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Influência do H2S na formação e reconstrução da camada passiva do aço Super 13Cr em meio simulado de exploração de petróleo em água profundas

Influence of H2S on the formation and reconstruction of passive layer of Super 13Cr steel in simulated deep water oil exploration media

RESUMO

Na indústria de petróleo e gás, o aço inoxidável supermartensítico (Super 13Cr) tem sido utilizado na fabricação de tubos de aço para uso em perfurações de petróleo. O Super 13Cr é uma opção financeiramente mais viável do que o aço super duplex no mercado de óleo e gás. O objetivo deste trabalho é avaliar a influência de variações de pH e da presença de H2S dissolvido no meio na resistência à corrosão do aço super martensítico em solução salina saturada com H2S, simulando assim, as condições de operação no pré-sal da indústria de petróleo. Os testes eletroquímicos utilizados foram a polarização anódica potenciodinâmica e a cíclica. Para a posterior caracterização da superfície, as técnicas utilizadas foram a microscopia ótica e a microscopia eletrônica de varredura (MEV). O efeito da presença de H2S no meio elevou a susceptibilidade à corrosão do aço devido à uma maior desestabilização da camada passiva formada naturalmente, redução do potencial de pite e do potencial de repassivação. O aço super 13Cr também se mostrou menos resistente quando o pH foi variado para valores mais baixos, causando redução no potencial de pite. Com os testes realizados e a análise das micrografias, o aço super 13Cr se mostrou menos resistente frente à corrosão em meios mais ácidos e na presença de sulfeto de hidrogênio no meio. As principais consequências desse aumento de severidade foram a presença de pites em maior quantidade e mais profundos, que podem evoluir em trincas caso haja solicitações mecânicas, potenciais de pite menos nobres e uma grande resistência à repassivação.

Palavras-chave
corrosão localizada; aço supermartensítico; corrosão por sulfeto; polarização anódica

ABSTRACT

In the oil and gas industry, supermartensitic stainless steel (Super 13Cr) has been used in the manufacture of steel tubes for use in oil drilling. Super 13Cr is a more financially viable option than super duplex steel in the oil and gas market. The objective of this work is to evaluate the influence of pH variations and the presence of H2S dissolved in the medium in the corrosion resistance of super martensitic steel in saline solution saturated with H2S, thus simulating the operating conditions in the industry's pre-salt of oil. The electrochemical tests used were anodic potentiodynamic and cyclic polarization. For the subsequent characterization of the surface, the techniques used were optical microscopy and scanning electron microscopy (SEM). The effect of the presence of H2S in the medium increased the susceptibility to corrosion of the steel due to a greater destabilization of the naturally formed passive layer, reduction of the pitting potential and of the repassivation potential. Super 13Cr steel was also less resistant when the pH was varied to lower values, causing a reduction in pitting potential. With the tests carried out and the analysis of the micrographs, the super 13Cr steel was less resistant to corrosion in more acidic media and in the presence of hydrogen sulfide in the medium. The main consequences of this increase in severity were the presence of larger and deeper pits, which can develop into cracks if there are mechanical stresses, less noble pitting potentials and great resistance to repassivation.

Keywords
localized corrosion; super martensitic steel; sulfide corrosion; anodic polarization

1. INTRODUÇÃO

A diminuição gradual das fontes de petróleo vem acelerando a produção de gás e petróleo provenientes de poços cada vez mais profundos [11 RAMIREZ, J. E. “Weldability Evaluation of Supermartensitic Stainless Pipe Steels”, Welding Journal , v. 86, pp. 125-132, 2007.]. Devido às grandes profundidades, esses poços são operados sob condições bastante severas tais como alta pressão, alta concentração de cloretos, presença de H2S e CO2. Dessa forma, torna-se necessário a utilização de materiais que sejam resistentes à corrosão em meios aquosos contendo CO2 e aos efeitos causados pela presença do H2S em meio aquoso [22 MARCHEBOIS, H., LEYER, J., ORLANS-JOLIET, B., et al., “SSC performance of a Super 13% Cr Martensitic Stainless Steel: Influence of pH2S, pH, and Chloride Contet”, International Oilfield Corrosion Symposium, Aberdeen, Scotland, U.K, 2006.].

A partir dos anos 90, aços inoxidáveis que combinam baixo teor de carbono e adição de níquel e molibdênio possibilitam ligas de aço 13Cr convencionais alcançarem melhores propriedades mecânicas e anticorrosivas. Dessa forma define-se uma nova classe nos aços inoxidáveis, denominados aços supermartensíticos (AISM), também chamados de aços Super 13Cr ou somente S13Cr. Essa classe vem sendo desenvolvida e aplicada em linhas de tubulações de exploração em águas profundas, como OCTG (Oil Country Tubular Goods), contribuindo para a indústria de petróleo como uma alternativa na substituição dos aços inoxidáveis e super duplex de custos elevados, ou aos aços carbono com uso de inibidores, o que também eleva os custos de produção [33 ANSELMO, N., MAY, J. E., MARIANO, N. A., et al., “Corrosion behavior of supermartensitic stainless steel in aerated and CO2-saturated synthetic seawater”, Materials Science and Engineering, v. 428, pp. 73-79, 2006.; 44 MIYATA, Y., KIMURA, M., MASAMURA, K.., “Effects of Chemical Components on Resistance to Intergranular Stress Corrosion Cracking in Supermartensitic Stainless Steel”, Corrosion Conference and Expo. International, N. Nashville, Tennessee, 2007.]. A característica principal que difere os aços inoxidáveis como o super 13Cr dos demais é o teor de cromo, responsável pela formação da camada passiva, e os demais elementos de liga que podem contribuir para a estabilização da camada protetora em ambientes agressivos [55 SCHWEITZER, A. P., Fundamentals of Metallic Corrosion Atmosphereric and Media Corrosion of Metals, New York, Corrosion Engineering Handbook, 2007.]. Entretanto, mesmo estando essas ligas protegidas, em certos meios, a camada passiva pode ser quebrada expondo a matriz metálica que pode corroer de forma ativa. Meios contendo espécies halogênicas, como o Cl- e Br-, ou gases potencialmente agressivos, como CO2 dissolvido em solução aquosa e H2S, desestabilizam a camada protetora e iniciam um ataque localizado na superfície desencadeando o processo de corrosão localizada [66 PARK, S., KIM, M., WEE, D., “Correlation of the thermodynamic calculation and the experimental observation of Ni–Mo–Cr low alloy steel changing Ni, Mo, and Cr contents”, Journal of Nuclear Materials, v. 407, n. 2, pp. 126-135, 2010.].

Mesquita et al. [77 Mesquita, T.J., Chauveau, E., Mantel, M., et al.,“Corrosion and metallurgical investigation of two supermartensitic stainless steels for oil and gas environments”, Corrosion Science, v. 81, p. 152-161, 2014.] estudaram o efeito do teor de austenita retida de dois aços supermartensíticos em meios contendo sulfeto de hidrogênio e concluíram que a resistência a corrosão por pites é aumentada pela presença da austenita retida mas ela não tem efeito no trincamento por tensão em presença de sulfeto.

Anselmo et al. [33 ANSELMO, N., MAY, J. E., MARIANO, N. A., et al., “Corrosion behavior of supermartensitic stainless steel in aerated and CO2-saturated synthetic seawater”, Materials Science and Engineering, v. 428, pp. 73-79, 2006.], em 2006, estudaram o comportamento corrosivo de aços inoxidáveis supermartensíticos em ambientes marinhos simulados saturados com CO2. Além dos resultados dos experimentos mostrarem que fatores como a temperatura e a concentração de dióxido de carbono influenciam na estabilidade da camada passiva das ligas, os autores alertam sobre a preocupação das indústrias de petróleo e gás com a corrosão e consequentes desastres ambientais, mostrando que cerca de 60% dos gastos fixos delas são investidos em materiais e equipamentos de controle da corrosão [33 ANSELMO, N., MAY, J. E., MARIANO, N. A., et al., “Corrosion behavior of supermartensitic stainless steel in aerated and CO2-saturated synthetic seawater”, Materials Science and Engineering, v. 428, pp. 73-79, 2006.].

Na literatura, nos últimos anos, pesquisadores concentraram suas linhas de pesquisa em como meios contendo H2S atuam na camada passiva de diversas ligas metálicas como 316L [88 WANG, Z., ZHANG, L., ZHANG, Z., et al., “Combined effect of pH and H 2 S on the structure of passive film formed on type 316L stainless steel”, Applied Surface Science, v. 458, pp. 686-699, 2018.], super duplex [99 LUO, H., LI, Z., CHEN, Y.-H., et al., “Hydrogen effects on microstructural evolution and passive film characteristics of a duplex stainless steel”, Electrochemistry Communications, v. 79, pp. 28-32, 2017.], e o Super 13Cr [1010 LEI, X., WANG, H., MAO, F., et al., “Electrochemical behaviour of martensitic stainless steel after immersion in a H 2 S-saturated solution”, Corrosion Science, v. 131, pp. 164-173, 2018.].

Em 2018, Wang et al. [88 WANG, Z., ZHANG, L., ZHANG, Z., et al., “Combined effect of pH and H 2 S on the structure of passive film formed on type 316L stainless steel”, Applied Surface Science, v. 458, pp. 686-699, 2018.] estudaram o efeito combinado do valor de pH e H2S na estrutura do filme passivo em uma liga de aço inoxidável 316L. Através de análises de XPS e ToF-SIMS, os autores mostraram que a presença de H2S dissolvido no meio induz a incorporação de sulfetos de ferro na estrutura do filme passivo e que a camada passiva adquiriu uma disposição dividida em três regiões, uma externa rica em hidróxidos de ferro, níquel e cromo, uma região intermediária composta de sulfetos de ferro e um região interna onde predominaram os óxidos de cromo e ferro. Dessa forma, conclui-se que a presença de enxofre pode inibir a formação ideal dos óxidos de ferro, enfraquecendo a camada passiva já que os sulfetos são menos protetivos do que os óxidos [88 WANG, Z., ZHANG, L., ZHANG, Z., et al., “Combined effect of pH and H 2 S on the structure of passive film formed on type 316L stainless steel”, Applied Surface Science, v. 458, pp. 686-699, 2018.].

Em outro trabalho, Li et al. [1111 LI, D. G., WANG, J. D., CHEN, D. R., et al., “Influences of pH value, temperature, chloride ions and sulfide ions on the corrosion behaviors of 316L stainless steel in the simulated cathodic environment of proton exchange membrane fuel cell”, Journal of Power Sources, v. 272, pp. 448-456, 2014.], verificaram como a integridade da camada passiva de um aço 316L é alterada com a mudança de pH, concentração de cloreto e temperatura em uma solução de H2SO4. O trabalho concluiu que variações de pH num intervalo de 1 e 5 interferem diretamente na estabilidade da camada passiva do aço.

Testes com o intuito de analisar os efeitos do hidrogênio proveniente do H2S dissolvido em um meio aquoso salino foram realizados por Luo et al. em 2017 [99 LUO, H., LI, Z., CHEN, Y.-H., et al., “Hydrogen effects on microstructural evolution and passive film characteristics of a duplex stainless steel”, Electrochemistry Communications, v. 79, pp. 28-32, 2017.] e mostraram que o tempo de exposição de um aço duplex a uma carga de hidrogênio influencia na densidade de corrente passiva nos testes de polarização. Assim os autores concluíram que o filme passivo é substancialmente afetado pela presença do hidrogênio dissolvido, tendo a concentração de Cr2O3 e a espessura do filme passivo diminuídas [99 LUO, H., LI, Z., CHEN, Y.-H., et al., “Hydrogen effects on microstructural evolution and passive film characteristics of a duplex stainless steel”, Electrochemistry Communications, v. 79, pp. 28-32, 2017.].

Como o sulfeto de hidrogênio apresenta riscos no manuseio, a substituição de H2S por tiossulfato tem sido adotada em várias pesquisas. Calabrese et al. [1212 Calabrese, L., Galeano, M., Proverbio, E., et al., “Monitoring of 13% Cr martensitic stainless steel corrosion in chloride solution in presence of thiosulphate by acoustic emission technique”, Corrosion Science, v. 111, pp. 151-161, 2016.] estudaram o comportamento da corrosão sob tensão de um aço martensítico 13Cr em solução acidificada contendo cloretos e íons tiossulfato usando a técnica de emissão acústica. Trincas originárias de pites iniciaram a propagação em modo de clivagem micro dúctil, passando a trinca intergranular frágil, terminando em fratura dúctil [1212 Calabrese, L., Galeano, M., Proverbio, E., et al., “Monitoring of 13% Cr martensitic stainless steel corrosion in chloride solution in presence of thiosulphate by acoustic emission technique”, Corrosion Science, v. 111, pp. 151-161, 2016.].

O objetivo do presente trabalho é avaliar a resistência à corrosão de aços super martensíticos em soluções salinas na presença ou não de H2S dissolvido e variando o pH nos valores de 3,5, 4,3 e 5,0. O trabalho tem relevância tecnológica por se tratar de uma demanda industrial de conhecer os mecanismos corrosivos que podem estar presentes no meio de aplicação das ligas metálicas na indústria de óleo e gás e, dessa forma, desenvolver novos materiais e melhorias para tornar seu produto mais competitivo e eficiente.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Os eletrólitos utilizados foram uma solução aquosa de NaCl 35 g/L, com os valores de pH (3,5; 4,3 e 5,0) obtidos utilizando ácido acético glacial em conjunto com 0,4 g/L de acetato de sódio anidro para a formação de um tampão. No meio saturado com sulfeto de hidrogênio, houve a saturação com uma mistura gasosa de 10% de H2S. Todos os meios foram desaerados com gás argônio por 2 horas. O gás argônio foi usado devido aos resultados de testes preliminares que indicaram maior eficiência na remoção de oxigênio pelo argônio do que pelo nitrogênio. O teor de oxigênio na solução variou entre 5 ppb e 20 ppb. Nos meios com H2S, a saturação foi feita por 2 horas. O volume de solução de cada teste era de 450 mL. O material de estudo foi o aço super 13Cr de produção industrial. A composição química do aço super martensítico fornecida pelo fabricante é mostrada na Tabela 1.

Tabela 1
Composição nominal do aço Super 13Cr fornecido pela indústria.

As amostras metálicas foram retiradas de um tubo sem costura da produção da empresa, com dimensões de 100x70 mm, espessura de parede 11,24 mm, cortadas em eletroerosão nas dimensões de 10x10x10 mm embutidas a frio em resina epóxi Struers Epofix Resin®. O contato elétrico foi feito através de fios de cobre soldados numa face da amostra antes do embutimento. Em seguida, as amostras foram lixadas com lixas de carbeto de silício em granulometrias crescentes, 180#, 220#,360# e 600#, lavadas com água destilada, acetona e secas com jato de ar quente. Os testes eletroquímicos foram realizados em uma célula eletroquímica padrão de 3 eletrodos, sendo o eletrodo de referência de Ag/AgCl e o contra eletrodo uma tela de platina de 20 mm x 20 mm. O potencial do circuito aberto (OCP) foi medido durante duas horas antes das polarizações. As curvas de polarização anódica e cíclica foram obtidas com taxa de varredura de potencial de 1,0 mV/s e potencial inicial de -20 mV em relação ao OCP. O objetivo foi estudar o ramo anódico com a superfície das amostras como recebidas. Caso o potencial de início fosse -200 mV ou -250 mV em relação ao Ecorr, ocorreria a redução da camada passiva.

A reversão de potencial, no caso das polarizações cíclicas, foi feita quando a densidade de corrente alcançou 1,0x10-3 A/cm2 após o potencial de traspassivação. As medições foram realizadas utilizando um potenciostato Metrohm PGSTAT 101 com o software NOVA 1.1. As profundidades dos pites foram medidas de acordo com Gentil [1313 GENTIL, V. “Corrosão”, 3 ed. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos Editora S.A, 1996.], usando a técnica da diferença de foco e um aumento fixo de 200 x, assim os cálculos dos valores de profundidade média foram feitos. Focou-se no fundo do pite e o valor do ajuste fino oi registrado, depois o foco foi direcionado para a superfície. A diferença no ajuste fino é a profundidade do pite em mícron. As superfícies de amostras de aço super martensítico foram analisadas utilizando-se um microscópio eletrônico de varredura JEOL JSM 6063LV. As microestruturas e micrografias adicionais do aço foram analisadas por microscopia ótica. O ataque das amostras foi eletrolítico utilizando ácido fluorídrico 10% em massa com potencial aplicado de 2 V em ciclos de 5 em 5 segundos até um tempo máximo de 35 segundos. A Figura 1 mostra as etapas do preparo.

Figura 1
Detalhes do preparo da amostra, barra retirada do tubo (a); amostras cortadas após eletroerosão (b); contato elétrico (c); amostra embutida (d).

3. RESULTADOS

Na Figura 2, é apresentada a microestrutura do aço após ataque químico com ácido fluorídrico.

Figura 2
Microestrutura do aço Super 13Cr.

As microestruturas obtidas mostram uma disposição padrão de fases para o aço Super 13Cr, sendo uma maior parte (regiões claras) de martensíta e o restante austeníta. As fases foram confirmadas por análises prévias de difração de raios X.

Na Figura 3, são mostradas as curvas de potencial de circuito aberto (OCP) obtidas em 2 horas utilizando os três valores de pH em meio saturado e não saturado com H2S.

Figura 3
Curvas de potencial de circuito aberto obtidas nos meios com pH iguais a 3,0; 4,3 e 5,0 com e sem saturação de H2S.

Medindo-se o potencial de circuito aberto em função do tempo em meios diferentes percebe-se que o comportamento individual em cada um dos meios foi bem constante, mostrando um platô bem definido e estável. No caso das amostras em pH 3,5 e 4,3 com H2S, a cinética de formação da camada passiva é mais lenta ou a partir de cerca de 4000 segundos existiu a tendência de produção de uma camada passiva mais protetora que estabilizou próximo a 8000 segundos. Isto se deve provavelmente devido ao meio ser mais agressivo, valores de pH mais baixos com a presença de H2S. Segundo o trabalho de Queiroz [1414 QUEIROZ, F. M. “Estudo Do Comportamento De Corrosão Dos Intermetalicos Presentes Na Liga AA2024-T3, Por Meio De Técnicas De Microscopia Associadas A Técnicas Eletroquímicas”, Tese de D.Sc., IPEN – USP, São Paulo – SP, 2008.], essa estabilidade indica que, durante a formação do filme passivo, não ocorrem fenômenos de dissolução, apenas a formação linear de uma nova camada passiva.

Em relação ao potencial final é possível observar uma diferença. À medida que o pH foi diminuindo, o OCP determinado foi maior, ou seja, mais nobre, mostrando uma diferença de cerca de 62 mV entre as amostras de aço nos pHs 3,5 e 5,0. Segundo Olsson e Landlt [1515 OLSSON, C.O A., LANDLT, D. “Passive films on stainless steels Chemistry, structure and growth”, Electrochimica Acta, v.48, pp.1093-1104, 2003.], ligas metálicas em meios ácidos sofrem uma solubilização preferencial do ferro deixando a matriz pouco mais enriquecida em cromo, sendo assim, a estabilidade e qualidade do filme passivo é maior.

Outra observação foi a de que, com a presença ou não de H2S, os valores de OCP foram próximos para um mesmo valor de pH.

A Tabela 2 resume os valores de potencial de circuito aberto obtidos. Foram feitas três réplicas para cada condição e o desvio padrão ficou entre 3 e 8% do valor da média.

Tabela 2
Valores de potencial de circuito aberto obtidos.

A Figura 4a apresenta as curvas de polarização anódica potenciodinâmica para o meio sem saturação de H2S nos três valores de pH estudados e na Figura 4b para o meio contendo H2S.

Figura 4
Curvas de polarização anódica potenciodinâmica obtidas variando os valores de pH no meio sem H2S (a) e com saturação de H2S (b).

O potencial de corrosão foi mais nobre com a diminuição do pH, para os meios sem H2S. Porém, a extensão da camada passiva aumentou com a elevação do pH. Dessa forma, em meios mais ácidos e, portanto, mais agressivos, a camada é desestabilizada com mais facilidade implicando em menores potenciais de pite [1313 GENTIL, V. “Corrosão”, 3 ed. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos Editora S.A, 1996.].

Nas curvas obtidas em meios contendo sulfeto de hidrogênio foi observado um tipo de região transpassiva intermediária antes da consolidação da corrosão localizada. Segundo Lee [1616 LEE. J, S., KATIGAWA, Y., NAKANISHI, T., et al., “Effect of Hydrogen Sulfide Ions on the Passive Behavior of Type 316L Stainless Steel”, Journal of The Electrochemical Society, v.162, n 14, pp. 685-692, 2015.], isso ocorre devido a oxidação de elementos de liga presentes na superfície metálica junto a camada passiva ou da oxidação preferencial de uma das fases microestruturais da liga, dando origem a um processo de corrosão localizada metaestável, dessa forma o material consegue uma curta repassivação antes da nucleação estável de um pite. Nos meios saturados com sulfeto de hidrogênio, o aumento do pH reduziu a densidade de corrente passiva e reduziu o pico de corrente, estabilizando a camada protetora.

A Figura 5 apresenta as curvas de polarização cíclica nos meios sem saturação (5a) e com saturação de H2S (5b).

Figura 5
Curvas de polarização anódica cíclica obtidas nos ensaios, variando os valores de pH no meio sem H2S (a) e com saturação de H2S (b).

Pela análise das curvas de polarização cíclica, os menores potenciais de proteção e as maiores regiões do loop de histerese indicam a maior agressividade do meio contendo H2S. Amostras ensaiadas sem H2S apresentam uma região passiva mais estável, sem a ocorrência de picos de corrente. Tal fato mostra que a presença de H2S altera substancialmente a integridade da camada passiva após o início do processo de polarização anódica. Em seu trabalho, Zheng et al. [1717 ZHENG, Y., NING, J., BROWN, B., et al., “Mechanistic Study of the Effect of Iron Sulfide Layers on Hydrogen Sulfide Corrosion of Carbon Steel”, NACE International Conference & Expo, TEXAS. US. 2015.] estudaram a corrosão de aço carbono em solução de 10% H₂S/N₂ em 1% em massa de solução aquosa de NaCl à 25 °C-80 °C, com pH entre 4 e 6. Observaram a formação de camada mais protetora de FeS para pH 6 e 80 oC. Para menores valores de pH e temperatura, a camada passiva não foi uniforme em determinadas regiões, devido à formação de FeS junto aos óxidos que compõem o filme passivo. Assim, para os valores de pH estudados, a literatura corrobora os resultados obtidos de instabilidade da camada passiva em meios contendo H2S. Esse fato ainda influencia no potencial de pite que em meio contendo H2S foi em média 150 mV menor, demonstrando uma maior fragilidade do filme, o que implica na sua quebra com mais facilidade.

Com a mesma justificativa vê-se que a formação de FeS e S adsorvido, nesse caso, faz com que a camada passiva tenha dificuldade de se reestruturar devido à essas descontinuidades, nota-se que os potenciais de repassivação foram significativamente mais baixos (na faixa entre -0,40 e -0,45 V), em relação aos meios sem H2S, onde foram obtidos potenciais de repassivação (proteção) de -0,10 V. Na Tabela 4 estão os valores de potencial de repassivação obtidos nos ensaios de polarização cíclica em meios saturados e em meios sem a presença de H2S.

Tabela 3
Parâmetros obtidos nos ensaios de polarização cíclica com todos os valores de pH e nos meios com e sem saturação de H2S
Tabela 4
Valores de potencial de repassivação obtidos nos testes de polarização cíclica.

Com uma comparação mais direta, a Figura 6 apresenta em um mesmo gráfico todas as polarizações anódicas potenciodinâmicas (6a) e todas as polarizações cíclicas (6b).

Figura 6
Comparação entre as curvas de polarização anódica em todos os meios (a) e polarizações cíclicas em todos os meios (b)

Analisando todas as curvas de polarização anódica e cíclica dispostas em um mesmo gráfico, fica evidente a piora do comportamento frente à corrosão em meios no qual o sulfeto de hidrogênio estava presente. Os potenciais de pite e de repassivação apresentaram menores valores sempre que o H2S estava presente.

Na Tabela 5, encontram-se os valores das profundidades dos pites medidos em amostras ensaiadas em meios saturado e não saturado e a respectiva média dos valores. Foram medidos arbitrariamente os pites na superfície da amostra.

Tabela 5
Valores medidos de profundidade dos pites e o valor médio.

Pelo valor médio de profundidade dos pites, observou-se que o ataque localizado e a propagação dos pites foram mais acentuadas nos meios em que havia a presença de sulfeto de hidrogênio. O resultado corrobora os resultados obtidos anteriormente nos testes de polarização.

A Figura 7 mostra uma caracterização preliminar da superfície das amostras após os testes de polarização cíclica realizadas em meio com pH=3,5 com ampliação de 100x no microscópio ótico. A Figura 7a apresenta a superfície não ensaiada, e a Figura 7b a amostra ensaiada em solução sem H2S e na 7c, a micrografia da amostra ensaiada em meio contendo H2S. Da mesma forma, a Figura 8 apresenta micrografias de MEV com ampliação de 500x das mesmas amostras.

Figura 7
Micrografias obtidas no microscópio ótico com ampliação de 100x. Amostra não ensaiada (a), amostra ensaiada em meio sem H2S (b), ensaiada em meio com H2S (c).
Figura 8
Micrografias obtidas no microscópio ótico com ampliação de 100x. Amostra não ensaiada (a), amostra ensaiada em meio sem H2S (b), ensaiada em meio com H2S (c).

Na Figura 7, a densidade de pites na amostra ensaiada em meio contendo H2S foi bem maior do que no meio sem a presença de H2S. O tamanho e a morfologia dos pites também são diferenciados. No meio contendo enxofre os pites são maiores e mais difusos. No meio sem H2S os pites apresentam-se menores. Nas micrografias obtidas por MEV é possível observar a presença de produtos de corrosão mais volumosos, possivelmente de sulfeto de ferro.

4. CONCLUSÕES

A saturação do meio com H2S influenciou diretamente o comportamento do aço Super 13Cr frente à corrosão para os valores de pH estudados. A presença de H2S, independentemente do valor do pH, reduziu o potencial de pite e o potencial de repassivação (proteção), além de desestabilizar a camada passiva.

Em meios sem a presença de H2S, ensaios de polarização anódica mostraram que, a medida que diminuiu-se o pH, apesar do potencial de corrosão aumentar, o potencial de pite diminuiu. Em relação aos resultados obtidos nos meios contendo H2S, o aço no meio com maior pH apresentou uma densidade de corrente passiva menor, e uma camada passiva mais estável com menores picos de corrente.

Através das micrografias de microscopia ótica e MEV, concluiu-se que, em meios saturados com sulfeto de hidrogênio, a profundidade e a densidade de pites foram maiores, demonstrando a fragilidade do filme passivo em ambientes com sulfeto de hidrogênio.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Vallourec Soluções Tubulares do Brasil S.A. pela viabilização e incentivo à pesquisa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2019
  • Aceito
    27 Abr 2020
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