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Do Congresso Psicanalítico da Banana à cisão de 1998: deslocamentos traumáticos no lacanismo brasileiro1

From the Psychoanalytic Congress of the Banana to the split of 1998: traumatic displacements in Brazilian lacanism

Du Congrès Psychanalytique de la Banane à la scission de 1998: des déplacements traumatiques dans le lacanisme brésilien

Del Congreso Psicoanalítico de Banana al división de 1998: dislocamiento traumáticos en el lacanismo brasileño

Resumos

O manuscrito tem como objetivo uma reflexão sobre as rupturas na história das instituições de psicanálise lacaniana brasileiras. Tomou-se como base o Congresso Psicanalítico da Banana e a cisão de 1998 da Escola Brasileira de Psicanálise, eventos precursores do lacanismo brasileiro, que ainda reverberam na relação entre analistas. Documentos institucionais e discursos dos analistas partícipes desses eventos foram analisados adotando a temporalidade como característica fulcral da historiografia. Procedeu-se a uma análise histórica em direção êmica a partir do conceito de trauma articulado com as suas formas clínicas de apresentação. Concluiu-se que, no campo psicanalítico, prevalece uma política de identidade com seus aspectos de subordinação e identificação a grupos visando a hegemonia no interior do campo.

Palavras-chave
Historiografia da psicanálise; instituição; trauma; cisões


The manuscript aims to reflect on the ruptures in the history of Brazilian Lacanian psychoanalysis institutions. The basis was the Psychoanalytic Congress of the Banana and the 1998 Division of the Brazilian School of Psychoanalysis; precursor events of Brazilian lacanism that still reverberate in the relationship between analysts. Institutional documents and discourses of analysts who participated in these events were analyzed, adopting temporality as a central characteristic of historiography. A historical analysis was carried out in an emic direction from the concept of trauma articulated with its clinical forms of presentation. It was concluded that in the psychoanalytic field a policy of identity prevails with its aspects of subordination and identification to groups aiming at hegemony within the field.

Keywords
Historiographyofpsychoanalysis; institution; trauma; ruptures


L’objectif de ce manuscrit concerne à réfléchir sur les ruptures dans l›histoire des institutions psychanalytiques lacaniennes brésiliennes. Il a été basé sur le Congrès Psychanalytique de la Banane et la scission de 1998 de l’École Brésilienne de Psychanalyse; des événements précurseurs du lacanisme brésilien qui résonnent encore dans la relation entre analystes. Des documents institutionnels et les discours des analystes qui ont participé à ces événements ont été analysés en adoptant la temporalité comme caractéristique principale de l’historiographie. Une analyse historique a été effectuée d’une façon émique à partir du concept de traumatisme articulé avec ses formes cliniques de présentation. On a conclu que dans le champ psychanalytique prévaut une politique identitaire avec ses aspects de subordination et d’identification à des groupes visant l’hégémonie au sein du champ.

Mots-clés
Historiographie de la psychanalyse; institution; traumatisme; rupture


El manuscrito tiene como objetivo una reflexión sobre las rupturas en la historia de las instituciones de psicoanálisis lacaniana brasileñas. Se tomó como base el Congreso Psicoanalítico de Banana y la División de 1998 de la Escuela Brasileña de Psicoanálisis; eventos precursores del lacanismo brasileño que todavía reverberan en la relación entre analistas. Documentos institucionales y discursos de los analistas partícipes de estos eventos fueron analizados adoptando la temporalidad como característica indispensable de la historiografía. Se procedió un análisis histórico en dirección émica a partir del concepto de trauma articulado con las sus formas clínicas de presentación. Se concluyó que en el campo psicoanalítico prevalece una política de identidad con sus aspectos de subordinación e identificación a grupos visando la hegemonía en el interior del campo.

Palabras clave
Historiografía de la psicoanalice; institución; trauma; rupturas


Introdução

Este manuscrito se propõe a uma reflexão sobre as cisões e rupturas na história das instituições de psicanálise lacaniana brasileiras. Abor-daremos esta temática a partir do Congresso Psicanalítico da Banana e da cisão de 1998 da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP), eventos predecessores no lacanismo brasileiro e paradigmáticos, desavenças entre os psicanalistas tanto pelo expressivo número de analistas neles envolvidos quanto pelas reverberações nas instituições formadoras.

De modo preliminar, apresentaremos os eventos estudados com o objetivo de evidenciar sua cronologia temporal e suas conexões, fundamentais na escolha de nossa abordagem historiográfica para, em seguida, explorarmos suas nuances. Em 1975, ocorreu a fundação da primeira associação lacaniana brasileira, o Colégio Freudiano do Rio de Janeiro, criado por Magno Dias Machado (M. D. Magno) e Betty Milan (Milan, 1994Milan, B. (1994). Difusão da psicanálise lacaniana no Brasil. Recuperado de https://www.bettymilan.com.br/difusao-da-psicanalise-lacaniana-no-brasil/
https://www.bettymilan.com.br/difusao-da...
).1 1 O estudo tem como recorte o cenário carioca dos anos 1980 em uma circunscrição histórica que se estende até o fim dos anos 1990. Entretanto, cumpre registar que em 1975 (ano de fundação do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro) é criado o Centro de Estudos Freudianos que tem entre seus precursores Jacques Laberge e o pernambucano Ivan Corrêa. No ano anterior, Lacan começa ser estudado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) (Capoulade, 2021). No Sul destacamos que Alduízio Moreira de Souza frequentou os seminários de Lacan em Paris. Em Porto Alegre ele participou da Cooperativa Jacques Lacan e integrou a primeira diretoria da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA) (Gageiro & Torossian, 2014). Ao completar a primeira década da instituição lacaniana brasileira, ocorreu o 2º Congresso Brasileiro de Psicanálise, mais conhecido como Congresso Psicanalítico da Banana. Esse evento teve como característica a proposta de aproximar a psicanálise do tropicalismo da cultura brasileira num claro desafio à hegemonia francesa.

Após esse evento, sob a liderança do genro de Lacan, Jacques-Alain Miller, foi intensificado o esforço de união das diversas vertentes do lacanismo brasileiro em torno de uma visão mundialista da psicanálise. Em 1995, a EBP iniciou suas atividades. Depois de um curto período de funcionamento, cerca de dois anos, ocorreu uma cisão, que atingiu um expressivo número de filiados da instituição. Temos, assim, um redesenho das instituições psicanalíticas brasileiras, que, a partir dos anos 2000, têm um aumento de interessados na prática psicanalítica e na convivência, para além das principais capitais, de escolas rivais (Dunker & Kyrillos Neto, 2014Dunker, C. I. L., & Kyrillos Neto, F. (2014). Conflito entre psicanalistas e impasses fálicos da brasilidade. Stylus, (29), 67-84. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-157X2014000200008&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
).

LaCapra (2006)LaCapra, D. (2006). Historia em tránsito. Experiencia, identidad, teoria critica. Fondo de Cultura Economica. nos convida a considerar a temporalidade como uma característica estrutural da historiografia. A repetição não é apenas aquilo que possibilita a história, mas também aquilo que possibilita sua crítica, o questionamento de seus processos e caminhos, a possibilidade de filiação dentro dela e de transformação de seus elementos quando da migração temporal ou geográfica. Ela nos leva a considerar a estrutura histórica mais ampla para a apreensão desses eventos. Dessa forma, afeta nossa compreensão da relação entre presente e passado assim como o vislumbre de possibilidades futuras, para que os psicanalistas e suas instituições não tenham a repetição como a tônica de seu enlaçamento.

Essa forma de trabalho nos aproxima dos historiadores culturais, que correspondem à quarta geração da Escola dos Annalles. O terreno comum com esse campo do conhecimento pode ser definido, segundo Burke (2008)Burke, P. (2008). O que é história cultural? Zahar., como a atenção com o simbólico e suas interpretações. Símbolos, conscientes ou não, são passíveis de ser encontrados em todos os lugares, inclusive na vida ordinária. Temos a preocupação com a direção histórica da recepção do pensamento de Lacan no Brasil, explorando aspectos da interação dos psicanalistas brasileiros com os detentores do legado lacaniano.

O interesse nas relações entre passado e presente nos conduz ao conceito de experiência. Por intermédio de entrevistas, temos a possibilidade de recuperação das vozes que narram as experiências de grupos subordinados ou oprimidos. Isso nos levou a entrevistarmos analistas que vivenciaram os eventos descritos. Encontramos dificuldades na marcação dos encontros. Alguns colegas aceitaram o convite, porém, quando procurados para agendar a entrevista, não responderam. Outros indicaram nomes para serem entrevistados alegando que esses também conheciam a história e partilhavam de opinião semelhante. Ainda, tivemos situações nas quais o convidado, após alguma insistência do pesquisador, pediu para enviar as respostas por escrito. Aceitamos as condições apresentadas por todos. Contudo, quatro entrevistas foram realizadas. Essas relutâncias em falar sobre a experiência nos parecem reveladoras de vivências extremas experimentadas por eles.

Faz-se necessário cautela ao abordarmos os relatos memorialísticos da experiência para mitigar o risco de incorrermos num subjetivismo. Apesar desse risco, o interesse na experiência limita a objetificação do outro na análise de eventos-limite. Assim, valorizamos as memórias, pois elas falam de uma história pessoal, familiar e coletiva, que conhecemos sempre em fragmentos. LaCapra (2006)LaCapra, D. (2006). Historia em tránsito. Experiencia, identidad, teoria critica. Fondo de Cultura Economica. propõe discutir e decifrar as narrativas memorialísticas num contexto discursivo mais amplo. Em vista disso, utilizamos documentos produzidos por atores das cisões institucionais, periódicos de psicanálise editados pelas instituições de formação, reportagens em jornais e revistas, além do conteúdo dos sítios institucionais na análise do contexto.

Esse material nos permitiu atuar no plano historiográfico que se dedica à análise de uma questão histórica em direção êmica. LaCapra (2016)LaCapra, D. (2016). História, literatura, teoria crítica. Edicions Bellaterra. considera o trauma como o indizível, que ainda clama por um discurso sem fim. Ele considera apropriada a ideia de que “aquilo de que não se pode falar, não se deve calar” (p. 83). Na narrativa, por vezes um processo de intensificação, por outras um ato de abrandamento, as semelhanças e diferenças entre os testemunhos e todas as tentativas de representar as experiências traumáticas e eventos são determinadas por meio da forma com que o paradoxo entre falar e calar é negociado.

A concepção do historiador inclui no trauma diversas formas de apresentação do discurso. A psicanálise nos permite especificá-las. Os textos freudianos de 1914 e 1920, voltados para a clínica, entendem os fenômenos psíquicos como repetições coercitivas que se impõem ao sujeito. O trauma, entendido como presente que não passa, pode se manifestar psiquicamente como repetição, inibição e catarses que fazem alusão a um passado revivido, o qual exige elaboração. Um dos motivos que levaram Freud (1914/1996Freud, S. (1996). Recordar, repetir e elaborar (Novas recomendações sobre a técnica). In Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 12, pp. 191-203). Imago. (Trabalho original publicado em 1914).; 1920/2006Freud, S. (2006). Além do princípio do prazer. In S. Freud, Escritos sobre a psicologia do inconsciente (Vol. 2, pp. 123-198). Imago. (Trabalho original publicado em 1920).) a aventar a pulsão de morte foi a tomada em consideração que a compulsão à repetição dificilmente se deixa reduzir a uma busca de satisfação libidinal.

Os efeitos do trauma podem se traduzir em esforços para repeti-lo de modo a tornar real a experiência esquecida, para revivê-lo por intermédio da repetição. A compulsão à repetição tem a característica de uma fixação ao traumatismo.

A reação ao trauma pode se manifestar ainda como inibição, mecanismo de defesa que tenta impedir que qualquer elemento do trauma possa ser rememorado ou repetido. A catarse, por sua vez, visa a liberação de um afeto ligado a um trauma. Ela se constitui como uma reação reflexa a um acontecimento traumático.

Lacan (1964/1990)Lacan, J. (1990). O seminário. Livro 11. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Jorge Zahar (Trabalho original publicado em 1964). comentou o texto freudiano “Recordar, repetir e elaborar”. Ele se interessou pela relação da repetição (Wiederholung) com a rememoração (Erinnerung) indicando que ela se estabelece até o limite do real. Rememorar seria repetir numa sequência, na qual algo de não representável no aparelho psíquico faria com que o ato de evocar uma memória produzisse lacunas, que não seriam ocupadas pelo universo simbólico do sujeito. Lacan se refere a isso como autômaton, que seria um desdobramento automático no inconsciente da cadeia significante, uma resposta ao real. As práticas segregatórias recorrentes entre analistas e a canonização de textos estariam vinculadas à insistência dos signos aos quais os sujeitos se veem comandados.

Nossa análise terá como foco a dimensão da experiência traumática no laço social entre os analistas em suas instituições. Episódios que ocorrem no agrupamento de psicanalistas, como a política de identidade com seus aspectos de subordinação e a identificação a grupos, serão analisados em seus aspectos traumáticos. As práticas segregatórias, traumáticas para vários sujeitos entrevistados, surgem como resposta de alguns analistas a supostas ameaças ao seu acúmulo de capital simbólico em suas instituições. O capital simbólico é uma forma de distribuição de outras formas de capital em termos de reconhecimento. Ele tende ao crescimento e proporciona um acréscimo de poder ao seu detentor (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). O poder simbólico. Difel.). No plano meta-histórico, acreditamos que nossas representações, ao serem levadas ao conhecimento dos interessados, possibilitarão alguma influência sobre a compreensão das reverberações no presente desse passado histórico com vistas à obtenção de avanços político-institucionais nas instituições psicanalíticas.

Congresso das Bananas e cisão de 1998: itinerário temporal do deslocamento

O 2º Congresso Brasileiro de Psicanálise foi promovido pela Causa Freu-diana do Brasil e ocorreu em outubro de 1985 no Rio de Janeiro. Segundo Olandina M. C. de Assis Pacheco (1984)Pacheco, O. M. C. A. (1984). A psicanálise no Brasil. Revirão. Revista da Causa Freudiana, (1), 162., diretora do Congresso, pretendia-se

(...) marcar uma postura que supõe a especificidade de uma psicanálise brasileira, isto é, sem negar a universalidade da doutrina freudiana, pensamos que a psicanálise, tendo por instrumento a palavra e como objetivo o homem em sua relação com a linguagem, e, portanto, com a(s) tradições, costumes e preceitos também por ela transmitidos, ganha em cada cultura características específicas, que lhe são, no entanto, essenciais. (p. 162)

A proposta do Congresso era ambiciosa e inusitada para a psicanálise de então: repensar a noção de brasilidade. A relação conflituosa com os franceses veio a público meses antes do evento. Em julho de 1985, foi divulgado o manifesto da Causa Freudiana no Brasil. O documento apresenta as divergências do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro com relação às exigências da Foundation du Champ Freudien para a realização de um encontro no Rio de Janeiro. Segundo o documento, em 1984, Miller, em uma passagem pelo Rio, na qualidade de representante da Foundation, num encontro com os dirigentes do Colégio Freudiano de Psicanálise, manifestou interesse em fazer um evento na cidade em 1987. Os psicanalistas das instituições brasileiras seriam convidados e a iniciativa seria dos franceses.

Porém, em abril de 1985, em uma carta enviada à Clínica Freudiana da Bahia, instituição partícipe do Campo Freudiano, cujo representante era Jairo Gerbase, a instituição francesa apresentava suas exigências para as diretrizes do chamado Encontro Brasileiro do Campo Freudiano (Magno & Medeiros, 2015Magno, M. D., & Medeiros, N. (2015) Razão de um percurso. Novamente.). Dentre as condições impostas, constavam que ele seria organizado sob a égide da Foundation; sua organização seria feita por uma Comissão Brasileira; os não brasileiros (franceses e outros) seriam convidados exclusivamente pela Foundation, sem qualquer intervenção da Comissão Brasileira; os não brasileiros participariam do Congresso em “pé de igualdade” com os brasileiros, o que Miller designou como “ausência de favor especial”; a responsabilidade do Congresso estaria inteiramente a cargo da comissão brasileira; e, finalmente, o programa do Encontro, embora estabelecido pela Comissão Brasileira, estaria sujeito à aprovação da Foundation (Magno, 1985Magno, M. D. (1985). A Causa Freudiana no Brasil: um manifesto. Revirão, 2, 308--310.).

Essas exigências contrariaram o projeto dos brasileiros, como explicita um psicanalista, radicado no Rio de Janeiro e ligado ao grupo, que fez oposição à proposta enviada pela instituição francesa: Causa Freudiana do Brasil que era um projeto de fazer uma associação psicanalítica congressual brasileira sem direção central (...) né? E que cada uma instituição organizava um congresso (...) que nenhum outro tinha ingerência sobre isso (...) né?

O Manifesto evidencia a manobra da Foundation para obter a hegemonia em terra brasileira. Os brasileiros que participariam do evento como convidados de um evento organizado pela Foundation, surgiram abruptamente como organizadores, porém em uma curiosa posição: limitados pelo poder de veto da instituição francesa que determinaria não só a comissão organizadora, assim como os convidados não brasileiros. A proposta omitia a iniciativa de um evento do qual se detém o controle, mas fazendo-se passar por convidado, num jogo de aparências. A estratégia francesa procurou sinalizar que o que suportava a realização do evento era o desejo daqueles que formavam a Comissão Brasileira, quando, de fato, o desejo que movimentava esse evento foi o da hegemonia, do colonialismo.

O Manifesto revela o subterfúgio usado pela instituição francesa para obter a hegemonia colonizadora:

(...) trata-se de fazer-se passar pelos detentores lídimos da herança lacaniana, semblante que só pode ser mantido longe daqueles que testemunharam os impasses éticos-institucionais que se desencadearam com o surgimento da École da Causa Freudienne que se fez representar pela Foundation. (Magno, 1985Magno, M. D. (1985). A Causa Freudiana no Brasil: um manifesto. Revirão, 2, 308--310., p. 309)

Nesse contexto de tensão institucional, foi realizado o Congresso Psica-nalítico da Banana. Ficou evidente, durante o evento, o sentimento de colonização e predomínio dos franceses. Eles “representavam o croissant” (Ferreira Neto, 2015Ferreira Neto, G. A. (2015). Congresso psicanalítico das bananas. Recuperado de https://www.associacaolivre.com.br/blog/artigo/congresso-psicanalitico-das-bananas
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). Betty Milan, que junto com M. D. Magno idealizaram o Congresso, ao descrevê-lo revela a presença da escola de samba Beija-Flor no Copacabana Palace, que trouxe o clima do tropicalismo para mais de mil presentes. Nas palavras dela: “O Lacan cancan era uma brincadeira que permitia assimilar o Lacan. Nós, brasileiros, brincamos e tendemos a assimilar reinventando” (Milan, 1994Milan, B. (1994). Difusão da psicanálise lacaniana no Brasil. Recuperado de https://www.bettymilan.com.br/difusao-da-psicanalise-lacaniana-no-brasil/
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, s.p.). Os significantes “brincadeira” e “brincar” seriam apreendidos de forma pejorativa pelo grupo que apoiava os franceses e aproximados da falta de seriedade e displicência com a prática psicanalítica, características atribuídas aos “falsos lacanianos”.

Naqueles tempos, o Brasil foi intensamente frequentado por psicanalistas franceses. Segundo Ferreira Neto (2015)Ferreira Neto, G. A. (2015). Congresso psicanalítico das bananas. Recuperado de https://www.associacaolivre.com.br/blog/artigo/congresso-psicanalitico-das-bananas
https://www.associacaolivre.com.br/blog/...
, esses psicanalistas “trouxeram-nos excelentes contribuições, já que praticamente nada sabíamos de Lacan, não podíamos acompanhar os seminários dele, e os textos só chegavam às nossas livrarias com atraso (alguns seminários não chegaram até hoje). Então, dependíamos deles” (s.p.). Esse analista, que participou ativamente do evento, fez uma observação fulcral sobre a relação dos brasileiros com os franceses: “O rico simbolismo fálico das bananas (para nós ‘falo’ é substantivo e verbo) incluía o gesto de ‘dar uma banana’ para os franceses. Vingança?” (s.p.).

A ironia de alguns analistas brasileiros não arrefeceu o ânimo dos franceses. O interesse de Miller no Brasil remonta a 1981, quando, em outubro, cerca de um mês após a morte de Lacan, ele visitou o país. No editorial do primeiro número do periódico Falo, de maio de 1987, ele afirma que “assisti à criação praticamente diante de meus olhos da Letra Freudiana e, em seguida, da Biblioteca Freudiana Brasileira...” Posteriormente, ele revela que “escutamo-nos, discutimos, em suma há mais de cinco anos que existimos uns para os outros - apesar da distância que é geográfica e não do coração” (p. 5). Ele saúda a criação de Falo como a revista do Campo Freudiano no Brasil. A referência ao ensino de Lacan surgiu em oposição a outros grupos e com alusões à seriedade e aplicação no trabalho, mesmos significantes utilizados nos ataques ao grupo ligado a Magno:

Não somos os únicos a nos referir ao ensino de Lacan, é fato; nossa maneira de fazê-lo só a nós pertence. Ao nosso ver, Jacques Lacan não foi um mago; as anedotas que se apregoam sobre ele oriundas do espanto daqueles que se aproximaram deste homem pouco comum, amplificadas pela malevolência e pela incompreensão que se vinculam àquele que não cede em seu desejo, não fazem justiça a uma vida dedicada ao esforço... Não se entende nada de Lacan se nele não se vê antes de mais nada o trabalhador encarniçado (...) (Miller, 1987Miller, J. A. (1987). Editorial. Orientação Lacaniana. Falo. Revista do Campo Freudiano, (1), 5-8., p. 5; grifos nossos)

Não podemos deixar de notar as interferências de Miller na organização do legado lacaniano nos trópicos. Uma entrevista num jornal de grande circulação no Brasil nos oferece uma mostra da estratégia de desqualificação do grupo que se opõe à hegemonia francesa. Acompanhado de Jorge Forbes, então coordenador da Causa Freudiana no Brasil, Miller difundiu o 2º Encontro Brasileiro do Campo Freudiano. No decorrer da entrevista, ele afirmou que “seu pessoal, ligado ao Campo Freudiano do Brasil, não tem nada a ver com Magno Machado Dias, do Rio, porque os verdadeiros lacanianos se distinguem pela ‘seriedade’ e ‘aplicação’, entre outras qualidades” (Costa, 1989Costa, C. T. (1989, 23 de janeiro). Genro de Jacques Lacan enfrenta a ética da psicanálise. Folha de São Paulo, E8., p. E8; grifos nossos).

Difícil não perceber a manobra discursiva presente no texto. O grupo liderado por Miller entende Lacan, conhece suas motivações e faz jus ao seu trabalho obstinado. Os demais, por não compreenderam o valor da obra de Lacan, e por não terem noção de sua vida, não estão aptos a transmitir seu legado. Eis aqui um viés de controle disciplinar que aproxima o humor da malevolência e atribui a quem supostamente o pratica uma falta de entendimento da teoria. Importante notar que, no intervalo entre o editorial (1987) e a entrevista (1989), a desqualificação recebeu o nome de um dos principais idealizadores do Congresso Psicanalítico da Banana e, por consequência, o grupo de psicanalistas que contestou politicamente a chegada dos franceses.

Nos anos 1990, ocorreu um esforço de articulação de diversas vertentes do lacanismo brasileiro. Em março de 1995, Miller assinou uma carta saudando a criação da EBP. Ao lembrar o percurso, ele afirma que “perdeu-se muito tempo em dissensões subalternas. Apelava-se para os franceses, ao mesmo tempo com temor do imperialismo deles” (Miller, 1995Miller, J. A. (1995). Carta de Jacques-Alain Miller à Escola Brasileira de Psicanálise. Recuperado de https://www.ebp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/22Carta-de-Jacques-Alain-Miller-a%CC%80-Escola-Brasileira-de-Psicana%CC%81lise22-Jacques-Alain-Miller.pdf
https://www.ebp.org.br/wp-content/upload...
). Em outro fragmento seu autor faz um apelo para que se aceite, no Brasil, o uno da escola: “O Um da Escola é frágil e será bem-vindo tudo que venha reforçá-lo com uma condição - que o Múltiplo o aceite de bom grado” (Miller, 1995Miller, J. A. (1995). Carta de Jacques-Alain Miller à Escola Brasileira de Psicanálise. Recuperado de https://www.ebp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/22Carta-de-Jacques-Alain-Miller-a%CC%80-Escola-Brasileira-de-Psicana%CC%81lise22-Jacques-Alain-Miller.pdf
https://www.ebp.org.br/wp-content/upload...
). Temos, assim, a tentativa de unir os lacanianos brasileiros em uma Escola, cuja direção era exercida por Miller.

Porém, parece-nos que essa tentativa traz consigo a marca daquilo que Spivak (2012)Spivak, G. C. (2012). Pode o subalterno falar? Editora da UFMG. designa como “silenciamento do subalterno”. Nos termos dessa autora, esse episódio nos apresenta o intelectual pós-colonial, que julga poder falar pelo outro. Essa posição assumida por alguns intelectuais reproduz as estruturas de opressão e poder propícias à manutenção do silenciamento do subalterno, pois não oferecem um espaço onde ele possa falar e, principalmente, ser ouvido.

Em um curto intervalo de tempo, o funcionamento da Escola mostrou que as questões ali levantadas e silenciadas seriam pivô de uma crise institucional. Aconteceu, então, a cisão da EBP. A cisão brasileira, que foi responsável pelo desligamento de cerca de um terço de membros e aderentes da EBP, não foi um movimento isolado. Ela se inscreve num movimento maior, que atingiu a Associação Mundial de Psicanálise (AMP), dirigida por Miller, que congrega escolas na Espanha, França, Bélgica, Venezuela, Colômbia, Chile, Peru e Argentina. A crise foi causada pela tensão entre as peculiaridades do funcionamento das Escolas e a organização da AMP, que as englobava (Ribeiro, 1998Ribeiro, M. A. C. (Org.). (1998). A cisão de 1998. Marca d’Água Livraria e Editora.).

A crise desencadeada na seção Rio de Janeiro, que envolveu toda a Escola Brasileira, foi deflagrada a partir de um questionamento estatutário acerca da concentração do poder pelos seus dirigentes. Essa seção foi alvo de uma intervenção externa realizada pelo delegado Geral da AMP (Jacques-Allain Miller), que enviou o secretário da Associação para participar de uma reunião, convocada pela AMP, com integrantes da seção Rio. A função do secretário nesse encontro evocou funções distintas como “mediador”, “moderador” e “interventor” (Quinet, 1998Quinet, A. (1998). Pacto, que pacto? In M. A. C. Ribeiro (Org.), A cisão de 1998 (pp. 123-133). Marca d’Água Livraria e Editora.).

No X Encontro da AMP, realizado em Barcelona, começou a surgir uma série de cartas de membros aderentes e correspondentes da EBP solicitando desligamento e se despedindo. As cartas colocam o delegado geral da AMP no centro das divergências. Elas apontam como razões o seu autoritarismo, sua predileção por conflitos, o desrespeito aos Estatutos e sua pretensão de reduzir a leitura de Lacan à sua interpretação.

O fato é que a cisão de 1998 teve diversos efeitos, a exemplo da fundação dos Fóruns do Campo Lacaniano, “nascidos de uma oposição ao mau uso do Um na psicanálise, após a crise de 1998, visam uma alternativa institucional orientada pelos ensinamentos de Sigmund Freud e Jacques Lacan” (Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - EPFCL, 2018Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL). (2018). Carta de Princípios. Recuperado de https://www.campolacaniano.com.br/apresentao-c1rj3
https://www.campolacaniano.com.br/aprese...
).

Não por acaso, em julho de 1999, deflagrou-se a “Crise de São Paulo”, que mobilizou diversos integrantes do Fórum do Campo Lacaniano. Em São Paulo, as divergências atingiram a nomeação da instituição: Fórum de Psicanálise de São Paulo ou Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo. A crítica era que a primeira alternativa negava a pertinência da instituição ao Fórum do Campo Lacaniano. A polêmica colocou em pauta a formulação do estatuto da nova instituição. A proposta de definição das funções da diretoria de zelar pelo reconhecimento e estímulo à multiplicidade de trajetórias pela psicanálise não seria coincidente com as finalidades dos Fóruns do Campo Lacaniano. Parece-nos que a questão colocada é: como o um a um associa-se a uma comunidade maior?

Os documentos produzidos durante a crise revelam as marcas repetitivas das experiências anteriores: Em missiva a Nominè: “Eu espero que o CL [Campo Lacaniano] não nos faça cantar Chamem JAM! [Jacques Alain-Miller]. O que nós não faremos jamais. Aliás eu espero que o CL no Brasil não tenha necessidade de chamar ninguém para resolver nossas dissenções...” (Infante, 1999Infante, D. (1999, julho). Sobre o Fórum do Campo Lacaniano em São Paulo. In Psicomundo. Recuperado de https://www.psicomundo.com/foros/psa-politica/crisis.htm
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. s.p.). Em documento para os colegas, no qual ressalta que o Campo Lacaniano é um Campo em construção: “Se esse aspecto não for respeitado nada construiremos de novo a não ser uma EBP versão 2, tão cretinizante como a anterior” (s.p.). Michel Sauval (1999)Sauval, M. (1999, julho). El tratamiento de la diferencia. In Psicomundo. Recuperado de https://www.psicomundo.com/foros/psa-politica/crisis.htm
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redigiu um texto que afirma a possibilidade de dois fóruns em uma mesma cidade. Um dos subtítulos dos pontos que ele propõe para reflexão é “o retorno de la escuela, o retorno de Miller?” (s.p.). Destacamos, ainda, a agressividade verbal presente nos debates, que merece o seguinte comentário: “(...) uma das dificuldades do diálogo, certamente não a principal, tem sido a falta de polidez entre os colegas. Por isso me pareceu que seria recomendável essa gíria dos jovens de hoje: ‘pegue leve’” (Gerbase, 1999Gerbase, J. (1999, julho). La crisis en la Internacional de los Foros del Campo Lacaniano Discusión entre Jairo Gerbase y Marisa Baldi. In Psicomundo. Recuperado de https://www.psicomundo.com/foros/psa-politica/jb-mb.htm
https://www.psicomundo.com/foros/psa-pol...
)

A agressividade entre os analistas, uma característica que consta em diversos documentos sobre a “crise”, nos remete à noção de catarse: uma descarga dos afetos patógenos, que faz com que os sujeitos revivam os eventos traumáticos aos quais esses afetos estão relacionados.

De modo abrangente, um aspecto evidente nos discursos da “Crise de São Paulo” é a busca, por intermédio das experiências passadas, de uma forma de recomeçar de outro modo com ações menos danosas. Essas considerações nos remetem ao que LaCapra (2008)LaCapra, D. (2008). Representar el Holocausto. História, teoria, trauma. Prometeo Libros. designa como “temporalidade repetitiva”, que seriam processos determinantes, os quais acontecem através de atuações e levantam a questão da escolha responsável e do recomeço.

A psicanálise lacaniana, que já era fragmentada, foi marcada por uma ruptura de vastos efeitos, com reflexos regionais distintos no Brasil. Esses efeitos se fizeram notar na preocupação com os laços institucionais estabelecidos pelos participantes. Em suas cartas de princípios, diversas instituições manifestaram a intenção de “se abrir para o novo”, de propor “um projeto de transmissão que não se ampara em saberes acabados”, de proporcionar a “expansão dos limites teóricos da psicanálise” e o propósito de “instituir-se na articulação de diferenças”, além da disposição de considerar a “singularidade dos desejos” de seus associados (EPFCL, 2018Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano (EPFCL). (2018). Carta de Princípios. Recuperado de https://www.campolacaniano.com.br/apresentao-c1rj3
https://www.campolacaniano.com.br/aprese...
; Escola da Letra Freudiana - ELF, 2020Escola da Letra Freudiana (ELF). (2020). Escola. Recuperado de http://www.escolaletrafreudiana.com.br/escola
http://www.escolaletrafreudiana.com.br/e...
; IP, 2021Intersecção Psicanalítica (IP). (2021). Apresentação. Recuperado de http://www.interseccaopsicanalitica.com.br/
http://www.interseccaopsicanalitica.com....
).

Essas intenções sinalizam uma circulação fantasmática, que assedia o coletivo dos analistas. Essas entidades psíquicas (fantasmas) carregam e presentificam reminiscências, por vezes brutas, pouco elaboradas, de períodos de sua história (Frosh, 2018Frosh, S. (2018). Assombrações: psicanálise e transmissões fantasmagóricas. Benjamin Editorial.). Nesse contexto, em nosso manuscrito, a teoria psicanalítica assume um caráter histórico, intimamente ligado a questões éticas, políticas e sociais (LaCapra, 2008LaCapra, D. (2008). Representar el Holocausto. História, teoria, trauma. Prometeo Libros.). Destarte, a circulação fantasmática coletiva não se faz sem o contributo dos fantasmas individuais.

A causa no discurso dos analistas: implicações das dissidências

No trânsito entre as experiências individuais e coletivas, o discurso dos analistas que experienciaram essas divergências, revela, ainda, o despertar traumático dos fantasmas de cada sujeito. Sabemos que em Lacan a linguagem ancora-se na estrutura do Outro, o que dá subsídios para o acesso ao inconsciente a partir de uma relação própria com o saber. Em seu ensino, não há linguagem que se totalize em um saber:

(...) todo discurso que se coloca como essencialmente fundamentado na relação com outro significante é impossível de totalizar, seja de que maneira for, como discurso. Com efeito, o universo do significante - não me refiro aqui ao significante, mas ao que é articulado como discurso - sempre terá que ser extraído de qualquer campo que pretenda totalizá-lo. (Lacan, 1968--69/2008Lacan, J. (2008). O seminário. Livro 16. De um outro ao outro. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1968-1969)., p. 59)

Podemos aproximar o campo que pretende totalizar um discurso com a noção de causa. Assim, a verdade será evocada como causa em todas as formulações discursivas e como forma de sua desconstrução no decorrer das análises desses fragmentos discursivos.

Na psicanálise, toda causa vem testemunhar uma implicação do sujeito. A posição de sujeito pressupõe responsabilidade pela resposta, que se produz frente a algo que nos interpela e se impõe: “(...) Em meu ato, não almejo exprimi-lo, mas causá-lo. Porém, não se trata do ato, e sim do discurso. No discurso, não tenho que seguir sua regra, e sim que encontrar sua causa”. (Lacan, 1968-69/2008Lacan, J. (2008). O seminário. Livro 16. De um outro ao outro. Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1968-1969)., p. 13)

A perspectiva lacaniana pressupõe que o efeito da linguagem é a causa introduzida no sujeito: “(...) a causa não é, como também se diz do ser, um logro das formas do discurso - já o teríamos desfeito. Ela perpetua a razão que subordina o sujeito ao efeito do significante” (Lacan, 1964/1998cLacan, J. (1998c). Posição do inconsciente no Congresso de Bonneval. In J. Lacan (Org.), Escritos (pp. 829-864). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1964)., p. 853). Essa razão que subordina o sujeito é primordial na análise que faremos de fragmentos discursivos de nossos entrevistados.

E então o mazomba é ... essa figura, “né”? (...) que tem uma questão de assumir um lugar... o seu próprio lugar... “né”? E as características do mazombo são de tratar o próprio lugar, inferiorizar o próprio lugar e valorizar a cultura, cultura estrangeira como superior... tem um sentimento enorme de inferioridade... “né”? (...) que o que permeia a noção do mazombo um sentimento enorme de... se é brasileiro não presta... você deve conhecer bem isso na universidade.

(...) e mais um aspecto ainda do mazombo... que eu acho é importante para entendimento disso... é porque... além de tratar o seu próprio lugar além da... “sensação de inferioridade”, além de serrar o galho em que tá sentado... “né”? (psicanalista radicado no Rio de Janeiro)

As considerações de Lacan nos mostram que existe uma lógica e um rigor para analisarmos os enunciados. Chama-nos atenção nesse fragmento discursivo o “né” recorrente. A posição em que esse sujeito se situou discursivamente e balizou seu discurso nos mostra uma tentativa de convencimento do interlocutor da significação enunciada. O “né” aponta para um pedido de concordância não explícito, motivado por uma guerra de sentidos entre grupos rivais de psicanalistas. Lembremos que o grupo que propôs utilizar a psicanálise nas discussões sobre a sociedade brasileira se preocupou com o colonialismo francês e adotou uma banana como símbolo de um congresso de psicanalistas, os quais foram nomeados como “subalternos” e considerados displicentes e anedóticos pelo grupo rival. A causa da articulação desses significantes está na prova da seriedade e na demonstração que esse grupo, que incorporou o discurso da brasilidade em sua identidade, merece reconhecimento no campo psicanalítico: “‘Não’ tenho proposta alguma. Hoje, ‘eu me limito’ a atender alguns analisandos, sobretudo analistas, me manifesto através dos meus textos...” (psicanalista radicada em São Paulo)

Nota-se o funcionamento da negação nesse fragmento discursivo. Não foi demandada a esse sujeito a formulação de propostas. Elas foram elaboradas no evento, no qual a entrevistada foi partícipe da concepção e organização. Giravam em torno da especificidade de uma psicanálise brasileira. A pergunta que a entrevistada solicitou que fosse enviada por e-mail pedia sua opinião sobre um fato histórico já acontecido: a tentativa de instituir uma direção única para o movimento lacaniano brasileiro. Ora, essa manifestação inconsciente faz alusão à inibição de qualquer manifestação que possa falar da organização institucional dos psicanalistas. A inibição se faz presente quando o temor de desejar se manifesta. A limitação pode funcionar como uma forma de desautorização, de uma obstrução da capacidade de realização (Leistungsféihigkeit) do sujeito em virtude da carência de sua relação com o Outro, o sinal do “demoníaco” que Freud alude ao propor a pulsão de morte.

Segregação e busca de reconhecimento têm relações bastante próximas na medida em que um dos movimentos da prática segregatória é a redução dos diferentes a um mesmo grupo homogeneizado (Askofaré, 2009Askofaré, S. (2009). Aspectos da segregação. A Peste, 1(2), 345-354. Recuperado de http://revistas.pucsp.br/index.php/apeste/article/view/6287/4621
http://revistas.pucsp.br/index.php/apest...
). Os primeiros fragmentos mostram um sujeito, vinculado a um grupo de psicanalistas, que procura o reconhecimento. Porém, as querelas que antecedem as cisões institucionais costumam vir unidas a práticas segregatórias, que, apesar de veladas, tornam-se insuportáveis para o sujeito. A colocação do outro em posição de subalternidade vem acompanhada da ideia de que um tratamento possível para o conflito é o isolamento daquele sujeito em posição de invisibilidade:

(...) as palestras de grande público você... era mandado pra fazer/apresentar seu trabalho... numa... numa mesa simultânea... são várias “jogadas”, vários... “manejos”, que... é... você pode medir muito bem... a posição em que cê se encontra... eu estive... numa época no Congresso em Buenos Aires... e... com a “abertura” ... fiz a conferência de abertura... e eu estive como numa “salinha”... é... quatro anos depois... no Congresso... no Congresso em Paris... era assim de um lado e do outro... do Atlântico... e... então... havia já... no meu caso uma... uma exclusão... gradual... e eu... não quis... não quis levar até o fim.

(...) hum... aí têm as pressões internas... e... isso acontece... no nível do discurso..., “mas o discurso é uma prática”... então... eu ia... sendo... cerceado... impedido... de realizar meu trabalho... e... já não me... convidavam para... as atividades... e... antes disso eu cheguei em Paris para uma... uma temporada... e... estava programada a reunião de Arcachon... sobre a conversação... e eu fui... ignorado... (psicanalista radicado na Bahia)

Esses fragmentos nos mostram uma maneira adotada pela instituição de lidar com as diferenças, com aquilo que nos torna não idênticos uns aos outros no campo psicanalítico. Ao tomarmos esses fragmentos discursivos, num contexto discursivo ampliado, percebemos que a segregação nas instituições psicanalíticas tem como princípio a constituição de uma política de identidade, que institui uma massa uniforme dos possíveis segregados.

Os documentos e as entrevistas em jornais mostram a formação grupal do “meu pessoal”, “os verdadeiros”, os candidatos a receber de Miller o suposto capital simbólico necessário para o reconhecimento (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). O poder simbólico. Difel.). Para os demais, restaria a experiência do contato com as práticas segregativas. Diante de uma dificuldade de assimilar a diferença, o sujeito procura isolá-la. Esse é o alicerce da prática segregativa, nomeada por esse sujeito de “manejo”, “jogadas”, que intencionavam a sua invisibilidade; marca de uma suposta posição subalterna. Em Buenos Aires, ele está na mesa de “abertura”; em Paris, numa “salinha”. A repartição espacial é a estratégia das práticas de segregação, que visam a retirar do espaço comum de convivência os diferentes, os quais, agrupados como formas específicas, convertem-se em grupos de segregados que são todos uns como os outros. Ou seja, retiram-se os diferentes do núcleo social considerado trivial.

Askofaré (2009)Askofaré, S. (2009). Aspectos da segregação. A Peste, 1(2), 345-354. Recuperado de http://revistas.pucsp.br/index.php/apeste/article/view/6287/4621
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nos lembra que foi na “Proposição de 9 de outubro de 1967” (primeira versão), designada por ele como “contemporâneo e quase clandestino” (p. 348), que Lacan, em um texto destinado para psicanalistas, abordou a segregação. Ele enlaça o conceito de identificação com a estrutura da instituição analítica (em alusão à IPA) em suas relações com a igreja e com o exército, e a “colocação em margem da dialética edipiana que resulta daí” e que “vai sempre cada vez mais se acentuando na teoria e na prática” (p. 349). Segundo ele, o texto lacaniano nos adverte que o crescimento dos fenômenos de segregação está enlaçado a um só discurso, que responderia a tudo e à existência de discursos como esse, englobando o analítico, desde que eles se estruturem em torno de um Pai ideal ou de um significante ideal.

A experiência, inclusive as formas associativas entre analistas, traz consigo um real não simbolizável. O apego ao mestre, ao lugar da lei, nos parece tributário de uma ilusão de completude, que pretende nomear de forma definitiva aquilo que seria a psicanálise, regular a relação entre os supostos analistas e, assim, escapar das rivalidades ao nomear um mestre que dará nomes ao inominável. Temos, assim, o funcionamento imaginário que, por intermédio de um discurso autoenganador, tenta negar o real.

As instituições de psicanálise no social: inibição, repetição e canonização

(...)é... é... que esse movimento... da... psicanálise aplicada... foi algo planejado... eles diziam... o Miller orientava... vamos ocupar os espaços... públicos. (psicanalista radicado na Bahia)

(...) e aí... o que que acontece?... é o Jacques-Alain Miller tinha sido maoísta, né? Então, ele tinha sido... é... muito... dentro dessa questão... que... o ensino do Lacan, ele tinha que tomar... de assalto... as universidades... e o serviço público... onde se fazia a... (...) principalmente as supervisões e tudo... não é isso? (psicanalista radicado em Minas Gerais)

Essa orientação de Miller, líder da Foundation, traz implicações para nossa discussão na medida em que estamos falando da inserção da psicanálise em instituições sociais. Sabemos que a transposição dos limites do método freudiano para uma ordem ético-política não se faz de maneira instantânea. Todavia, consideramos que a psicanálise tem algo a dizer sobre a sociedade, pois o Outro, o simbólico, engendra indivíduos, práticas e subjetividades e aparece na clínica. Há algo do social no domínio da psicanálise, mas tanto a psicanálise tem algo a dizer ao social, por sua capacidade de criar uma contextura para o sintoma, para o mal-estar, quanto a ordem ético-política tem algo a dizer para a psicanálise que, por intermédio da aposta no sujeito, possibilita o encontro preciso com os negativos dos significantes-mestre, necessários para a cisão entre o sujeito e o Outro.

A problemática fulcral aqui pode estar na colocação das instituições como alvo de disputa da hegemonia e escala de seu êxito. Essa luta tem como característica a redução das possibilidades teóricas ao equívoco na leitura da doutrina. Essa incorreção é atribuída à falta de fidelidade primária (Dunker & Kyrillos Neto, 2014Dunker, C. I. L., & Kyrillos Neto, F. (2014). Conflito entre psicanalistas e impasses fálicos da brasilidade. Stylus, (29), 67-84. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-157X2014000200008&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). A exigência de fidelidade exige resposta imediata, repetição da doutrina. Não há tempo de elaboração (fundamental para emancipação de condições alienantes), tampouco momento de conclusão (Lacan, 1945/1998aLacan, J. (1998a). O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada. In J. Lacan (Org.), Escritos (pp. 197-213). Jorge Zahar. (Trabalho original publicado em 1945).).

(...) quando estudam o seminário de Lacan, é orientado por uma leitura... de Miller... então... é verdade que ele... e... isso não é uma coisa natural é uma coisa forçada, obrigada... e... todos... se referem a... a essa leitura... a... que faz Jacques-Alain Miller dos seminários como... a oficial... é... a leitura oficial de Lacan... quem interpreta Lacan... a interpretação... oficial... do seminário de Lacan... é coisa que... tem sido já muito contestada por outros autores... (psicanalista radicado na Bahia)

Essas características demonstram uma tendência de canonizar algumas leituras de Lacan. A canonização de textos pode ser criticamente entendida como um processo histórico para o qual os textos servem para manutenção de hegemonias no que tange a valores, estruturas dominantes e uso a eles designados (LaCapra, 2008LaCapra, D. (2008). Representar el Holocausto. História, teoria, trauma. Prometeo Libros.). Como estratégia de legitimação ideológica de grupos, ela inclui a recepção do texto como artefato para o controle disciplinar. Daí a importância do acesso aos textos de Lacan, que, diversas vezes, encontram obstáculos impostos para sua obtenção sem o respaldo dos herdeiros. Afinal, existe a possibilidade de o texto lacaniano repelir a função canônica. Função que tende a colocar em suspenso seu potencial crítico e transformador. Isso reduz as possibilidades de abordagem das questões político-sociais atinentes à psicanálise no Brasil, que correm o risco de ficarem reduzidas a uma única interpretação.

Acerca desta questão, Goldenberg (2019)Goldenberg, R. (2019). Desler Lacan. Instituto Langage. nos lembra que “Lacan está morto. O que ele disse não depende mais dele. Depende de nós...” (p. 8). A partir dessa constatação, ele defende a ideia de que uma leitura, seja ela qual for, é sempre um gesto que comporta alguma autoria, pois o leitor pode ser surpreendido com o que se lê. Ou seja, o leitor se faz autor por meio de sua leitura. Um dos problemas abordados por Goldenberg é o leitor que se coloca na posição de “fiador” de Lacan. Por intermédio do conceito de desleitura, ele nos convida a pensar “uma outra política da língua” (p. 16).

É assim que alguns autores são sutilmente esquecidos, às vezes proscritos (Kyrillos Neto & Santos, 2021Kyrillos Neto, F., & Santos, R. A. (2021). Mytification demand? The assimilation of the black legend of Jacques Lacan in Brazil. In B. Maundelban, S. Frosh, & R. A. Lima, Brazilian Psychosocial Histories (pp. 323-342). Palgrave Macmillan.), em detrimento de outros que são comentados e indicados. Nesse mesmo movimento, algumas temáticas são consideradas irrelevantes, e sutilmente desestimuladas, enquanto outras são repetidas à exaustão, porquanto autorizadas pelos detentores do capital simbólico. Estamos falando de “inibição” e “repetição”, apresentações clínicas da experiência traumática: a inibição como forma de mascarar a angústia do sujeito perante a constatação da vinculação do efeito causado pelo manuscrito à sua interpretação e uso pelo leitor (desamparo do leitor perante o texto) e a repetição como algo incoercível que emana do inconsciente.

Nessas instituições, os impasses reconhecidos são abordados quase sempre em referência aos textos de Lacan. Assim, repete-se a questão da legitimidade, da autoridade sobre o outro e sobre citações e conceitos da obra lacaniana. Isso faz com que o texto perca sua posição de interposto, àquele no qual se busca subsídios, que auxiliem na resolução de questões para se tornar objeto de uma disputa de caráter colegial (Dunker & Kyrillos Neto, 2014Dunker, C. I. L., & Kyrillos Neto, F. (2014). Conflito entre psicanalistas e impasses fálicos da brasilidade. Stylus, (29), 67-84. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1676-157X2014000200008&lng=pt&tlng=pt
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).

Nesses termos, ficam evidentes os pontos que analisamos em nossas entrevistas. Psicanalistas que devido aos anos de trabalho e contatos nos meios institucionais da psicanálise, se colocam como autoridade e apelam para sua experiência com o intuito de obterem a subordinação de colegas que aspiram a ingressar e permanecer em algumas instituições. A inibição e a repetição trariam como ganho secundário a aceitação no grupo. Cria-se, então, uma política identitária que leva ao ataque e à desqualificação de grupos considerados rivais. É nesse momento que o legitimismo,2 2 Ruperthuz (2021) considera o pioneirismo uma estratégia histórica de controle do passado, que tem como finalidade a autolegitimação. impulsionado pela disputa do capital simbólico, se faz mais agudo (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). O poder simbólico. Difel.).

Desse modo, surgem os herdeiros, aqueles que são fiéis a eles, assim como propostas de permuta da experiência com custos de obediência e fidelidade; sucessões de repetições que representam a tendência ao infindável do autômaton.

Considerações finais: fantasmas e limites institucionais

No percurso apresentado, abordamos os eventos precípuos do lacanismo brasileiro, nos quais as práticas segregatórias se efetivam como produto de uma lógica discriminatória baseada na política de identidade. Esses eventos sugerem os discursos de nossos entrevistados, de caráter traumático para seus participantes que assumem conotações de fantasmas da psicanálise brasileira, como nos mostram documentos de divergências em instituições fundadas após 1998. Os psicanalistas, em suas instituições e em seu laço com os colegas, carregam sofrimentos de outros, de gerações anteriores. Carregam e convivem em profunda intimidade com sofrimentos e mágoas que seriam daqueles colocados em lugar de mestres, como prova de sua fidelidade primária.

Sinais dessa fidelidade, frequentemente cobrada na dinâmica institucional, faz parte da doxa, as leis que regem o campo da instituição e que regulam a luta pela sua dominação (Bourdieu, 1989Bourdieu, P. (1989). O poder simbólico. Difel.).

A prática do poder simbólico vem acompanhada da invisibilidade e cumplicidade dos agentes que estão sujeitos a ele e não querem dele saber. Nessa perspectiva, ter contato com intelectuais, autores e psicanalistas, que não estão alinhados politicamente com o ocupante da posição de pai ideal, contraria a doxa e pode ser danoso para a inserção do psicanalista no campo institucional.

Contudo, a manutenção de um suposto mestre carrega consigo a brusca redução dos limites de uma instituição. A fidelidade ao mestre com a consequente incorporação de seus fantasmas cria uma série de empecilhos para inclusão de outros integrantes.3 3 Remetemos o leitor ao manuscrito de Kyrillos Neto e Santos (2021), que aborda a tentativa recente, por parte de alguns psicanalistas mineiros, de desqualificar a obra de Roudinesco, desafeto de Miller. Nesse episódio, o aspecto da temporalidade repetitiva do trauma na história vem à tona. Conforme ressalta LaCapra (2008), o trauma se produz, de forma oculta, por intermédio da repetição, pois o acontecimento traumático se registra após um período de latência do momento em que é recalcado, deslocado ou negado. “O trauma retorna compulsivamente como o recalcado” (p. 188). Ao retornarmos a 1956, verificamos que Lacan, ao escrever “Situação da psicanálise e formação do psicanalista”, critica a instituição psicanalítica que funciona a partir da identificação à imagem ideal de um mestre.

Quanto a isso, pode-se objetar que uma instituição precisa de uma liderança, de alguém que direcione identificações e, dessa maneira, alicerce os laços sociais. Como antídoto ao apego à posição fálica, Lacan propõe a permutação, que nada mais é que uma troca de posições para evitar o efeito de cola. A questão é quando o analista não suporta a queda fálica e seus pares se acomodam a um Pai ideal. Aqui, encontramos os elementos clínicos e políticos para o encontro com o real mais terrível chamado segregação. O desafio das instituições de formação de psicanalistas tem relações claras com a política: repensar seu funcionamento institucional de forma a mitigar seus efeitos traumáticos.

  • 1
    O estudo tem como recorte o cenário carioca dos anos 1980 em uma circunscrição histórica que se estende até o fim dos anos 1990. Entretanto, cumpre registar que em 1975 (ano de fundação do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro) é criado o Centro de Estudos Freudianos que tem entre seus precursores Jacques Laberge e o pernambucano Ivan Corrêa. No ano anterior, Lacan começa ser estudado na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) (Capoulade, 2021Capoulade, F. (2021). Pioneers of Lacan’s ideas in Brazil: Na essay on the history of the psichoanalytic movemen. In B. Maundelban, S. Frosh, & R. A. Lima, Brazilian Psychosocial Histories (pp. 309-322). Palgrave Macmillan.). No Sul destacamos que Alduízio Moreira de Souza frequentou os seminários de Lacan em Paris. Em Porto Alegre ele participou da Cooperativa Jacques Lacan e integrou a primeira diretoria da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA) (Gageiro & Torossian, 2014Gageiro, A. M., & Torossian, S. D. (2014). A história da psicanálise em Porto Alegre. Analytica, 3(4), 117-144. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/v3n4/v3n4a07.pdf
    http://pepsic.bvsalud.org/pdf/analytica/...
    ).
  • 2
    Ruperthuz (2021)Ruperthuz, M. (2021). Algunas reflexiones sobre el concepto de pionero en la historia del psicoanálisis: examen de una estrategia historiográfica. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental [online], 24(4), 706-729. https://doi.org/10.1590/1415-4714.2021v24n4p706.11
    https://doi.org/10.1590/1415-4714.2021v2...
    considera o pioneirismo uma estratégia histórica de controle do passado, que tem como finalidade a autolegitimação.
  • 3
    Remetemos o leitor ao manuscrito de Kyrillos Neto e Santos (2021)Kyrillos Neto, F., & Santos, R. A. (2021). Mytification demand? The assimilation of the black legend of Jacques Lacan in Brazil. In B. Maundelban, S. Frosh, & R. A. Lima, Brazilian Psychosocial Histories (pp. 323-342). Palgrave Macmillan., que aborda a tentativa recente, por parte de alguns psicanalistas mineiros, de desqualificar a obra de Roudinesco, desafeto de Miller. Nesse episódio, o aspecto da temporalidade repetitiva do trauma na história vem à tona. Conforme ressalta LaCapra (2008)LaCapra, D. (2008). Representar el Holocausto. História, teoria, trauma. Prometeo Libros., o trauma se produz, de forma oculta, por intermédio da repetição, pois o acontecimento traumático se registra após um período de latência do momento em que é recalcado, deslocado ou negado. “O trauma retorna compulsivamente como o recalcado” (p. 188).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2022
  • Revisado
    12 Mar 2023
  • Aceito
    13 Maio 2023
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