Acessibilidade / Reportar erro

O que se desvela com a rotação do espelho? Da formação do eu à sensação do desejo do Outro

What is unveiled by rotating the mirror? From the formation of the I to the sensation of the Other’s desire

Que dévoile-t-on en tournant le miroir? De la formation du Je à la sensation du désir de l’Autre

¿Qué se desvela con la rotación del espejo? De la formación del yo a la sensación del deseo del Otro

Com base no esquema óptico, proposto por Lacan para identificar a formação do eu na constituição do sujeito, esta pesquisa teórico-clínica levanta a seguinte hipótese: a rotação do espelho plano desvela a fragilidade do eu. O espelho plano introduz, na formação do eu, a alteridade que parte da concepção do Outro em Lacan. Como Freud já havia conceituado, o eu é uma superfície advinda do investimento libidinal a partir da relação do infans com o Outro, substituindo-se à experiência original do corpo despedaçado. Todavia, tal despedaçamento não desaparece no engodo produzido nessa substituição, e quando se desvela, pode lançar o sujeito na angústia. Nossa vinheta clínica visa provocar a discussão que o percurso teórico advindo dessa questão suscita: quando a angústia — como sensação do desejo do Outro —, emerge para, o sujeito espatifando a imagem; ou melho, como diz nosso jovem sujeito, “espaguetificando” o eu.

Palavras-chave:
Psicanálise; linguagem; corpo; caso clínico


Resumos

Based on Lacan’s optical scheme, proposed to identify the formation of the I in the constitution of the subject, this theoretical-clinical research posits that by rotating the plane mirror one reveals the fragility of the I. The plane mirror introduces, in the formation of the self, the alterity emerging from Lacan’s conception of the Other. As already conceptualized by Freud, the I is a surface that emerges from the libidinal investment in the infans’ relation with the Other, replacing the original experience of the fragmented body. However, such fragmentation does not disappear in this illusional substitution, which, when unveiled, can cast the subject into anguish. Our clinical vignette aims to discuss the theoretical path arising from this question: when anguish — as a sensation of the Other’s desire — emerges for the subject, shattering the image; or better, as our young subject puts it, “spaghettifying” the I.

Key words:
Psychoanalysis; language; body; clinical case

S’appuyant sur le schéma optique de Lacan, proposé pour identifier la formation du Je dans la constitution du sujet, cette recherche théorico-clinique postule qu’en faisant tourner le miroir plan on révèle la fragilité du Je. Le miroir plan introduit, dans la formation du Je, l’altérité issue de la conception de l’Autre chez Lacan. Comme déjà conceptualisé par Freud, le Je est une surface qui émerge de l’investissement libidinal de la relation du nourrisson avec l’Autre, remplaçant l’expérience originelle du corps fragmenté. Cependant, cette fragmentation ne disparaît pas dans cette substitution illusoire qui, lorsqu’elle est dévoilé, peut plonger le sujet dans l’angoisse. Notre vignette clinique vise à discuter la piste théorique qui en découle: lorsque l’angoisse — en tant que sensation du désir de l’Autre — surgit pour le sujet, faisant éclater l’image ; ou plutôt, comme le dit notre jeune sujet, en « spaghettifiant » le Jr.

Mots clés:
Psychanalyse; langage; corps; cas clinique


A partir del esquema óptico, propuesto por Lacan para identificar la formación del yo en la constitución del sujeto, esta investigación teórico-clínica plantea la siguiente hipótesis: la rotación del espejo plano revela la fragilidad del yo. El espejo plano introduce, en la formación del yo, la alteridad que proviene de la concepción del Otro en Lacan. Como ya lo había conceptualizado Freud, el yo es una superficie que surge de la investidura libidinal de la relación del infans con el Otro, sustituyendo la experiencia original del cuerpo despedazado. Sin embargo, este despedazamiento no desaparece en el engaño producido en esta sustitución, y, cuando se desvela, puede lanzar el sujeto en la angustia. Nuestra viñeta clínica pretende provocar la discusión que el camino teórico que surge de esta cuestión suscita: cuando la angustia —como sensación del deseo del Otro — emerge para el sujeto despedazando la imagen; o más bien, como dice nuestro joven sujeto, “espaguetizando” el yo.

Palabras clave:
Psicoanálisis; lenguage; corpo; caso clínico


Do organismo ao corpo-eu

Em “Projeto para uma psicologia” (1950[1895]/2020d), Freud descreve uma cena complexa que ocorre no primeiro momento da urgência do humano. O organismo do bebê recém-chegado ao mundo experimenta pela primeira vez um acúmulo de tensões ainda desconhecidas por ele, provenientes tanto dele próprio quanto dos estímulos exteriores. O aparelho psíquico se forma a partir disso, o que leva Freud a estipular o princípio de prazer como primeira lei de seu funcionamento, a busca para retornar a um estado anterior em que as excitações estão baixas e homeostáticas, identificando o prazer com esse estado como que de inércia. Sendo seu modelo articulado ao que, em 1895, havia de mais atual na física, ou seja, a termodinâmica, a hipótese que construía do funcionamento do aparelho psíquico tinha por eixo o aumento de energia: aumento de estimulação levando à excitação — o que era vivido como desprazer —, e sua descarga — visando o estado de prazer —, tendência necessária do tal funcionamento. Como um dispositivo de descarga de qualquer aumento de excitação no organismo através das vias motoras, o grito do recém-nascido — exemplo dado por Freud de um movimento reflexo produzido pela descarga da excitação do que retirara o organismo do estado de prazer, ou seja, uma fuga do estímulo —, possibilita o retorno ao estado anterior de menor tensão. Os estímulos com os quais esse primeiro aparelho psíquico precisa lidar são identificados por Freud como sendo da ordem das exigências da vida, como a fome e a sede, o aumento de luz, as mudanças de temperatura, o desconforto etc. ou seja, qualquer sensação que tire o bebê do que poderíamos chamar de sua zona de conforto. Mas evidentemente ele não dá conta de resolver isso sozinho, pois descarregar aumentos de excitações — como por exemplo aquelas que advém da estimulação da parede do estômago por ele estar vazio — não lhe traz condições de sobrevivência. Assim, ele precisa de uma ajuda alheia.

Por conta da necessária intervenção de uma ajuda alheia para o bebê humano sobreviver diante das exigências da vida, Freud (1926[1925]/2018c)Freud, S. (2018c). Inhibición, sintoma y angustia. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 20, pp. 71-244, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1926[1925]). conceitua o desamparo fundamental — Hilflosigkeit —, como inerente a todo ser falante. Será apenas a partir da relação com este que virá em seu socorro que, ao longo de muitas experiências poderá, aos poucos, fazer as distinções necessárias para, um dia, poder ele próprio executar tais ações específicas. O caminho é complexo até esse dia, e se inicia com a possibilidade de fazer experiências de satisfação a partir do que lhe faculta quem vem em seu socorro. Na teoria, habituamo-nos a exemplificá-lo através das primeiras relações do bebê com o seio materno, metáfora dos cuidados que se espera, culturalmente, que o alheio externo possa dar ao bebê, esse pequeno organismo que desconhece sua totalidade e que, “em decorrência do princípio de prazer, chora para descarregar um a mais de energia que lhe causa desconforto” (Alberti, 2009, p. 127Alberti, S. (2009). Esse sujeito adolescente. (3a ed.). Rios Ambiciosos/Contra Capa Livraria.). Havendo ali um Outro1 1 Tal como Lacan ressalta ao longo de sua obra, é importante destacar a diferença entre outro e Outro. A noção de Outro — “função da fala” (1954-55/1985, p. 297), “lugar da palavra” (Lacan, 1956-57/|1995, p. 79), “aquele que instaura e autoriza o jogo dos significantes” (Lacan, 1957-58/1999, p. 323), “lugar do código” (Lacan, 1968-69/2008c, p. 50) — é indicada por Lacan como a condição indispensável para a formação do eu e para a constituição do sujeito. O outro, o semelhante, ser vivo da mesma espécie, é referência para o eu porque imaginário, eu como imagem do outro, mas que nessa relação dual acaba por criar “um obstáculo ao advento do sujeito — S — no lugar de sua determinação significante, A” (Lacan, 1966/1998d, p. 919). Por sua vez, o outro, alheio externo, é também aquele que encarna o Outro, alteridade radical na medida em que o sujeito é por ele determinado, recebendo dele sua própria mensagem de forma invertida: “[...] é no Outro que está o inconsciente estruturado como uma linguagem” (Lacan, 1968-69/2008c, p. 220). que possa vir em seu socorro, percebendo as tentativas de ab-reação dos quantuns de excitação do bebê — seja por ele estar ranhetando, chorando ou esperneando —, ao ofertar o seio, o acalentará e lhe permitirá retornar ao estado de prazer. A mamada exige um esforço do bebê de modo que, ao mamar, ab-reage às tensões estimuladas pela fome, e que, assim descarregadas, levam ao apaziguamento, ao mesmo tempo em que a origem das excitações, ou seja, o estômago vazio, vai sendo apaziguada. Utilizamos aqui o termo apaziguamento como tradução de Befriedigung, que normalmente é traduzido por satisfação, mas que, na verdade, também inclui a referência à paz, Friede, em alemão. Finda a mamada, o bebê pode retornar ao estado de prazer — ele dorme em paz. Na medida em que o bebê experimenta um alívio na tensão, ele terá registrado essa experiência como prazerosa, cena que Freud nomeia como primeira experiência de satisfação — Befriedigung —, em função do que supõe ao bebê: a capacidade de querer buscar sempre novamente essa satisfação. A experiência promove, no pequeno organismo, o desejo do seio que, conforme vivenciado, lhe traz um apaziguamento regulado pelo princípio de prazer, regulação que o leva à busca pela repetição da experiência.

Como buscará repeti-la? Investindo na lembrança da experiência de satisfação quando, por algum motivo, for despertado do estado de prazer em que se encontra. Ao investir a lembrança da experiência que se inscreveu em sua memória — ou se fez traço mnêmico, como Freud o nomeia —, a memória do seio se projetará na sua tela da percepção e ele mamará o seio nela alucinado. É importante compreendermos isso porque introduz também a referência ao investimento — Besetzung —, ou catexia, como foi algumas vezes traduzido, e que só pode se dar se houver energia de investimento, aquela que surge da própria necessidade da vida — Not des Lebens —, o empuxo pela vida. De certo que levará algum tempo para o bebê se dar conta de que o seio alucinado é diferente do seio do qual retira seu alimento, mas quando ele puder fazer essa distinção, certo grupo de experiências e lembranças se destacarão do psiquismo inicial e inconsciente, grupo que já não mais estará regulado pelo princípio de prazer, e sim, pelo princípio de realidade, que permitirá ao bebê distinguir, negar, diferenciar as experiências a partir do juízo de atribuição. Com Kant, Freud distingue dois juízos, o de atribuição e o da existência, mas este último comporta que do primeiro tenha podido haver uma afirmação que ele chama de primordial, a conhecida Bejahung (Freud, 1925/2018bFreud, S. (2018b). La negación. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 19, pp. 249-257, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1925).), que ele desenvolve trinta anos depois da redação de seu “Projeto...”. O juízo de atribuição permite ao bebê conferir, justamente, caráter de boa e má às experiências vividas2 2 Para a questão dos juízos em Freud, ver Castilho (2007). e que se tornam lembranças, ou traços mnêmicos. No entanto, esses traços se organizarão conforme a lógica do princípio de realidade, arranjo diferente daquele que até então era hegemônico no psiquismo rudimentar do bebê, cujo funcionamento era exclusivamente debitário do princípio de prazer. Para distinguir ambas as lógicas, Freud propõe o processo primário como debitário do princípio de prazer, enquanto o princípio de realidade impõe o processo secundário, que processa os dados ali contidos conforme a lógica de que todos nós temos consciência: da negação, da não contradição, da cronologia — processos estudados pela psicologia como de bottom up e down3 3 Conforme, por exemplo, Valdivieso-Jiménez & Macedo-Orrego (2018). .

No inconsciente os traços mnêmicos de todas as experiências, sejam elas prazerosas ou desprazerosas, mantêm-se lado a lado como os livros em uma biblioteca, que estão lá à espera de um leitor que os invista com seu interesse. É preciso investir um traço mnêmico para que ele seja novamente projetado na tela da percepção, ou seja, rememorado, e como esses traços estão ali, a única lógica que os processa é a do 0 e 1 — ligado ou desligado. Cada traço mnêmico inconsciente pode ser investido, tornando-se ligado e, assim, projetando-se na tela da percepção, motivo pelo qual não há negação no inconsciente, nem contradição. No processo secundário, ao contrário, é fundamental ponderar se convém, no contexto, acionar ou não determinado traço mnêmico, tendo em vista a necessidade de examinar cuidadosamente a situação, otimizando os recursos a partir do que já foi aprendido na relação com os outros. Assim, o que nos interessa aqui ressaltar é a importância da alteridade em ambos os momentos. Inicialmente, o alheio externo, o próximo que socorre o bebê e que Freud identificou como Nebenmensch — que inaugura no pequeno sujeito o complexo do Outro, momento crucial para a passagem entre um organismo regido exclusivamente pela primeira lei do funcionamento psíquico e aquele que também é regido pela segunda lei, o princípio de realidade —, dará ao pequeno sujeito em formação as condições de interagir com o mundo no qual nasceu. Para isso, é preciso levar em conta o que o Outro quer dele, mas não apenas aquele Outro primordial, e sim os muitos outros com os quais se deparará doravante. Daí Freud identificar o Ich a esse sujeito que se forma a partir da relação com o Outro primordial, acrescentando, em 1923, a acepção que foi traduzida por eu — ou às vezes ego — e que, embora tenha a sua maior parte no inconsciente, também recorre a mecanismos de defesa para lidar com os outros, para o que é preciso uma certa dose de enganação, de faz de conta.

Em “Introdução ao narcisismo”, Freud (1914/202b), ao colocar-se a questão a respeito da relação do narcisismo com o autoerotismo, este descrito por ele como o momento inicial da libido, observa que a unidade do eu não está posta desde o começo da vida do bebê. O eu, como instância que vem dar limite ao que antes era um conjunto de sensações isoladas e dispersas, precisa se formar. Aqui, vale destacar a referência à formação. Trata-se, como observa Dunker (2002)Dunker, C. I. L. (2002). A questão do sujeito: construção, constituição e formação. In: Uma psicologia que se interroga – Ensaios. Edicon., da formação da função do eu, na medida em que a formação implica a resposta do eu “[...] a uma lógica formativa, não constitutiva [...]” (p. 73), uma lógica que dá forma. Dunker identifica essa lógica como aquela que se contrapõe ao processo educativo da formação, mas que, por outro lado, abarca “[...] uma espécie de lógica da alteridade, centrada na identificação [...]” (p. 73). Se o processo educativo impõe sempre uma referência a um ideal, a psicanálise, ao contrário — e Freud já o distinguia assim —, identifica na função do eu a mediação de um Outro ao qual o sujeito se aliena sim, mas também se separa. Razão pela qual o ideal da formação é apenas uma das ilusões humanas, não levando em conta a fundamental operação implicada no movimento de separação do Outro, que Lacan sublinha inicialmente na dialética com a alienação ao Outro (Lacan, 1964/2008bLacan, J. (2008b). O seminário. Livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (2a ed., M. D. Magno, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1964).) e, depois, na dialética em que se afirma contra a submissão ao penso, na medida em que este é sempre determinado pelo Outro, um dos nomes do inconsciente (Lacan, 1966-67Lacan, J. (1966-67). O seminário. Livro 14. A lógica da fantasia. Disponível em: <https://issuu.com/carlosedra/docs/jacques_lacan_-_seminario_livro_14_>. (Inédito).
https://issuu.com/carlosedra/docs/jacque...
e 1967-68Lacan, J. (1967-68). O seminário. Livro 15. O ato psicanalítico. Disponível em: <https://issuu.com/carlosedra/docs/jacques_lacan_-_semin_rio_livro_15_>. (Inédito).
https://issuu.com/carlosedra/docs/jacque...
).

A lógica da alteridade enfatizada por Dunker pode ser assim referida aos fundamentos da questão desenvolvida por Freud: os pais, na revivência de seus próprios narcisismos, atribuem ao filho todas as perfeições imaginárias, projetam nele todos os sonhos e ideais a que tiveram que renunciar. Tais atribuições atestam o investimento libidinal dos pais através de um olhar que enxerga o bebê para além de sua condição orgânica e o eleva, inicialmente, à condição de Sua Majestade, o bebê (Freud, 1914/2020bFreud, S. (2020b). Introducción del narcisismo. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 14, pp. 65-98, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1914).). É assim que, primariamente, o narcisismo correlato do bebê vem representar uma espécie de onipotência que se cria no encontro entre o narcisismo dos pais — renascente — e o narcisismo do bebê — nascente —, formando uma unidade corpórea (Freud, 1914/2020bFreud, S. (2020b). Introducción del narcisismo. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 14, pp. 65-98, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1914).). O resultado de tal ação psíquica, que produz a unidade, é o eu, que desde então passa a ser um objeto favorecido pelo investimento libidinal, caracterizando o que Freud chama de libido narcísica. Mais além de introduzir o narcisismo, o texto publicado originalmente em 1914 é, na realidade, “a introdução do narcisismo em uma psicanálise já bastante vertebrada até então” (Elia, 1995, p. 112Elia. L. (1995). Corpo e sexualidade em Freud a Lacan. Editora Uapê.; grifo nosso), uma vez que a inclusão do narcisismo na teoria das pulsões caracteriza, a um só tempo, o eu como um objeto pulsional, o corpo como unificado e o efeito da erotização da imagem do corpo próprio como libido narcísica. No ato da libido investir o eu, atestamos, com Freud, que o eu é tanto o objeto privilegiado da libido quanto a configuração corporal do sujeito, donde “o narcisismo freudiano se revela como um dado estrutural” (Rocha & Rosa, 2019, p. 96Rocha, I, M. S. A., & Rosa, M. (2019). O tempo e o objeto na psicanálise. Tempo psicanalítico, 51(2), 84-102. Recuperado em 1 fev. 2021, de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382019000200005&lng=pt&tlng=pt>.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). Foi essa relação tão íntima com a imagem que levou Lacan (1953-54/2009)Lacan, J. (2009). O seminário. Livro 1. Os conceitos técnicos de Freud (2a ed., B. Milan, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1953-54). a desenvolver a articulação do eu com o que chamou de registro do imaginário. Mas para entendê-lo, é preciso abordar o enlace dos registros da realidade psíquica em Lacan, do que decorrerá que não há imaginário sem simbólico.

A imagem e o ser falante

Com Darwin, no final do século XIX, o discurso da ciência derrubou, definitivamente, a ideia de que o ser humano — ou como se costumava dizer, e às vezes ainda se diz, o Homem, considerado o paradigma do ser dotado de racionalidade, o que, como se sabe, não era bem o que se pensava das mulheres —, foi criado à imagem e semelhança de Deus, ao contrário de todos os outros seres vivos. Darwin alinha-se com Copérnico e Freud, três grandes instauradores de discursividades, como dizia Foucault (1968/2001)Foucault, M. (2001). O que é um autor? In Estética, literatura e pintura, música e cinema (I. A. D. Barbosa, Trad., pp. 264-298). Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1968)., ou os três grandes agentes das feridas narcísicas na cultura ocidental, como observa, por exemplo, Pondé (2020)Pondé, L. F. C. S. (2020, agosto). Pondé: o que Copérnico, Darwin e Freud têm em comum? PUCRS on line. Recuperado em 17 fev. 2021, de: <https://blog-online.pucrs.br/public/ponde-o-que-copernico-darwin-e-freud-tem-em-comum/>.
https://blog-online.pucrs.br/public/pond...
: para Copérnico é o sol e não a terra que está no centro do universo, para Darwin o ser falante é apenas uma evolução de outros animais, e com Freud o eu “não é nem mesmo senhor de sua própria casa” (Freud, 1916-1917/2017, p. 261Freud, S. (2017). 18ª conferência. La fijación al trauma, lo inconciente. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol.16, pp. 250-261, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1916-1917).; tradução nossa)4 4 ni siquiera es el amo en su propria casa. . A ferida narcísica remete justamente ao eu que, conforme essas três grandes descobertas, descentralizou-se — à medida que foi sendo ferido ao longo desses séculos —, afirmando cada vez mais o sujeito dividido, legado da própria instauração do discurso da ciência que culminou no surgimento do homem sem qualidades do século XX, em que “nenhuma coisa, nenhum eu, nenhuma forma, nenhum princípio é certo, tudo se encontra numa transformação invisível e incessante, no instável há mais futuro do que no estável, e o presente não é senão uma hipótese que ainda não superamos” (Musil, 1930/1989, pp. 180-181Musil, R. (1989). O homem sem qualidades (L. Luft & C. Abbenseth, Trad.). Nova Fronteira. (Trabalho original publicado em 1930).).

Com efeito, a principal obra de Robert Musil já o denunciava através do personagem Ulrich, para quem a “gigantesca catástrofe bélica” (Abel, 2005, p. 110Abel, B. (2005). Tensões no romance “O homem sem qualidades”. Kalíope, 1(2), 104-123. Recuperado em 17 fev. 2021, de: <https://revistas.pucsp.br/index.php/kaliope/article/view/3183>.
https://revistas.pucsp.br/index.php/kali...
) é como um período de brusca transição, principalmente devido “à tensão entre duas formas de se compreender e de se viver o mundo, entre duas ‘mentalidades’: a mais nova poderia ser aqui denominada de científica e técnica; a mais antiga, de religiosa e metafísica” (idem). Se, por um lado, então, o discurso inaugurado por Descartes no século XVII, ou seja, o discurso da ciência, possibilitou um descentramento, por outro é interessante observar que a clínica verifica, ao contrário, uma ampla fenomenologia narcísica, para não falarmos das variadas formas de investimentos no eu, não apenas na singularidade dos casos clínicos, mas também em manifestações coletivas, como por exemplo aquelas estudadas por Freud em “Psicologia das massas e análise do eu” (1921/2020c), título que explicita a associação de movimentos de massas com o conceito de eu. Portanto, mesmo que o discurso da ciência tenha imposto importantes feridas narcísicas ao ser falante, investimentos narcísicos no eu aparecem tanto na clínica quanto em movimentos sociais, a ponto inclusive de não raro desmerecerem aqueles que não são à imagem do eu, provocando segregações, reações de ódio, quando não atos que têm por finalidade a destruição do outro.

Lacan, ao mesmo tempo que leva em conta o cogito cartesiano — e, portanto, o que inaugura o discurso da ciência —, o desmembra a partir das contribuições freudianas que dialetizam tanto o “penso”, quanto o “sou”: não sou, não penso, porque onde me acredito ser, não levo em conta que para me dizer ser, preciso pensar, e onde penso, não o faço sem levar em conta o que é de outro registro que não o do pensar, o do ser. Logo, foi a referência aos três registros da realidade psíquica, conceituada por Freud (cf. Alberti & Elia, 2008Alberti, S., & Elia, L. (2008). Psicanálise e ciência: o encontro dos discursos. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 8(3), 779-802. Recuperado em 17 fev 2021, de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482008000300010&lng=pt&tlng=pt>.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
), que conduziu Lacan (1966-67/inéditoLacan, J. (1966-67). O seminário. Livro 14. A lógica da fantasia. Disponível em: <https://issuu.com/carlosedra/docs/jacques_lacan_-_seminario_livro_14_>. (Inédito).
https://issuu.com/carlosedra/docs/jacque...
e 1967-6/inéditoLacan, J. (1967-68). O seminário. Livro 15. O ato psicanalítico. Disponível em: <https://issuu.com/carlosedra/docs/jacques_lacan_-_semin_rio_livro_15_>. (Inédito).
https://issuu.com/carlosedra/docs/jacque...
) ao desmonte do eu e do penso, na medida em que penso com significantes — que nunca se significam sozinhos, necessitam sempre de uma articulação com pelo menos um outro significante para significarem alguma coisa, o que se dá no simbólico —, mas nem tudo pode ser simbolizado; há o que fica fora do simbólico que é então da ordem do real; enquanto o eu é imaginário, o modo como cada um busca construir sentidos na associação significante que faz para, com eles, montar uma Gestalt, uma ponte imaginária que leva de um significante a outro, passando por cima do real. Só assim não se “cai na real” o tempo todo, o que seria por demais angustiante.

No entanto, essa também é a via que se abre para um sujeito enganar-se em ser esse eu, uma Gestalt construída para, como se diz, inglês ver, sendo ele próprio inglês também. Cilada do imaginário que Dunker (2002)Dunker, C. I. L. (2002). A questão do sujeito: construção, constituição e formação. In: Uma psicologia que se interroga – Ensaios. Edicon. destaca ao nos lembrar o íntimo parentesco da noção de imagem com a de formação que, em alemão, se diz Bildung, que “[...] contém dentro de si o radical Bild, literalmente, imagem” (p. 69), ou seja, uma formação já o é em torno da imagem. A questão é que, no fundo, na realidade, somos sujeitos divididos, não eus íntegros, indivíduos. Para a psicanálise, o sujeito é inconsciente e “[...] só se relaciona com seu corpo por intermédio do imaginário [...] do recobrimento libidinal da imagem do corpo material” (Elia, 2010, p. 154Elia, L. (2010). O conceito de sujeito. Jorge Zahar.), ratificando que eu-corpo e sujeito não são sinônimos, pelo contrário: o sujeito é um ato de resposta, efeito da incidência da linguagem no corpo do infans, incidência que implica tanto a emergência do sujeito quanto o fato de poder dizer que tem um eu-corpo — que surge da Bildung acima retomada do texto de Dunker (2002)Dunker, C. I. L. (2002). A questão do sujeito: construção, constituição e formação. In: Uma psicologia que se interroga – Ensaios. Edicon.. Portanto, o sujeito não é o seu corpo, o sujeito tem um corpo:

Um sujeito não é carne; é, antes de tudo, falta de carne. Dito de outra maneira, ele não é seu corpo [...] A disjunção com o seu corpo é muito fácil de perceber: fala-se do sujeito, ou seja, nós o representamos pelos significantes antes de seu nascimento, o que vale dizer que um sujeito precede o seu corpo na cadeia que o conduz ao seu nascimento. Poder-se-ia dizer: enquanto representado pela cadeia, ele, o sujeito, precede o corpo que será o seu. (Soler, 2019, pp. 22-23Soler, C. (2019). O em-corpo do sujeito. (G. Pamplona, S. Magalhães, C. Oliveira e E. Saporiti, Trad.). Ágalma. (Trabalho original publicado em 2001-02).)

Em suma, desconstituído o eu, ele é, ao mesmo tempo: 1) produto dos significantes que marcaram sua própria emergência, na singularidade das experiências, essa é sua vertente simbólica; 2) a Gestalt própria que é, antes de mais nada, corporal — Freud (1923/2018a)Freud, S. (2018a). El yo y el ello. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 19, pp. 13-66, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1923). escreveu textualmente: o eu é uma superfície, e esta é topológica no sentido matemático e não geográfico — e, portanto, imaginária, e 3) o eu é também o lugar da angústia (Freud, 1926[1925]/2018cFreud, S. (2018c). Inhibición, sintoma y angustia. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 20, pp. 71-244, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1926[1925]).), quando se vê frente a frente com o real. O registro do real, como aquilo que escapa à possibilidade de significação, foi sendo elaborado e aprofundado ao longo do ensino de Lacan, assim como o seu enodamento aos registros do simbólico e do imaginário. Mas o que destacamos nesse ponto é que “o real do corpo e o imaginário de seu esquema mental” (Lacan, 1960b/1998d, p. 818Lacan, J. (1998d). Quadro comentado das representações gráficas. In Escritos (pp. 918-923, V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1966).) estão implicados desde sempre na psicanálise, revelando que o corpo se apresenta como um lugar de intersecção dos três registros. Em “O eu e o isso” (1923/2018a), a ideia de um protagonismo do corpo, lugar privilegiado de onde partem as percepções internas e externas, confere ao eu “sobretudo uma essência-corpo; não só uma essência-superfície, mas ele mesmo, a projeção de uma superfície” (Freud, 1923/2018, p. 27; tradução nossa)5 5 El yo es sobre todo una esencia-cuerpo; no es sólo uma esencia-superficie, sino, él mismo, la proyección de una superficie. . Logo, se originalmente a libido era autoerótica, no momento em que ela também pode investir o próprio eu, ou seja, de forma narcísica, corpo e eu sofrem os mesmos processos, em que a projeção de uma superfície referida por Freud pode ser compreendida como uma totalidade que difere o corpo do seu entorno, contrapondo-se ao que outrora tinha um funcionamento difuso e sem unidade. Como toda projeção, há aqui algo de especular, sendo na especularidade que “o eu humano se constitui sobre o fundamento da relação imaginária” (Lacan, 1953-54/2009, p. 137Lacan, J. (2009). O seminário. Livro 1. Os conceitos técnicos de Freud (2a ed., B. Milan, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1953-54).).

Não há eu sem outro, não há sujeito sem Outro, mas tampouco há eu sem Outro porque este nos preexiste em todos os sentidos. Necessitamos de sua presença já quando nascemos, não só porque somos falados por ele, mas também porque o seu desejo nos faz preexistirmos a nós mesmos, no dizer dele. Somos seres falantes, determinados tão fundamentalmente pela linguagem a ponto de isso ter desbancado nossos instintos — somos movidos pelas pulsões que os substituíram porque estas não são sem referência à determinação significante. Ao nascer, fomos humanizados: “[...] essa necessidade do outro-cuidador impõe a entrada da carne nas vias do sentido ofertada pelo Outro. Assim o sujeito ingressa no campo da linguagem, incitado a uma escolha forçada à via do sentido que recolhe do Outro como meio de sobrevivência, tomando o lugar de dependência a um Outro para se constituir humano” (Previdelo, Salvador & Palma, 2019, p. 169Previdello, J. P. G., Salvador, I. N., & Palma, C. M. S. (2019). O corpo ao pé da letra: o sintoma entre o saber e o gozo. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 19(1), 166-186. Recuperado em 28 jan. 2021, de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812019000100010&lng=pt&tlng=pt>.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
).

Essa ideia, que se desdobra com a premissa de que não há imaginário sem simbólico, começou a ser esboçada por Lacan em seu texto “Os complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma função em psicologia” (1938/2003), ao designar a gênese da identificação — identificação do eu com uma imagem que é do outro — e retomar a noção de imago como uma “representação inconsciente” (p. 35) que atua como elemento fundamental do que Freud havia nomeado de complexo. O complexo do desmame, por exemplo, fixa no psiquismo a relação de amamentação e faz representar a forma primordial da imago materna. O desmame, condicionado por uma regulação cultural, comporta um traumatismo psíquico e deixa “a marca permanente da relação biológica que ele interrompe” (p. 37), uma vez que:

É a recusa do desmame que funda o positivo do complexo, isto é, a imago da relação de amamentação que ela tende a restabelecer. Essa imago é dada em seu conteúdo pelas sensações próprias da idade precoce, mas só tem forma à medida que estas se organizam mentalmente. Ora, sendo essa etapa anterior ao advento da forma do objeto, não parece que esses conteúdos possam ser representados na consciência. Mas eles se reproduzem nela, nas estruturas mentais que [...] moldam as experiências psíquicas posteriores [...]. O estudo do comportamento da primeira infância permite afirmar que as sensações exteroceptivas, proprioceptivas e interoceptivas ainda não estão, depois do décimo segundo mês, suficientemente coordenadas para que se conclua o reconhecimento do corpo próprio, nem tampouco, correlativamente, a ideia do que lhe é externo. (pp. 37-38)

Assim também se funda o complexo de intrusão, uma experiência do sujeito com os seus semelhantes ancorada no ciúme, que “[...] representa não uma rivalidade vital, mas uma identificação mental” (p. 43), já que o reconhecimento de um outro rival coloca em cena a identificação, na medida em que a imago do outro está ligada à estrutura do corpo próprio, trazendo o paradoxo de uma agressividade que “[...] é sempre simultaneamente sofrida e imposta, ou seja, sustentada por uma identificação com o outro que é objeto da violência” (p. 45). A identificação é então retomada por Lacan sob o termo do estádio do espelho, quando o sujeito pode reconhecer a sua imagem de modo especular; mas não sem que o valor afetivo dessa imagem seja ilusório, que a sua estrutura seja apenas um reflexo da forma humana e que a prematuridade do nascimento advenha como a principal atribuição do mal-estar psíquico:

Há aí uma estrutura arcaica do mundo humano cujos vestígios profundos foram mostrados pela análise do inconsciente: fantasias de desmembramento, de desarticulação do corpo, dentre as quais as da castração constituem apenas uma imagem valorizada por um complexo particular; a imago do duplo, cujas objetivações fantásticas, tal como realizadas por causas diversas em várias idades da vida, revelam ao psiquiatra que ela evolui com o crescimento do sujeito; e por fim, o simbolismo antropomórfico e orgânico dos objetos, cuja prodigiosa descoberta foi feita pela psicanálise nos sonhos e nos sintomas. (p. 48)

O eu, objeto de investimento narcísico, emerge ao mesmo tempo que o outro, permitindo que o sujeito saúde na imagem especular à sua unidade mental, momento próprio ao mundo narcísico que traz o ideal da imagem do duplo como uma imagem benéfica, uma vez que a estrutura libidinal está investida no corpo, subordinando a percepção à pulsão e projetando sobre o sujeito uma unidade advinda do reconhecimento de sua própria imagem a partir da imagem de seu semelhante. No entanto, esse benefício não vem sem a sua fragilidade, por tratar-se de uma imagem refletida momentânea, precária, com a qual o sujeito se vê e “se imagina homem apenas pelo que se imagina” (Lacan, 1964/2008b, p. 140Lacan, J. (2008b). O seminário. Livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (2a ed., M. D. Magno, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1964).). Daí Lacan (1964/2008) afirmar que o reconhecimento da imagem do semelhante para assunção da própria imagem não é suficiente para que o infans se emancipe, uma vez que isto só poderá ocorrer no momento em que terá se visto reconhecido no desejo do Outro, tal como Freud (1921/20c) nos lembra ao assinalar a identificação ao traço unário. Aqui novamente afirmamos que o eu não é sujeito, “[...] mas sim o primeiro momento da constituição do sujeito6 6 Para uma análise mais detalhada das noções de ‘constituição’ e ‘formação’, ver Dunker (2002). como tal [...]”, momento em que a criança “[...] está às voltas com a exploração da potência do Outro” (Dunker, 2006, p. 7Dunker, C. I. L. (2006). O nascimento do sujeito. Mente e Cérebro, 2, 14-26. Recuperado em 14 mar. 2022, de: <https://docero.com.br/doc/ncx0enc>.
https://docero.com.br/doc/ncx0enc...
).

Diferentemente do eu ideal, imagem herdeira da ilusão narcísica infantil de ser amado (Freud, 1914/2020bFreud, S. (2020b). Introducción del narcisismo. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 14, pp. 65-98, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1914).), “o ideal do eu é o ponto no Outro do significante a partir do qual o sujeito se vê como suscetível de ser amado, mas que ele, como sujeito, jamais alcança. Na verdade, o ideal do eu é o Ideal do Outro, por isso Lacan o escreve com o matema I(A)” (Alberti, Santos & Beteille, 2019, p. 793Alberti, S., Santos, C., & Beteille, I. (2019). A extimidade do supereu e um sujeito melancolizado. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 22(4), 782-802. Recuperado em 20 jan 2021, de: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-47142019000400782&tlng=pt.doi:10.1590/1415-4714.2019v22n4p782-8>.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Não à toa — ainda em referência ao traço unário, núcleo do ideal do eu, significante que pertence ao registro do simbólico, que preexiste ao sujeito e, portanto, é transmitido pelo Outro —, Lacan retoma o evangelho de João (Jo 1,1): “No princípio era o verbo quer dizer No princípio é o traço unário [...] singularidade do traço, é isso que introduzimos no real” (Lacan, 1962-63/2005b, p. 31Lacan, J. (2005b). O seminário. Livro 10. A angústia ( V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1962-63).). Suporte da identificação especular, o traço unário opera como identificação primária, como marca da primazia significante que funcionará como ideal, aglutinando o corpo do infans em uma unidade ilusória que aparece para ele como totalidade ancorada na imagem do outro. Ou seja, esse compromisso libidinal que promove a formação do eu a partir de uma unidade corpórea não vem do bebê, mas do Outro em um: tu és! (De Césaris, 2016De Césaris, D. M. C. (2016). A imagem corporal/especular do sujeito em constituição, de Freud a Lacan. Escuta/Fapesp.).

No texto “O estádio do espelho como formador da função do eu” (1949/1998a), Lacan retorna ao que havia desenvolvido no texto “Os complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma função em psicologia” (1938/2003) e volta a afirmar que o bebê, ainda sem inteligência instrumental, uma vez que não tem controle de seu corpo, supera esse entrave apoiando-se no outro. A imagem é o que permite que a criança antecipe, no nível psíquico, a futura unidade corporal como uma promessa de domínio que vem colocar ordem no caos sensorial. Desde então, entra em jogo um dinamismo libidinal: a imagem do corpo no espelho opera como um vetor que conduz a libido do corpo à imagem e da imagem ao mundo. Essa transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem deve ser entendida, ainda no plano da identificação, como uma imagem especular. A ficção de uma forma total, embora surja como Gestalt, mantém sua discordância no que tange à realidade, e para velá-lo, ilude, encobrindo a fragmentação do corpo — correspondente ao autoerotismo e às isoladas sensações provenientes das zonas erógenas —, com uma completude alienante que revela a ambiguidade presente no mundo fabricado. Por um lado, o júbilo da imagem especular e, por outro, a tensão agressiva frente à imagem unificada do corpo que traz em seu cerne o temor da desintegração proveniente de sua impotência motora (De Césaris, 2016De Césaris, D. M. C. (2016). A imagem corporal/especular do sujeito em constituição, de Freud a Lacan. Escuta/Fapesp.). Dito de outro modo, Sua Majestade, o bebê, é uma ilusão antecipadora que apreende a imagem do outro e se sustenta no campo do Outro, mas oculta a face também presente do submetimento aos caprichos do Outro, do qual o infans é dependente para sua sobrevivência:

O Outro investe o infante por meio da linguagem, marcando-lhe o corpo e cravando na carne o seu desejo por meio da palavra [...]. O corpo do bebê é então recortado pela inscrição dos significantes advindos daquele que primeiramente exerce a função de cuidador. (Alves & Almeida, 2017, p. 103Alves, R. B., & Almeida, M. T. F. (2017). Da perda do objeto: o encontro sobre o abismo. Psicologia USP, 28(1), 102-107. Recuperado em 1 fev. 2021, de: <http://www.scielo.br.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642017000100102&Ing=pt&tlng=pt.doi:10.1590/0103-656420160007>.
http://www.scielo.br.php?script=sci_artt...
)

A imagem, em sua função de ilusão, nos dá indícios de que para além do dado objetivo — a imagem em si —, há um dado subjetivo, que é a ilusão produzida. Desde então, a rivalidade vai se dar entre o corpo fragmentado e o outro que a criança é para si mesma, estruturando nessa dialética o conhecimento humano como paranoico, porque baseado na constante tensão que se apresenta para o sujeito como uma vivência de ameaça de perda daquilo que se conquistou: a própria imagem que trai o sujeito com seus sinais de mal-estar, revelando o que Lacan chamou de “discórdia primordial” (Lacan, 1949/1998a, p. 100) do sujeito com o mundo, porque “o estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a antecipação” (idem), produzindo o engodo da identificação através de uma imagem dita ortopédica, que aprisiona o eu na imagem que mantém de uma integridade para ocultar tanto o corpo despedaçado quanto a submissão do eu ao Outro, atribuindo uma autonomia fictícia, “uma liberdade que nunca se afirma tão autêntica quanto dentro dos muros de uma prisão” (p. 102).

A subordinação ao Outro, que implica o próprio corpo pela linguagem, exila-o de uma maturação natural, de modo que ele passa de “eu real — o feto, o corpo biológico, mas também o corpo como fadado desde sempre ao retorno ao inorgânico e, portanto, o corpo como determinado pela pulsão de morte — a eu prazer” (Alberti, 2004, p. 42Alberti, S. (2004). O corpo, uma superfície. In S. Alberti, & M. A. C. Ribeiro (Orgs.), Retorno do exílio: o corpo entre a psicanálise e a ciência (pp. 37-46). Contra Capa Livraria.), tornando-se zona erógena em função da relação com o Outro que nele provoca as pulsões de vida, zonas que se fundam a partir dos orifícios do corpo, fontes e alvos da pulsão, visando objetos parciais e não totais, furando a totalidade. Como dito, já não um ser instintivo e sim pulsional, o que “muda quase tudo, pois introduz a heterogeneidade” (idem): não há um ser falante igual a outro. Embora marcado pelo Outro, no que tange o simbólico; imaginário como unificado, o corpo, o eu, ainda apresenta uma terceira apreensão: os furos do real.

A sensação do desejo do Outro e seus efeitos

A função do investimento especular no interior da dialética do narcisismo, tal como Freud a introduziu, foi retomada por Lacan em pontos distintos de sua obra: “Os complexos familiares na formaç ã o do indiví duo: ensaio de aná lise de uma funç ã o em psicologia” (1938/2003) e “O estádio do espelho como formador da função do eu” (1949/1998a) o conduziram ao desenvolvimento do conhecido esquema óptico. O recurso à óptica foi a nova ferramenta utilizada por Lacan para ressaltar o lugar do imaginário na estrutura simbólica, uma vez que Freud, desde 1900, com A interpretação dos sonhos (1900/2020a), já se utilizava de instrumentos ópticos como modelos de comparação para o aparelho psíquico, recorrendo ao microscópio, ao telescópio e ao aparelho fotográfico. A óptica — como uma ciência que estuda a maneira com que se formam as imagens, sejam elas reais ou virtuais7 7 Imagens reais e imagens virtuais são categorias de imagens formadas a partir da interação da luz com instrumentos ópticos. —, se utiliza de diferentes tipos de espelhos para produzi-las. As imagens reais se formam como reflexo de um espelho côncavo quando o objeto espelhado está situado a uma distância maior que a distância focal, de maneira que o objeto refletido se forma na frente do espelho, invertido em relação ao objeto espelhado. São chamadas de 6 reais porque os feixes de luz que assim o projetam são reais, diferentes dos raios luminosos dos outros espelhos que são apenas prolongamentos especularizados, virtuais, portanto, nos espelhos convexos e planos. As imagens virtuais se formam dentro do espelho, o que levou Lacan a qualificá-las como imagens puramente subjetivas. Em O seminário. Livro 1. Os escritos técnicos de Freud (1953-54/2009), Lacan introduz a imagem real quando retoma a experiência do buquê invertido desenvolvida pelo físico Henri Bouasse.

Figura 1
O experimento do buquê invertido

Já aqui, Lacan distingue o corpo organismo do bebê como objeto real — aquém do espelho côncavo —, do corpo ideal, como a imagem real, além do espelho côncavo, na frente dele. É interessante essa referência “na frente”, porque o ideal está sempre à frente, além, onde o eu se vê no lugar do ideal. Ou seja, o surgimento do narcisismo primário como matriz simbólica de um eu que “precipita-se em sua forma primordial e constitui-se como símbolo de sua imagem no mundo” (Pena et al., 2019, p. 150Pena, B. F., Salgado, S. M. S. S., Figueiredo, B. C. S. M., Rodrigues, L. C., & Rocha, A. M. C. (2019). Das flores à angústia: o esquema óptico de Bouasse, por Lacan. Estudos de Psicanálise, 51, 149-155. Recuperado em 3 fev 2021, de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372019000100014&lng=pt&tlng=pt>.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). Para Pena et al., “A especificidade óptica do espelho côncavo proporcionaria a experiência de quem desempenha a função materna” (idem), pois tal função que é do Outro primordial, antecipa a imagem do eu do infans, vendo-o lá onde ele ainda não está:

[...] a imagem do corpo, se a situamos no nosso esquema é como o vaso imaginário que contém o buquê de flores real. Aí está como nós podemos representar o sujeito anterior ao nascimento do eu, e o surgimento deste (Lacan, 1953-54/2009, p. 109Lacan, J. (2009). O seminário. Livro 1. Os conceitos técnicos de Freud (2a ed., B. Milan, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1953-54).)

Ao avançar na noção de formação do eu, ainda em seu primeiro seminário e, na sequência, n’O seminário. Livro 2. O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954-55/1985), Lacan não só apresentou os desdobramentos do esquema óptico ao acrescentar um espelho plano diante do buquê, que passa a funcionar como uma superfície refletora, como distinguiu eu e outro — a e a’ — do Outro — A — que os determina, com o esquema L.

Figura 2
Esquema dedois espelhos

Figura 3
Esquema L – A função imagináriado eu e o discurso do inconsciente

Com esse novo modelo, também retomado em “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache: psicanálise e estrutura da personalidade” que reflete a unificação do vaso com as flores, velando para o sujeito o seu estado anterior de despedaçamento.

Vale observar que Lacan faz duas modificações importantes na passagem do primeiro para o segundo esquema: 1) o olho muda de posição e passa a estar localizado entre o espelho côncavo e o objeto e 2) o buquê invertido é transformado em vaso invertido, apenas para ser mais cômodo o entendimento e a visualização por parte de seus ouvintes, o que também lhe permite avançar para além do objeto e imagem reais.

Com a introdução do espelho plano, Lacan pôde diferenciar no esquema o eu ideal e o ideal do eu, o que já fora trabalhado por Freud em diversos momentos de sua obra. Vale-se também mais ainda do vaso e das flores de Bouasse para mostrar como, através da presença do Outro — o reflexo no espelho plano —, o sujeito (no esquema de dois espelhos retomado com a Figura 4, o S) pode ver-se já não corpo despedaçado, e sim o corpo organismo (objeto real) integrado à imagem real, a unificação do vaso com as flores na imagem virtual do espelho plano. Assim, “o eu ideal, imaginário, se forma no interior do espelho plano (A), que é simbólico; ou seja, o espelho plano funciona como a tela do ideal do eu, onde o eu ideal pode ser projetado” (Pena et al., p. 151). O ideal do eu introduz uma precipitação da imagem a partir do Outro, uma “linha de ficção para sempre irredutível” (Lacan, 1949/1998a, p. 98) para o sujeito que continua na condição de estar completamente dependente e sustentado. O eu conforma-se, assim, em nada mais do que uma série de camadas identificatórias sobrepostas — constelação de insígnias — advindas do efeito de alienação que marca no Outro a posição em que sujeito primeiro se experimenta, ao mesmo tempo que o ideal do eu é “o lugar do qual o sujeito aguarda, anseia um olhar de amor, de reconhecimento de seu valor” (Alberti, Santos & Beteille, 2019, p. 793Alberti, S., Santos, C., & Beteille, I. (2019). A extimidade do supereu e um sujeito melancolizado. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 22(4), 782-802. Recuperado em 20 jan 2021, de: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-47142019000400782&tlng=pt.doi:10.1590/1415-4714.2019v22n4p782-8>.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
).

Figura 4
Esquema de dois espelhos

Em O seminário. Livro 6. O desejo e sua interpretação (1958-59/2016), Lacan ratifica a constituição do desejo na relação com o Outro propondo o algoritmo i(a)SaI para reafirmar que a relação do sujeito com a sua imagem equivale à relação do sujeito com o seu próprio corpo, sendo essa relação o cerne da problemática do sujeito em confronto com o objeto: “Essa imagem é marcada como indicie de um I maiúsculo, de um ideal do eu, na medida em que ele é o herdeiro de uma relação primeira do sujeito, não com seu desejo, mas com o desejo de sua mãe” (Lacan, 1958-59/2016, p. 127Lacan, J. (2016). O seminário. Livro 6. O desejo e sua interpretação (C. Berliner, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1958-59).). É porque “a relação imaginária com o outro e a captura do Eu Ideal servem para arrastar o sujeito para o campo em que ele se hipostasia no Ideal do Eu” (Lacan, 1960a/1998a, p. 686), que o sujeito permanece no lugar de objeto do desejo do Outro e, enquanto tal, angustia-se. Esse ponto é retomado por Lacan em O Seminário. Livro 9. A identificação (1961-62/inédito), quando reafirma a imagem do eu como aquilo que vem encobrir o lugar de objeto que o sujeito ocupa diante do desejo do Outro, na medida em que a angústia emerge quando de falta, restando apenas o lugar de (a). É o encontro do sujeito com o objeto a — aquele que não pode nem se simbolizar nem é especularizável, ou seja, não é nem simbólico, nem imaginário, mas real — que a angústia se produz, angústia que Lacan qualifica como a “sensação do desejo do Outro” (1961-62; lição de 4.4.1962).

Será em O Seminário. Livro 10. A angústia (1962-63/2005) que encontraremos novos desdobramentos do esquema óptico. Com a ilustração do esquema completo verificamos que o Outro — A — como espelho plano, quando rotacionado até 90 graus em relação à sua posição inicial, desloca o sueito de S, aS,.

Figura 5
Esquema completo

Com o deslocamento de S1 a S2, ou seja, quando o espelho plano é rotacionado do ângulo de 90 graus para o de 180 graus, o Outro não mais faz a vez do espelho, que operava como um véu impedindo que o sujeito tivesse acesso direto ao objeto. Como efeito, a ilusão da imagem virtual é desfeita, a miragem da integridade do eu se esvai e o sujeito se depara com o lugar de objeto que ocupa para o Outro. A emergência de a, que surge, tal um intruso, nesse campo que não é o seu, dá visibilidade ao invisível, produzindo na imagem certa perturbação e, até mesmo, uma despersonificação, tal como Freud ilustrou com o seu texto sobre o “Infamiliar” (1919/2019). A importância disso é tal que Lacan pôde dizer em O seminário. Livro 14. A lógica da fantasia (1966-67/inédito, lição de 19.4.1967), que o objeto é a montagem sobre a qual se lapida o sujeito, tal como um ourives produz sua joia. A emergência do objeto a não é a de um objeto qualquer, mas de um objeto que é homólogo ao sujeito e o coloca em continuidade com o Outro, com todo seu valor erógeno. Daí Lacan afirmar que a angústia não é sem objeto (1962-63/2005b) ou, dito de outro modo, o corpo das zonas erógenas não é o corpo imagem, e sim, seus orifícios, corpo apreendido fora do espelho, mas que retorna sobreposto, produzindo a inquietante estranheza devido à falta de limite entre o sujeito e o Outro. Metodologicamente, a retomada da construção teórico-conceitual do eu na teoria de Freud, relida por Lacan,8 8 Para abordarmos o esquema óptico e seus desdobramentos, metodologicamente privilegiamos a seguinte construção teórico-conceitual em Lacan: “Os complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma função em psicologia” (1938/2003); “O estádio do espelho como formador da função do eu” (1949/1998a); O seminário. Livro 1. Os escritos técnicos de Freud (1953-54/2009); O seminário. Livro 2. O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954-55/1985); O seminário. Livro 6. O desejo e sua interpretação (1958-59/2016); “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache: psicanálise e estrutura da personalidade” (1960a/1998b, p. 681); O seminário. Livro 9. A identificação (1961-62/Inédito); O seminário. Livro 10. A angústia (1962-63/2005b) e O seminário. Livro 14. A lógica da fantasia (1966-67/Inédito). nos permitiu pensar, a partir da clínica, a intrusão do Outro no espaço corpóreo do sujeito, tal como nossa vinheta visa provocar com o caso Pedro, que contribui de forma paradigmática, com seus apenas 11 anos de idade, para a discussão dos desdobramentos que o percurso teórico advindo dessa questão suscita.

Pedro, paciente de 11 anos de idade, mora com seus tios-avós maternos há sete anos, após seus cuidados serem conferidos a eles por conta de uma série de maus-tratos e negligências por parte da mãe, que já não encontra. Quanto ao pai, só foram ter notícias de sua identidade após um episódio em que o menino, na ocasião com oito anos, tomou conhecimento que o genitor de sua irmã mais nova não era o seu, e, tomado de angústia, feriu seu próprio rosto com as unhas. Declaradamente apaixonado pelas ciências, o jovem se diz encantado por astronomia. Em uma de suas primeiras sessões, nomeia cada um dos membros de sua família de acordo com as características dos planetas do sistema solar. Marte, segundo ele, era o planeta que melhor o representava por ser rochoso, característica que ele atribuía à força. Sua tia-avó estava associada à Terra, por ser o único planeta que oferece condições de ser habitável. Seu tio-avô é comparado ao Sol, pois era o que movimentava tudo em casa. Sua mãe seria Téia, um planeta não mais existente, mas que em algum momento já esteve em condições de ser habitado. Por fim, “acho que está faltando um planeta aqui, né?”, interrogou o paciente. “Ah... Está faltando Plutão! Mas ele nem é mais planeta de tão pequeno. Acho que ele pode ser meu pai, então”.

Passadas algumas sessões, Pedro recebeu notícias de que sua mãe estava grávida e, em um tom queixoso, diz que se sua mãe cruzasse com ele na rua provavelmente não o reconheceria. Na mesma sessão, fica intrigado diante de uma pontuação da analista a respeito de uma ciência diferente dessas que estudam o universo: a que estuda o inconsciente. Em consequência, se debruça sobre os sonhos — exemplo dado pela analista —, e relata um sonho de angústia. Descreveu que estava no espaço com uma roupa de astronauta, de costas para a Terra e em direção a Marte. Conforme ele tentava olhar para Marte, tinha um buraco negro no caminho: “Eu sabia que era um buraco negro porque as coisas em volta estavam sendo puxadas para dentro dele. Como você sabe, não é possível enxergar um buraco negro. Aquela foto que tiraram do buraco negro, na verdade é a luz emitida das coisas sendo atraídas para dentro dele”. No desfecho desse sonho, na tentativa de se aproximar de Marte ele era sugado para o buraco negro que foi capaz de romper sua roupa de astronauta e puxá-lo com tal força comparada, segundo ele, ao efeito de “espaguetificação”.9 9 Na astronomia, este efeito é um processo caracterizado quando um corpo sujeito a um campo gravitacional muito intenso, como é o caso do buraco negro, é brutalmente esticado, restando dele apenas uma fileira de átomos. Um sonho de angústia que não deixa de nos lembrar o que Freud (1919/2019)Freud, S. (2019). O infamiliar. In Obras incompletas de Sigmund Freud (pp. 27-126, R. Freitas, E. Chaves & P. H. Tavares, Trad.). Autêntica. (Trabalho original publicado em 1919). referia à despersonificação, espatifação subjetiva por ação do Outro antropofágico que, neste caso, parece gostar de macarrão.

Nas sessões seguintes, Pedro passou a manifestar seu mais novo interesse: “A gente fica achando que é o Sol que movimenta tudo, mas, na verdade, tudo gira em volta do buraco negro! Quando eu crescer quero ser um grande cientista, desses que são reconhecidos por inventar uma teoria”. Receoso de que sua mãe não o reconhecesse, deparara-se com a possibilidade de não mais ser, e por isso aferra-se a um eu que ele constrói à imagem dos grandes cientistas que, em sua fantasia, ao criarem teorias, garantem o reconhecimento do Outro. Ao projetar sobre os planetas a sua própria “constelação familiar” (Lacan, 1953/2008a, p. 12Lacan, J. (2008a). O mito individual do neurótico (C. Berliner, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1953).), Pedro, através do sonho endereçado à analista, dá pistas de como a fantasia, no mesmo ato em que vela — em um grande cientista —, desvela o objeto que ele é para o Outro justamente ali onde o espelho está caído a 180 graus, reatualizando a “sensação do desejo do Outro” (Lacan, 1961-62/inéditoLacan, J. (1961-62). O seminário. Livro 9. A identificação. Disponível em: <https://issuu.com/carlosedra/docs/jacques_lacan_-_semin_rio_livro_9_->. (Inédito).
https://issuu.com/carlosedra/docs/jacque...
; lição de 4.4.1962) como angústia.

Isso porque, capturado na topologia da “espaguetificação”, ele é lançado “de volta ao plano de uma profunda insuficiência [que] revela nele uma rachadura, um dilaceramento original, uma derrelição [...]. [...] uma experiência da morte, [...comum em] todas as manifestações da condição humana, mas [...] muito especialmente na vivência do neurótico” (Lacan, 1953/2008a, p. 23Lacan, J. (2008a). O mito individual do neurótico (C. Berliner, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1953).). E devora-se uma criança, conforme a gramática de sua fantasia.

A aproximação da experiência de morte evidenciada por Pedro, em seu relato do buraco negro, se aproxima do que vemos com Zizek (1992)Zizek, S. (1992). Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia (P. H. Ligne, Trad.). Jorge Zahar. a respeito da dissimetria entre o olho e o olhar, visto que este, “longe de assegurar a presença em si do sujeito e de sua visão, funciona, pois, como uma mancha, um ponto na imagem que perturba a visibilidade transparente e introduz uma distância irredutível” (p. 151). Diante dessa mancha, desse objeto que causa angústia, evidencia-se a ameaça, mesmo que em sonho, da reatualização do despedaçamento do corpo, do olhar exterior que materializa a angústia (Riguini & Ferrari, 2018Riguini, R. D., & Ferrari, I. F. (2018). O olhar da História do Olho: notas sobre um objeto lacaniano. Scripta, 22(44), 141-156. Recuperado em 30 jan. 2021, de: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/P.2358-3428.2018v22n44p141/13256.doi.org/10.5752/P.2358-3428.2018v22n44p141>.
http://periodicos.pucminas.br/index.php/...
), na medida em que “o olho institui a relação fundamental desejável porque sempre tende a fazer desconhecer, na relação com o Outro, que por trás do desejável há um desejante” (Lacan, 1962-63/2005b, p. 296Lacan, J. (2005b). O seminário. Livro 10. A angústia ( V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1962-63).), e deste, sabemos, é o que produz a sensação que leva à angústia.

  • 1
    Tal como Lacan ressalta ao longo de sua obra, é importante destacar a diferença entre outro e Outro. A noção de Outro — “função da fala” (1954-55/1985, p. 297), “lugar da palavra” (Lacan, 1956-57/|1995, p. 79Lacan, J. (1995). O seminário. Livro 4. A relação de objeto (C. D. Estrada, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1956-57).), “aquele que instaura e autoriza o jogo dos significantes” (Lacan, 1957-58/1999, p. 323Lacan, J. (1999). O seminário. Livro 5. As formações do inconsciente (V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1957-58).), “lugar do código” (Lacan, 1968-69/2008c, p. 50Lacan, J. (2008c). O seminário. Livro 16. De um outro ao Outro (V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1968-69).) — é indicada por Lacan como a condição indispensável para a formação do eu e para a constituição do sujeito. O outro, o semelhante, ser vivo da mesma espécie, é referência para o eu porque imaginário, eu como imagem do outro, mas que nessa relação dual acaba por criar “um obstáculo ao advento do sujeito — S — no lugar de sua determinação significante, A” (Lacan, 1966/1998d, p. 919Lacan, J. (1998d). Quadro comentado das representações gráficas. In Escritos (pp. 918-923, V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1966).). Por sua vez, o outro, alheio externo, é também aquele que encarna o Outro, alteridade radical na medida em que o sujeito é por ele determinado, recebendo dele sua própria mensagem de forma invertida: “[...] é no Outro que está o inconsciente estruturado como uma linguagem” (Lacan, 1968-69/2008c, p. 220Lacan, J. (2008c). O seminário. Livro 16. De um outro ao Outro (V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1968-69).).
  • 2
    Para a questão dos juízos em Freud, ver Castilho (2007)Castilho, P.T. (2007). Alusões lacanianas à falta a partir do modelo crístico – um lugar para a crença repousar. Psicologia Clínica, 19(2), 167-180. Recuperado em 17 out. 2021, de: <https://www.scielo.br/j/pc/a/4Rz9Qn9X74hSk3G7SfvCRtG/?format=pdf⟨=pt>.
    https://www.scielo.br/j/pc/a/4Rz9Qn9X74h...
    .
  • 3
    Conforme, por exemplo, Valdivieso-Jiménez & Macedo-Orrego (2018)Valdivieso-Jiménez, G., & Macedo-Orrego, L. (2018). Neurociencias y psicoterapia: mecanismo top-down y bottom-up. Revista de Neuro-Psiquiatría, 81(3), 183-195. Recuperado em 17 out. 2021, de: <https://dx.doi.org/https://doi.org/10.20453/rnp.v81i3.3386>.
    https://dx.doi.org/https://doi.org/10.20...
    .
  • 4
    ni siquiera es el amo en su propria casa.
  • 5
    El yo es sobre todo una esencia-cuerpo; no es sólo uma esencia-superficie, sino, él mismo, la proyección de una superficie.
  • 6
    Para uma análise mais detalhada das noções de ‘constituição’ e ‘formação’, ver Dunker (2002)Dunker, C. I. L. (2002). A questão do sujeito: construção, constituição e formação. In: Uma psicologia que se interroga – Ensaios. Edicon..
  • 7
    Imagens reais e imagens virtuais são categorias de imagens formadas a partir da interação da luz com instrumentos ópticos.
  • 8
    Para abordarmos o esquema óptico e seus desdobramentos, metodologicamente privilegiamos a seguinte construção teórico-conceitual em Lacan: “Os complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma função em psicologia” (1938/2003); “O estádio do espelho como formador da função do eu” (1949/1998a); O seminário. Livro 1. Os escritos técnicos de Freud (1953-54/2009); O seminário. Livro 2. O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (1954-55/1985); O seminário. Livro 6. O desejo e sua interpretação (1958-59/2016); “Observação sobre o relatório de Daniel Lagache: psicanálise e estrutura da personalidade” (1960a/1998b, p. 681); O seminário. Livro 9. A identificação (1961-62/Inédito); O seminário. Livro 10. A angústia (1962-63/2005b) e O seminário. Livro 14. A lógica da fantasia (1966-67/Inédito).
  • 9
    Na astronomia, este efeito é um processo caracterizado quando um corpo sujeito a um campo gravitacional muito intenso, como é o caso do buraco negro, é brutalmente esticado, restando dele apenas uma fileira de átomos.

Referências

  • Abel, B. (2005). Tensões no romance “O homem sem qualidades”. Kalíope, 1(2), 104-123. Recuperado em 17 fev. 2021, de: <https://revistas.pucsp.br/index.php/kaliope/article/view/3183>.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/kaliope/article/view/3183
  • Alberti, S. (2004). O corpo, uma superfície. In S. Alberti, & M. A. C. Ribeiro (Orgs.), Retorno do exílio: o corpo entre a psicanálise e a ciência (pp. 37-46). Contra Capa Livraria.
  • Alberti, S. (2009). Esse sujeito adolescente (3a ed.). Rios Ambiciosos/Contra Capa Livraria.
  • Alberti, S., & Elia, L. (2008). Psicanálise e ciência: o encontro dos discursos. Revista Mal-Estar e Subjetividade, 8(3), 779-802. Recuperado em 17 fev 2021, de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482008000300010&lng=pt&tlng=pt>.
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1518-61482008000300010&lng=pt&tlng=pt
  • Alberti, S., Santos, C., & Beteille, I. (2019). A extimidade do supereu e um sujeito melancolizado. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 22(4), 782-802. Recuperado em 20 jan 2021, de: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-47142019000400782&tlng=pt.doi:10.1590/1415-4714.2019v22n4p782-8>.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-47142019000400782&tlng=pt.doi:10.1590/1415-4714.2019v22n4p782-8
  • Alves, R. B., & Almeida, M. T. F. (2017). Da perda do objeto: o encontro sobre o abismo. Psicologia USP, 28(1), 102-107. Recuperado em 1 fev. 2021, de: <http://www.scielo.br.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642017000100102&Ing=pt&tlng=pt.doi:10.1590/0103-656420160007>.
    » http://www.scielo.br.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642017000100102&Ing=pt&tlng=pt.doi:10.1590/0103-656420160007
  • Castilho, P.T. (2007). Alusões lacanianas à falta a partir do modelo crístico – um lugar para a crença repousar. Psicologia Clínica, 19(2), 167-180. Recuperado em 17 out. 2021, de: <https://www.scielo.br/j/pc/a/4Rz9Qn9X74hSk3G7SfvCRtG/?format=pdf⟨=pt>.
    » https://www.scielo.br/j/pc/a/4Rz9Qn9X74hSk3G7SfvCRtG/?format=pdf⟨=pt
  • De Césaris, D. M. C. (2016). A imagem corporal/especular do sujeito em constituição, de Freud a Lacan Escuta/Fapesp.
  • Dunker, C. I. L. (2002). A questão do sujeito: construção, constituição e formação. In: Uma psicologia que se interroga – Ensaios Edicon.
  • Dunker, C. I. L. (2006). O nascimento do sujeito. Mente e Cérebro, 2, 14-26. Recuperado em 14 mar. 2022, de: <https://docero.com.br/doc/ncx0enc>.
    » https://docero.com.br/doc/ncx0enc
  • Elia. L. (1995). Corpo e sexualidade em Freud a Lacan Editora Uapê.
  • Elia, L. (2010). O conceito de sujeito Jorge Zahar.
  • Foucault, M. (2001). O que é um autor? In Estética, literatura e pintura, música e cinema (I. A. D. Barbosa, Trad., pp. 264-298). Forense Universitária. (Trabalho original publicado em 1968).
  • Freud, S. (2017). 18ª conferência. La fijación al trauma, lo inconciente. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol.16, pp. 250-261, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1916-1917).
  • Freud, S. (2018a). El yo y el ello. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 19, pp. 13-66, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1923).
  • Freud, S. (2018b). La negación. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 19, pp. 249-257, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1925).
  • Freud, S. (2018c). Inhibición, sintoma y angustia. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 20, pp. 71-244, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1926[1925]).
  • Freud, S. (2019). O infamiliar. In Obras incompletas de Sigmund Freud (pp. 27-126, R. Freitas, E. Chaves & P. H. Tavares, Trad.). Autêntica. (Trabalho original publicado em 1919).
  • Freud, S. (2020a). La interpretación de los sueños. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (vol. 4, pp. 29-612, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1900).
  • Freud, S. (2020b). Introducción del narcisismo. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 14, pp. 65-98, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1914).
  • Freud, S. (2020c). Psicología de las masas y análisis del yo. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol.18, pp. 63-136, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1921).
  • Freud, S. (2020d). Proyecto de Psicologia. In J. Strachey (Ed.), Obras completas (2a ed., vol. 1, pp. 323-446, J. L. Etcheverry, Trad.). Amorrortu. (Trabalho original publicado em 1950[1895]).
  • João (2018). In A Bíblia: Nova Tradução na Linguagem de Hoje Sociedade Bíblica do Brasil, 2018.
  • Lacan, J. (1961-62). O seminário. Livro 9. A identificação Disponível em: <https://issuu.com/carlosedra/docs/jacques_lacan_-_semin_rio_livro_9_->. (Inédito).
    » https://issuu.com/carlosedra/docs/jacques_lacan_-_semin_rio_livro_9_-
  • Lacan, J. (1966-67). O seminário. Livro 14. A lógica da fantasia Disponível em: <https://issuu.com/carlosedra/docs/jacques_lacan_-_seminario_livro_14_>. (Inédito).
    » https://issuu.com/carlosedra/docs/jacques_lacan_-_seminario_livro_14_
  • Lacan, J. (1967-68). O seminário. Livro 15. O ato psicanalítico Disponível em: <https://issuu.com/carlosedra/docs/jacques_lacan_-_semin_rio_livro_15_>. (Inédito).
    » https://issuu.com/carlosedra/docs/jacques_lacan_-_semin_rio_livro_15_
  • Lacan, J. (1985). O seminário. Livro 2. O eu na teoria de Freud e na técnica da psicanálise (M. C. L. Penot, Trad.). Jorge Zahar (Trabalho original publicado em 1954-55).
  • Lacan, J. (1995). O seminário. Livro 4. A relação de objeto (C. D. Estrada, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1956-57).
  • Lacan, J. (1998b). Observação sobre o relatório de Daniel Lagache: psicanálise e estrutura da personalidade. In Escritos (pp. 653-691, V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1960a).
  • Lacan, J. (1998c). Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. In Escritos (pp. 807-842, V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1960b).
  • Lacan, J. (1998d). Quadro comentado das representações gráficas. In Escritos (pp. 918-923, V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1966).
  • Lacan, J. (1999). O seminário. Livro 5. As formações do inconsciente (V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1957-58).
  • Lacan, J. (2003). Os complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma função em psicologia. In Outros Escritos (pp. 29-90. V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1938).
  • Lacan, J. (2005a). O simbólico, o imaginário e o real. In Nomes-do-Pai (pp. 9-54, A. Telles, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1953).
  • Lacan, J. (2005b). O seminário. Livro 10. A angústia ( V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1962-63).
  • Lacan, J. (2008a). O mito individual do neurótico (C. Berliner, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1953).
  • Lacan, J. (2008b). O seminário. Livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (2a ed., M. D. Magno, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1964).
  • Lacan, J. (2008c). O seminário. Livro 16. De um outro ao Outro (V. Ribeiro, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1968-69).
  • Lacan, J. (2009). O seminário. Livro 1. Os conceitos técnicos de Freud (2a ed., B. Milan, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1953-54).
  • Lacan, J. (2016). O seminário. Livro 6. O desejo e sua interpretação (C. Berliner, Trad.). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1958-59).
  • Musil, R. (1989). O homem sem qualidades (L. Luft & C. Abbenseth, Trad.). Nova Fronteira. (Trabalho original publicado em 1930).
  • Pena, B. F., Salgado, S. M. S. S., Figueiredo, B. C. S. M., Rodrigues, L. C., & Rocha, A. M. C. (2019). Das flores à angústia: o esquema óptico de Bouasse, por Lacan. Estudos de Psicanálise, 51, 149-155. Recuperado em 3 fev 2021, de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372019000100014&lng=pt&tlng=pt>.
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372019000100014&lng=pt&tlng=pt
  • Pondé, L. F. C. S. (2020, agosto). Pondé: o que Copérnico, Darwin e Freud têm em comum? PUCRS on line Recuperado em 17 fev. 2021, de: <https://blog-online.pucrs.br/public/ponde-o-que-copernico-darwin-e-freud-tem-em-comum/>.
    » https://blog-online.pucrs.br/public/ponde-o-que-copernico-darwin-e-freud-tem-em-comum/
  • Previdello, J. P. G., Salvador, I. N., & Palma, C. M. S. (2019). O corpo ao pé da letra: o sintoma entre o saber e o gozo. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 19(1), 166-186. Recuperado em 28 jan. 2021, de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812019000100010&lng=pt&tlng=pt>.
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812019000100010&lng=pt&tlng=pt
  • Riguini, R. D., & Ferrari, I. F. (2018). O olhar da História do Olho: notas sobre um objeto lacaniano. Scripta, 22(44), 141-156. Recuperado em 30 jan. 2021, de: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/P.2358-3428.2018v22n44p141/13256.doi.org/10.5752/P.2358-3428.2018v22n44p141>.
    » http://periodicos.pucminas.br/index.php/scripta/article/view/P.2358-3428.2018v22n44p141/13256.doi.org/10.5752/P.2358-3428.2018v22n44p141
  • Rocha, I, M. S. A., & Rosa, M. (2019). O tempo e o objeto na psicanálise. Tempo psicanalítico, 51(2), 84-102. Recuperado em 1 fev. 2021, de: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382019000200005&lng=pt&tlng=pt>.
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-48382019000200005&lng=pt&tlng=pt
  • Soler, C. (2019). O em-corpo do sujeito (G. Pamplona, S. Magalhães, C. Oliveira e E. Saporiti, Trad.). Ágalma. (Trabalho original publicado em 2001-02).
  • Valdivieso-Jiménez, G., & Macedo-Orrego, L. (2018). Neurociencias y psicoterapia: mecanismo top-down y bottom-up. Revista de Neuro-Psiquiatría, 81(3), 183-195. Recuperado em 17 out. 2021, de: <https://dx.doi.org/https://doi.org/10.20453/rnp.v81i3.3386>.
    » https://dx.doi.org/https://doi.org/10.20453/rnp.v81i3.3386
  • Zizek, S. (1992). Eles não sabem o que fazem: o sublime objeto da ideologia (P. H. Ligne, Trad.). Jorge Zahar.
Editor/Editor: Prof. Dr. Nelson da Silva Jr.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Set 2022

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2022
  • Revisado
    03 Jun 2022
  • Aceito
    07 Jun 2022
Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental Av. Onze de Junho, 1070, conj. 804, 04041-004 São Paulo, SP - Brasil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: secretaria.auppf@gmail.com