Acessibilidade / Reportar erro

Gravidez na adolescência: estudo comparativo das usuárias das maternidades públicas e privadas

Resumos

Trata-se de estudo descritivo e comparativo entre mães adolescentes de nascidos vivos, atendidas em três maternidades do sistema público e três do privado de um município do Estado de São Paulo, Brasil. Teve como objetivo identificar e comparar o perfil das mães adolescentes atendidas nesses sistemas de saúde. Para a coleta de dados, utilizou-se o banco de dados da prefeitura de Ribeirão Preto, SP, de onde que foram selecionadas 5.286 adolescentes de 10 a 19 anos, segundo tipo de parto, grau de instrução, número de consultas de pré-natal e número de partos anteriores. Encontrou-se que as usuárias do sistema público fizeram menor número de consultas de pré-natal, possuíam menor escolaridade, tinham maior paridade, o parto normal foi mais freqüente, enquanto no privado foi maior o número de atendimento de pré-natal, a escolaridade, a primiparidade e o parto cesariano.

enfermagem obstétrica; gravidez na adolescência; sistemas de saúde; pobreza; desenvolvimento humano


This is a comparative and descriptive study of adolescent mothers who were attended in three maternities of the public health system and three private maternities in a city in São Paulo, Brazil, between 2000 and 2002. This study aimed to compare the profile of mothers attended in both systems. The database of Ribeirão Preto was used and 5,286 adolescent mothers between 10 and 19 years old were selected according to type of delivery, level of instruction, number of prenatal consultations and parity. We found that the users of the public health system had less prenatal consultations, lower level of education, higher parity and the vaginal delivery was most frequent. The users of the private health system, on the contrary, had more prenatal consultations, higher level of instruction, and primiparity and cesarean sections were more frequent.

obstetric nursing; pregnancy in adolescence; health systems; poverty; human development


Se trata de un estudio descriptivo y comparativo entre madres adolescentes de nacidos vivos atendidas en tres maternidades del sistema público y tres del privado de una ciudad del estado de São Paulo, Brasil, entre 2000 y 2002. Su objetivo fue identificar y comparar el perfil de las madres adolescentes atendidas en los dos sistemas de salud. Para la recolecta de datos, se utilizó el banco de datos del gobierno municipal de Ribeirão Preto, de donde fueran seleccionadas 5.286 adolescentes entre 10 y 19 años según el tipo de parto, grado de instrucción, número de consultas de prenatal y número de partos anteriores. Se descubrió que las usuarias del sistema público hicieron menor número de consultas de prenatal, poseían escolaridad más baja, tenían mayor paridad, y que el parto normal fue más frecuente. En el privado, fue mayor el número de postventa de prenatal, la escolaridad, la primiparidad y el parto cesárea.

enfermería obstétrica; embarazo en adolescencia; sistemas de salud; pobreza; desarrollo humano


ARTIGO ORIGINAL

IEnfermeira Obstetra, Especialista de Laboratório da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, Brasil, e-mail: acyntia@eerp.usp.br

IIEnfermeira Obstetra do Amparo Maternal, SP, Brasil, e-mail: zairadaud@yahoo.com.br

IIIProfessor Doutor da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o desenvolvimento da pesquisa em enfermagem, Brasil, e-mail: amalmeid@eerp.usp.br, flagomes@eerp.usp.br, nakano@eerp.usp.br

RESUMO

Trata-se de estudo descritivo e comparativo entre mães adolescentes de nascidos vivos, atendidas em três maternidades do sistema público e três do privado de um município do Estado de São Paulo, Brasil. Teve como objetivo identificar e comparar o perfil das mães adolescentes atendidas nesses sistemas de saúde. Para a coleta de dados, utilizou-se o banco de dados da prefeitura de Ribeirão Preto, SP, de onde que foram selecionadas 5.286 adolescentes de 10 a 19 anos, segundo tipo de parto, grau de instrução, número de consultas de pré-natal e número de partos anteriores. Encontrou-se que as usuárias do sistema público fizeram menor número de consultas de pré-natal, possuíam menor escolaridade, tinham maior paridade, o parto normal foi mais freqüente, enquanto no privado foi maior o número de atendimento de pré-natal, a escolaridade, a primiparidade e o parto cesariano.

Descritores: enfermagem obstétrica; gravidez na adolescência; sistemas de saúde; pobreza; desenvolvimento humano

INTRODUÇÃO

A necessidade de garantia dos diretos sociais pelo Estado, após a Constituição de 1988, gerou profundas modificações na organização das políticas públicas do país. Em se tratando do direito à saúde, essas modificações priorizaram universalizar o acesso da população aos serviços de saúde, numa tentativa de diminuir as desigualdades sociais e, conseqüentemente, a pobreza e o subdesenvolvimento nas diversas regiões do país.

Os sistemas de saúde vêm passando por transformações ao longo do tempo no sentido de atender às necessidades de seus usuários, bem como aos interesses políticos, sociais e econômicos de cada país. Nos países em desenvolvimento, particularmente no Brasil, ocorreu evidente transição demográfica, com reflexo importante para a necessidade de reorganização do sistema de saúde, tendo como indicadores(1): a diminuição das taxas de mortalidade infantil e perinatal, o decréscimo de fecundidade em mulheres com faixa etária acima de 20 anos e o aumento da expectativa de vida ao nascer. No entanto, a taxa de fecundidade entre adolescentes aumentou nesse período. Em 1999(2-3), o Brasil já possuía 23% de mães menores de 20 anos de idade.

A taxa de fecundidade é inversamente proporcional à renda dessas adolescentes e à sua escolaridade. Em 1996(4-5), a proporção de mulheres de 15 anos que haviam iniciado sua vida reprodutiva chegava a 55% entre aquelas que não tinham nenhuma escolaridade; 19% entre as que tinham de 5 a 8 anos de estudos, e menos de 10% entre aquelas com 9 a 11 anos de estudos. Somando-se a isso(5), há os fatores que contribuem para o aumento do número de adolescentes grávidas: menarca precoce, início da vida sexual cada vez mais cedo e acesso precário aos serviços de saúde, os quais contam com planejamento familiar deficiente, uma vez que os mesmos aparecem em quarto lugar como espaço onde as adolescentes encontram informações confiáveis sobre sexualidade(6).

Apesar de a gravidez na adolescência exercer forte impacto biopsicossocial, o aspecto biológico é o menos afetado, pelo menos a partir dos 16 anos, visto que(7) a repercussão da gestação sobre o organismo da adolescente e o resultado obstétrico são equivalentes aos da mulher adulta. O aspecto psicológico é um dos mais complexos devido às peculiaridades do desenvolvimento nessa etapa da vida. O aspecto social implica no abandono escolar e na limitação da formação profissional, podendo comprometer suas expectativas de vida futura.

A pobreza e a exclusão social podem ser vistas tanto como causa quanto conseqüência da gravidez precoce. Em um estudo sobre as relações intermunicipais entre pobreza e gravidez na adolescência, em um município paulista, houve diminuição na proporção de nascidos vivos das áreas menos para as mais favorecidas economicamente; as maiores taxas de fecundidade específica foram observadas nas áreas com piores condições socioeconômicas(8). Naturalmente, a capacidade de gerar riquezas de um país vai depender da formação profissional dos membros da sociedade(9). A adolescente está no meio desse processo de capacitação, e é desejável que ela complete a sua formação educacional e profissional, integre o mercado de trabalho e, a partir desse momento, colabore gerando a prole que vai garantir a continuidade de seu grupo social. Tendo em vista a prevalência de mães adolescentes de baixa renda, com limitações profissionais, cresce também a demanda pelos serviços de saúde de crianças com déficits de desenvolvimento, déficits nutricionais e problemas afetivos e psicológicos. Assim, o custo social e o custo financeiro crescem juntamente com toda a problemática já discutida, dificultando ainda mais o desenvolvimento da sociedade e da economia dos países de terceiro mundo(5).

O Brasil vive uma dicotomia em relação aos serviços de saúde: de um lado, os planos de saúde, usualmente acessíveis às classes mais abastadas financeiramente, e de outro o Sistema Único de Saúde - SUS - oferecido a todos os cidadãos que, na prática, é utilizado predominantemente por aqueles que possuem menor poder aquisitivo. Os serviços públicos e privados de saúde recebem influência das condições de vida de seus usuários, determinando inclusive os modelos de assistência que são implementados. Assim, pode-se identificar perfis diferentes de usuários atendidos nos dois sistemas de saúde, bem como diferenças significativas nos resultados da assistência desses dois subsistemas.

Este estudo teve como objetivo identificar e comparar o perfil das mães adolescentes usuárias dos sistemas público e privado de saúde de um município do Estado de São Paulo, Brasil, através dos indicadores de mortalidade e nascimento, organizados pelo serviço de estatística da Secretaria Municipal de Saúde - SMS, disponíveis no site da prefeitura(10). Acredita-se que ao traçar o perfil das mães adolescentes, seja possível compor, para esse grupo de usuárias, uma visão analítica das possíveis implicações diferenciais na forma de assistência que operam em nosso sistema de saúde local, o que pode trazer subsídios para o planejamento de ações, adequação de estrutura e organização dos serviços e na composição de rede de apoio de modo a proporcionar a equidade tão almejada para todos os cidadãos.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo, utilizando informações contidas na declaração de nascidos vivos de filhos de adolescentes, atendidas em três hospitais credenciados pelo sistema público de saúde e três do privado de um município paulista, no período de 2000 a 2002.

Para a escolha dos hospitais, considerou-se o número de partos ocorridos no período e elegeu-se aqueles com maior número de nascimentos.

Para a coleta de dados, utilizou-se os indicadores de nascimento do banco de dados da SMS - disponibilizado no site da prefeitura do município estudado(10), quando foram computados 5.286 nativivos, filhos de mães adolescentes com idade entre 10 e 19 anos, conforme estabelece a OMS. O banco de dados supra-referido é alimentado pelo setor de estatística em saúde da SMS do município, tendo como fonte de informação a Declaração de Nascidos Vivos - DNV. A DNV é preenchida em cada hospital, sendo que uma cópia é encaminhada para a SMS, onde as informações contidas na mesma são analisadas e classificadas pelo setor de estatística em saúde. Para este estudo, foram selecionadas as seguintes variáveis: idade materna, tipo de parto, grau de instrução das mães, número de consultas de pré-natal e número de partos anteriores.

Por se tratar de dados secundários de domínio público e disponibilizados sem custo pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde - SUS - este projeto não necessitou ser submetido à apreciação pelo Comitê de Ética em pesquisa.

RESULTADOS

Com base nos dados obtidos, apresenta-se, aqui, o perfil das mães adolescentes para as variáveis estudadas.

A Tabela 1 mostra a distribuição de nascidos vivos de mães adolescentes nos sistemas público e privado de saúde, segundo idade materna e estabelecimento de saúde em que foram atendidas.

Computou-se 5.286 nascidos vivos de mães adolescentes, dos quais 618 nascimentos (11,7%) ocorreram em hospitais privados e 4.668 (88,3%) em hospitais públicos. Nos hospitais privados, observou-se a ocorrência de oito nascidos vivos (1,3%) entre mães de 10 a 14 anos, contra 188 (4,03%) no sistema público. Já na faixa etária de 15 a 19 anos, ocorreram 4.480 (95,97%) nascimentos em hospitais públicos e 610 (98,7%) nascimentos em hospitais privados. Destaca-se o fato de que, na faixa etária de 10 a 14 anos, houve percentual três vezes maior de nascimentos entre mães adolescentes usuárias do SUS.

A Tabela 2 traz a distribuição de nascidos vivos de mães adolescentes nos sistemas público e privado de saúde, segundo idade materna e grau de instrução. Foi encontrado que a maioria das usuárias de serviços privados de saúde com idade entre 15 e 19 anos tinha 8 ou mais anos de estudo, ou seja, a escolaridade esperada acompanhava a faixa etária em 70,33% delas (429 mães) e apenas 24,26% (148 mães) freqüentaram o ensino formal de 4 a 7 anos. Entre as mães de nascidos vivos, da mesma faixa etária, usuárias do SUS, 49,53% (2.219 mães) possuíam de 4 a 7 anos de estudo, ou seja, a escolaridade esperada não acompanhava a faixa etária; 44,55% possuem escolaridade maior ou igual a 8 anos. Entre as mães adolescentes de nascidos vivos usuárias do SUS, na faixa etária de 15 a 19 anos de idade, 194 (4,33%) apresentaram de 1 a 3 anos de estudo, contra 9 mães (1,47%) com a mesma escolaridade no serviço privado, ou seja, um número quase três vezes maior de atraso escolar daquelas oriundas do sistema público. Ainda, considerando a mesma faixa etária, havia 45 mães sem nenhuma escolaridade no SUS, o que não ocorreu no serviço privado.

Entre as mães de nascidos vivos do sistema privado de saúde, na faixa etária de 10 a 14 anos, todas possuíam de 4 a 7 anos de estudo, escolaridade compatível com a idade. Apesar de a maioria das mães usuárias do SUS com idade entre 10 e 14 anos possuírem escolaridade compatível com a faixa etária (96,8%), encontrou-se 3 mães que possuíam de 1 a 3 anos de estudo, e 2 sem nenhuma escolaridade.

A Tabela 3 traz a distribuição de nascidos vivos de mães adolescentes em serviços públicos e privados de saúde, segundo idade materna e tipo de parto realizado. No sistema público de saúde, entre mães de nascidos vivos com idade entre 10 e 14 anos, ocorreram 142 partos vaginais (75,53%) e 46 partos cesarianos (24,47%). No sistema privado, apenas uma criança nasceu através de parto vaginal (12,5%) e 7 através de parto cesarianos (87,5%). Entre as mães de nascidos vivos de 15 a 19 anos, essa proporção se manteve com 3.275 partos vaginais (73,10%) e 1.204 cesarianas (26,87%) no SUS contra 103 partos vaginais (16,68%) e 507 cesáreas (83,12%) no sistema privado de saúde.

A Tabela 4 traz a distribuição de nascidos vivos de mães adolescentes em serviços públicos e privados de saúde, segundo idade materna e número de consultas de pré-natal realizadas, no mesmo município e período considerados. Em ambos os sistemas de saúde, a maior parte das mães adolescentes de nascidos vivos fizeram sete ou mais consultas de pré-natal, apesar de o percentual de mães do sistema público com esse número de consultas ser menor do que aquelas do sistema privado (54,46% contra 89,34%, respectivamente, se se considerar a faixa etária de 15 a 19 anos, e 48,93% contra 87,5% entre adolescentes de 10 a 14 anos). Entre mães de 10 a 14 anos, usuárias do serviço privado de saúde, nenhuma realizou menos de seis consultas de pré-natal, diferente do que ocorreu no SUS: 31,38% (59 mães) realizaram de 4 a 6 consultas, 28 (14,9%) realizaram de 1 a 3 consultas e três mães não realizaram consulta de pré-natal.

Na faixa etária de 15 a 19 anos, apenas uma adolescente (0,16%) do sistema privado não realizou nenhuma consulta de pré-natal. Em contrapartida, 113 (2,52%) adolescentes no sistema público de saúde apresentaram situação semelhante, sem consultas de pré-natal, ou seja, percentual 15 vezes maior. Na mesma faixa etária, dentre as mães adolescentes que realizaram de 1 a 3 consultas de pré-natal, 433 (9,67%) eram usuárias do SUS e apenas 5 (0,82%) do sistema de saúde privado. Enquanto no sistema público um número expressivo de mães realizou de 4 a 6 consultas de pré-natal (1.363 adolescentes - 30,43%), no privado, esse número cai para 46 mães adolescentes (7,54%).

A Tabela 5 mostra a distribuição de nascidos vivos de mães adolescentes em serviços públicos e privados de saúde, segundo idade materna e número de filhos anteriores. Entre as informações de mães adolescentes de 10 a 14 anos do SUS, a maioria (97,3%) não computava filhos nascidos vivos anteriores, enquanto quatro delas possuíam de 1 a 3 filhos. Na mesma faixa etária, no sistema privado, não houve mães com filhos anteriores. Houve um caso em que essa informação era ignorada em cada faixa etária citada. No sistema privado, na faixa etária de 15 a 19 anos 84,2% das mães adolescentes não tinham filhos anteriores e 13,6% delas já possuíam de 1 a 3 filhos. Entre as adolescentes usuárias do SUS, 76% não tinham filhos anteriores e 23,9% (1.071 mães) possuíam de 1 a 3 filhos. No sistema público de saúde, 3 mães adolescentes já possuíam de 4 a 6 filhos, fato que não ocorreu no sistema privado. Houve 1 caso em que esse dado constava como "ignorado" no sistema público e 13 no privado, na faixa etária considerada.

DISCUSSÃO

No período considerado, computou-se no município estudado um número de mães adolescentes oito vezes maior nas maternidades do sistema público de saúde e início da vida reprodutiva mais cedo entre essas mães (Tabela 1). O dossiê da UNICEF mostrou que entre os anos 2001 e 2002(6), 62% dos adolescentes brasileiros eram pertencentes à classe C e apenas 2,5% à classe A. Esse fato aponta para a possível disparidade em relação ao acesso aos serviços de saúde, determinando número maior de mães adolescentes no serviço público. Soma-se a isso o fato de que, no mesmo período, 17% dos adolescentes não tinham acesso facilitado nem serviços de saúde disponíveis para atender especificamente os jovens e as necessidades próprias da idade, o que se configura no maior obstáculo ao acesso às informações e ações que protejam a saúde dos mesmos, dificultando a tomada de decisões livres e responsáveis(6).

Sabe-se que a fecundidade tende a diminuir com o aumento da escolaridade e do rendimento escolar(4). Dados da literatura mostram que a gravidez precoce pode desencadear, além da baixa auto-estima, o abandono da escola, do trabalho e até mesmo do lazer. Dentre os fatores que determinam a saída da adolescente da escola, antes do nascimento do filho estão o constrangimento e as pressões de diretores, professores, colegas e pais de colegas(11). A Tabela 2 mostra diferenças entre a escolaridade de mães adolescentes de nascidos vivos entre os dois sistemas de saúde estudados. Na maioria das mães usuárias de serviços privados de saúde a escolaridade acompanhou a faixa etária, sendo que, entre as usuárias do SUS, isso não aconteceu. Houve diferença entre a escolaridade das mães com idade entre 10 e 14 anos: nessa faixa etária não se encontrou mães com menos de três anos de estudo no sistema privado e no público encontrou-se cinco - o esperado para a faixa etária é de quatro a cinco anos de estudo - sendo que duas delas nunca tinham estudado. Esses dados remetem à necessidade de políticas públicas que visem estimular a inserção dessas jovens na vida escolar, valorizar a escola como instrumento de ascensão intelectual e social, bem como evitar a evasão daquelas que já se encontram no processo de educação formal. A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) afirma que a gravidez na adolescência é uma porta de entrada para a pobreza, pois leva à diminuição do leque de possibilidades sociais e econômicas, inclusive em termos do acesso à escola(12). A exigência do mundo moderno, industrializado e informatizado não absorveria essa mão-de-obra desqualificada e não preparada para as exigências do mercado de trabalho, perpetuando a situação de pobreza para a jovem e o seu filho.

Tendo em vista que os adolescentes passam uma média de cinco horas diárias na escola, a mesma poderia ser instrumentalizada como importante agente de promoção da saúde, uma vez que essa população é prioridade nas políticas públicas voltadas para os direitos sexuais e os direitos reprodutivos. Pesquisas(6,13) mostram que, no período entre 2001 e 2002, 94% dos(as) adolescentes brasileiros(as), entre 12 e 17 anos encontravam-se matriculados em algum estabelecimento de ensino, sendo que, desses, 54% eram do sexo masculino. A intervenção sobre esses adolescentes na escola tem a vantagem de educar também os meninos sobre métodos contraceptivos e direitos reprodutivos, visto que a atuação dos serviços de saúde sobre os meninos, nessa idade, é praticamente inexistente. O incremento da educação no país, o incentivo para que brasileiros(as) sigam na educação formal, além do ensino fundamental, apresenta reflexos imediatos na saúde reprodutiva de toda a população(4).

Se há diferenças nos perfis dessas mães, também o há na conduta dos profissionais e nas políticas de saúde das instituições. O tipo de parto a que as adolescentes foram submetidas demonstra claramente essa dicotomia. Estudos(14-15) trazem a elevada taxa de partos cesarianos no Brasil ligada, principalmente, à inadequada assistência médica, à precária educação das gestantes, causas de natureza econômica entre outras. Esse aumento é progressivo e exagerado, ocorrendo principalmente nas camadas socioeconômicas privilegiadas, que freqüentam clínicas privadas e/ou têm planos de saúde, enquanto que, entre as classes menos favorecidas financeiramente, esses índices são menores e os partos ocorrem principalmente em hospitais públicos ou hospitais escola(14). A Tabela 3 confirma esse perfil: 73,10% dos nascimentos ocorreram através de parto vaginal em mães de 15 a 19 anos nas maternidades públicas contra 26,87% de cesarianas. Em partos realizados nas maternidades privadas, a relação foi inversa: 16,68% de partos vaginais e 83,12% de cesáreas. Essa proporção se manteve nos nascimentos entre mães de 10 a 14 anos.

É importante ressaltar que o índice de cesariana tolerado pelo Ministério da Saúde é de 15 a 20% e que a alta taxa de cesariana é hoje um problema de saúde pública, uma vez que tem proporcionado maiores taxas de morbimortalidade materna e perinatal(16).

Em relação às consultas de pré-natal, o Ministério da Saúde traz como ideal um número mínimo de 6 consultas, e reforça que a adesão das mulheres ao pré-natal está relacionada com a qualidade da assistência prestada pelo serviço e pelos profissionais de saúde, o que, em última análise, será essencial para a redução dos elevados índices de mortalidade materna e perinatal verificados no Brasil(17). Pode-se notar, na Tabela 4, que, apesar de grande parte das mães adolescentes terem realizado sete ou mais consultas de pré-natal em ambos os sistemas de saúde, a porcentagem de mães com número reduzido de consultas é maior entre as usuárias do SUS: na faixa etária de 10 a 14 anos não se encontrou adolescentes com menos de 6 consultas de pré-natal no sistema privado, no sistema público 28 delas (14,9%) realizaram de 1 a 3 consultas e houve três mães que não realizaram nenhuma consulta de pré-natal. Entre mães de 15 a 19 anos, um percentual 15 vezes maior não realizou consulta de pré-natal no sistema público de saúde (0,16% contra 2,52%), 9,67% das usuárias do SUS na mesma faixa etária realizaram de 1 a 3 consultas contra 0,82% no sistema de saúde privado de saúde.

Além da pouca idade da primeira gravidez, pode-se notar que algumas dessas mães passam por mais de uma gestação durante a adolescência. Nos dois sistemas de saúde a maioria das adolescentes não possuía filhos anteriores, porém, houve percentual maior de adolescentes que já possuíam filhos entre as usuárias dos serviços públicos de saúde. Chama a atenção o fato de quatro mães adolescentes, do sistema público, com idade entre 10 e 14 anos possuírem de 1 a 3 filhos, e 3 mães de 15 a 19 anos possuírem de 4 a 6 filhos anteriores. Esses dados confirmam questões já discutidas anteriormente sobre a relação diretamente proporcional entre pobreza, baixa escolaridade, baixa adesão ao pré-natal e gravidez precoce. Soma-se a isso a menarca precoce, início da vida sexual muito jovem, falta de recursos e informações acerca de saúde sexual, direitos reprodutivos, planejamento familiar e despreparo dos profissionais e serviços para lidar com uma clientela diferenciada das demais.

CONCLUSÃO

Conclui-se que, nos dois sistemas de saúde investigados, as adolescentes usuárias do sistema público de saúde freqüentam menos consultas de pré-natal, possuem menor escolaridade, têm maior paridade, o parto normal é mais freqüente, enquanto no sistema de saúde privado é maior o número de atendimento de pré-natal, a escolaridade, a primiparidade e o parto cesariano.

Tais disparidades demonstram a influência das desigualdades sociais no acesso aos serviços de saúde, na educação formal e na perpetuação do ciclo de pobreza - gravidez precoce - pobreza. É fundamental a implantação de políticas públicas multidimensionais que atendam a necessidade dessa clientela, desde a preparação escolar desses jovens além do ensino fundamental, capacitação dos serviços e profissionais de saúde no sentido de que forneçam adequado acesso às informações, planejamento familiar, saúde sexual e direitos reprodutivos, além de equipes treinadas especialmente para as particularidades desse grupo, garantindo, assim, reflexos imediatos na saúde reprodutiva de toda a população.

Além disso, é necessário que o Estado exerça seu papel de regulação em relação à iniciativa privada, no sentido de garantir às usuárias do sistema privado de saúde assistência obstétrica pautada nos princípios de humanização e incentivo ao parto normal, a fim de melhorar os indicadores de morbimortalidade materna e perinatal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 15.5.2007

Aprovado em: 20.8.2007

  • 1. Patarra NL. Mudanças na dinâmica demográfica. In: Monteiro CA. Velhos e novos males da saúde no Brasil: a evolução do país e de suas doenças. São Paulo (SP): HUCITEC; 2000. p.61-78.
  • 2. Ministério da Saúde (BR). Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes. Brasília (DF): Ministério as Saúde; 2004.
  • 3. Escola de Comunicação Social. Gravidez de adolescentes entre 10-14 anos e vulnerabilidade social: estudo exploratório em cinco capitais. São Paulo (SP): ECOS; 2004.
  • 4. Sociedade Civil Bem Estar Familiar no Brasil. Pesquisa nacional sobre demografia e saúde. Rio de Janeiro (RJ): BEMFAM; 1996.
  • 5. Monteiro DLM, Cunha AA, Bastos AC. Gravidez na Adolescência. Rio de Janeiro (RJ): Revinter; 1998.
  • 6. Fundo das Nações Unidas para a Infância. A voz dos adolescentes. Brasília (DF); 2002. Disponível em http://www.unicef.org/brazil/pesquisa.pdf
  • 7. Cunningham FG. Pregnancy at the extremes of reproductive life. In: Cunningham FG, Gant NF, Leveno KJ, Gilstrap LC, Halth JC, Wenstron KD, organizadores. Williams Obstetrics. 19Şed. Rio de Janeiro (RJ): Prentice Hall International; 1993.
  • 8. Duarte CM, Nascimento VB, Akerman M. Gravidez na adolescência e exclusão social: análise de disparidades intra-urbanas. Rev Panam Salud Publica 2006; 19(4):236-43.
  • 9
    World Health Organization. Heath population and Development. WHO Position Paper. International Conference on Population and Development. Cairo; 1994.
  • 10. Secretaria Municipal de Saúde. Ribeirão Preto: Secretaria Municipal de Saúde; [acesso em 2004 junho 24]. Dados referentes a nascidos vivos no município de Ribeirão Preto. Disponível em: http:\\www.ribeiraopreto.gov.br/ssaude/i16princiapl.asp?pagina=/ssaude/vigilância/vigep/tabnet/i16indice.htm
  • 11. Silva L, Tonete VLP. A gravidez na adolescência sobre a perspectiva dos familiares: compartilhando projetos de vida e cuidado. Rev Latino-am Enfermagem 2006 março-abril; 14(2):199-206.
  • 12. Organización Mundial de la Salud. La salud de los adolescentes y jovenes en las Américas: un compromiso con el futuro. Washington, D.C.: OPS; 1985.
  • 13. Abramovay M, Castro MG, Silva LB. Juventudes e Sexualidade. Brasília (DF): UNESCO; 2004.
  • 14. Fabri RH, Silva HSL, Lima RV. Estudo comparativo das indicações de cesariana entre um hospital público-universitário e um hospital privado. Rev Bras Saude Mater Infant 2002 janeiro-abril; 2(1):29:35.
  • 15. Gleicher N. Cesarean Section rates in United States. JAMA 1984; 252: 3273-6.
  • 16. Osava RH. A redução das taxas de operação cesarianas no Brasil: um desafio para a enfermagem obstétrica. J Bras Ginecol 1996; 106: 421-7.
  • 17. Ministério da Saúde (BR). Manual Técnico de Assistência Pré-Natal. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2000.
  • Gravidez na adolescência: estudo comparativo das usuárias das maternidades públicas e privadas

    Ana Cyntia Paulin BaraldiI; Zaira Prado DaudII; Ana Maria de AlmeidaIII; Flavia Azevedo GomesIII; Ana Márcia Spanó NakanoIII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2007

    Histórico

    • Aceito
      20 Ago 2007
    • Recebido
      15 Maio 2007
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br