Brasil, no período de 1981 a 2004, objetivando não só a construção de conhecimentos acerca do processo de formação da(o) enfermeira(o), mas também subsidiar um plano estratégico que sustente políticas da pós-graduação para a área de enfermagem.

Para o alcance desses objetivos, analisou-se os relatórios dos Programas de Pós-Graduação em Enfermagem, documentos disponíveis em bases estatísticas da CAPES/MEC (www.capes.gov.br)(4). Realizou-se a coleta de dados mediante aplicação de um instrumento de registro dos Programas de Pós-Graduação Sensu Stricto, no nível de doutorado em Enfermagem, que continha as seguintes variáveis: histórico do Programa, sua localização geográfica, número de discentes titulados, projeto sobre a educação do doutorado e a produção resultante de teses desenvolvidas no período de 1981 a 2004, linhas de pesquisas dos programas e processo de avaliação.

A PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM - ÊNFASE NA FORMAÇÃO DE DOUTORES

A política de pós-graduação no Brasil, num primeiro momento, focalizou a capacitação dos docentes das universidades; posteriormente, voltou seu interesse para os desempenhos do sistema de pós-graduação e do SNPG, e ainda para o desenvolvimento de pesquisas científicas e tecnológicas nas universidades, direcionadas ao atendimento das prioridades nacionais.

Ainda sob a égide do IPNPG, a CAPES acompanhou sistematicamente o processo como um todo, quando implantou sistema de avaliação dos programas de pós-graduação, com objetivo de garantir a qualidade acadêmica do SNPG.

O SNPG expandiu-se em 2003, quando passou a contar com 1819 Programas, apresentando crescimento de 15,9% em relação ao triênio 1998-2000(4). Esse crescimento, contudo, ocorreu de forma desigual entre as diferentes regiões geográficas, a exemplo da região Sudeste, que concentra 66,57% dos cursos de doutorado, seguida das regiões Sul (17,6%), Nordeste (10,4%), Centro-Oeste (4,11%) e Norte (1,76%)(4).

Na década de 70, a região Sudeste tem suas primeiras doutoras formadas na área da enfermagem, em cursos ligados a Faculdade de Medicina. Após a formação de doutoras em enfermagem, a Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, criou o primeiro curso de mestrado no País, no ano de 1972. Depois de sua implantação, outros surgiram em diversas regiões do país.

Com o avanço da ciência e tecnologia e a premência em formar doutores na área, a Escola de Enfermagem da USP e a Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, também da USP, se uniram e criaram o Curso de Doutorado, modalidade Interunidades. Dessa forma, em 1981, teve início uma nova era na Enfermagem, com a instituição, no país e na América Latina, do primeiro curso de doutorado em Enfermagem, oferecendo a possibilidade de se formarem doutores que desenvolveriam pesquisas, atendendo às prioridades nacionais.

A partir daí, o cenário da pós-graduação brasileira vem se configurando e expandindo, procurando manter sempre a excelência acadêmica. Nesse sentido, o desenvolvimento de pesquisas, tem atendido o interesse da população, como também do sistema de saúde vigente no país. Vale salientar, que, apesar da expansão pautada na qualidade e do desequilíbrio regional na oferta de cursos, os órgãos responsáveis pela Pós-Graduação, no País, preocupam-se com a distribuição dessa oferta e flexibilização do modelo de pós-graduação em enfermagem, pois novos cursos estão sendo criados, principalmente em regiões mais carentes.

Até o ano de 1984 a Enfermagem brasileira contava com poucos doutores na área, isto porque a maioria era titulada em outras áreas e em outros países. Com a política de expansão do SNPG, na década de 90, evoluiu significativamente o número de doutores formados nas diferentes áreas de conhecimento, em especial, na Enfermagem. As áreas de conhecimento tinham como objetivo encontrar respostas para a necessidade de se formarem docentes qualificados que atendessem à expansão do ensino superior no país, assim como ampliar a capacidade investigativa das universidades, com a formação de novos pesquisadores.

A partir de 1993, a CAPES/MEC entendeu que era chegado o momento de organizar a pós-graduação em áreas de conhecimento como, Multidisciplinares e Ensino, Ciências Sociais Aplicadas, Ciências Agrárias, Ciências Humanas, Ciências Biológicas, Engenharias, Lingüística, Letras e Artes, Ciências Exatas e da Terra e Ciências da Saúde. A área de Ciências da Saúde foi composta por: Medicina I (clínica), Medicina II (Psiquiatria, Pediatria e Nutrição), Medicina III (Cirurgia), Odontologia, Farmácia, Enfermagem, Saúde Coletiva, Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Cada componente desta grande área teria um representante cujas atribuições seriam atuar junto às diversas comissões da CAPES/MEC.

Quanto ao crescimento dos cursos de doutorado, com abrangência em todas as áreas de conhecimento, no período entre 1996 a 2004, observa-se que a área de Ciências da Saúde foi a que mais cresceu.

Partindo dos elementos anteriormente apresentados, analisaram-se os Programas de Pós-Graduação em Enfermagem do país referentes ao ano de 2005, mais especificamente, aqueles que ofereciam cursos de doutorado, e os resultados foram: em 2005, a área da Enfermagem contou com 27 Programas de Pós-Graduação reconhecidos, com crescimento de 31,25% em relação à avaliação trienal 1998-2000. Vale salientar que este crescimento ocorreu apenas, nas regiões Sul e Sudeste; a região Nordeste manteve o mesmo número de Programas.

Quanto à localização dos Programas de Pós-Graduação mestrado e doutorado, da área da Enfermagem, observou-se que 15 (55,5%) encontram-se na região Sudeste; 5 (18,5%) na região Sul; 5 (18,5%), na Nordeste e dois (7,5%), na Centro-Oeste e nenhuma região Norte(4).

Em termos de educação do doutorado, de acordo com os dados da Capes, os programas de pós-graduação em todas as áreas titularam 35.724 pessoas, no triênio 2001-2003, com 8094 desses, no nível de doutorado. Especificamente em Enfermagem, titularam 343 doutores no mesmo período, dos quais 76,4% na região sudeste, 11,07% na sul e 12,53% no nordeste(4).

O número de Programas de Pós-Graduação e Cursos de Doutorado na área de enfermagem tem apresentado sensível crescimento nos últimos anos. Contudo, nota-se que, apesar dos modelos propostos pela política governamental para desenvolvimento da pós-graduação no país, ainda há desigualdades regionais, tanto no número de doutores titulados, quanto nos de programas de Pós-Graduação oferecidos por esta área de conhecimento.

O modelo de doutorado em enfermagem no país, inicialmente, focaliza o preparo do aluno em disciplinas (no prazo aproximado de um ano), seguido do exame de qualificação, e culmina com a defesa de tese. O objetivo é formar pesquisadores para testar e desenvolver o conhecimento de enfermagem. Entretanto, cabe destacar que a perspectiva de mudança da educação do doutorado está em pauta nas reuniões das líderes da enfermagem brasileira. O foco atual da discussão é a aderência às experiências de aprendizagem, em obediência ao projeto pedagógico dos cursos de doutorado, priorizando sempre as necessidades de saúde da população e das gerências dos serviços de saúde. Nessa direção, os universitários brasileiros, têm sido estimulados pelos Programas a desenvolverem experiências, que vão de um a dois semestres, em universidades internacionais de padrões de excelência para maior interação com centros de referência da área.

O componente-chave da pós-graduação, nível doutorado, é a avaliação anual. Esse processo avaliativo, construído com a participação da comunidade científica, é conduzido por seus pares. A Enfermagem tem os mesmos critérios de avaliação de outras áreas como a medicina, odontologia, farmácia, fisioterapia, terapia ocupacional, educação física e saúde pública, o que favorece a visibilidade da área, bem como sua natureza científica. Esse modelo de avaliação tem levado os programas de pós-graduação do Brasil, a consolidarem seus cursos de doutorado. Porém ainda há itens que merecem maior estudo antes da sua consolidação, tendo em vista as particularidades da área de conhecimento da Enfermagem(5).

As líderes da enfermagem na CAPES e os coordenadores do Programas de Pós-Graduação elaboraram, em 2001, a agenda da educação do doutorado em enfermagem. (Tabela 1). O trabalho consistiu em organizar as linhas de pesquisa prioritárias, assim definidas: o campo profissional "deve ser compreendido como o equivalente ao do sujeito epistêmico/consciência cognoscente, e é composto pelo espaço sociopolítico da profissão, que inclui estudos que tratam dos fundamentos teóricos, filosóficos, históricos e éticos e ainda produção tecnológica. Quanto ao campo assistencial, refere-se ao objeto cognoscível/realidade objetiva, ou seja, ao que possa ser percebido, pensado, representado. Inclui-se, também, aqui o cuidar ao ser humano no decorrer do processo de saúde e da doença. Já campo organizacional é aquele que dá sentido à categoria conhecer, de tal forma que possa ser aplicada ao plano de atividades cognoscitivas. Referem-se também, ao saber fazer na prática profissional. Tal campo está inserido no contexto gerencial de serviços, de práticas de saúde e de educação(6) .

No período de 1983-2001 defendeu-se 448 teses de doutorado no Brasil. Os resultados mostram que a maioria delas foi produzida nas áreas/campos assistencial (171 ou 38,1%) e organizacional (164 ou 36,6%), seguidas da área profissional (86 ou 19,1%). Merecem destaque, também, as linhas de pesquisa que apareceram em maior freqüência, a saber: Saúde e qualidade de vida, Processo de Cuidar em Saúde e Enfermagem, do campo Assistencial; Políticas e Práticas de Educação e Enfermagem, Gerenciamento dos Serviços da Saúde e de Enfermagem, do campo Organizacional; Fundamentos Teórico-Filosóficos do Cuidar em Saúde e Enfermagem, do campo Profissional(7) .

As áreas temáticas mais investigadas foram: Saúde da Mulher, Gerenciamento em Enfermagem e Saúde, Saúde Coletiva, e Saúde da Criança, dentre outros. A predominância destes temas pode estar relacionada ao fato de que as primeiras linhas de pesquisa adotadas nos Programas de Pós-Graduação, criadas nos anos de 1970, referiram-se às Áreas de Concentração na Saúde da Mulher, Saúde da Criança, Saúde Coletiva/Saúde Pública e Administração/Gerenciamento.

O número de estudos sobre saúde da mulher e gerenciamento dos serviços de saúde revela que no Brasil, a saúde da mulher é um dos grandes desafios sociais e políticos do país.

Quanto ao método de investigação, tipo de estudo ou pesquisa, prevaleceram os estudos exploratórios de abordagem qualitativa, os de conhecimento da realidade ou compreensão dos fenômenos sociais, indicando mudança de paradigma no processo de construção de conhecimento na enfermagem, o que evidencia tendência para estudos com abordagem qualitativa. Nestes, os estudos fenomenológico-hermenêuticos, etnográficos, históricos e sociais, dentre outros, descortinam possibilidades de aprofundamento do conhecimento da realidade ou compreensão dos fenômenos sociais que permeiam a prática da enfermagem.

A adoção de diversos métodos e abordagens teóricas tem exigido apropriação de conteúdos e fundamentação teórica provenientes de outras disciplinas, o que permite uma expansão de possibilidades para a construção do conhecimento e aprimoramento do profissional, do ponto de vista científico e cultural.

A análise mostra claramente o aumento do número de cursos e de doutores. Registra-se ainda, que os meios de comunicação possibilitam veiculação de informações mais intensas e ágeis entre os pesquisadores, o que favorece o desenvolvimento da pesquisa e da própria enfermagem.

A análise da produção científica originada das teses estudadas indica a legitimidade das linhas de pesquisa definidas pela área de enfermagem na CAPES, no que concerne à abrangência da sua produção, fato que permite acompanhar as tendências da pesquisa em enfermagem, bem como, a consolidação e consistência das mesmas.

A consolidação de linhas de pesquisa na área da enfermagem e as iniciativas de atividades de pesquisa em parceria com grupos de pesquisadores de diversas regiões do Brasil, aparecem como possibilidade de identificar as prioridades de pesquisas e de produzir conhecimentos menos fragmentados. Esses fatores favorecem maior articulação e integração de conhecimentos multidisciplinares.

A nomeação de várias disciplinas de diferentes áreas, com treinamento interdisciplinar, e as parcerias apontam para uma tendência que visa melhorar a educação em enfermagem.

Por outro lado, o aumento do conhecimento da enfermagem, no mundo todo tem contribuído para melhorar a educação do doutorado, cujo impacto já se faz sentir nos programas (desenvolvimento das pesquisas) e também na prática profissional. O corpo docente dos cursos de doutorado, visando ao aprimoramento da excelência, tem-se mobilizado para trocas de conhecimento com pesquisadores internacionais, seja em cursos de pós-doutorado, seja desenvolvendo pesquisas em parcerias, firmando convênios entre instituições, ou apresentando trabalhos em congressos internacionais para promover avanços nos modelos de ensino.

Essa articulação é uma tendência bastante forte na busca de solução para os problemas predominantes na saúde, sejam atuais ou futuros, globais, ou, no mínimo, multinacionais ou internacionais(8). É nesse cenário que a Enfermagem desponta como uma profissão de importância mundial. Isso revela a importância das articulações internacionais para o aprimoramento da educação do doutorado no Brasil e em outros países.

Na Europa, há países que ainda estão iniciando a educação em doutorado na área da enfermagem, porém alguns já têm um alto nível educacional e de pesquisa. Isso indica a possibilidade de se estabelecer uma rede de colaboração entre universidades de diferentes países europeus, através da European Academy of Nursing e The Nordic Academiy for Advanced Study. O campo de estudo do doutorado em enfermagem, na Europa, depende do programa de pesquisa de cada universidade; na Finlândia, por exemplo, as pesquisas se direcionam mais para a área clínica, vindo a seguir a da educação e por último o da administração(8).

Ao se comparar a análise da educação em doutorado, na área de enfermagem, com a de outros dos cursos de doutorado da Europa e América do Norte, verifica-se que a produção do conhecimento tem como alicerce fatores semelhantes, e que também há a necessidade de uma interlocução entre as diferentes universidades e pesquisadores, para formação de uma rede internacional. Entretanto, nessas regiões as variáveis como influência do envelhecimento populacional, prioridades de saúde (análise das causas de morbidade, incapacidade e morte), fatores sociais e econômicos, bem como a organização do setor saúde são temas essenciais para o desenvolvimento de pesquisas(8). Na América do Norte, países como os Estados Unidos e o Canadá promovem a expansão do corpo de conhecimento em enfermagem dando ênfase ao cuidado individual, à família, à comunidade, ao invés de se centrarem na doença. O desenvolvimento do conhecimento da enfermagem na América do Norte tem aumentado rapidamente devido à expansão de recursos destinados à pesquisa, tanto de estudantes de doutorado quanto de pesquisadores, já formados. Os fatores contextuais que influenciam o desenvolvimento do conhecimento dos programas de doutorado têm sido influenciados por indicadores sociais, econômicos, políticos, demográficos e pelo próprio contexto do sistema de saúde(8).

Com o estabelecimento das diretrizes da educação em doutorado no Brasil, as universidades e os enfermeiros pesquisadores procuram desenvolver intercâmbio com base mais consolidada com universidades e pesquisadores internacionais a fim de implementarem pesquisas multicêntricas e com metodologias mais diversificadas, alternativas, inclusive as experimentais. Outro aspecto a ser considerado refere-se à concessão de recursos financeiros para o desenvolvimento de pesquisas na enfermagem brasileira, as quais são afetadas pelo número limitado de agencias para um grande número de competidores para os grants.

Especial atenção deve ser dada nos índices de impacto da pesquisa. Esse parâmetro deve ser acompanhado e mensurado pelos pesquisadores; em especial, a avaliação do conhecimento produzido, ou seja, mensurar se ele tem contribuído para a prática profissional; a definição de estratégias que possibilitem às organizações implantarem os resultados das pesquisas e o estabelecimento de consórcios entre universidades, pesquisadores e enfermeiros da prática. Estas e outras questões são fundamentais para a consolidação da pesquisa no cenário nacional, considerando os resultados advindos de pesquisa de 2005(7).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O sistema educacional, um dos pontos estratégicos no processo de desenvolvimento sócio-econômico e cultural da sociedade brasileira, tem mostrado que a formação de doutores na enfermagem contribui de modo relevante para construção de um conhecimento social, na área da saúde. Nesta perspectiva, muitos dos problemas atuais e futuros de saúde são globais, ou seja, multinacionais ou internacionais(9).

O crescimento do número de doutores na área tem sido vertiginoso, o mesmo ocorrendo com a produção científica, mesmo ainda sendo restritos os estudos de intervenção na prática profissional e de desenvolvimento de tecnologia. O maior desafio é a necessidade de as enfermeiras desenvolverem pesquisas experimentais que contenham propostas de mudanças para as práticas de saúde. Estudos demonstram uma tendência de desenvolvimento nesse sentido, contudo, sinalizam a necessidade de os pesquisadores realizarem pesquisas intervencionistas voltadas para a prática profissional. As estratégias mais utilizadas referem-se ao preparo de discentes na linha de pesquisa de intervenção e às articulações com pesquisadores nacionais e internacionais, por meio de doutorado "sanduíche" e de programas de pós-doutorado. Os programas atualmente já disponibilizam instrumentos para essa nova modalidade de educação, visando à expansão da área. Urge, pois, compreender as diferenças individuais dos pesquisadores, o contexto das universidades, da organização das agências e da cultura brasileira, para que a educação em doutorado na área da enfermagem constitua-se num desafio possível de ser enfrentado na preparação de novas gerações de líderes da área.

REFERÊNCIAS

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  • Educação do doutorado em enfermagem no Brasil

    Rosalina Aparecida Partezani RodriguesI; Alacoque Lorenzini ErdmannII; Isília Aparecida SilvaIII; Josicélia Dumet FernandesIV; Thelma Leite AraújoV; Lucila Amaral Carneiro ViannaVI; Rosangela da Silva SantosVII; Marta Júlia Marques LopesVIII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008

    Histórico

    • Recebido
      25 Jan 2007
    • Aceito
      11 Nov 2007
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