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Ideias imperativas

CLÁSSICOS DA PSICOPATOLOGIA

ARTIGO

Ideias imperativas1 1 Artigo lido na Neurological Society em 1 o de março de 1894. Tradução de Luana Villac.

Hack Tuke

Médico; Membro do Royal College of Physicians of London e possui o título de Legum Doctor.

Nada seria mais acertado do que fazer minhas as palavras de um distinto membro desta sociedade: "Em saúde mental, deve-se estudar os menores desvios de padrão, e não apenas os casos de pacientes que requerem internação em sanatórios. Com efeito, em uma investigação científica os casos menos graves são os mais importantes" (Hughlings Jackson).

Ao falar de ideias imperativas, refiro-me a casos nos quais o sujeito não seria considerado alienado, muito embora a perturbação mental possa ser tão penosa quanto na alienação de fato, podendo tornar-se tão pronunciada a ponto de fazer da internação um alívio para o próprio paciente. Nossa classificação oficial de distúrbios mentais não tem o hábito de reconhecer tais casos como um grupo distinto, mesmo quando em estágio avançado. Isso se dá, em parte, porque se o paciente vier a ficar deprimido, como frequentemente ocorre, o caso é classificado como melancolia; se ele passa a interpretar suas ideias imperativas como satânicas ou divinas, seu caso é relegado à designação de "alienação delirante". Muitos casos como esses são diagnosticados como neurastenia, e não há dúvida de que alguns pacientes sofrem de esgotamento nervoso, mas acredito que o traço característico da doença se perca sob o uso desta terminologia tão vaga e geral.

Sintomas - No que diz respeito aos sintomas, eles assumem diferentes formas. Para alguns, o tormento é produzido por certas ideias ou palavras que surgem com frequência e vivacidade dolorosas. Os pensamentos que dominam a mente com mórbida persistência são geralmente de caráter incomum e indesejável, e as palavras que o indivíduo é fortemente impelido a pronunciar são totalmente contrárias aos seus hábitos ou desejos; quando pronunciadas, isso se dá a despeito do forte exercício de sua vontade. Há também pessoas que invariavelmente tocam em algum objeto ao passar por ele durante uma caminhada habitual (Délire du toucher), e sua antítese é observada no medo de tocar certos objetos, uma verdadeira misofobia. Há ainda as ideias imperativas às quais Charcot e Magnan deram o nome de onomatomania e que abrangem o grupo de sintomas no qual uma palavra ou nome desempenha o papel principal. Eles sustentam que tal forma de distúrbio mental surge a partir do que denominam perda de equilíbrio mental. Defendem ainda que essa condição esteja sempre associada a um estigma de alienação hereditário, o que me parece uma declaração que vai longe demais. Incluídos sob essa nomenclatura estão a busca angustiante por uma palavra ou nome em particular, o impulso mais ou menos irresistível de repetir o termo sem cessar após tê-lo encontrado, ou a vinculação de um significado desastroso a determinadas palavras (Archives de Neurologie, setembro, 1885, p. 137.).

Uma subdivisão deveras notável das ideias imperativas é a doença da dúvida (Maladie du doute), denominada pelos alemães de Zweifelsucht ou Grübelsucht, ou, como se poderia dizer, quebrar a cabeça na tomada de uma decisão. Bastante próxima desta é a loucura dos metafísicos - Schõpfungsfrage. De acordo com o falecido professor Ball, de Paris, a doença dos metafísicos constitui uma subdivisão da doença da dúvida. Há também a aritomania, o desejo mórbido de fazer contas sem razão alguma, ou de fazer cálculos intermináveis - contar o número de livros sobre a mesa, de botões no colete, de letras iguais em uma palavra. Quase infinitos são os termos introduzidos para rotular as formas particulares assumidas pelas ideias imperativas. Alguns alienistas deleitam-se em cunhar termos para cada uma das ideias imperativas com que se deparam. Eles nos ofertam não somente com agorafobia e claustrofobia, acrofobia (medo de estar em lugares altos) e coprolalia (uso involuntário de palavras usinas), mas também com astrofobia (medo infundado de trovões e relâmpagos), zoofobia (medo de certos animais), ecofobia (medo mórbido de casa) e, para coroar a complexidade da nomenclatura, belonofobia (medo mórbido de agulhas).

Embora essa multiplicação de termos possa ser conveniente, ela não deve desviar nossa atenção das características fundamentais comuns a todas as ideias imperativas, a saber, seu automatismo, sua tendência assoberbante e recorrente a perseguir com determinada ideia, com o impulso da realização de determinado ato ou do uso de certas expressões contra a vontade, sem delírio (pelo menos em primeira instância) e, certamente, com consciência da completa inutilidade e do absurdo de se alongar em tais ideias e naquilo que é feito ou dito. O alívio momentâneo que pode se seguir à descarga acaba por dar lugar ao sofrimento mental. A concepção imperativa pode ocorrer espontaneamente, independente de qualquer estímulo externo e, aparentemente (embora amiúde apenas aparentemente), desconectada de quaisquer pensamentos precedentes.

Também devemos lembrar que, embora se fale de ideias imperativas, alguns casos seriam mais corretamente denominados emoções imperativas; outros, impulsos imperativos. Mas aquilo que tenho mais especificamente em vista poderia ser mal compreendido se eu fizesse uso destes últimos termos, embora aqueles que sofrem com as ideias em questão sofram como consequência de angústia mental e muitas vezes tenham impulsos irresistíveis.

Estou ansioso para pôr em relevo a absoluta inocuidade e sanidade de um grande número de ideias e atos imperativos. Tomemos alguns exemplos obtidos a partir de conhecidos meus, dentre os quais alguns médicos de renome.

1) Uma senhora frequentemente acorda no meio da noite com uma sensação de perigo iminente, consciente de que não há qualquer motivo para isso. Ela obtém alívio dando três batidas três vezes em seu leito.

2) Um cavalheiro, sem motivo algum para supor que uma porta esteja emperrada - por exemplo, em seu próprio quarto - emprega força para abri-la, batendo na viga para conseguir soltá-la. Isso se tornou um hábito ao qual ele é incapaz de resistir e para o qual não tenho conhecimento de qualquer explicação.

3) Um amigo médico tem sempre a sensação de que algo terrível vai acontecer toda vez que uma porta se fecha, apesar de não acreditar nem por um instante que isso de fato ocorrerá. Aqui, novamente, nenhuma explicação pode ser encontrada em qualquer circunstância ocorrida anteriormente que possa ser associada a um acidente.

4) O dr. X possui luz elétrica em sua casa e sempre apaga as luzes antes de ir para a cama. Depois de subir as escadas para seu quarto, ele tem dúvidas perturbadoras sobre se realmente as apagou. Embora poucos minutos antes, quando no andar de baixo, estivesse certo de tê-lo feito, retorna a fim de ter certeza. Experiências semelhantes são comuns e podem ser explicadas pelo automatismo do ato, que dessa forma não é conscientemente registrado, já que é certo que quando uma pessoa deliberada e conscientemente realiza um ato, ele pode ser recuperado normalmente dentro de um curto intervalo de tempo.

5) O dr. Y, quando se encontra em lugares altos, experimenta uma forte e quase imperativa tendência a atirar-se para baixo. Isso não decorre de vertigem, nervosismo, tampouco da tentação de terminar seus dias. É um impulso cego que ele sabe ser totalmente irracional, mas ao qual acha difícil resistir.

6) O dr. Z possui, ou possuía, uma ideia imperativa exatamente oposta à do dr. Johnson. Ele sente que deve evitar pisar nas divisões entre as placas do pavimento para impedir que algo de natureza grave venha a acontecer. Ele está bastante ciente do caráter absurdo da ideia.

Os casos que descreverei agora são, com algumas exceções, ilustrações de uma condição mental mais grave, embora os sintomas, ao menos em primeira instância, sejam consistentes com a sanidade e os indivíduos sujeitos a eles percebam sua falta de fundamento e seu caráter ridículo.

7) Tive sob observação um cavalheiro que era o último homem no mundo a usar linguagem chula, mas que tinha grande dificuldade em impedir-se de fazê-lo na igreja e, por vezes, ao caminhar pela rua, sem motivo algum que justificasse uma irritação. Sua esposa ficava surpresa ao vê-lo dar um solavanco de tempos em tempos e desconhecia o motivo do ato. Ele, porém, contou-me que esses movimentos espasmódicos surgiram a partir de sua tentativa de se livrar do problema e de evitar o uso de palavrões e, de fato, o ato motor incipiente ficou restrito nesta fase.

Para esta dolorosa condição há muito tempo tem sido empregado mais especificamente o termo obsessão, como, aliás, fazem os franceses para todas as ideias imperativas. Há, no entanto, uma objeção à palavra em relação a certos pacientes, quando seu uso pode incentivar a ideia, já bastante comum, de que algum agente demoníaco seria a causa do problema. Na realidade, no caso ao qual nos referimos agora, o senhor estava disposto a considerar seu problema sob esta ótica, e ficou parcialmente aliviado quando informado de que não se tratava disso. Acrescento que ele foi bastante beneficiado por um ataque agudo de gota.

8) A seguir, no que diz respeito à tendência a tocar em objetos, existe o exemplo bem conhecido do dr. Johnson, cujo peculiar estado mental é assim descrito por Boswell: "Naquele tempo, a ampla sinalização nos dois lados das ruas não era universalmente adotada (em Londres) e pilares de pedra estavam na moda para evitar o incômodo das carruagens. Por cada pilar que passava, ele deliberadamente colocava sua mão; caso esquecesse algum deles após ter atingido certa distância, parecia de repente lembrar-se e imediatamente voltava para trás, realizando cuidadosamente a cerimônia habitual e retomando seu curso anterior sem omitir nenhum pilar, até atingir o cruzamento (Life, I, 497). O dr. Johnson também forneceu exemplos da mania de contar e, na realidade, não estou certo de que o toque dos pilares nas ruas não se devesse também a esta paixão aritmética. Boswell descreve seu ansioso cuidado para entrar ou sair por uma porta ou passagem, dando certo número de passos a partir de certo ponto, de forma que seu pé esquerdo pudesse sempre fazer o primeiro movimento ao se aproximar da porta ou passagem. Boswell acrescenta: "Em inúmeras ocasiões eu o observei parar bruscamente e então parecer contar seus passos com profunda seriedade; caso se esquecesse ou se enganasse nessa espécie de movimento mágico, voltava novamente, colocava-se em uma postura adequada para iniciar a cerimônia, e depois de ter passado por tudo isso saía de sua abstração, andava rapidamente e se juntava a seu companheiro."

Deve-se acrescentar que Johnson enfrentou a sombra da alienação hereditária e, caso houvesse mais tempo, eu ofereceria um instrutivo registro de sua história mental.

9) No caso seguinte - de uma dama - enviado a mim pelo dr. Strangman Grubb, de Ealing, o sintoma mais proeminente e perturbador era uma tendência incessante a contar certo número de vezes antes de realizar o ato mais simples. É fácil imaginar a fadiga mental que esta necessidade imperiosa ocasionava. Ser assombrada pelo que o falecido Professor Ball denominou "impulso intelectual" seria ruim o suficiente, mas tornar-se o joguete desta sugestão tirânica durante anos (quando fui consultado sobre o caso pela primeira vez, ela tinha seis anos de idade) não é senão um fardo intolerável. Ela me descreveu como, mesmo no meio da noite, não podia se virar na cama (a não ser que o fizesse com grande rapidez) nem remover seu relógio sob o travesseiro sem contar. Pela manhã, ela geralmente experimentava imensa dificuldade em sair da cama sem ser obrigada a passar pelo mesmo processo numérico. Seus amigos ouviam seus passos na escada quando descia para o café da manhã, seguidos de várias pequenas batidas feitas com os pés enquanto era impedida de prosseguir por ter que contar até certo número antes de descer o próximo degrau. Ela afirma que se alguém estivesse atrás dela e dissesse "Vamos, desça", seria capaz fazê-lo sem ter que passar por esse tedioso processo. Imagine-a agora à mesa do café, querendo pegar o bule de chá; tempo considerável transcorreria antes que ela pudesse segurar a asa do bule, sendo o único modo de realizar essa façanha o mesmo cansativo processo de contagem, geralmente até dez ou múltiplos de dez. Suponha agora que ela tenha saído para passear: ela não poderia abrir a porta de casa sem contar e, tendo alcançado a rua, provavelmente seria impelida a retornar simplesmente para tocar a maçaneta. Ela não sentia prazer algum em ver as vitrines ou pinturas, uma vez que tinha que contar certo número de vezes antes que seus inimigos permitissem que o fizesse. Era frequentemente compelida a contar suas respirações e não podia evitar a contagem de seus passos ao andar pela rua. Da mesma forma, não ia muito longe ao dizer suas preces antes de sentir a necessidade premente de retornar à primeira palavra e recomeçar a oração. Na igreja, como é de se supor, suas dificuldades eram imensas, e ter o livro de orações nas mãos era exaustivo devido ao ato de contar envolvido na operação. Às vezes ela soltava o livro e o pegava de forma diferente. Abrir uma gaveta era uma questão deveras séria. Antes de soprar uma vela ela tinha que contar diversas vezes e, ao usar uma agulha, chegava a contar vinte vezes antes de fazer um ponto. A doença da dúvida introduziu-se amplamente nesse estado mental. Ao ler, ela preocupava-se às vezes sobre qual parágrafo deveria ler primeiro (ou, se houvesse duas colunas, qual delas).

Quando a questionei se já tinha pensado que havia veneno em sua comida ela disse que não, mas havia dúvida em sua resposta. No dia seguinte, recebi uma carta sua onde dizia que embora nunca tivesse pensado que sua comida havia sido propositadamente envenenada, tinha às vezes um medo nervoso de que algo pudesse ter acidentalmente caído nela, acrescentando que por vezes se absteve de comer certas coisas exatamente devido ao mesmo tipo de sentimento que em muitas ocasiões a impedia de dizer coisas que queria dizer. Ela comentou em relação ao sentimento de hesitação e ao hábito de contar que "Quando muito ruins, eles produzem uma sensação de tensão mental que é muito cansativa, para não dizer dolorosa, e que torna extremamente difícil ocupar-me com qualquer lazer ou prazer. Um sentimento que me faz temer romper esse hábito de contar é o medo de que o pensamento - às vezes um, às vezes outro - que se ligou à contagem possa se fixar em minha mente e tornar-se ainda pior que o ato de contar".

Há cerca de nove anos, quando estava na igreja, havia algo errado com o aquecedor e o ar quente estava escapando; ela, então, sentiu que sufocaria se permanecesse ali, tudo ficou escuro e indistinto e ela resolveu sair. Em consequência disso, ficou deprimida por uma semana e alguns de seus problemas subsequentes se seguiram a esse episódio. Passou a ter medo de ser enterrada viva, o que nunca sentira antes, e temia andar em seu sono até o adro da igreja em estado de sonambulismo e ser tomada como morta. Ela se punha a imaginar todos os horrores de um enterro consciente.

Esta é uma rápida descrição do suplício que essa desafortunada mulher enfrentou por muitos anos. Perfeitamente consciente desta estranha condição mental, e sendo muito brilhante e inteligente, ela foi capaz de discutir a questão e sugerir o que pensava ser o processo de pensamento pelo qual veio a prefaciar quase todos os atos de sua vida com o ato de contar. Ela o comparou a um menino disputando uma corrida, mas incapaz de começar até alguém gritar "Um, dois e... já!". Ela considera esta a origem imediata de seu hábito, tendo iniciado o ato de contar - e provavelmente permanecido com ele - com este objetivo.

Embora não haja nenhuma herança conhecida de alienação, é interessante observar que um de seus irmãos morreu epilético e uma de suas irmãs, que ainda vive, tem ataques de epilepsia. Um estudante de direito, ao qual farei menção em breve, possuía um histórico familiar de epilepsia, bem como de alienação. Em artigo notável publicado nos Annales Médico-Psychologiques (Janeiro, 1890), o dr. Culerre insiste na associação entre onomatomania e epilepsia. No caso que apresento aqui não houve ataques de nenhum tipo, e ela nunca desmaiou, embora tenha ficado lívida ao saber da morte do sr. Bishop, o vidente, devido à suspeita de que a autópsia fora realizada quando ele não estava realmente morto. Ela não parece ter ataques do petit-mal, mas por vezes tem uma sensação de "Será que estou realmente fazendo isso?". Nunca sofreu de vertigem. Já experimentou a sensação nada incomum de já ter estado sob precisamente as mesmas circunstâncias e no mesmo local em ocasiões anteriores. Foi uma criança nervosa, mas garante que não era naturalmente indecisa, e embora não tomasse decisões rapidamente, não tinha tendência à vacilação. Nunca houve alucinação dos sentidos nem ilusão. Recentemente, soube que estava recuperada.

O próximo caso é um exemplo de misofobia e de doença da dúvida.

10) Este paciente (Watts) chegou ao West End Hospital for Nervous Diseases em fevereiro de 1893 e ficou sob os cuidados do dr. de Watteville. A atenção do médico não foi atraída para qualquer problema mental além de um nervosismo geral e uma sensação de indistinção em relação ao trabalho. Ele considerou o caso como neurastenia. Alguns meses depois, o dr. de Watteville pediu-me para ver o paciente. Seus sintomas mentais eram: dizia que seu maior problema era o fato de que ao fazer qualquer coisa tinha uma sensação ruim de tê-la feito de forma errada, e depois de colocar uma carta na caixa do correio ou um objeto em uma gaveta, tinha dúvidas esmagadoras sobre se isso fora feito corretamente. Ele sentia que não havia nenhum motivo racional para esta dúvida. Também se preocupava muito sobre se havia tomado nas mãos algo que não deveria. Quando descia de um ônibus, punha-se a pensar que havia deixado algo para trás; disse que sabia perfeitamente que não havia deixado nada, mas ainda assim não podia impedir-se de ter essa ideia presente atormentando sua mente. De vez em quando, sem saber por que, sentia que precisava olhar para o teto do cômodo onde estivesse. Tinha fantasias sobre suas roupas estarem sujas, e com frequência olhava para as mãos para ver se estavam limpas. Não se queixou de depressão mental.

No aspecto físico, havia um ligeiro tremor das mãos. As pupilas eram dilatadas, lentas e iguais. O movimento dos joelhos era muito rápido. Com exceção dos sonhos, seu sono era bom. Seus hábitos eram moderados e ele não era fumante.

Histórico Familiar - sua mãe sofria de "nervosismo" e ele considerava que herdara isso dela. Era o mais novo de 12 filhos, dos quais quatro morreram de tísica e um cometeu suicídio. Não tinha conhecimento de nenhum antepassado epilético ou alienado. Alguns meses depois piorou, e foi um alívio para ele ser admitido no Bethlem Hospital como pensionista voluntário.

Agora descreverei um caso muito impressionante ilustrando ideias imperativas que a princípio não constituem delírio, mas progressivamente vem a sê-lo.

11) A. F., 58 anos, encaminhado a mim pelo dr. Wakefield, era capaz de rir, quando o examinei pela primeira vez, das ideias que se erguiam em sua mente, e afirmava que obviamente sabia que não significavam nada. Relatou que dois anos antes, ao comungar, veio-lhe à mente a ideia de que entraria sangue em sua boca. A ideia saiu-lhe da cabeça, mas apenas para dar lugar a outras. Era católico e na juventude havia sido acólito. Quando frequentara a Igreja, as imagens da crucificação haviam ficado fortemente impressas em sua mente. Ele mesmo atribuiu a isso uma sensação de inchaço e dor nas palmas de suas mãos, e como consequência passou a dirigir sua atenção a elas. Ao acordar no meio da noite, tinha a impressão de que era Jesus Cristo, mas quando levantava pela manhã afastava a ideia e ficava angustiado ao pensar que chegara a considerá-la, mesmo que por um instante. Nenhuma chaga chegou a aparecer, mas não é difícil acreditar que isso possa ter ocorrido ao longo do tempo, pois ele passou a suspeitar que jorrava sangue de suas mãos. Isso levou sua irmã a tirar de suas vistas uma imagem da crucificação que ele havia comprado.

Mas a mais absurda, e para ele a mais mortificante ideia imperativa de todas era a de que estava grávido. Quando mencionou a ideia pela primeira vez, não se tratava de um delírio, pois ele não podia deixar de dar risada ao me contar. A ideia originou-se parcialmente de um sonho e parcialmente da leitura de uma notícia onde uma jovem dizia que se afogaria caso estivesse grávida.

Um distúrbio sensorial se misturou à ideia, pois ele afirmou que lhe parecia que seu abdômen estava maior, embora acrescentasse "Eu sei que não está". Às vezes tinha que resistir à ideia que lhe atravessava a mente, de que era uma mulher, e sentia que gostaria de encerrar-se em seu quarto e não ver ninguém, por vergonha. Sobretudo, tinha medo de encontrar uma mulher grávida ao andar pelas ruas. Depois de certo tempo realmente acreditava estar grávido e não mais sorria à ideia, mas contorcia o rosto em uma careta.

No que diz respeito a seu histórico familiar, sua mãe era sujeita à depressão mental, mas não chegou a ser internada. Possui um irmão e duas irmãs, todos mentalmente sãos. Não parece haver casos de epilepsia na família.

Para completar seu histórico, devo acrescentar que depois de certo tempo ele passou a recusar comida, asseverando que tinha alguma obstrução nos intestinos e tornou-se necessário interná-lo em um sanatório particular, onde morreu de pneumonia dez dias depois.

12) Caso da Senhorita X. Este é o caso de uma jovem senhora que está enfrentando há algum tempo o pavor de tocar em qualquer coisa por medo de infectar outras pessoas que vierem a tocar no mesmo objeto, e temo que aqui eu não possa afirmar que suas ideias não correspondem a delírios. Os primeiros sintomas surgiram depois de uma gripe. Atualmente tem medo de infectar a si mesma e aos outros, embora não afirme saber que isso ocorreria. O resultado é que o ato de se lavar as mãos pela manhã é repetido de imediato, sem cessar, e embora não admita que possua o hábito de contar, seus amigos acreditam que a ideia lhe surja no curso de suas abluções. Ela invariavelmente passa a esponja na superfície superior do braço, em um dos lados, na superfície inferior e, por fim, no outro lado do membro. Obriga-se a ficar acordada ao se deitar, caso durante o sono estenda sua mão e contamine algum objeto próximo a ela. O que parece uma estranha incoerência é que em certas ocasiões é obrigada a tocar em objetos, sentindo vagamente que se não o fizer, algo terrível acontecerá. Certa vez queimou suas roupas por medo de que tivessem sido infectadas por ela. Disse que as teria lavado, mas sabia que não seria permitido fazê-lo.

Ela sofre em seguida da doença da dúvida. Intermináveis perguntas surgem em sua mente. Qual luva devo calçar? A marrom? A preta? E assim por diante. Chega a passar vinte minutos diante de sua gaveta nesse estado de indecisão, consciente de que é tolice agir assim. Devo advertir que essa indecisão irremediável a qual algumas pessoas estão similarmente sujeitas não se inclui nesta forma de ideias imperativas.

Esta jovem emprega tamanha força ao esfregar suas mãos e braços que eles ficam ásperos e descoloridos depois. Ela separa uma parte da toalha para seu rosto, outra para as mãos, outra para o pulso, e assim por diante. Quando a aconselhei a não pensar sobre isso, respondeu: "Mas o que aconteceria se eu inconscientemente infectasse a toalha?".

É importante observar que, segundo ela, esse medo mórbido iniciou-se com o surgimento de verrugas em suas mãos, quando passou a temer que infectaria outras pessoas com elas.

Embora eu admita que este caso aproxime-se mais da insanidade do que da sanidade, eu não assinaria embaixo quanto à sua alienação.

13) Caso de Miss B. - O próximo caso, de misofobia, possui características bastante similares ao último. As ideias imperativas da jovem em questão certamente atravessaram o Rubicão da credibilidade. Eu o menciono apenas para ilustrar o estágio posterior, embora ela não esteja em um sanatório. Trata-se de uma interessante combinação entre o medo do contágio e a onomatomania de Charcot e Magnan. É importante ainda por mostrar que a análise cuidadosa de atos e ideias imperativas pode muitas vezes explicar a origem dos mesmos. Assim, durante a leitura de um livro ou jornal, a jovem demonstra sinais de irritação e repugnância e torna-se necessário remover o livro para aliviá-la do incômodo. Verificou-se que uma palavra em particular é a fonte da excitação. Não há nada na palavra em si que possa explicar o efeito que ela produz. O completo conhecimento da história desta jovem, no entanto, desvenda o mistério. Eis a explicação: uma palavra composta contém uma sílaba que vem a ser o nome de um indivíduo ao qual ela tomou aversão muitos anos atrás, embora tivesse pouca familiaridade com ele. Ela jamais entrava em um cômodo onde ele estivesse. Já faz algum tempo que ele faleceu, mas ela ainda não gosta de ver ou ouvir qualquer nome que contenha o dele, ainda que parcialmente. Esta aversão ramificou-se tão completamente em sua vida, que é às vezes muito difícil rastrear a associação de um ato em particular até ela, mas muitas são as razões para supor que ela esteja sempre presente. A aversão pode ser rastreada na ideia de contaminação perigosa com certos objetos. A jovem faz objeção a que as pessoas a toquem, objeção esta que, se cuidadosamente esmiuçada, mostra--se parte do irresistível desagrado em relação ao indivíduo em questão. Daí sua demanda por ter certas coisas lavadas. Quando chega de um passeio, invariavelmente lava suas mãos e seu rosto, dando particular atenção à lavagem da poeira. A lavagem frenética de mãos e braços é por vezes precedida de expressões maledicentes. Ocasionalmente, palavras vêm à sua mente desta maneira: ela espanta um amigo ao dizer "verdete" e então fala de forma atraente "Pensar em verdete não vai fazer com que o verdete apareça, não é mesmo?". Também faz perguntas repetidas vezes que se relacionam com seu medo de contaminação, dizendo "Deixe-me dizer isso de novo, fulano e beltrano tocaram em meu vestido?".

Vemos, então, neste caso, uma ilustração do medo de contaminação com objetos que, por si sós, são absolutamente limpos, mas que estão associados por circunstâncias acidentais a um indivíduo ou a um evento passado há muito tempo na vida da paciente.

Quanto à sua história familiar, não há prova de alienação ou epilepsia, seja do lado da mãe ou do pai; ambas as famílias são saudáveis e têm vivido longas vidas. Todavia, há um primo que é quase retardado e um tio paralítico. A própria paciente teve uma severa enfermidade na infância, mas já não era mais criança quando se desenvolveu sua aversão irracional ao cavalheiro. Ela tem o caráter impulsivo, afetuoso, generoso em pensamento, mas egoísta em ações, e possui considerável sentimento religioso e senso de dever, nem sempre colocados em prática. É extremamente sincera e não possui o caráter desconfiado. Intelectualmente, é vista em sociedade como perfeitamente sã, com uma inteligência excepcional, amante da ciência e da música, possuidora de excelente memória, tendo, entretanto, pouca paciência para aplicá-la. Não apresenta alucinação de nenhum dos sentidos.

Passo agora a descrever os sintomas de um caso muito marcante de ideias imperativas que assume a forma da onomatomania de Charcot e Magnan, e da doença da dúvida em geral.

14) Um rapaz de 19 anos (encaminhado a mim pelo dr. Barlow), estudante de direito que se destacara na escola e estava matriculado na London University, deparou-se no decorrer de suas leituras com a expressão "Não era incompatível". Pouco depois, ele leu as palavras em alemão "Ich lichees nicht". Então se deu conta que na primeira frase a negativa precedia a palavra mais importante, enquanto na segunda ela a sucedia. A partir daí, começou a se questionar sobre as negativas em geral. Todas as suas leituras levantavam em sua mente uma questão sobre a construção de frases em que ocorria uma negativa. Isso se tornou um problema extremamente importante e absorvente, que passou a interferir em suas leituras e em seu trabalho. Colocar a negativa na ordem correta, fosse esta qual fosse, passou a ser o fardo de sua vida. Um dia disse a seu pai: "Se não fosse pela maldita negativa, eu poderia dominar o Blackstone ou qualquer outro livro de direito". Certa vez, ficou se atormentando com a pergunta: "Por que nós não temos sangue frio, como alguns animais?".

O grande perigo aqui é que ele se torne indeciso e vacilante em suas ações, e que sua dificuldade mental original enfraqueça sua força de vontade e ameace paralisar toda sua vida prática pelo número de questões e dúvidas que venham a surgir em sua mente quanto ao possível curso a tomar frente à determinada circunstância. Os notórios três atos não serão suficientes para aqueles que se tornaram marionetes de dúvidas e questionamentos sem fim. A carreira do estudante de direito torna-se ela própria "uma negativa" na presença de sua mórbida fascinação por negativas.

No que diz respeito à hereditariedade, seu pai, um homem de boa constituição física, é sujeito a ataques de depressão mental, enquanto o tio materno é epilético há muitos anos

De fato, não podemos deixar de nos impressionar com a frequente ocorrência da epilepsia nas famílias de pessoas submetidas às ideias imperativas. Napoleão, ele próprio um epilético, não conseguia deixar de contar o número de janelas das casas pelas quais passava. Em alguns pontos estes casos parecem estar intimamente ligados à epilepsia. Seria, porém, bastante inapropriado aplicar o termo alienação a um caso tal como o do estudante de direito. Devemos, é certo, admitir que dificilmente pode-se considerar que o indivíduo incapaz de controlar e dirigir seus pensamentos possua uma mente perfeitamente sã; mas nenhum testamento ou declaração de última vontade seriam deixados de lado neste caso pelo fato de o testador possuir um desejo invencível de tocar em certos objetos, uma repugnância intensa a tocar em certos artigos de mobiliário, um intolerável fascínio por uma palavra em particular, ou por associar certas ideias a um vestido em especial, sensação não compartilhada por mais ninguém. Estes hábitos mórbidos de pensamento e associação de ideias não seriam suficientes para sustentar a alegação de alienação e irresponsabilidade em um julgamento criminal.

Chego agora à última parte de meu artigo:

Condições cerebrais que acompanham ideias imperativas

Se considerarmos agora mudanças correlativas no córtex do cérebro, devemos dizer de imediato que nenhum exame microscópico revelaria qualquer lesão patológica associada à condição mental mórbida que descrevi. Somos assistidos, entretanto, pela doutrina do reflexo ou função automática de Laycock, conforme enunciada por ele em artigo escrito há cinquenta anos. Neste trabalho deveras original, lido em York em 1844, ele afirma que "Sua detecção é, por vezes, difícil, já que, por possuir aguda consciência de sua debilidade, o paciente vai ocultá-la. Se, entretanto, através daquilo que se denomina associação de ideias, a ação mórbida da substância vesicular for inserida na corrente de seus pensamentos, ele se torna totalmente impotente para resistir, assim como os pacientes eletrobiologizados (hipnotizados) são impotentes para resistir às sugestões apresentadas à sua mente. A formação destes substratos se dá devido à fixidez da mente em uma ideia ou classe de ideias em um momento em que esta, devido às mudanças mórbidas induzidas na substância vesicular (como por excesso de trabalho mental, intensa excitação emocional, falta de repouso, desenvolvimento de predisposição à dormência e afins), está particularmente suscetível à operação da construção inconsciente da mente, de modo que as ideias fixas ficam profundamente gravadas, por assim dizer, na substância vesicular, do mesmo modo que instintos adquiridos, hábitos etc. são difíceis de remover".

Laycock escreve ainda: "O princípio da ação reflexa cerebral será considerado de extrema importância para a elucidação da relação do pensamento e da vontade com o encéfalo e para a compreensão das mudanças marcadas às quais estes são submetidos em todas as formas de alienação".

A explicação de alguns casos de ideias imperativas por associação acidental muitas vezes se encontra no fato de que esta associação surge por contiguidade, sob alguma poderosa impressão emocional. Conheço um médico que não consegue pensar no funeral de seu pai, que ocorreu há cerca de quarenta anos, sem que a perturbadora imagem mental de um cachorro branco da raça terrier seja, para sua irritação, evocada em sua mente, simplesmente porque um cão com esta descrição apareceu durante a cerimônia quando o caixão estava prestes a ser enterrado. Isso se deve claramente à vivacidade com a qual a incongruente circunstância foi registrada naquele instante em sua tábua cortical, para nunca mais ser apagada.

Laycock ensinava que "Não há apenas evolução cerebral no que se refere ao desenvolvimento saudável do cérebro, mas uma igualmente inversa lei geral de des-evolução (sic), tão importante quanto a primeira no estudo dos distúrbios mentais".

A teoria de Laycock se encaixa com a influência latente da associação, não apenas de ideias, mas de certas impressões recebidas através dos sentidos especiais, pois em certas formas de ideias imperativas estes se tornam acidental e sequencialmente conectados de maneira extraordinária. O indivíduo deseja destruir esta associação acidental recém-formada, mas fica absolutamente dominado por ela. Laycock, em artigo pouco lido atualmente, insiste em que "A verdadeira explicação da associação de ideias pode ser encontrada na doutrina das funções reflexas do cérebro" (B. & F Medicine Review, Janeiro, 1845, p. 311); estranhamente, porém, com exceção do dr. Jackson, ninguém lhe fez justiça - muitos nunca fizeram referência a ele e alguns sequer ouviram falar do autor!

Laycock reconhecia o controle exercido pelo córtex cerebral sobre as impressões sensoriais, mas não parece ter antecipado doutrinas atuais em relação ao controle de uma parte do córtex sobre outra, ou sobre as condições negativas e positivas das funções mentais. Estas doutrinas ficaram para Anstie, Monro e, sobretudo, para Hughlings Jackson (que sempre expressou sua dívida para com estes e com Herbert Spencer) ensinar.

Eu acredito que o dr. Jackson não fez referência específica em nenhum de seus escritos a ideias imperativas a não ser como delírios de insanidade, que, de acordo com ele "Significam uma evolução em curso nos restos de um sistema nervoso mutilado, tão certo quanto a crença do paciente quando não significava evolução em curso em todo - isto é, no não mutilado - sistema nervoso" (Exposição do dr. Jackson em Leeds, 1889.). Há, em resumo, uma des-evolução dos mais elevados centros cerebrais, mas como aponta o dr. Jackson "São todas graduações rastreáveis como consequência do início da doença nos centros elevados, desde profundidades de dissolução tão sutis como aquelas que possibilitam ações quase normais, até dissoluções tão profundas que não permitem nenhuma evidência de atividade mental" (Med. Press and Circular, 9 de dezembro, 1871.)

Aceitando esta hipótese, somada à grande doutrina fundamental de Laycock sobre o reflexo ou função automática de todo o córtex, parece havermos encontrado uma resposta à questão da qual parti, a saber, quais são as condições cerebrais que acompanham as ideias imperativas? Aquilo que é mais automático não mais está sob controle dos níveis ou camadas cerebrais voluntários ou menos automáticos, ou, em termos jacksonianos, "Reversões de evolução ocorreram, sendo reduções do menos ao mais organizado dos centros cerebrais elevados".

Tomemos a mais simples e mais frequente ilustração de ideias imperativas. Alguns versos de poesia vêm à mente espontaneamente. Não há nada de extraordinário nisso. Eles retornam meia dúzia de vezes no decorrer da manhã. Também não há nada de extraordinário nisso. Se, contudo, eles retornam sem cessar durante o resto do dia, o limite de ação cerebral saudável pode ter sido ultrapassado, e o indivíduo pode descobrir duas coisas: em primeiro lugar, que quando uma palavra em um dos versos se apresenta, ele não tem paz ou alívio até que todas as palavras sejam mentalmente (talvez verbalmente) completadas; e, em segundo lugar, que o alívio, para seu aborrecimento, é apenas momentâneo, e a mesma obrigação de antes logo retorna e o tiraniza. O que antes era um prazer torna-se um incômodo. Aqui está o primeiro estágio de um ato imperativo da memória. Na maioria dos casos um bom jantar, uma boa noite de sono e exercício ao ar livre podem quebrar o transe, reforçando o poder inibitório. Em outros casos, porém, o processo automático retorna e é tão inevitável em sua ação quanto o toque de um alarme. O pior de tudo é que as palavras passam a se apresentar e a retornar sem cessar, atormentando não somente por sua frequência persistente, mas por seu caráter desagradável. De início, elas podem ou não ser expressas oralmente, mas mais cedo ou mais tarde a descarga motora torna-se irresistível.

No que se refere a casos em que há um mórbido pavor de sujeira, não sei o que podemos acrescentar em diversos exemplos, além de observar que há um exagero da limpeza escrupulosa que marcadamente caracteriza certas pessoas em perfeita saúde, mas a origem da ideia imperativa pode ocasionalmente ser atribuída a alguma afecção da pele que necessitou que a atenção fosse atraída para ela, induzindo um estado mórbido da mente, não de introspecção, mas de "extro-specção." Em caso de redução do poder mental geral ou da existência de uma predisposição hereditária, esta tendência a se ocupar do estado da pele torna-se uma paixão, resultando nas desnecessárias e cansativas lavagens do corpo ou das vestimentas. De fato, muitas vezes o paciente acaba por não mais perceber a insensatez dessas abluções e enfrenta um delírio real.

Com relação ao singular hábito de tocar em certos objetos sem razão aparente, ele é às vezes explicado (por pessoas nesta condição) pelo medo de que algo aconteça se não o fizerem; mas, em outros casos, como um hábito irreprimível sem qualquer razão, muitas vezes realizado quase inconscientemente, bem como automaticamente. Pode haver, porém, uma luta consciente entre a voluntária ou menos automática, e a mais automática ação cerebral, sendo a primeira fraca demais para controlar esta última. É frequente que ideias relacionadas ao impulso de tocar sejam associadas a pensamentos de dúvida. Na realidade, "São Tomé" toca a fim de satisfazer suas dúvidas.

Entre os exemplos que dei de ideias imperativas, talvez a mais curiosa seja a do contar automático. E, no entanto, o ato de contar é tão peculiarmente automático que é natural que seja realizado por pessoas com centros superiores enfraquecidos. |Vimos o caso de uma senhora que comparou seu estado ao de um menino que é auxiliado em uma corrida por ouvir ou dizer números antes da partida.

Sobre a doença da dúvida, afirmei que um incômodo, embora leve grau dela, não é incomum em pessoas perfeitamente sãs. Há poucos dias, o funcionário do laboratório de um sanatório contou-me que com muita frequência, após fechar a porta à noite ao final do expediente, retorna uma ou até duas vezes para se certificar que ela está de fato fechada, apesar de não ter dúvidas de tê-la fechado. Da mesma forma, conheci pessoas que após assinar um cheque e preencher a data diligentemente, abrem o envelope onde o colocaram para se certificar que assim procederam. Igualmente, um homem pode dizer a um amigo o número de determinada rua corretamente, sem hesitação alguma, mas cinco minutos depois passar a ter dúvidas, visualizar outro número, e começar a temer que disse vinte quando deveria ter dito quarenta. Será que isso ocorre porque o registro do número ficou fraco? Isso parece pouco provável, porque a observação mostra que essas dúvidas surgem no auge da vida, quando o cérebro recebe e retêm impressões com precisão, bem como em pessoas de idade mais avançada.

Certa vez, conheci um cavalheiro alto e robusto que desenvolveu uma ideia imperativa cuja origem era bastante clara. Ele começou pensando que se morresse fora de casa, seria impossível para o agente funerário descer as escadas com seu caixão. Após certo tempo, a ideia passou a persegui-lo e tornou-se bastante perturbadora, deixando de se limitar à sua pessoa: sempre que encontrava um homem de alta estatura não podia deixar de se indagar, aturdido, se a escada permitiria que seu caixão fosse levado para baixo. Devo acrescentar que um filho e um neto deste senhor cometeram suicídio. Não se pode dizer que o axioma de Bacon "aquele que muito questiona, muito aprende" receba confirmação destes casos, já que para um homem que assim questiona, seu último estado é pior do que o primeiro.

O que inevitavelmente impressiona sobre a maior parte, senão sobre todas as ideias imperativas, é que entre estas e as ideias ordinárias, a diferença é de grau, e é muito difícil determinar quando a fronteira é ultrapassada. Isso no que diz respeito ao aspecto psicológico. Quanto ao aspecto físico, o que queremos saber acima de tudo é qual mudança cerebral, degeneração ou dissolução ocorre para que um homem que hoje está consciente e sorri perante uma ideia imperativa, amanhã acredite nela gravemente, e fique subjugado a um delírio sistematizado.

Admitindo que haja subníveis e níveis sobrepostos nos próprios centros superiores devemos, eu suponho, assumir que nos casos de concepções imperativas sem real alienação nenhuma mudança patológica induziu a dissolução do nível ou área mais elevado, e que isto ocorre apenas posteriormente, quando o paciente com maior extensão de dissolução não faz mais distinção entre ideias falsas e verdadeiras. A ideia predominante tornou-se, de fato, parte de seu próprio ser, e não estranha a ele de modo que possa olhá-la como distinta de sua personalidade - seu ego.

Em resumo, e por fim, poderia a explicação ser encontrada no grau ou extensão da dissolução na mesma cadeia ou nível dos centros superiores, ou ela está nas diferentes profundidades de dissolução destes centros?2 2 Aqueles que estão familiarizados com os autores alemães e franceses acharão que sua compreensão dos fenômenos mentais descritos neste artigo é notavelmente mais clara do que a nossa.

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    Artigo lido na Neurological Society em 1
    o de março de 1894. Tradução de Luana Villac.
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    Aqueles que estão familiarizados com os autores alemães e franceses acharão que sua compreensão dos fenômenos mentais descritos neste artigo é notavelmente mais clara do que a nossa.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Fev 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013
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