Acessibilidade / Reportar erro

Estudo experimental da compatibilidade entre aditivos químicos e cimento Portland em misturas cimentícias através de calorimetria

Experimental study of compatibility between chemical admixtures and Portland cement in cementitious mixtures by calorimetry

RESUMO

Os aditivos químicos, cada vez mais utilizados na construção civil, vêm desempenhando importante papel na tecnologia de materiais cimentícios por modificarem alguns comportamentos de misturas cimentícias, como a trabalhabilidade e retardo ou aceleração de pega. A grande variedade de aditivos disponível necessita o conhecimento de sua compatibilidade quando utilizados com diferentes composições cimentícias, considerando o tipo de aditivo, teor de dosagem e cimento utilizado na mistura. Para tal, o presente estudo visa analisar a compatibilidade da interação entre cimentos e aditivos, através de curvas calorimétricas geradas a partir de um calorímetro semi-adiabático. A análise foi realizada pela produção de pastas resultantes da composição de misturas entre dois tipos de cimento Portland (CPIV e CPV) e cinco aditivos redutores de água, sendo quatro classificados como plastificantes e um como superplastificante, provenientes de fabricantes distintos, e água. As misturas têm relação água/cimento (a/c) fixada em 0,40 e diferentes teores de dosagens dos aditivos: 0,0%, 0,4%, 0,6%, 0,8% e 1,0%. Os resultados mostraram que a presença de aditivo nas pastas cimentícias tem influência no calor de hidratação gerado e nos tempos de início e fim de pega das pastas. A temperatura máxima diminui e ocorre um retardo considerável no início de pega com a incorporação de maiores quantidades de aditivo plastificante nas pastas estudadas, enquanto que para as pastas produzidas com aditivo superplastificante esse retardo expressivo não foi registrado.

Palavras-chave
Misturas Cimentícias; Aditivos Químicos; Calor de Hidratação; Curvas Calorimétricas

ABSTRACT

Chemical admixtures, increasingly used in construction, have been an important role in cementitious materials technology by modifying some behaviors of cementitious mixtures, such as workability and delay or acceleration of the setting time of cement. The wide variety of admixtures available requires knowledge of their compatibility when used with different cementitious compositions, considering the type of admixtures, the dosage content and type of cement used. Thus, this study aims to analyze a compatibility of the interaction between cements and additives through calorimetric curves generated from a semi-adiabatic calorimeter. The analysis will be performed by the production of pastes resulting from the composition of mixtures between two types of Portland cement (CPIV and CPV) and five water reducing admixtures, four classifieds as plasticizers and one as a superplasticizer, from different manufacturers, and water. The mixtures have a water/cement ratio (w/c) set at 0.40 and different dosage levels of admixtures: 0.0%, 0.4%, 0.6%, 0.8% and 1.0%. The results showed that the presence of admixture in the cement pastes influences in the hydration heat and in the initial and final setting time of cement pastes. The maximum temperature decreases and a considerable delay at initial setting time occurs when the quantity of plasticizer admixture in the mixtures is increased, whereas for the pastes produced with superplasticizer admixture this expressive reactant was not registered.

Keywords
Cementitious Mixtures; Chemical Admixtures; Hydration Heat; Calorimetric Curves

1. INTRODUÇÃO

As reações químicas que ocorrem no concreto, basicamente são as reações que ocorrem nas pastas de cimento, provenientes da mistura de cimento Portland e água [88 MEHTA, P.K., MONTEIRO, P.J.M., Concreto: Microestrutura, Propriedades e Materiais. 2.ed, Ibracon, São Paulo, 2014.]. Na produção de misturas a base de cimento destaca-se o aumento da utilização de produtos químicos, tais como os aditivos, associado às vantagens de ordem econômica e à capacidade que esses produtos possuem em melhorar o desempenho do material [99 NEVILLE, A.M., Propriedades do Concreto, 5ª ed, Bookman, São Paulo, 2016., 1414 SILVA, N.G., SENFF, L., KATO, R.B., et al. “Avaliação do desempenho de aditivos plastificantes e superplastificantes na manutenção da fluidez”, In: Anais do 51º Congresso Brasileiro do Concreto, IBRACON, Curitiba, Out. 2009.].

As reações dos compostos de cimento são iniciadas pela adição de água. A partir dessa adição a massa plástica resultante dessa mistura começa a perder plasticidade com o passar do tempo [1010 POLESELLO, E., “Avaliação da resistência à compressão e da absorção de água utilizados após o tempo máximo de mistura e transporte especificado pela NBR 7212”, Tese de D.Sc., Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil: Construção e Infraestrutura, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil, 2018.]. Esse tempo de endurecimento mostra o início da transição de uma suspensão viscosa para uma matriz interconectada rígida, desenvolvendo vários produtos de hidratação que geram conexões entre os grãos de cimento, caracterizando dois pontos importantes no processo de hidratação, os tempos de início e fim de pega [55 KANG, X., LEI, H., XIA, Z., “A comparative study of modified fall cone method and semi-adiabatic calorimetry for measurement of setting time of cement based materials”, Construction and Building Materials, v. 248, 118634, Mar. 2020.]. Essas reações geram uma energia que é dissipada na forma de calor, e conforme explica SANDERBERG e BENINI [1212 SANDBERG, P., BENINI, H., “O uso da calorimetria como uma técnica de controle tecnológico de materiais”, Revista Concreto, v. 51, p.36-40. IBRACON, 2008.] “a hidratação de materiais cimentícios em concretos é resultado de uma somatória de reações químicas exotérmicas dos compostos do cimento, liberando calor”.

Esse calor que é liberado durante a reação química que ocorre na pasta de cimento é chamado de calor de hidratação. O calor de hidratação é uma propriedade importante de ser avaliada, pois influencia diretamente nos aspectos de trabalhabilidade e fluidez das pastas de cimento. É possível avaliar a reatividade dos cimentos Portland a partir das informações da taxa de calor [1616 VIECILI, M.J.C., HASTENPFLUG, D., GIRARDI, R. Comparativo entre o teste de Vicat e a calorimetria semi-adiabática para determinação do tempo de início e fim de pega em cimentos Portland. Revista Matéria, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, e12172, 2018.]. A taxa de liberação de calor de hidratação, que ocorre após a mistura de uma pasta cimentícia, caracteriza-se por fases distintas. Inicialmente, observa-se uma rápida liberação de calor, devido a dissolução de aluminatos e sulfatos, e a hidratação da alita. Em seguida, essa taxa de calor se estabiliza e evolui moderadamente, representando o início de pega, processo em que ocorre a formação do C-S-H (silicato de cálcio hidratado) e dissolução da alita, até chegar a uma temperatura máxima, onde ocorre a formação da etringita e, respectivamente, representa o fim de pega da mistura [88 MEHTA, P.K., MONTEIRO, P.J.M., Concreto: Microestrutura, Propriedades e Materiais. 2.ed, Ibracon, São Paulo, 2014.]. Segundo SANDERBERG e BENINI [1212 SANDBERG, P., BENINI, H., “O uso da calorimetria como uma técnica de controle tecnológico de materiais”, Revista Concreto, v. 51, p.36-40. IBRACON, 2008.], o calor de hidratação pode ser avaliado através de um ensaio de calorimetria realizado em um calorímetro semi-adiabático. Esse instrumento permite, em campo, avaliar as condições reais de investigação de problemas de desempenho das misturas cimentícias, sendo um desses problemas a incompatibilidade entre os materiais.

Há diversos tipos de aditivos disponíveis no mercado e cada um apresentando diferentes propriedades, destacando a ampla faixa de dosagem que pode ser adotada, conforme consta nas informações técnicas fornecidas por cada fabricante [1111 ROMANO, R.C.O., CINCOTTO, M.A., PILEGGI, R.G., Hardening phenomenon of Portland cement suspensions monitored by Vicat test, isothermal calorimetry and oscillatory rheometry. IBRACON Sctructures and Materials Journal, São Paulo, v. 11, n. 5, p. 949-959, Oct. 2018.]. Embora a NBR 11768 [11 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT), NBR 11768-1: Aditivos químicos para concreto de cimento Portland-Parte 1: Requisitos, Rio de Janeiro, 2019.] estabeleça requisitos gerais para todos os aditivos, essa disparidade gera a necessidade do conhecimento entre a compatibilidade desses produtos quando utilizados com diferentes composições cimentícias, considerando o tipo de aditivo, teor de dosagem e cimento utilizado na mistura. Neste sentido, esta pesquisa tem como objetivo, usando a técnica de calorimetria com a utilização de um calorímetro semi-adiabático, analisar a compatibilidade de diferentes aditivos com dois tipos de cimento Portland utilizados na produção de concretos.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

Com o objetivo de avaliar a compatibilidade entre cimentos e aditivos, foi desenvolvido um programa experimental com diferentes materiais e técnicas que resultam em uma análise ampla e consistente do comportamento do calor de hidratação das pastas cimentícias com diferentes aditivos, conforme detalha a Figura 1.

Figura 1
Programa experimental.

2.1 Materiais

Na composição das amostras, utilizaram-se dois diferentes tipos de cimento, provenientes de um mesmo fornecedor da Região Sul do Brasil, o cimento Portland de alta resistência inicial (CP V - ARI) e cimento Portland pozolânico (CP IV). Na Tabela 1 estão dispostas algumas características desses cimentos, segundo relatório do fabricante e as exigências especificadas pela NBR 16697 [22 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT), NBR 16697: Cimento Portland – Requisitos, Rio de Janeiro, 2018.].

Tabela 1
Características dos cimentos utilizados no estudo.

Para produção das pastas adotaram-se cinco aditivos de fornecedores diferentes, quatro caracterizados como plastificantes e um superplastificante. Para a identificação das amostras, denominou-se como A, B, C e D os aditivos plastificantes e E um aditivo superplastificante. As características de cada um desses aditivos, conforme ficha técnica fornecida pelos fabricantes, estão detalhadas na Tabela 2.

Tabela 2
Características dos aditivos utilizados no estudo.

Salienta-se que, o mesmo padrão de dosagem foi pré-estabelecido em todas as amostras (0,4%, 0,6%, 0,8% e 1,0%), excepcionalmente para o aditivo C, em que o limite superior foi extrapolado um pouco em relação ao recomendado pelo fabricante (0,9%).

2.2 Preparo das Pastas

As pastas de cimento para o ensaio de calorimetria, em função do tamanho dos compartimentos e posição dos sensores do calorímetro, foram produzidas em copos plásticos de 500 ml. Na produção de cada uma das pastas, adotou-se como padrão de dosagem uma quantidade de 300 g de cimento e 120 ml de água, garantindo assim para todas as pastas a relação a/c predefinida de 0,40, definida como relação a/c adequada para que não ocorra a segregação dos materiais na pasta de cimento [44 FRACALOSSI, R.A.R., “Aditivos à base de policarboxilatos: influência nos tempos de pega e na manutenção do abatimento em pastas de cimento Portland”, Trabalho de Conclusão do Curso de Engenharia Civil, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil, 2011.].

Além da produção da pasta referência (0,0% de aditivo), produziu-se as amostras com aditivo levando em conta as densidades de cada um no momento da dosagem, considerando os percentuais predefinidos de 0,4%, 0,6%, 0,8% e 1,0% sobre a massa de cimento.

Após a definição dos materiais, misturou-se o aditivo com a água para, posteriormente, adicionar o cimento no recipiente. Definiu-se como tempo de mistura da pasta 60 segundos, garantindo com isso uma adequada homogeneização dos materiais. Imediatamente após esse processo as pastas foram submetidas ao ensaio de calorimetria.

2.3 Ensaio de Calorimetria

No ensaio de calorimetria, utilizou-se um calorímetro semi-adiabático (Figura 2a) configurado para realizar leituras do calor de hidratação das amostras a cada minuto, gerando assim a curva do calor de hidratação da mistura (Figura 2b).

Figura 2
Ensaio de calorimetria: (a) calorímetro semi-adiabático e (b) exemplo de curva de calor de hidratação gerada.

Para cada ensaio, as amostras foram acondicionadas nos compartimentos do calorímetro e confinadas nesse aparelho por, no mínimo, 100 h em uma sala climatizada a uma temperatura controlada igual a 23±2°C. Ao final desse período, extraíram-se os dados do calorímetro através de um programa computacional, possibilitando a geração das curvas calorimétricas que possibilitam a obtenção dos tempos de início e fim de pega, além da temperatura máxima gerada pela pasta.

Para caracterizar o início e fim de pega das pastas, seguiu-se o especificado pela literatura [88 MEHTA, P.K., MONTEIRO, P.J.M., Concreto: Microestrutura, Propriedades e Materiais. 2.ed, Ibracon, São Paulo, 2014., 1212 SANDBERG, P., BENINI, H., “O uso da calorimetria como uma técnica de controle tecnológico de materiais”, Revista Concreto, v. 51, p.36-40. IBRACON, 2008.], que após o período de dormência da mistura cimentícia identifica-se o início de pega, pelo início da ascensão contínua da curva do calor de hidratação, e, ao alcançar a máxima temperatura, registra-se o fim de pega da mistura.

3. RESULTADOS

As curvas de calor de hidratação geradas pelo calorímetro estão apresentadas na sequência. Para melhor visualização dos dados gerados, apresenta-se na Figura 3 o resultado de todas as pastas produzidas com cimento CP V e aditivos plastificantes (A, B, C e D) e na Figura 4 as pastas produzidas com cimento CP IV também com os aditivos plastificantes. Em cada gráfico gerado apresentam-se cinco curvas, em função dos diferentes teores de aditivo propostos para essa pesquisa: 0,0% (referência), 0,4%, 0,6%, 0,8% e 1,0%.

Figura 3
Curvas calorimétricas das pastas produzidas com o cimento tipo CP V e aditivos plastificantes: (a) aditivo A; (b) aditivo B; (c) aditivo C e (d) aditivo D.
Figura 4
Curvas calorimétricas das pastas produzidas com o cimento tipo CP IV e aditivos plastificantes: (a) aditivo A; (b) aditivo B; (c) aditivo C e (d) aditivo D.

Observou-se (Figura 4c e 4d) que para as pastas produzidas com cimento CP IV e com os aditivos plastificantes C e D, durante o intervalo de tempo em que o ensaio do calor de hidratação foi monitorado, não foi possível identificar a geração da curva, o que, em função do comportamento destes aditivos com o CP IV, ocorreu em tempos superiores ao monitorado neste ensaio.

Pelo comportamento do aditivo superplastificante ser bem diferenciado em relação ao plastificante, os resultados do aditivo superplastificante (Aditivo E), para cada tipo de cimento utilizado nas misturas, estão apresentados na Figura 5.

Figura 5
Curvas calorimétricas das pastas produzidas com aditivo superplastificante E com: (a) CP V e (b) CP IV.

Inicialmente, fazendo uma análise geral das curvas apresentadas pelas Figuras 3, 4 e 5, é possível observar que para as mesmas proporções de teores de aditivo e tipo de cimento, as curvas demonstram diferentes comportamentos em função do fabricante de aditivo. Para uma análise mais precisa, a Tabela 3 apresenta os dados obtidos em cada uma das curvas calorimétricas.

Tabela 3
Dados de calorimetria das pastas produzidas com cimentos CP V e CP IV e os aditivos A, B, C, D e E.

4. DISCUSSÃO

Pelas curvas do calor de hidratação apresentadas, observou-se que com o aumento do teor de aditivo (dosagem) incorporado à mistura, há um deslocamento nas curvas para a direita, indicando uma modificação no início de pega (retardo) que cresce conforme aumenta-se o teor de aditivo em cada uma das pastas cimentícias. WEIDMANN et al. [1717 WEIDMANN, D.F., OLIVEIRA, A.L., SOUZA, J., et al. “Avaliação do desempenho de aditivos redutores de água para o uso em centrais de concreto: estudo de caso”, In: Anais do 49º Congresso Brasileiro do Concreto, IBRACON, Bento Gonçalves, Set. 2007.] também observaram esse comportamento em seus estudos. LYRA [77 LYRA, J.S., “Estudo da influência de policarboxilato comercial na hidratação, reologia e físico-química de superfície do cimento”, Dissertação de Mestrado, Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, SP, Brasil, 2010.], explica que a presença de aditivo na pasta cimentícia propicia um retardo nos tempos de pega que varia conforme o teor de aditivo utilizado na mistura. Esse comportamento das curvas representa tipicamente o efeito da adsorção do aditivo sobre as partículas de cimento, ou seja, o aditivo forma uma barreira física que impede a rápida hidratação do cimento, devido ao efeito estérico e eletroestático do aditivo sobre as partículas de cimento. Há uma correlação linear sobre essa influência da dosagem de aditivo sobre o início de pega das misturas, conforme pode ser observado pela Figura 6.

Figura 6
Correlação linear entre a dosagem de aditivo e o tempo de início de pega para as pastas produzidas com: (a) cimento CP V e (b) cimento CP IV.

BARAN e PICHNIARCZYK [33 BARAN, T., PICHNIARCZYK, P., “Correlation factor between heat of hydration and compressive strength of common cement”, Construction and Building Materials, v. 150, pp. 321-332, Set. 2017.] especificam que para coeficientes de correlação (R2) entre 0,7 e 0,9 existe uma correlação forte entre as variáveis e acima de 0,9, considera-se uma correlação muito forte. Logo, observou-se que, para o atual estudo, o aumento na dosagem do teor de aditivo utilizado influencia linearmente, com correlações fortes a muito fortes, sobre o início de pega das misturas, registrando coeficientes de correlações (R2) variando de 0,809 a 0,998. Esses resultados mostram a influência direta na mudança da cinética de hidratação das misturas cimentícias quando produzidas com aditivos químicos, o que demonstra a importância do estudo experimental analisando o melhor comportamento entre aditivo e cimento.

Quanto ao tipo de cimento utilizado, SCHACKOW et al. [1313 SCHACKOW, A., EFFTING, C., GOMES, I.R., et al. “Temperature variation in concrete samples due to cement hydration”, Applied Thermal Engineering, v. 103, pp. 1362-1369, Jun. 2016.] explicam que o cimento pozolânico (CP IV) reduz o calor de hidratação da mistura cimentícia, dessa forma, a velocidade de reação é afetada e as reações ocorrem em tempos mais espaçados devido à essa baixa temperatura, o que pode justificar o tempo superior a 100 (h) para o início de hidratação das pastas produzidas com os aditivos C e D e cimento CP IV com dosagens de 0,8% e 1,0% de aditivo (Figura 4c e 4d). Com base nos dados da Tabela 3, essa influência nas reações e no calor de hidratação pode ser observada no comportamento das pastas estudadas, entre o intervalo de tempo do início ao fim de pega, conforme demostrado na Figura 7.

Figura 7
Variação no intervalo de tempo entre o início e fim de pega das misturas.

Fica evidente esse comportamento de redução na velocidade de reação quando observado o considerável aumento no intervalo entre o início e fim de pega das misturas produzidas com cimento CP IV em relação ao cimento CP V. Analisando a pasta sem aditivo registrou-se um aumento de 40,1% nesse intervalo de tempo entre início e fim de pega, comportamento mantido com a incorporação de aditivo às pastas, registrando um aumento geral médio de 47,0%. Também, conforme esperado [1313 SCHACKOW, A., EFFTING, C., GOMES, I.R., et al. “Temperature variation in concrete samples due to cement hydration”, Applied Thermal Engineering, v. 103, pp. 1362-1369, Jun. 2016.], a Figura 7 ilustra a redução nas temperatu8ras máximas registradas nas pastas produzidas com cimento CP IV em relação às com cimento CP V.

Figura 8
Temperatura máxima registrada em cada curva calorimétrica.

A pasta produzida com cimento CP IV apresenta uma redução de 25,0% na temperatura máxima registrada em relação à produzida com CP V, assim como, para as pastas com incorporação de aditivos que registram uma redução geral média de 35,7%. Outro aspecto observado foi que para as pastas com cimento CP IV e aditivos plastificantes (A, B, C e D), houve uma tendência de redução da temperatura máxima com o aumento na dosagem de aditivo.

Quando observadas as curvas das pastas produzidas com aditivo superplastificante (Figura 5) além de apresentarem essa redução na temperatura máxima para pastas com cimento CP IV, percebeu-se um retardo considerável das reações de hidratação. Entretanto NEVILLE [99 NEVILLE, A.M., Propriedades do Concreto, 5ª ed, Bookman, São Paulo, 2016.] destaca que aditivos superplastificantes não interferem nos tempos de pega devido as propriedades que esses aditivos possuem, porém o autor destaca uma exceção para cimentos com baixos teores de C3A (composição típica dos cimentos resistentes a sulfato, tal como o CP IV utilizado na pesquisa), que para esses cimentos há um retardo de pega elevado quando utilizados com aditivos superplastificantes, mostrando coerência nos resultados encontrados.

A compatibilidade entre o aditivo a ser utilizado para determinado tipo de cimento está condicionada a vários fatores, por exemplo, em função das condições climáticas e características específicas de cada obra. Maiores retardos de pega podem ser interessantes para obras mais distantes ou em grandes centros urbanos, já que se necessita maior tempo antes da descarga da mistura. Logo, o uso de aditivos químicos pode auxiliar na redução de efeitos indesejáveis, tais como perda de trabalhabilidade ao longo do tempo, agindo como retardador de pega [66 IBI, Instituto Brasileiro de Impermeabilização, “Manual de utilização de aditivos para concreto dosado em central” [S. l.: s.n.], v. 1, 32 p., 2015.].

Outro aspecto está relacionado à redução das temperaturas máximas das misturas, viável para estruturas com grandes volumes de concreto, como por exemplo na execução de barragens, já que nestes casos a temperatura do concreto é um parâmetro a ser controlado cuidadosamente. Corroborando MEHTA e MONTEIRO [88 MEHTA, P.K., MONTEIRO, P.J.M., Concreto: Microestrutura, Propriedades e Materiais. 2.ed, Ibracon, São Paulo, 2014.] destacam que o monitoramento do calor de hidratação das misturas cimentícias ao longo do tempo é importante, pois em determinadas situações seu uso pode ser desfavorável, como na execução de estruturas de concreto massa e em outras situações pode ser favorável, quando a temperatura ambiente é muito baixa. A utilização de determinados aditivos químicos compensa esses efeitos adversos da temperatura.

Aditivos que apresentam melhor comportamento quanto à manutenção do abatimento podem ser interessantes em dias com temperaturas elevadas, já que a temperatura do ambiente afeta a perda de trabalhabilidade, como explica SOROKA e RAVINA [1515 SOROKA, I., RAVINA, D., “Hot weather concreting with admixtures”, Cement and Concrete Composites, v. 20, Issues 2–3, pp. 129-136, 1998.], o aumento na temperatura tem um efeito significativo sobre a taxa de hidratação do cimento Portland, resultando em redução nos tempos de início de pega e, consequentemente, em perda de trabalhabilidade do concreto.

5. CONCLUSÕES

Através do ensaio de calorimetria é possível apresentar algumas conclusões referentes a compatibilidade entre cimentos e aditivos, em relação aos tempos de pega e temperatura máxima. Há um aumento considerável nos tempos de início e fim de pega nas pastas produzidas com aditivos plastificantes, retardando o início de pega à medida em que se aumenta o teor de aditivo na mistura, enquanto que para pastas com aditivo superplastificante, não se observa um retardo expressivo associado ao aumento do teor de aditivo. Destaca-se ainda, que a adição dos aditivos nas misturas cimentícias resultam na diminuição do calor de hidratação.

Dos aditivos plastificantes analisados, pelos comportamentos registrados, observa-se semelhança entre os aditivos A e B e entre os aditivos C e D, devido a prováveis semelhanças em suas composições químicas. Conclui-se com essa pesquisa que a compatibilidade, analisada por pastas, entre cimento e aditivo está condicionada a composição química dos aditivos, variável específica de cada fabricante e não conhecida. As diversas composições de misturas cimentícias com os diferentes teores desses produtos químicos influenciam nas propriedades físicas das misturas, tais como, calor de hidratação e tempos de pega, no entanto, deve-se considerar melhor compatível aquela que mais se adequa ao uso da mistura.

BIBLIOGRAFIA

  • 1
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT), NBR 11768-1: Aditivos químicos para concreto de cimento Portland-Parte 1: Requisitos, Rio de Janeiro, 2019.
  • 2
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT), NBR 16697: Cimento Portland – Requisitos, Rio de Janeiro, 2018.
  • 3
    BARAN, T., PICHNIARCZYK, P., “Correlation factor between heat of hydration and compressive strength of common cement”, Construction and Building Materials, v. 150, pp. 321-332, Set. 2017.
  • 4
    FRACALOSSI, R.A.R., “Aditivos à base de policarboxilatos: influência nos tempos de pega e na manutenção do abatimento em pastas de cimento Portland”, Trabalho de Conclusão do Curso de Engenharia Civil, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil, 2011.
  • 5
    KANG, X., LEI, H., XIA, Z., “A comparative study of modified fall cone method and semi-adiabatic calorimetry for measurement of setting time of cement based materials”, Construction and Building Materials, v. 248, 118634, Mar. 2020.
  • 6
    IBI, Instituto Brasileiro de Impermeabilização, “Manual de utilização de aditivos para concreto dosado em central” [S. l.: s.n.], v. 1, 32 p., 2015.
  • 7
    LYRA, J.S., “Estudo da influência de policarboxilato comercial na hidratação, reologia e físico-química de superfície do cimento”, Dissertação de Mestrado, Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, SP, Brasil, 2010.
  • 8
    MEHTA, P.K., MONTEIRO, P.J.M., Concreto: Microestrutura, Propriedades e Materiais 2.ed, Ibracon, São Paulo, 2014.
  • 9
    NEVILLE, A.M., Propriedades do Concreto, 5ª ed, Bookman, São Paulo, 2016.
  • 10
    POLESELLO, E., “Avaliação da resistência à compressão e da absorção de água utilizados após o tempo máximo de mistura e transporte especificado pela NBR 7212”, Tese de D.Sc., Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil: Construção e Infraestrutura, UFRGS, Porto Alegre, RS, Brasil, 2018.
  • 11
    ROMANO, R.C.O., CINCOTTO, M.A., PILEGGI, R.G., Hardening phenomenon of Portland cement suspensions monitored by Vicat test, isothermal calorimetry and oscillatory rheometry. IBRACON Sctructures and Materials Journal, São Paulo, v. 11, n. 5, p. 949-959, Oct. 2018.
  • 12
    SANDBERG, P., BENINI, H., “O uso da calorimetria como uma técnica de controle tecnológico de materiais”, Revista Concreto, v. 51, p.36-40. IBRACON, 2008.
  • 13
    SCHACKOW, A., EFFTING, C., GOMES, I.R., et al “Temperature variation in concrete samples due to cement hydration”, Applied Thermal Engineering, v. 103, pp. 1362-1369, Jun. 2016.
  • 14
    SILVA, N.G., SENFF, L., KATO, R.B., et al “Avaliação do desempenho de aditivos plastificantes e superplastificantes na manutenção da fluidez”, In: Anais do 51º Congresso Brasileiro do Concreto, IBRACON, Curitiba, Out. 2009.
  • 15
    SOROKA, I., RAVINA, D., “Hot weather concreting with admixtures”, Cement and Concrete Composites, v. 20, Issues 2–3, pp. 129-136, 1998.
  • 16
    VIECILI, M.J.C., HASTENPFLUG, D., GIRARDI, R. Comparativo entre o teste de Vicat e a calorimetria semi-adiabática para determinação do tempo de início e fim de pega em cimentos Portland. Revista Matéria, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, e12172, 2018.
  • 17
    WEIDMANN, D.F., OLIVEIRA, A.L., SOUZA, J., et al “Avaliação do desempenho de aditivos redutores de água para o uso em centrais de concreto: estudo de caso”, In: Anais do 49º Congresso Brasileiro do Concreto, IBRACON, Bento Gonçalves, Set. 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2020
  • Aceito
    08 Set 2020
Laboratório de Hidrogênio, Coppe - Universidade Federal do Rio de Janeiro, em cooperação com a Associação Brasileira do Hidrogênio, ABH2 Av. Moniz Aragão, 207, 21941-594, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Tel: +55 (21) 3938-8791 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revmateria@gmail.com