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Efeito do plasma frio atmosférico em revestimento de cera de carnaúba na inativação de Colletotrichum brevisporum

Effect of atmospheric cold plasma on carnauba wax coating on inactivation of Colletotrichum brevisporum

RESUMO

Cera de carnaúba é utilizada, com sucesso, em revestimento de frutos por formar uma barreira contra a perda de umidade, troca de gases e ação antimicrobiana. No presente trabalho, pretende-se melhorar esta última propriedade através do tratamento por plasma. Plasma produzido por descarga de barreira dielétrica (DBD), usando pulsos de voltagem de 45 kV, repetidos na frequência de 405 Hz, durante 9 min, foi aplicado diretamente sobre esporos de fungo Colletotrichum brevisporum (4x104 conidia.cm-1) ou sobre superfície dos revestimentos de cera. Verificou-se que o revestimento, após tratado por plasma, apresentou resistência antifúngica equivalente àquela existente quando aplicada diretamente sobre os fungos. Este resultado foi justificado com base na literatura, em que o tratamento com plasma em lipídios estimula a oxidação das cadeias lipídicas, resultando na formação de compostos carboxílicos, que possuem propriedades antimicrobianas.

Palavras-chave
Plasma DBD; eletrodos coplanares; antifúngico; atmosférico; inativação

ABSTRACT

Carnauba wax is successfully used in fruit coating to produce a barrier against moisture loss, gas exchange and microbial action. The present study aims to improve this latter property by plasma treatment. Plasma produced by dielectric barrier discharge (DBD), using voltage pulses of 45 kV, repeated at the frequency of 405 Hz, for 9 min, was applied directly to spores of the fungus Colletotrichum brevisporum (4x104 conidia.cm-1) or on the surface of wax coatings. It was found that the coating, after being treated by plasma, presented antifungal resistance equivalent to that existing when applied directly to the fungi. This result was justified based on the literature, in which plasma treatment with lipids stimulates the oxidation of lipid chains, resulting in the formation of carboxylic compounds, which have antimicrobial properties.

Keywords
DBD Plasma; coplanar electrode; anti-fungal; atmospheric; inactivation

1. INTRODUÇÃO

Diversas culturas de frutos apresentam elevada atividade respiratória e produção de etileno, sendo assim chamadas de frutos climatéricos [11 PECH, J.C., PURGATTO, E. GIRARDI, C.L., et al. “Current challenges in postharvest biology of fruit ripening”, Current Agricultural Science and Technology, v. 19, pp. 1-18, 2013]. Estes são susceptíveis ao amadurecimento rápido e facilidade para o desenvolvimento de patógenos no período pós-colheita. O gênero Colletrotrichum é um dos principais patógenos causador da doença antracnose em diversas culturas de vegetais e frutos [22 NOIREUN, P, PHOULIVONG, S., LIU, F., et al. “Novel species of Colletotrichum revealed by morphology and molecular analysis”, Cryptogamie, Mycologie. v. 33. n. 3. pp. 347–362, 2012.]. O gênero foi recentemente eleito o oitavo grupo mais importante de fungos patogênicos das plantas no mundo, com base na importância científica [33 DEAN, R., VAN KAN, J.A., PRETORIUS, Z.A, et al. “The Top 10 fungal pathogens in molecular plant pathology”, Molecular Plant Pathology, v. 13, pp. 414-430, 2012.]. Como patógenos de frutos, as principais culturas afetadas são morango, manga, abacate, banana e mamão [44 CANNON, P.F., DAMM, U., JOHNSTON, P.R., et al., “Colletotrichum - current status and future directions”, Studies in Mycology, v. 73, pp. 181–213, 2012.]. Os problemas causados pelas infecções patogênicas desse gênero são os mais significativos durante o manuseio e armazenamento de diversas frutas, principalmente porque, com poucas exceções, seus sintomas são observados no exterior da fruta [55 BAUTISTA-BAÑOS, S., SIVAKUMAR, D., BELLO-PÉREZ, A., et al. “A review of the management alternatives for controlling fungi on papaya fruit during the postharvest supply chain”, Crop Protection, v. 49, pp. 8–20, 2013.]. No processo pós-colheita existem tratamentos para o controle antifúngicos e de amadurecimento rápido que acometem estes frutos. O revestimento de cera de carnaúba é eficiente no aumento da vida útil e manutenção da qualidade pós-colheita de vários frutos, principalmente por apresentar como características baixa polaridade e hidrofobia, possibilitando assim retardar os processos metabólicos associados ao amadurecimento e melhorar a aparência do fruto, proporcionando-lhe um brilho superficial e deixando-o mais atrativo para o consumidor [66 SINGH, S., KHEMARIYA, P., RAI, A., et al. “Carnauba wax-based edible coating enhances shelf-life and retain quality of eggplant (Solanum melongena) fruits” Journal of Postharvest Technology, v. 2, pp. 37-44, 2014.]. Entretanto, este revestimento não apresenta características antifúngicas e, consequentemente, não controla as doenças que comumente se proliferam na pós-colheita dos frutos. Em virtude disso, é comum utilizar, associado a este revestimento, fungicidas químicas convencionais como dicloro isocianurato de sódio e quaternário de amônio. No entanto, esses produtos constituem um problema ambiental considerável, principalmente devido ao impacto potencial à saúde humana em virtude da ingestão de alimentos contaminados e ao meio ambiente, pela contaminação do solo e da água, além do aumento de fungos mais resistentes, [66 SINGH, S., KHEMARIYA, P., RAI, A., et al. “Carnauba wax-based edible coating enhances shelf-life and retain quality of eggplant (Solanum melongena) fruits” Journal of Postharvest Technology, v. 2, pp. 37-44, 2014.]. Técnicas alternativas que reduzam ou eliminem esse problema estão sendo buscadas. Dentre elas está o plasma frio à pressão atmosférica. A técnica DBD, devido principalmente ao uso em baixa temperatura de trabalho (~ambiente), é a que vem sendo utilizada em vários processos, principalmente no ramo alimentício e na agricultura [88 BUTSCHER, D.; VAN LOON, H., WASKOW, A., et al. “Plasma inactivation of microorganisms on sprout seeds in a dielectric barrier discharge”, International Journal of Food Microbiology, v. 238, pp. 222–232, 2016., 99 MISRA, N.N., KEENER, K.M., BOURKE, P., et al. “In-package atmospheric pressure cold plasma treatment of cherry tomatoes”, Journal of Bioscience and Bioengineering, v. 118, n. 2, pp. 177–182, 2014.]. Os mecanismos de inativação de microrganismos por esta tecnologia ainda não são totalmente conhecidos devido à sua natureza complexa e dinâmica, mas estudos relatam que os mecanismos podem ser divididos em aspectos biológicos e físicos [1010 LIAO, X., LIU, D., XIANG, Q., et al. “Inactivation mechanisms of non-thermal plasma on microbes: A review”, Food Control, v. 75, pp. 83–91, 2017.]. Os aspectos biológicos estão relacionados principalmente com danos por radiação UV na capacidade replicativa do DNA e danos oxidativos da membrana ou componentes intracelulares causados por espécies reativas de nitrogênio e oxigênio (RONS) [1010 LIAO, X., LIU, D., XIANG, Q., et al. “Inactivation mechanisms of non-thermal plasma on microbes: A review”, Food Control, v. 75, pp. 83–91, 2017.]. Os aspectos físicos estão relacionados com a ruptura da membrana celular causada por carregamento elétrico de elétrons ou íons na superfície [1010 LIAO, X., LIU, D., XIANG, Q., et al. “Inactivation mechanisms of non-thermal plasma on microbes: A review”, Food Control, v. 75, pp. 83–91, 2017.]. A interação do plasma com cera de carnaúba já foi estudada na literatura, onde foi constatado a acidificação da superfície promovida provavelmente pela adesão de espécies NOx do plasma com a superfície da cera [1111 HELMKE, A., HOFFMEISTER, D., MERTENS, N., et al., “The acidification of lipid film surfaces by non-thermal DBD at atmospheric pressure in air”. New Journal of Physics, v.11, 115025, 2009.]. Sabendo-se que a acidez aumenta a ação microbiana, pressupõe-se que o tratamento por plasma da cera de carnaúba, poderá ser uma alternativa para conservação e qualidade dos frutos pós-colheita. Deste modo, este trabalho foi realizado a partir de um estudo experimental in vitro com o objetivo de verificar a ação do plasma frio à pressão atmosférica por descarga de barreira dielétrica (DBD-ACP), quanto à inativação de um fungo que se prolifera nos pós-colheita de vários frutos, principalmente do mamão, o Colletotrichum brevisporum. Além de verificar se o revestimento de cera de carnaúba potencializa ou reduz o efeito do plasma.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1 Sistema de plasma

O sistema de plasma utilizado foi construído no laboratório de plasma aplicado à agricultura, saúde e meio ambiente (Labplasma) e possuí uma configuração de eletrodos coplanares, produzido por disco de fenolite revestido de cobre nas duas faces (Fig. 1). Estas duas faces foram corroídas com solução de percloreto de ferro, de forma a produzir eletrodos alternados (Fig. 1). Na superfície superior do revestimento de cobre foi colocado uma camada de cola isolante para evitar descargas externas à região de ensaio. Assim, foi criado uma descarga por barreira dielétrica (DBD) entre os eletrodos alternados nas duas faces (Fig. 1). Pulsos de voltagem de 45 kVp-p, repetidos na frequência de 405 Hz, foram aplicados entre os eletrodos. Observe que na parte inferior da placa de Petri foi colocado uma placa de cobre aterrada, para atrair os elétrons do plasma produzido pela descarga entre os eletrodos coplanares. Para medir a diferença de potencial aplicada sobre o sistema foi usada uma ponta de prova de alta tensão 1000:1. A corrente i em função do tempo na descarga foi calculada pela Eq.1 de acordo com a Lei de Ohm, onde foi medida a queda de tensão VR sobre um resistor R de 20 Ω em serie com o sistema.

i t   =   V R t R (1)

Para a medida dessa queda de tensão usou-se uma ponta de prova 10:1 (Keysight N2871A). Uma informação muito importante em aplicações por plasma DBD é o conhecimento da energia E consumida no processo, que é dada pela Eq. 2 [1212 ROSENTHAL, L.A., DONALD, A.D., “Electrical characterization of a corona discharge for surface treatment”, IEEE Transactions on industry applications, 3, pp. 328-335, 1975.]:

E   =   0 t V t d Q (2)

Onde V(t) é a tensão aplicada entre os eletrodos e dQ a carga infinitesimal armazenada num capacitor em série com o sistema. No presente trabalho foi utilizado um capacitor de 4,7 nF, em substituição ao resistor R. O valor da quantidade de carga Q no capacitor é calculado pela Eq. 3.

Q t   =   C V C t (3)

Onde C é a capacitância e VC a diferença de potencial medida no capacitor. Com essa medida de carga foi possível calcular a energia consumida por ciclo pela descarga usando o método da figura de Lissajous11. Para o diagnóstico de plasma, foi utilizado um espectrômetro UV-Vis, USB4000 (Ocean Optics), com o software SpectraSuite. Uma fibra óptica acoplada ao espectrômetro foi colocada a uma distância radial de 10 mm do plasma gerado (Fig. 1).

Figura 1
Aparato experimental utilizado neste trabalho para tratamento por plasma dos esporos

As medidas elétricas do sistema DBD (tensão, corrente e potência) foram feitas usando um osciloscópio de dois canais (Keysight DSOX2002A). Os dados capturados pelo osciloscópio foram armazenados em um dispositivo de memória removível e posteriormente visualizados graficamente no PC pelo software Origin® 8, conforme já descrito em trabalho anterior [1313 ALVES JUNIOR, C., OLIVEIRA, T.T.P., REGIS, R.M., et. al. “Características elétricas e eficiência energética de um sistema de descarga de barreira dielétrica” Revista Brasileira de Aplicações do Vácuo, v.36, pp.107-113, 2018.].

2.2 Tratamento por plasma

O isolado de C. brevisporum foi posto para crescer em incubadora BOD a 27 °C por um período de 7 dias em placa de Petri contendo meio de cultura ágar batata dextrose (BDA). Posteriormente foram feitas suspensões de esporos do patógeno adicionando-se 10 ml de água destilada estéril sobre a placa de Petri com raspagem da colônia para liberação de esporos. A suspensão resultante foi diluída em água auto lavada, sendo a mesma ajustada para a concentração de 4 x 104 esporos ml-1, mediante a utilização de uma câmara de Neubauer. Para a produção do revestimento, a cera de carnaúba foi misturada com óleo de canola saponificado na proporção de 0,5 ml por grama de cera, em 10 ml de água destilada. A mistura foi agitada sob aquecimento até completa solubilização da cera em meio aquoso. Esta solução foi então misturada em 250 ml de meio de cultura BDA, com exceção da amostra controle, em que o substrato era a própria placa de Petri. As suspensões de esporos previamente preparadas foram uniformemente depositadas em substratos de vidro ou cera de carnaúba, ambos contendo o meio de cultura BDA, com o auxílio de uma alça de drigalski. Os tratamentos foram realizados antes ou imediatamente após a inoculação dos esporos, em substratos de vidro ou de cera de carnaúba. Outra condição utilizada foi o tratamento 24 h após a inoculação.

Todos os tratamentos por plasma tiveram duração de 540 s. Depois de 72 horas de incubação, as unidades formadoras de colônias (UFC) foram quantificadas em um contador de colônias CP 600 Plus Phoenix, com auxílio de um contador manual. Para todos os resultados experimentais, foi aplicado um delineamento inteiramente casualizado (DIC) com 5% de probabilidade. Cada tratamento consistiu em cinco repetições. Os dados obtidos foram comparados pelo teste de Tukey com o auxílio do programa estatístico Sisvar.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Fig. 2, conforme a tensão de descarga aumenta, a corrente elétrica aumenta abruptamente, até atingir a tensão de ruptura do gás (região com círculo), quando então a corrente diminui lentamente, obedecendo o tempo de descarga do circuito RC. O amortecimento do pulso de tensão pelo circuito externo não foi suficiente para desprezar a inversão da polaridade, cujo pico foi aproximadamente 80% do pico máximo. Portanto, a descarga foi produzida por um pulso senoidal. Como a descarga é coplanar, esse fato não tem importância sobre o resultado da interação plasma-superfície, exceto apenas o tempo de duração, que será de 3,3 x 10-4s.

Figura 2
Forma de onda da corrente como resposta ao pulso de voltagem aplicado entre eletrodos coplanares, separados por fenolite como dielétrico.

A energia/ciclo, calculada a partir do método da figura de Lissajous [1111 HELMKE, A., HOFFMEISTER, D., MERTENS, N., et al., “The acidification of lipid film surfaces by non-thermal DBD at atmospheric pressure in air”. New Journal of Physics, v.11, 115025, 2009., 1212 ROSENTHAL, L.A., DONALD, A.D., “Electrical characterization of a corona discharge for surface treatment”, IEEE Transactions on industry applications, 3, pp. 328-335, 1975.], resultou num valor de 2,2 x 10-3 J/ciclo. Essa energia foi fornecida para o plasma, uniformemente distribuído em toda área do disco de petri (6,0 x 10-3 m2), onde estava contido 4000 esporos (0,1 ml de uma suspensão com 4 x 104 esporos.ml-1). Ou seja, para a frequência de 405 Hz usada neste trabalho, a potência fornecida por unidade de esporo foi de 2,2 x 10-4 W/esporo. Na análise por espectroscopia de emissão óptica (OES), foram observados picos referentes à emissão de espécies oriundos da ionização do ar, incluindo NO (301 e 282,87 nm), OH (295,2 e 308,49 nm), além das bandas referentes ao segundo sistema positivo do N2 (SPS), primeiro sistema negativo de N2+ (FNS) e primeiro sistema positivo (FPS). O resultado obtido quanto à caracterização espectral do plasma foi semelhante a outros estudos da literatura, usando plasma DBD em ar [1414 AUTHIER, L., SVARNAS, P., SOJIC, N., et al. “Formation of Reactive Nitrogen Species including Peroxynitrite in Physiological Buffer exposed to Cold Atmospheric Plasma” RSC Advances, v. 6, pp. 78457–78467, 2016.]. Estas espécies reativas a base de oxigênio e/ou nitrogênio (RONS) são conhecidas por oxidar membranas celulares, moléculas de proteínas e DNA caracterizando como letal para os microrganismos [1515 MOREAU, M., ORANGE, N., FEUILLOLEY, M.G.J. “Non-thermal plasma technologies: New tools for bio-decontamination”, Biotechnology Advances, v. 26, n. 6, pp. 610–617, 2008., 1616 SCHLÜTER, O., FRÖHLING, A. “Cold Plasma for Bioefficient Food Processing”, In: Richard Robinson, Academic Press, Encyclopedia of Food Microbiology,2nd Edition, Non-Thermal Processing, v. 2, p. 948–953, abril, 2014. ]. Embora o mecanismo de inativação por plasma frio atmosférico não tenha sido totalmente compreendido até o momento, sabe-se que efeitos físicos e biológicos como fotodesorção induzida por radiação UV; erosão química causada por reação com radicais como NO e OH; disrupção eletrostática, causada pelo acúmulo de cargas elétricas na superfície externa da membrana celular e oxidação de macromoléculas, como lipídios da membrana (no caso de bactérias gram-negativas), proteínas e DNA [1515 MOREAU, M., ORANGE, N., FEUILLOLEY, M.G.J. “Non-thermal plasma technologies: New tools for bio-decontamination”, Biotechnology Advances, v. 26, n. 6, pp. 610–617, 2008.

16 SCHLÜTER, O., FRÖHLING, A. “Cold Plasma for Bioefficient Food Processing”, In: Richard Robinson, Academic Press, Encyclopedia of Food Microbiology,2nd Edition, Non-Thermal Processing, v. 2, p. 948–953, abril, 2014.

17 HERTWIG, C., MENESES, N., MATHYS, A. “Cold atmospheric pressure plasma and low energy electron beam as alternative nonthermal decontamination technologies for dry food surfaces: A review”, Trends in Food Science and Technology, v. 77, pp. 131–142, 2018.
-1818 MISRA, N.N., MARTYNENKO, A., CHEMAT, F., et al. “Thermodynamics, transport phenomena, and electrochemistry of external field-assisted nonthermal food technologies”, Critical Reviews in Food Science and Nutrition, v. 58, n. 11, p. 1832–1863, 2018.].

Figura 3
Espectro de emissão óptica do plasma DBD em ar, Vp-p 45 kV e frequência de 405 Hz.

Após aplicação da dose de plasma de 2,2 x 10-4 W/esporo, durante 9 min, nas diferentes condições utilizadas, as UFC’s foram contadas após 72 h de incubação (Tabela 1). Todos os dados são expressos como média ± desvio padrão para cinco repetições.

Tabela 1
Número de unidades formadoras de colônias nas amostras tratadas, contadas após 72 h de incubação

Comparando-se o UFC do substrato de vidro (SV) com o de cera (SC), ambos sem tratamento por plasma, observa-se que o último teve um número médio de UFC levemente inferior. Apesar de não ser uma diferença significativa, o resultado pode dar um indicativo de que a cera tenha oferecido alguma resistência à proliferação fúngica. O plasma aplicado logo após a inoculação, mostrou-se eficiente nos dois substratos. Esse resultado sugere que o mecanismo de inativação deve ter ocorrido por interação direta das espécies do plasma com os esporos presentes. Um resultado surpreendente ocorre quando o tratamento foi realizado previamente à inoculação dos esporos. Observa-se que no substrato de vidro o número de UFC teve um comportamento parecido com aquele sem tratamento. Entretanto, no substrato de cera houve completa inativação dos esporos. Esse resultado indica que o plasma induziu propriedades antifúngicas na cera. A cera de carnaúba é um lipídeo composto por ésteres de cadeia linear que contém 85% de ésteres alquílicos de vários tipos, além de álcoois (10-15%), ácidos (3-6%) e hidrocarbonetos (1-3%) [1818 MISRA, N.N., MARTYNENKO, A., CHEMAT, F., et al. “Thermodynamics, transport phenomena, and electrochemistry of external field-assisted nonthermal food technologies”, Critical Reviews in Food Science and Nutrition, v. 58, n. 11, p. 1832–1863, 2018.-1919 PUTTALINGAMMA, V., “Edible Coatings of Carnauba Wax ––A Novel Method for Preservation and Extending Longevity of Fruits and Vegetables- A Review”, Internet Journal of Food Safety, v.16, pp. 1-5, 2014.]. A interação de espécies quimicamente reativas do plasma com grupos funcionais desse lipídio pode ter dado origem a grupos com propriedades antifúngicas. Vários autores relataram que o tratamento com plasma em lipídios estimula a oxidação das cadeias lipídicas, resultando na formação de compostos carboxílicos [1111 HELMKE, A., HOFFMEISTER, D., MERTENS, N., et al., “The acidification of lipid film surfaces by non-thermal DBD at atmospheric pressure in air”. New Journal of Physics, v.11, 115025, 2009., 2020 SARANGAPANI, C., KEOGH, D.R., DUNNE, J., et al. “Characterization of cold plasma treated beef and dairy lipids using spectroscopic and chromatographic methods”, Food Chemistry, v. 235, 324–333, 2017.], que possuem propriedades antimicrobianas. A toxicidade de grupos carboxílicos para microrganismos está amplamente relacionada à ocorrência de danos na membrana. Sabe-se que reações entre espécies reativas do plasma a base de oxigênio e nitrogênio (RONS) e lipídios, tem uma extremidade hidrofílica que é do grupo ácido -COOH carboxílico; a outra parte é um hidrocarboneto e, portanto, hidrofóbica [2121 GRAVES, D.B., “Low temperature plasma biomedicine: A tutorial review” Physics of Plasmas, v. 21, pp. 080901, 2014.]. Diferentemente dos tratamentos realizados imediatamente após inoculação dos esporos, os tratamentos realizados somente 24 h após a inoculação dos esporos apresentaram baixo desempenho. Nesse caso, tanto no substrato de vidro como no substrato de cera, observamos que a ação do plasma não foi muito eficiente. O período de 24 horas após inoculação, foi suficiente para as colônias se desenvolverem e estabilizarem em meio de cultura, dando-lhes maior resistência à penetração das espécies do plasma. Recentemente, em estudos de erradicação de biofilme dermatófitos Trichophyton rubrum e Microsporum canis in vitro, foi relatado que um único tratamento por plasma com duração de 3, 5 ou 8 min. Ele verificou que a melhor condição apresentou uma redução máxima de apenas 40%, em relação ao biofilme não tratado, o que mostra uma dificuldade de eliminação total do biofilme. No entanto, quando esses tratamentos foram repetidos diariamente durante 9 dias, demonstraram inibição do crescimento dos biofilmes [2222 HEINLIN, J., MAISCH, T., ZIMMERMANN, J.L, et al. “Contact-free inactivation of trichophyton rubrum and Microsporum canis by cold atmospheric plasma treatment”Future Microbiology, v. 8, n.9, pp. 1097–1106, 2013.]. Estes resultados confirmam a menor eficiência do plasma após formação das colônias, conforme observado quando tratado 24 h após inoculação.

4. CONCLUSÕES

Foi verificado que plasma atmosférico foi efetivo para inativação de esporos C. brevisporum, quando estes se encontravam dispersados em substratos de vidro e de cera. Foi também observado que cera tratada por plasma adquiriu propriedades antifúngicas, ao contrário do substrato de vidro, que não teve suas propriedades alteradas. Sendo assim, plasma interagindo com superfície da cera é capaz de induzir propriedades antifúngicas. Entretanto, quando o plasma foi aplicado diretamente sobre as colônias, verificou-se uma redução de baixa significância estatística. Um estudo mais detalhado, considerando principalmente o tempo de aplicação do plasma, deve ser conduzido para entendimento desse último resultado.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processos 306758/2017-2 e 430863/2016-0.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2020
  • Aceito
    10 Nov 2020
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