Open-access O controle do tabagismo no Brasil: avanços e desafios

Tobacco control in Brazil: advances and challenges

Resumos

Embora a ciência tenha demonstrado de forma inequívoca os graves prejuízos decorrentes do consumo do tabaco, seu uso continua a aumentar globalmente, à custa do crescimento do consumo em países em desenvolvimento. A ausência de medidas abrangentes para controle do tabagismo nesses países torna-os vulneráveis às agressivas estratégias de marketing das grandes companhias transnacionais de tabaco. Mesmo sendo o segundo maior produtor mundial de tabaco e o maior exportador de tabaco em folhas, o Brasil tem conseguido escapar dessa tendência. Há cerca de 15 anos, o Ministério da Saúde, por meio do Instituto Nacional de Câncer, vem articulando, nacionalmente, ações de natureza intersetorial e de abrangência nacional, junto a outros setores do governo, com a parceria das secretarias estaduais e municipais de Saúde e de vários setores da sociedade civil organizada. Nesse trabalho procurou-se descrever a lógica do programa e analisar alguns dos avanços alcançados e alguns dos desafios ainda existentes no âmbito do controle do tabagismo no Brasil. E principalmente, procurou-se evidenciar a importância de diferentes medidas intersetoriais para controlar as várias determinantes sociais e econômicas da expansão do consumo de tabaco, com destaque para as estratégias das grandes companhias de tabaco no Brasil, que a cada dia tornam-se mais agressivas e sofisticadas em resposta aos evidentes efeitos do Programa Nacional de Controle do Tabagismo na redução do consumo.

Controle do tabagismo; tabaco; tabagismo; cigarro; Convenção Quadro para Controle do Tabaco


Though science has unequivocally demonstrated the devastating effects of tobacco consumption, it has been increasing mainly in developing countries. The lack of comprehensive measures for tobacco control in these countries makes them vulnerable to the aggressive marketing strategies of large transnational tobacco companies. Despite being the second greatest producer of tobacco in the world and the leader in exports of raw tobacco leaves, Brazil has escaped from the frightening trend of increasing tobacco consumption seen in developing countries. For the last 15 years, the Ministry of Health - trough its Instituto Nacional de Câncer (INCA) - has been articulating intersectorial and nationwide actions by joining and mobilizing other governmental sectors, with the partnership of State and Municipalities Health Offices and several sectors of organized civil society. In this report we aimed at describing the program rationale and at analyzing some advances and some of the challenges for tobacco still existing control in Brazil. And mainly, we tried to highlight the importance of different intersetorial measures to control the many social and economic determinants of tobacco consumption - with special attention to the strategies of the large tobacco companies in Brazil, which have become more aggressive and sophisticated in response to the positive effects of National Tobacco Control Program in reducing tobacco consumption in Brazil.

Tobacco control; tobacco dependence; tobacco; cigarrettes; Framework Convention on Tobacco Control


ARTIGO ORIGINAL

O controle do tabagismo no Brasil: avanços e desafios

Tobacco control in Brazil: advances and challenges

Tânia Maria Cavalcante

Chefe da Divisão de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco de Câncer do Instituto Nacional do Câncer

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Instituto Nacional de Câncer – Ministério da Saúde Rua dos Inválidos 212, 2º andar 20231-020 – Centro – Rio de Janeiro – RJ E-mail: prevprim@inca.gov.br ou tmariac@terra.com.br

RESUMO

Embora a ciência tenha demonstrado de forma inequívoca os graves prejuízos decorrentes do consumo do tabaco, seu uso continua a aumentar globalmente, à custa do crescimento do consumo em países em desenvolvimento. A ausência de medidas abrangentes para controle do tabagismo nesses países torna-os vulneráveis às agressivas estratégias de marketing das grandes companhias transnacionais de tabaco.

Mesmo sendo o segundo maior produtor mundial de tabaco e o maior exportador de tabaco em folhas, o Brasil tem conseguido escapar dessa tendência. Há cerca de 15 anos, o Ministério da Saúde, por meio do Instituto Nacional de Câncer, vem articulando, nacionalmente, ações de natureza intersetorial e de abrangência nacional, junto a outros setores do governo, com a parceria das secretarias estaduais e municipais de Saúde e de vários setores da sociedade civil organizada.

Nesse trabalho procurou-se descrever a lógica do programa e analisar alguns dos avanços alcançados e alguns dos desafios ainda existentes no âmbito do controle do tabagismo no Brasil. E principalmente, procurou-se evidenciar a importância de diferentes medidas intersetoriais para controlar as várias determinantes sociais e econômicas da expansão do consumo de tabaco, com destaque para as estratégias das grandes companhias de tabaco no Brasil, que a cada dia tornam-se mais agressivas e sofisticadas em resposta aos evidentes efeitos do Programa Nacional de Controle do Tabagismo na redução do consumo.

Palavras chave: Controle do tabagismo, tabaco, tabagismo, cigarro, Convenção Quadro para Controle do Tabaco.

ABSTRACT

Though science has unequivocally demonstrated the devastating effects of tobacco consumption, it has been increasing mainly in developing countries. The lack of comprehensive measures for tobacco control in these countries makes them vulnerable to the aggressive marketing strategies of large transnational tobacco companies.

Despite being the second greatest producer of tobacco in the world and the leader in exports of raw tobacco leaves, Brazil has escaped from the frightening trend of increasing tobacco consumption seen in developing countries. For the last 15 years, the Ministry of Health — trough its Instituto

Nacional de Câncer (INCA) — has been articulating intersectorial and nationwide actions by joining and mobilizing other governmental sectors, with the partnership of State and Municipalities Health Offices and several sectors of organized civil society.

In this report we aimed at describing the program rationale and at analyzing some advances and some of the challenges for tobacco still existing control in Brazil. And mainly, we tried to highlight the importance of different intersetorial measures to control the many social and economic determinants of tobacco consumption — with special attention to the strategies of the large tobacco companies in Brazil, which have become more aggressive and sophisticated in response to the positive effects of National Tobacco Control Program in reducing tobacco consumption in Brazil.

Keywords: Tobacco control, tobacco dependence, tobacco, cigarrettes, Framework Convention on Tobacco Control.

Introdução

Apesar de todo o conhecimento científico acumulado sobre o tabagismo como fator de risco de doenças graves e fatais, sobre a sua própria condição de doença crônica ligada à dependência da nicotina, e embora o consumo de tabaco, sobretudo de cigarros, venha caindo na maioria dos países desenvolvidos, o consumo global aumentou cerca de 50% durante o período de 1975 a 1996, às custas do crescimento do consumo em países em desenvolvimento. Nesse período, o consumo cresceu 8% na China, 6,8% na Indonésia, 5,5% na Síria e 4,7% em Bangladesh (World Bank, 1999; WHO, 2001b).

Ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, as políticas para controle do tabagismo ainda são incipientes em grande parte dos países em desenvolvimento, tornando-os vulneráveis aos planos de expansão das grandes transnacionais de tabaco. Esses planos são confirmados pelos milhões de documentos internos de grandes companhias transacionais de tabaco confiscados e tornados públicos devido a ações judiciais nos EUA e no Reino Unido. Estes documentos vêm sendo analisados e publicados por vários experts na área de controle do tabagismo em todo o mundo (Campaign for Tobacco Free Kids & Action on Smoking and Health, 2001).

"O consumo de tabaco nas nações desenvolvidas seguirá uma tendência de redução até o final do século, ao passo que nos países em desenvolvimento o consumo poderia aumentar em cerca de 3% ao ano! Um quadro verdadeiramente promissor! Não haverá uma sociedade sem fumantes, e sim um crescimento mantido para a indústria do tabaco" (Tobacco Reporter, 1989).

"Não deveríamos estar deprimidos só porque o mercado total do mundo livre parece diminuir. Dentro do mercado total, existem áreas de sólido crescimento, particularmente na Ásia e na África; se abrem novos mercados às nossas exportações, tais como nos países da Indochina e do Comecon (Conselho de Assistência Econômica Mútua); e existem grandes oportunidades de aumentar nossa participação no mercado de algumas regiões da Europa (...). Esta indústria é sistematicamente rentável. E existem oportunidades de aumentar ainda mais essa rentabilidade" (British American Tobacco, 1990).

"Este é um mercado com um enorme potencial. O índice de crescimento demográfico é 2,2% ao ano e 40% da população é menor de 18 anos" (Philip Morris na Turquia, 1997).

Por influência dessas estratégias, a cada dia, cerca de 100.000 jovens começam a fumar, e 80% destes são de países em desenvolvimento. A idade média da iniciação é 15 anos, o que levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerar o tabagismo como uma doença pediá­trica (World Bank, 1999; WHO, 2001a).

O total de fumantes no mundo atinge hoje a cifra de 1,1 bilhão, dos quais 800 milhões concentram-se em países em desenvolvimento. O resultado são as atuais 5 milhões de mortes por doenças causadas pelo tabaco, das quais 50% já ocorrem em países em desenvolvimento (World Bank, 1999).

Esse cenário põe em evidência que a expansão do consumo de tabaco é um problema altamente complexo que envolve muito mais do que questões de bioquímica e clínica médica. O papel fundamental de estratégias de marketing sofisticadas e globalizadas no fomento da expansão do consumo em escala planetária fez a OMS considerar o tabagismo uma doença transmissível pela publicidade (WHO, 1999; WHO 2001b).

Na verdade, os variados planos de marketing, descritos nos documentos internos das companhias de tabaco nos levam a considerar que o tabagismo é uma doença transmissível veiculada por interesses econômicos, que utilizam complexas estratégias _ na maioria das vezes, desleais. Essas estratégias têm criado uma aura de aceitação social e um contexto social favorável à expansão do consumo dos produtos de tabaco, apesar de todos os seus efeitos deletérios já amplamente conhecidos (PAHO, 2002b; Campaing for Tobacco Free Kids & Ash 2001).

Dessa forma, toda e qualquer ação dirigida ao controle do tabagismo deve ter um foco muito além da dimensão do indivíduo, buscando abarcar tanto as variáveis sociais, políticas e econômicas que contribuem para que tantas pessoas ainda comecem a fumar quanto os fatores que aqueles que se tornaram dependentes parem de fumar e se mantenham abstinentes.

Tendo em vista todo este contexto e as evidências provenientes de estudos e dados demonstrando a efetividade de diferentes medidas para controle do tabaco, em 1990 a Assembléia Mundial da Saúde (AMS) convocou os seus Estados Membros a adotarem, com urgência, estratégias abrangentes para o controle do consumo de tabaco. A tabela 1 apresenta as resoluções das AMS subseqüentes e as diferentes recomendações a serem adotadas pelos países para o controle do tabaco.

Além disso, o reconhecimento de que a epidemia do tabagismo é um problema de saúde pública globalizado que transcende fronteiras de países, de que existem medidas intersetoriais comprovadamente efetivas para controlar a sua expansão e de que a eficácia dessas medidas depende de uma ampla cooperação internacional levou a 49ª Assembléia Mundial da Saúde, realizada em maio de 1996, a adotar uma resolução voltada para a elaboração do primeiro tratado internacional de saúde pública, a Convenção Quadro para Controle do Tabaco da OMS.

Esse tratado foi negociado durante quatro anos por 192 países, entre 1999 e 2003. Em maio de 2003, o texto final da Convenção foi aprovado, por consenso, durante a 56ª AMS. Entrou em vigor em fevereiro de 2005, depois que 40 países ratificaram a adesão ao tratado.

Até 28 de outubro de 2005, a Convenção já contava com 168 assinaturas e com 93 ratificações, fazendo história como o tratado da ONU que mais rapidamente ganhou adesões e entrou em vigor.

O Brasil foi eleito por consenso, por estes 192 países, para presidir o Órgão Negociador Intergovernamental da Convenção (ONI) durante todo o seu processo de negociação1.

Controle do tabagismo no Brasil, uma situação de constantes desafios

Mesmo sendo o segundo maior produtor e o maior exportador de tabaco, o Brasil tem conseguido desenvolver ações para controle do tabagismo fortes e abrangentes, o que tem lhe conferido o reconhecimento de liderança internacional nessa área (American Cancer Society, 2003).

O inquérito domiciliar sobre comportamentos de risco e morbidade referida de doenças e agravos não transmissíveis, realizado pelo Ministério da Saúde em 15 capitais brasileiras e no Distrito Federal entre 2002 e 2003 mostrou que a prevalência total na população acima de 15 anos foi de cerca de 19%, variando de 13% em Aracaju a 25% em Porto Alegre (Ministério da Saúde, 2004a). Em 1989, a prevalência de fumantes era de 32%, de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição do IBGE.

Corrobora esses dados o monitoramento do consumo per capita de cigarros no Brasil, realizado pelo INCA, que caiu em torno de 33% entre 1989 e 2004, mesmo computando-se as estimativas de consumo de produtos provenientes do mercado ilegal.

Por outro lado, muitas ainda são as dificuldades a serem enfrentadas. Dados do Inquérito sobre Tabagismo entre escolares (Vigescola), realizado pelo INCA entre 2002 e 2003 envolvendo estudantes de 13 a 15 anos de idade em 12 capitais brasileiras, mostraram que a experimentação de cigarros até os 13 anos de idade variou no sexo masculino de 58% em Fortaleza a 36% em Vitória, e, no sexo feminino, de 55% em Porto Alegre a 31% em Curitiba. A prevalência de experimentação foi maior entre meninos do que entre meninas em todas as capitais pesquisadas exceto em Porto Alegre e em Curitiba, onde se observou uma relação inversa. O Vigescola também demonstrou que 40% a 50% dos escolares relataram que compram cigarros em lojas, botequins ou em camelôs e que entre 76% a 97% deles não foram impedidos de comprar cigarros nesses espaços devido a sua pouca idade (Ministério da Saúde/INCA 2004b).

Essas informações, somadas ao fato de que o cigarro brasileiro é um dos mais baratos do mundo, colocam grandes desafios que precisam ainda ser enfrentados para o controle do tabagismo no Brasil. O fácil acesso físico e o preço baixo são, juntos, fatores potencializadores da iniciação (Guindon et al., 2002).

Esse cenário é agravado pelo amplo mercado ilegal de cigarros, que hoje responde por cerca de 35% do consumo nacional, inserindo no mercado brasileiro cigarros ainda mais baratos que os legais (Brasil, Ministério da Saúde, 2003d).

Ainda morrem no país cerca de 200.000 pessoas por ano, provavelmente como conseqüência dos efeitos tardios da expansão do consumo de tabaco, que teve início nas décadas de 50 e 60 do século passado, e atingiu o seu apogeu na década de 1970 (PAHO, 2002). O câncer de pulmão é o tipo de câncer que mais mata homens no Brasil, e a segunda causa de morte por câncer entre as mulheres. As taxas de mortalidade por câncer de pulmão têm aumentado em maior velocidade entre as mulheres do que entre os homens (Brasil, Ministério da Saúde, 2003d).

Constantes desafios colocados por grandes corporações transnacionais de fumo instaladas no Brasil

Duas grandes transacionais de tabaco, a British American Tobacco (BAT), representada no Brasil pela Companhia Souza Cruz, e a Philip Morris, dominam o mercado nacional de tabaco e têm mantido fortes e contínuas estratégias de contraposição às ações de controle do tabagismo (Brasil, Ministério da Saúde, 2003a). Interligadas por um sistema corporativo global de inteligência, essas companhias mantém-se atentas às tendências de mercado de tabaco e às políticas governamentais de controle do tabagismo em todo o mundo, buscando responder de forma global e eficiente aos desafios que essas políticas podem trazer à viabilidade de seus negócios (PAHO, 2002; Campaign for Tobacco Free Kids & Ash, 2001). Atuam de forma articulada buscando explorar as vulnerabilidades individuais por meio de atividades voltadas para induzir crianças e adolescentes a iniciar o consumo, assim como explorar as vulnerabilidades coletivas por estratégias para impedir a disseminação do conhecimento científico sobre os riscos causados pelo tabagismo e para criar e aumentar a aceitação social dos seus produtos, tornando-os objeto de desejo coletivo. E, principalmente, buscam explorar as vulnerabilidades políticas por meio de estratégias para criar "boa vontade política". Para isso, costumam assediar políticos, parlamentares, governantes, seduzindo-os com discursos maquiados de politicamente corretos, financiar ações sociais, campanhas políticas, em troca de acordos voluntários que beneficiem seus negócios, mesmo que isso signifique colocar em jogo medidas efetivas para salvar vidas pela redução do tabagismo.

Aqui no Brasil, assim como em outros países do mundo, companhias como a BAT/Souza Cruz têm adotado esse tipo de estratégia de forma cada vez mais agressiva. Essas estratégias estão descritas nas próprias palavras da BAT em seus documentos internos, abertos ao público por meio de litígio nos EUA2 . Esses documentos descrevem alguns objetivos e estratégias do Programa Corporativo de Responsabilidade Social da BAT e deixam claras as suas reais intenções:

"(...) Ampliar o acesso e influenciar reguladores e políticos".

"(...) Promover uma reputação positiva, a fim de melhorar nossa capacidade de formatar o futuro ambiente para os negócios".

"(...) Entre os projetos estão: uma clínica para diagnóstico de doenças; acomodação para os sem teto; assim como patrocínio de programas de arte e de educação. Para a BAT, tais programas não só conquistam aliados nos mercados locais, como abrem as portas de políticos e reguladores".

A mais recente e frontal ação política resultou do intenso lobby para impedir o Senado brasileiro de ratificar a Convenção Quadro. Embora o Brasil tenha presidido todo o processo de negociação da Convenção e tenha sido o segundo país a assiná-la, o seu processo de ratificação no Congresso Nacional aconteceu de forma bastante conturbada devido a intenso lobby e intensa campanha de desinformação, liderados pela Souza Cruz, por meio da Associação de Fumicultores do Brasil, uma organização de fachada mantida pela British American Tobacco/Souza Cruz (Ministério da Saúde/INCA, 2004c), disseminando inverdades sobre as implicações da adesão do Brasil e buscando criar uma falsa relação de causa e efeito entre a ratificação e um suposto caos econômico, o movimento buscou criar um clima de hostilidade e terror entre os fumicultores e, ao mesmo tempo, retardar e confundir o julgamento da matéria pelo Senado, onde o tema tramitou entre maio de 2004 e outubro de 2005.

Apesar da legislação brasileira para controle do tabaco ser uma das mais fortes do mundo, ela é alvo de constantes desafios, uma vez que tem contribuído para avanços como a significativa redução no consumo nacional ao longo dos últimos 15 anos.

Por exemplo, a proibição da propaganda é uma medida amplamente reconhecida como eficaz para reduzir consumo e está em vigor no Brasil desde dezembro de 2000. No entanto, a indústria do tabaco, por meio da Confederação Nacional da Indústria (CNI), vem tentando argüir a inconstitucionalidade dessa medida através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, a Adin 33.113.

Para garantir suas atividades de marketing, essas companhias costumam contratar profissionais de peso na área jurídica para encontrar brechas nas leis – como aconteceu com a polêmica da corrida de Fórmula 1 no Brasil, que conta com o patrocínio de marcas de cigarros. No final do ano de 2002, com objetivo de garantir a realização da corrida com os patrocínios sem sofrer penalidades, a sua comissão organizadora contratou um jurista de peso para encontrar brechas na Lei Federal 10.167 que previa a proibição de patrocínios de tabaco em eventos esportivos e de artes a partir de 2003 (Folha de São Paulo, 2002).

Também fazem campanhas e usam outros tipos de estratégia com o objetivo de reduzir o impacto de medidas adotadas pelo governo para disseminar informações científicas sobre os riscos do tabaco e para estimular fumantes a deixarem de fumar. Uma situação que ilustra esse tipo de estratégia ocorreu logo após a circulação dos primeiros maços com as fotos das advertências sanitárias, quando algumas marcas de cigarros passaram a circular com panfletos internos autocolantes com imagens de propaganda do produto, numa estratégia para estimular os fumantes a cobrirem as imagens de advertência (Figura 1).


Outro exemplo refere-se à campanha "Fume com Moderação", lançada em 2003 pela Souza Cruz, que tenta convencer os fumantes de que eles podem reduzir o consumo de cigarros. Acredita-se que isto faça parte de uma estratégia que vise dissuadir muitos fumantes de deixar de fumar, ou mesmo passar para os jovens que ainda não começaram a fumar uma falsa percepção de poder controlar a dependência (Figura 2). Faz parte dessa campanha a inserção de cartões dentro dos maços de cigarros com a seguinte mensagem: "Aproveite em excesso. Fume com moderação". "Ninguém tem o direito de fazer suas escolhas por você. É isso que chamam de liberdade, o ideal mais importante na vida de qualquer um. Free sempre acreditou nisso, respeitando os mais diversos estilos, opiniões, atitudes. Cada um na sua. Então, seja livre para fazer o que quiser: cante, ame, dance, crie, apaixone-se, sonhe, aproveite tudo em excesso. E se você decidiu fumar, por que não com moderação? A decisão é sua. Só não deixe de ser quem você é, seja você quem for".


Outras estratégias para tentar evitar a adoção de medidas restritivas envolvem o argumento do desemprego que, alegam, as ações para controle do tabagismo poderiam gerar tanto na área da fumicultura como na área de manufatura. Mais recentemente, têm usado o marketing social para captar a simpatia e a boa vontade de diferentes atores sociais, por meio da adoção de discursos ecológicos, sociais e desenvolvimentistas, e de doações para programas sociais.

Paralelamente, também assistimos ao preparo do terreno para que ações desse tipo tenham êxito, como por exemplo o assédio do judiciário brasileiro por meio do financiamento do Projeto denominado "Justiça Sem Papel", na verdade um "Termo de Cooperação Técnica e Financeira" firmado pelo Ministério da Justiça, pela Fundação Getúlio Vargas e pela empresa Souza Cruz S/A4.

Por ser obviamente conflitante, em termos de conduta ética e de isenção no julgamento de matérias onde a indústria do tabaco tem sido com freqüência ré e também demandante, essa "parceria" foi justamente questionada pelo Ministério Público por "ofender a imparcialidade e independência do Judiciário, e gerar dependência do Judiciário ao custeio privado".

Enfim, isso é um pouco da radiografia desse jogo. Trata-se de um problema tão sério que os 192 países que negociaram a Convenção inseriram no seu texto um artigo (artigo 5º 3 – Obrigações Gerais)5 onde os países se comprometem a defender suas políticas de saúde da interferência indevida da indústria do fumo.

Programa Nacional de Controle do Tabagismo e sua lógica

Todo esse cenário torna evidente que as ações para controle do tabagismo dependem da articulação de diferentes tipos de estratégias e de diferentes setores sociais, governamentais e não-governamentais.

Portanto, é sob a ótica da promoção da saúde que, desde 1989, o INCA, órgão do Ministério da Saúde responsável pela Política Nacional de Controle do Câncer, coordena as ações nacionais do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT), desenvolvidas em parceria com as secretarias estaduais e municipais de Saúde e de vários setores da sociedade civil organizada, sobretudo, das sociedades científicas e de conselhos profissionais da área da saúde.

Objetivos e diretrizes do Programa

O PNCT tem como objetivo geral reduzir a prevalência de fumantes e a conseqüente morbimortalidade relacionada ao consumo de derivados do tabaco no Brasil, e envolve dois grandes objetivos específicos: reduzir a iniciação do tabagismo, principalmente, entre jovens e aumentar a cessação de fumar entre os que se tornaram dependentes, e proteger todos dos riscos do tabagismo passivo.

As diretrizes do PNCT guiam suas estratégias de forma a atuar sobre determinantes sociais e econômicos que favorecem a expansão do consumo de tabaco e envolvem:

  • Criação de um contexto social e político favorável à redução do consumo de tabaco;

  • Eqüidade, integralidade e intersetorialidade nas ações;

  • Construção de parcerias para enfrentamento das resistências ao controle do tabagismo;

  • Redução da aceitação social do tabagismo;

  • Redução dos estímulos para a iniciação;

  • Redução do acesso aos produtos derivados do tabaco;

  • Proteção contra os riscos do tabagismo passivo;

  • Redução das barreiras sociais que dificultam a cessação de fumar;

  • Aumento do acesso físico e econômico ao tratamento para cessação de fumar;

  • Controle e monitoramento dos produtos de tabaco comercializados no país, desde seus conteúdos e emissões até as estratégias de marketing e promoção dos mesmos;

  • Monitoramento e vigilância das tendências de consumo e dos seus efeitos sobre saúde, economia e meio ambiente.

As estratégias e as ações do programa

Para alcançar os objetivos das diretrizes acima delineadas, o PNCT tem articulado três estratégias operacionais essenciais:

  1. Descentralização das ações por meio das secretarias estaduais e municipais de Saúde, segundo a lógica do Sistema Único de Saúde (SUS);

  2. Intersetorialidade das ações pela Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro para Controle do Tabaco;

  3. Construção de parceria com a sociedade civil organizada.

Por meio dessas estratégias essenciais tem sido possível articular, nacionalmente, três grupos de ações centrais:

  1. Educativas;

  2. Promoção e apoio à cessação de fumar;

  3. Mobilização de medidas legislativas e econômicas para controle do tabaco.

Estratégias operacionais essenciais

Descentralização

Considerando a dimensão continental do Brasil, as grandes dificuldades geradas pelas diferenças regionais que envolvem ângulos socioeconômicos e culturais, assim como o amplo alcance das estratégias da indústria do tabaco para expandir o consumo de seus produtos em todo o território nacional, um dos componentes operacionais vitais para o programa tem sido a sua descentralização segundo a lógica do SUS. Dessa forma, o PNCT tem investido no fortalecimento de uma base geopolítica, por meio da qual é articulada uma rede de núcleos gerenciais nas secretarias de saúde estaduais, regionais e municipais para a expansão das ações do PNCT, de forma eqüitativa e racional em todo o País.

Por meio da organização e articulação dessa rede nacional para gerenciamento regional do PNCT, as ações para o controle do tabagismo vêm sendo descentralizadas. Hoje fazem parte, da rede de gerenciamento descentralizado do PNCT, os 27 estados e 3.900 municípios.

Intersetorialidade

Para atender a demanda gerada pelas negociações da Convenção Quadro para Controle do Tabaco, o Governo brasileiro criou, pelo Decreto nº 3.136, de 13 de agosto de 1999, a Comissão Nacional para o Controle do Uso do Tabaco, marcando uma nova fase do Programa de Controle do Tabagismo no Brasil, que ganhou o status de Programa de Estado.

Coube à Comissão Nacional para o Controle do Uso do Tabaco analisar os dados e informações nacionais referentes ao tema, para subsidiar o Presidente da República nas decisões e posicionamentos do Brasil, durante as sessões de negociação da Convenção Quadro, que aconteceram entre 1999 e 2003. A Comissão Nacional foi integrada por representantes dos ministérios da Saúde, das Relações Exteriores, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Fazenda, da Justiça, do Trabalho e Emprego, da Educação e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e do Desenvolvimento Agrário, haja vista os diferentes aspectos envolvidos no controle do tabagismo. Coube ao Ministro da Saúde a presidência dessa Comissão e ao INCA, o papel de sua secretaria executiva.

Considerando que o problema do tabaco extrapola a dimensão da saúde, a criação de uma Comissão Nacional abriu novas possibilidades para o controle do tabagismo no Brasil, tornando possível que questões relacionadas ao tabaco passassem a ser discutidas com outros setores governamentais.

A mobilização do apoio da Comissão Nacional para iniciativas intersetoriais de cunho administrativo e legislativo trouxe significativos avanços para o controle do tabagismo em diferentes áreas: obrigatoriedade da inserção de imagens de advertências nas embalagens de produtos derivados de tabaco; proibição de trabalho de menor de 18 anos na produção do fumo; proibição da utilização do crédito público do Programa Nacional de Agricultura Familiar para a produção de fumo; Projeto de Lei que proíbe a venda de derivados de tabaco em máquinas de fumar, atualmente tramitando no Congresso cuja exposição de motivos foi de caráter intersetorial com o aval do Ministério da Saúde, da Fazenda e da Indústria e Comércio.

Em agosto de 2003, a Comissão Nacional para o Controle do Uso do Tabaco foi substituída pela Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco e de seus Protocolos, que tem um caráter permanente e conta com a participação de representantes de 11 ministérios. Além dos ministérios que compunham a comissão anterior, foram agregados representações dos ministérios das Comunicações e do Meio Ambiente. Essa nova Comissão representou um novo impulso para o controle do tabaco no Brasil, pois substituiu o caráter apenas consultivo da primeira pelo caráter executivo. Por essa nova fase da Comissão Nacional espera-se construir e formalizar uma agenda intersetorial de Estado para cumprimento das obrigações previstas pela Convenção Quadro.

Parceria com a sociedade civil organizada

Além da integração com diferentes níveis governamentais, o Programa tem procurado estabelecer parcerias com organizações não governamentais, sociedades científicas, conselhos profissionais e outros. Essas parcerias têm sido um dos grandes pilares do PNCT, fundamental para a potencialização da sua abrangência nacional e, principalmente, para fortalecer o controle social que possa apoiar o Programa nas dificuldades referentes às ações de contraposição à indústria do tabaco.

Exemplos de parcerias nesse sentido envolvem o apoio do INCA aos Congressos Brasileiros sobre Tabagismo, que vêm sendo realizados desde 1994, em parceria com sociedades e organizações não governamentais, como o Comitê para Controle do Tabagismo no Brasil, articulação e interação com os Comitês de Controle do Tabagismo e entidades médicas como o Conselho Federal de Medicina, Associação Médica Brasileira, sociedades de Pneumologia, de Cardiologia, dentre outros.

Outro exemplo de parceria nesse sentido foi a organização de uma reunião de Consenso sobre Abordagem e Tratamento do Fumante, em agosto de 2000, da qual participaram diversas sociedades científicas e associações e conselhos profissionais da área de saúde, incluindo a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, a Associação Brasileira de Alcoolismo e Drogas (ABRAD), Associação Brasileira de Estudo de Àlcool e outras Drogas (ABEAD). Essa reunião permitiu a elaboração de um documento que serviu de base para a inserção do tratamento para cessação de fumar no SUS (Brasil – Ministério da Saúde/INCA, 2001).

Em 2001, foi dado início a mais uma etapa no processo de mobilizar a participação da sociedade civil organizada no controle do tabagismo, com o objetivo de divulgar amplamente a Convenção Quadro para Controle do Tabaco e buscar o apoio de toda a sociedade brasileira para a sua aprovação e ratificação, assim como para promover o controle social do cumprimento das obrigações previstas na mesma. Para esse fim, o INCA tem articulado o Fórum Permanente por um Mundo Livre de Tabaco, um grupo de contato eletrônico, que reúne mais de 1.000 ativistas cadastrados de diferentes setores da sociedade civil organizada. Essa rede de contato é alimentada com informações sobre tabagismo, que envolvem desde aspectos de cunho científico até notícias sobre estratégias da indústria, sobre o andamento da Convenção Quadro e sobre desafios e avanços nacionais e internacionais para o controle do tabagismo. Para acessá-la, deve-se entrar na homepage do INCA6 . Também tem apoiado a Rede Tabaco Zero, iniciativa da sociedade civil organizada que vem exercendo importante papel no controle social na ratificação da Convenção Quadro pelo Brasil, assim como na sua implementação.

As ações do Programa

As ações do programa são calcadas em ações educativas para disseminar informações na comunidade, para tornar os ambientes livres de tabaco e para promover a cessação de fumar. Essas ações devem ser reforçadas por ações legislativas e econômicas que criem um ambiente social favorável à redução do consumo.

Ações educativas

As ações educativas são dirigidas a diferentes grupos-alvo e têm como objetivos disseminar informações sobre os malefícios do tabaco, sobre cessação de fumar, sobre as estratégias da indústria do tabaco e sobre a legislação para controle do tabagismo existente no Brasil; mobilizar apoio da sociedade brasileira, sobretudo de formadores de opinião; estimular mudanças de atitude e comportamento entre formadores de opinião.

Essas ações educativas envolvem atividades pontuais por meio de campanhas de conscientização (Dia Mundial sem Tabaco em 31 de maio e Dia Nacional de Combate ao Fumo em 29 de agosto), de organização de eventos comunitários e de divulgação de informações pela mídia. Valendo-se da rede de gerência descentralizada do PNCT, estas atividades têm acontecido em todo o Brasil.

Também envolvem atividades continuadas pela implantação sistemática do programa ambientes livres de tabaco em escolas (Programa Saber Saúde), unidades de saúde (Programa Saúde e Coerência) e ambientes de trabalho (Programa Prevenção Sempre). Para esse fim, o INCA tem trabalhado no desenvolvimento de materiais educativos, projetos-pilotos para delineamento de estratégias de implantação de ambientes livres de tabaco nesses canais comunitários, assim como em metodologia de capacitação para preparar recursos humanos para a descentralização dessas ações por meio da rede nacional para gerenciamento regional do programa. Com o apoio da rede de descentralização do Programa, até 2002 foram atingidas pelo Programa 7.709 escolas, 2.864 unidades de saúde e 1.102 ambientes de trabalho.

Ações de promoção e apoio à cessação de fumar

As ações para promover a cessação de fumar têm como objetivo motivar fumantes a deixar de fumar, aumentar o acesso dos mesmos a métodos eficazes para cessação do tabagismo e têm envolvido a articulação de diferentes atividades.

Nesse sentido, o programa tem atuado por meio da divulgação de métodos eficazes para a cessação de fumar por meio de campanhas, da mídia, de eventos dirigidos a profissionais de saúde; da implantação do Disque Pare de Fumar – um serviço gratuito de telefonia que fornece orientações básicas para deixar de fumar pela abordagem cognitivo-comportamental breve e que teve início a partir de maio de 2001 –; cujo número as companhias de fumo são obrigadas a inserir nas embalagens dos produtos derivados de tabaco ao lado de advertências sanitárias.

Outra atividade, nesse grupo de ações, relaciona-se ao processo de capacitação de profissionais de saúde na abordagem breve, com o objetivo de motivá-los e instrumentalizá-los para que insiram essa abordagem nas suas rotinas de atendimento.

Mais recentemente, o tratamento do fumante foi inserido na rede do SUS pela pactuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) que gerou as Portarias Ministeriais GM/MS nº 1.035, de maio de 2004 e SAS nº 442, de agosto de 2004, aprovando o Plano de Implantação da Abordagem e Tratamento do Tabagismo no SUS e o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas – Dependência à Nicotina (Brasil, Ministério da Saúde, 2004d). Esse plano prevê, dentre outras coisas, a inserção da abordagem cognitivo-comportamental e apoio medicamentoso (reposição de nicotina e bupropiona) na rede de atenção básica e de média complexidade do SUS, incluindo-se aí os seus Centros de Assistência Psicossocial (CAPS). A pactuação na CIT definiu, como papel do Ministério da Saúde, o repasse dos insumos (materiais educativos e medicamentos) para o atendimento nos municípios que já tenham unidades de saúde preparadas para essa atividade, o que implica em já terem profissionais capacitados para esse tipo de atendimento e uma política de restrição ao fumo nas suas dependências. O repasse dos insumos acontece mediante o envio para o Ministério da Saúde, pelas secretarias estaduais de Saúde, de informações sobre o processo de capacitação e sobre estimativas de atendimento para um dado período. Trata-se de um processo em andamento, que busca inserir essa ação de forma organizada e cuidadosa a permitir uma avaliação da sua efetividade e de seu custo-benefício.

Em suma, o seu objetivo é criar no Brasil uma ampla rede de acesso para a abordagem e o tratamento da dependência do tabaco que obedeça a um gradiente de intensidade. A idéia é oferecer aos fumantes que têm um nível de dependência mais baixo abordagens cognitivas comportamentais breves, seja pelo Disque Pare de Fumar, seja pela inclusão desse tipo de atendimento nas rotinas de profissionais de saúde da atenção básica. Paralelamente, busca-se estruturar uma rede para acolher os fumantes com grau mais elevado de dependência, inclusive os que apresentam co-morbidades psiquiátricas, e que precisam de abordagem mais intensiva e especializada.

Ações legislativas e econômicas

Muitas das ações comprovadamente eficazes e recomendadas pela Assembléia Mundial de Saúde para o controle do tabagismo fogem ao escopo da governabilidade direta do Ministério da Saúde. Dessa forma, embora o setor saúde não tenha o poder direto de realizar muitas dessas ações, tem trabalhado para promover e mediar ações intersetoriais para controle do tabaco pela mobilização de medidas legislativas e econômicas.

As ações legislativas almejadas para o controle do tabagismo envolvem medidas para proteger a população, especialmente os jovens, das propagandas e outras estratégias para promover o consumo dos produtos de tabaco; para regular e monitorar esses produtos quanto aos seus conteúdos e emissões; para utilizar as próprias embalagens de derivados de tabaco para informar a população de forma contundente sobre a real dimensão dos riscos do tabagismo; para limitar o acesso dos jovens aos produtos de tabaco pelo controle dos mecanismos de venda, do aumento dos preços e do controle do mercado ilegal desses produtos; e para proteger a população dos riscos do tabagismo passivo.

Nesse contexto, os mais de 15 anos de atuação à frente do programa de controle do tabagismo conferiu ao INCA o status de referência nacional para elaboração de pareceres técnicos, de exposição de motivos envolvendo diferentes aspectos do controle do tabagismo, para subsidiar processos e projetos de leis. Isso tem lhe permitido influenciar os avanços nas políticas intersetoriais, sobretudo nas de âmbito legislativo e econômico. Paralelamente, atividades de lobby e a participação ativa do INCA, como secretaria executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro, tem potencializado os grandes avanços intersetoriais alcançados até o momento.

Áreas de destaque

O banimento da propaganda dos produtos de tabaco

O banimento de propagandas e atividades de promoção de produtos de tabaco, tanto diretas como indiretas, tem a importante função de reduzir os estímulos para a iniciação, principalmente entre jovens, e desconstruir todo o processo voltado para criar a aceitação social positiva do tabagismo. Os documentos internos de grandes transnacionais de tabaco, tornados públicos devido a litígio, mostram que estratégias para atingir crianças e adolescentes por meio de propaganda e outras atividades de promoção são consideradas vitais para a viabilidade econômica do negócio de vender tabaco:

"Atingir o jovem pode ser mais eficiente, mesmo que o custo para atingi-los seja maior, porque eles estão desejando experimentar, eles têm mais influência sobre os outros da sua idade do que eles terão mais tarde, e porque eles são muito mais leais a sua primeira marca". Escrito por um executivo da Philip Morris, em 1957 (Campaign for Tobacco Free Kids & Action on Smoking and Health, 2001).

"É importante saber, tanto quanto possível, sobre os padrões de tabagismo dos adolescentes. Os adolescentes de hoje são os potenciais consumidores regulares de amanhã, e a grande maioria dos fumantes começa a fumar na sua adolescência (...) Devido ao nosso grande espaço de mercado entre os fumantes mais jovens, a Philip Morris sofrerá mais do que qualquer outra companhia com o declínio do número de adolescentes fumantes". Memorando enviado por um pesquisador da Philip Morris, Myron E. Johnston para Robert B. Seligman, Vice Presidente de pesquisa e desenvolvimento da Philip Morris, 1981 (Campaign for Tobacco Free Kids & Action on Smoking and Health, 2001).

"Um cigarro para o iniciante é um ato simbó­lico. Eu não sou mais a criança da minha mãe, eu sou forte, eu sou um aventureiro, eu não sou quadrado (...) Na medida em que a força do simbolismo psicológico diminui, o efeito farmacológico assume o papel de manter o hábito". Rascunho de relatório do Quadro de Diretores da Phillip Morris, 1969 (Campaign for Tobacco Free Kids & Action on Smoking and Health, 2001).

Embora a indústria do tabaco alegue publicamente que é a pressão dos pares e não a propaganda que induz o jovem a começar a fumar, documentos internos de grandes transnacionais de fumo e outras evidências mostram que a pressão dos pares faz parte de um ciclo onde muitos adolescentes, seduzidos pelas belas imagens revestidas de simbologia de passagem para o mundo adulto, de sucesso e de liberdade, não só começam a fumar como também seduzem ou pressionam seus colegas a começar. Em resumo, o contexto social positivo criado pela propaganda normaliza e idealiza o comportamento de fumar e muitos adolescentes aderem ao tabagismo sob a pressão dos pares, potencializada e alimentada pela atmosfera social favorável construída pelas elaboradas estratégias de marketing.

Diante desse cenário o governo brasileiro vem investindo em estratégias para banir a propaganda. Esse processo teve início em 1995, por meio da restrição do horário de transmissão de propagandas de produtos de tabaco. O INCA tem desempenhado importante papel nesse processo e em especial na mobilização da sociedade civil para a conversão do Projeto de Lei que deu origem à Lei Federal 10.167, aprovada em dezembro de 2000, que propunha o banimento de propaganda e do patrocínio de eventos culturais e esportivos por produtos de tabaco. Apesar de toda a pressão contrária que houve naquela ocasião, hoje a legislação brasileira proíbe a propaganda na TV, rádio, revistas, jornais e outdoors; proíbe a distribuição de amostras grátis e proíbe a propaganda de cigarros relacionando-os aos esportes.

Por impedimentos constitucionais, a propaganda ainda é mantida nos pontos internos de venda.

Posteriormente, foram agregando-se outros avanços, como a proibição da propaganda por meio eletrônico, como Internet, uma vez que as companhias de tabaco passaram a considerar esse espaço como ponto de venda e iniciaram uma agressiva estratégia de promoção de seus produtos por esse meio logo após a Lei 10.167. Como contraposição a essa estratégia, o governo incluiu na legislação uma definição de pontos internos de venda, deixando claro que a Internet não é considerada ponto de venda e, portanto, não pode ser veículo de propaganda:

"(...) parte interna do local de venda: área fisicamente delimitada localizada no interior do estabelecimento comercial destinada à venda de produtos derivados do tabaco e seus acessórios.

(...) A rede mundial de computadores (Internet) não é considerada local de venda de produtos derivados de tabaco, sendo portanto, vedada à oferta e venda de qualquer destes produtos por este meio em todo o território nacional". (ANVISA Resolução – RDC, no 15 de janeiro de 2003).

Com a polêmica da Fórmula 1, em 2003, a pressão da indústria do fumo levou o governo a adiar a proibição do patrocínio de eventos esportivos internacionais por marcas de cigarros, quando este acontecesse em território nacional. Com isso, essa proibição foi negociada e entrou em vigor a partir de setembro de 2005, quando também entraria em vigor nos países da Comunidade Européia. Por ocasião dessa negociação, a lei passou a obrigar a veiculação de contrapropagandas e mensagens de advertências durante, todos os eventos internacionais transmitidos no Brasil que tenham patrocínio de produtos de tabaco. (Brasil, Ministério da Saúde/INCA 2003e).

As mensagens de advertências nas embalagens dos produtos de tabaco

Embora essa medida tenha gerado polêmica e seja criticada por muitos que a entendem como uma invasão de privacidade ou violação de direitos de propriedade intelectual, é preciso entender o que há por trás das embalagens de produtos de consumo.

A edição da revista Exame, de 27 de abril de 2005, traz um artigo especial sobre marketing com o título "A Revolução das Embalagens – Na luta pelo mercado, as empresas transformam os invólucros de seus produtos em armas estratégicas", no qual fica explícito como o design de embalagens de diferentes produtos vem sendo reconhecido como estratégia de marketing, um potente mecanismo de sedução de consumidores: "Embalagens fazem parte da personalidade dos produtos. Passam certos valores e sensações (...)".

Nessa mesma matéria um especialista em marketing coloca, de forma mais objetiva, a expectativa dos fabricantes sobre as embalagens de seus produtos: "A embalagem, em fração de segundos, tem que chamar a atenção, estabelecer uma empatia com o consumidor e finalmente, fazer a mercadoria pular para o carrinho".

As embalagens de produtos de tabaco não fogem a essa tendência.

Nesse contexto, a importância das advertências sanitárias nessas embalagens se dá por diferentes aspectos. Em primeiro lugar, ela tem a função de contrapor a essa importante estratégia de marketing, uma vez que os maços ou outras embalagens de tabaco são engenhosamente elaborados para atrair o fumante por meio de cores, formas e nomes de marcas bastante sugestivos. As embalagens também foram e continuam sendo importantes veículos para transmitir mensagens subliminares, com o objetivo de tranqüilizar o fumante acerca dos riscos de fumar. Essa estratégia passou a ser usada, de forma intensa, a partir da segunda metade do século XX, quando o conhecimento científico sobre os riscos do tabagismo começou a ser difundido na sociedade (Kozlowski e Pilliteri 2001; Pollay e Dewhirst, 2001; Shiffman, et al. 2001).

Um claro exemplo está nos próprios documentos internos da indústria do tabaco, onde versões ditas light, de marcas de cigarros, passaram a ser introduzidas usando a tática da associação de cores específicas nos maços de cigarros, para promovê-las como alternativas seguras e inteligentes. Dentre esses documentos, encontram-se relatórios que afirmam claramente que as cores vermelhas dos maços servem para conotar a idéia de um sabor forte, os maços verdes transmitem a idéia de um produto refrescante e os maços brancos a idéia de baixos teores, significando sanitário e seguro. Dizem também que se cigarros de baixos teores forem colocados em embalagens de cor vermelha as pessoas dirão que têm um sabor mais forte do que os mesmos cigarros em embalagens brancas: "Maços vermelhos conotam um sabor forte. os verdes conotam frescor ou mentol e os brancos sugerem que o cigarro é de baixo teor. Branco significa saudável e seguro. E se você coloca um cigarro de baixo teor em um maço vermelho, as pessoas dizem que tem um sabor mais forte do que o mesmo cigarro em um maço branco", Koten J, Tobacco marketer's success formula: Make cigarets [sic] in smoker's own image. The Wall Street Journal, p22, February 29, 1980 – (cited by Pollay e Dewhirst, 2001).

Em seus documentos internos as companhias de tabaco também reconhecem que alguns elementos são chaves para a aceitação do produto. Um deles é psicológico e depende do potencial das atividades de marketing e o outro depende da capacidade do produto de fornecer os estímulos fisiológicos da nicotina.

"(...) Deixe-me tentar definir os elementos de aceitação do produto (de acordo com as vendas, a distribuição e pesquisas) na medida em que se relacionam com os produtos de tabaco. O valor do produto é um fator (...). O segundo elemento na aceitação é psicológico. O principal componente desse elemento depende dos nossos esforços de marketing (...). O terceiro elemento na aceitação é fisiológico e é amplamente determinado pelo estímulo induzido pela nicotina". Spears, A. Untitled – Re: Cost of making tobacco products. Lorillard, November, 13, 1973 (cited by Pollay e Dewhirst, 2001).

Como a própria indústria do tabaco reconhece, as estratégias de marketing, potencializadas pela capacidade do tabaco de criar dependência, instituem forte elo entre o fumante e os maços de sua marca preferida. Vale lembrar que os maços de cigarros estão presentes em todos os momentos da vida de um fumante, em situações de prazer e satisfação, assim como em momentos de tristeza e conflitos. Muitas vezes, o fumante acende o seu cigarro como um "ato reflexo" e vários estímulos sociais funcionam como gatilhos para esse ato, tais como tomar um cafezinho, ler, desenvolver atividades intelectuais e até mesmo visualizar logos ou símbolos das marcas preferidas, etc.

Por outro lado, a literatura demonstra que abordagens cognitivo-comportamentais estão entre aquelas cuja eficácia para cessação de fumar é cientificamente comprovada. Esse tipo de abordagem envolve um processo cujo primeiro passo é fazer o fumante conhecer a real dimensão dos riscos e danos causados pelo tabaco (Fiore et al., 2000). Muitos ex-fumantes relatam que, para conseguir ficar sem fumar durante os momentos de fissura, recorrem a uma visualização mental de um pulmão ou outro órgão danificado pelo tabaco ou mesmo de uma pessoa próxima que tenha sofrido de alguma doença grave relacionada ao tabagismo.

Considerando esse contexto, fica claro que os próprios produtos de tabaco poderiam funcionar como importante veículo para comunicação do risco do tabagismo. Além disso, mensagens de advertências fortes nas embalagens, principalmente quando ilustradas por imagens, poderiam também quebrar a atração e os gatilhos que fazem com que um fumante acenda seus cigarros em diferentes situações do seu dia. Ou seja, elas poderiam fazer o fumante pensar duas vezes antes de acender automaticamente cada cigarro.

Uma segunda importante função dessa medida se dá pela dimensão coletiva, já que mensagens de advertência fortes ilustradas por imagens poderiam quebrar a aura positiva que foi criada em torno dos produtos de tabaco durante anos e, assim, contribuir para mudar as representações sociais do tabagismo, ainda positivas em muitas sociedades.

Sabe-se que as crenças culturais e individuais sobre o efeito de uma droga psico-ativa são importantes determinantes da disseminação de seu uso em uma sociedade. Essas crenças são o resultado de diferentes influências, incluindo a própria experiência individual com o uso da droga e valores pessoais, dentre outras. No entanto, um dos elementos mais importantes na representação social do uso de uma droga é o contexto ou a influência do ambiente social e cultural na expectativa dos efeitos da droga (Marlatt, 1993; Henningfield, 1993).

No caso do tabaco, dados do Banco Mundial mostram que, especialmente em países em desenvolvimento, onde a socialização das informações sobre os efeitos deletérios do tabagismo ainda é limitada, o conhecimento das pessoas sobre esses efeitos é parcial e subestimado. Como resultado, 80% do consumo global de tabaco concentra,-se em países em desenvolvimento. Na China, onde vivem 25% dos fumantes do mundo, 61% dos adultos fumantes que participaram de uma pesquisa em 1996 disseram que os cigarros causavam pouco ou nenhum prejuízo para a saúde. Os dados do Banco Mundial também mostram que, mesmo em países desenvolvidos, onde geralmente os fumantes têm maiores informações sobre os riscos, o julgamento sobre a dimensão desses riscos é menor e menos bem estabelecido do que entre os não fumantes (World Bank, 1999).

Por isso, esse tipo de estratégia representa um dos mais importantes componentes para as ações de controle do tabagismo.

No Brasil, é antiga a utilização dos maços como veículo para informar a sociedade, sobretudo os fumantes, sobre os riscos do tabagismo. A primeira mensagem de advertência foi introduzida em agosto de 1988: "O Ministério da Saúde adverte: Fumar faz mal a saúde". Ao longo dos anos, essa medida tornou-se progressivamente mais forte, até culminar com as atuais mensagens de advertência ilustradas por fotos.

A atual medida que obriga a inserção de imagens de advertência nos maços foi lançada em maio de 2001, tendo entrado em vigor em fevereiro de 2002. Ela é regulamentada pela Medida Provisória nº 2.134-30 (24 de maio de 2001), que determinou que o material de propaganda e as embalagens de produtos fumígenos derivados do tabaco, exceto as destinadas à exportação, deverão conter advertências acompanhadas de imagens que ilustrem o seu sentido. A Resolução ANVISA nº 104 complementa a MP 2.134-30, regulamentando essas mensagens nas embalagens e no material de propaganda dos produtos fumígenos derivados do tabaco. Cabe à ANVISA e ao INCA determinar as advertências que deverão ser veiculadas, o espaço que devem ocupar nas embalagens, suas características gráficas, assim como as características das imagens que as ilustrarão. Essa definição clara e regulada por lei tem garantido ao Ministério da Saúde a possibilidade de se contrapor às estratégias da indústria do tabaco para minimizar a visibilidade das mensagens. As primeiras mensagens de advertências foram resultantes de acordos voluntários entre o Governo e as companhias de tabaco, o que permitiu que durante anos colocassem as mensagens onde quisessem, do tamanho que quisessem e com a visibilidade que quisessem.

Essa estratégia é confirmada por documentos internos da indústria do tabaco. Por exemplo em 1994, a British American Tobacco (BAT) fez uma análise de atributos da marca Marlboro, a mais vendida no mundo e produzida pela sua concorrente Philip Morris. O documento, resultante dessa análise, foi distribuído para as suas afiliadas, dentre elas a Souza Cruz. Essa análise ilustra como a indústria do tabaco tem trabalhado para, deliberadamente, reduzir a visibilidade das mensagens de advertência. Dentre os atributos considerados positivos, além do design e cores, estava a forma como as mensagens de advertência foram inseridas: "(...) posicionamento inteligente e uso de cores (dourado discreto) têm garantido um impacto mínimo no design geral e uma legibilidade mínima para o fumante" (BAT Competitor Activity Report, 1994 – Bates n nº 301724407/408).

No Brasil, a mesma medida que obriga à inserção das imagens, também obriga à inserção do número de telefone do Disque Pare de Fumar nas embalagens e no material de propaganda dos produtos derivados do tabaco. Ou seja, além das informações sobre o risco, coloca à disposição da população a abordagem cognitiva-comportamental breve oferecida por meio desse serviço telefônico gratuito.

Vários indicadores têm demonstrado que essa medida oferece um potencial efeito para redução do consumo.

O primeiro deles refere-se à reação das próprias companhias de tabaco, que passaram a utilizar artifícios gráficos para prejudicar a visibilidade dessas imagens para o fumante. Logo depois que os primeiros maços de cigarro começaram a circular com as imagens de advertência, em fevereiro de 2002, a indústria do tabaco rapidamente reagiu inserindo dentro de cada maço pequenos folhetos do mesmo tamanho que as imagens das advertências sanitárias contendo imagens bonitas e com uma superfície autocolante, provavelmente para estimular os fumantes a cobrir as advertências. Outra ação foi promover a venda de cigarreiras a preços muito baixos junto com maços de cigarros (Figuras 1 e 4).

O segundo refere-se a dados que mostram uma boa receptividade da população a essa medida. Em abril de 2002, o Instituto Datafolha realizou uma pesquisa com 2.216 pessoas acima de 18 anos de 126 municípios. Apoiaram a medida 77% dos não-fumantes e 73% dos fumantes. Além disso, 67% dos fumantes disseram ter sentido vontade de deixar de fumar. Do grupo de fumantes de baixa renda, 73% disseram ter sentido vontade de deixar de fumar ao ver as fotos nos maços.

Corroboraram com os achados do Datafolha, os dados de uma grande pesquisa realizada pelo próprio Disque Pare de Fumar, entre março e dezembro de 2002. Essa pesquisa envolveu 89.305 entrevistas, sendo que 80% dos entrevistados eram fumantes. Do total dos entrevistados, 92% apoiaram a medida, 79% disseram que as fotos das advertências deveriam ser mais chocantes e 90% tiveram conhecimento sobre o número do serviço Disque Pare de fumar pelos maços. Além disso, depois que o número do Disque Pare de Fumar passou a circular nos maços de produtos de tabaco a quantidade de ligações aumentou em torno de 300%.

Considerando os dados que sugerem que a população espera por imagens mais contundentes que as atuais, que existem muitas outras informações sobre os riscos que precisam ser divulgadas e que é preciso estar renovando as mensagens e suas imagens porque com o tempo esse tipo de medida tende a perder o seu impacto inicial, o Ministério da Saúde passou a obrigar a inserção de um novo grupo de advertências mais fortes a partir de julho de 2004 (Figura 5).


A própria Convenção Quadro para Controle do Tabaco (Artigo 11) coloca como uma das obrigações, dos países partes, a inserção de advertências sanitárias, fortes e que ofereçam boa visibilidade nas embalagens de produtos de tabaco.

Nesse contexto, quanto maior o espaço que mensagem ocupa nos maços maior é o poder que ela tem de comunicar. O Ministério da Saúde optou por esse tipo de estratégia também porque reconhece que a força da mensagem deve ser proporcional a intensidade do risco que o tabagismo traz. Hoje se sabe que o tabagismo aumenta em 20 vezes o risco de câncer de pulmão entre fumantes. Também está bastante claro que não existem níveis seguros para o seu consumo, pois mesmo entre fumantes leves (fumam de um a nove cigarros ao dia) as taxas de câncer de pulmão são em média seis vezes maiores do que entre não-fumantes (IARC, 1986; Doll e Peto, 1994).

Por outro lado, é possível que muitos fumantes recusem-se a olhar essas imagens, principalmente os que não querem deixar de fumar e aqueles que, mesmo querendo, enfrentam dificuldades para manterem-se abstêmios. Alguns vão procurar cobrir as imagens e a indústria tem investido em estratégias para promover isso.

Mesmo assim, essa medida terá cumprido a sua função social. O maço de cigarros não mais exercerá a mesma atração que exercia antigamente. E o fumante ficará dividido, ambivalente, entre fumar e não fumar e, em geral, esse é o primeiro sentimento que impele o fumante para o processo de cessação de fumar.

Regulação dos produtos de tabaco

Em 1995, ao enviar uma amostra das cinco marcas de cigarros mais vendidas e produzidas no Brasil para análise dos teores de substâncias tóxicas no Canadá, o INCA deu um importante passo no sentido de mobilizar ações legislativas para regulamentar os derivados do tabaco.

Em 1996, com a ampla divulgação na mídia dos resultados que mostraram que os níveis de várias das substâncias analisadas estavam muito acima dos teores máximos estipulados em outros países, o INCA expôs publicamente a necessidade de regulamentação dos conteúdos dos cigarros. Na ocasião da divulgação, o assunto foi matéria de capa de uma grande revista nacional dando grande repercussão (Veja, 1996). A partir das constatações dessa análise, o INCA elaborou um documento em que fez uma série de recomendações no sentido de criar mecanismos legislativos que obrigassem os fabricantes ou importadores de cigarros a informar ao Ministério da Saúde sobre os conteúdos dos seus produtos, a divulgarem essas informações nas embalagens dos derivados do tabaco, que fossem criados mecanismos, pelo Governo, para fiscalizar, inspecionar e normatizar as metodologias de análise, dentre outras (Brasil – Ministério da Saúde, 2000). Essa importante ação foi a mola propulsora para subseqüentes avanços no âmbito do controle e fiscalização dos derivados de tabaco no Brasil.

O primeiro deles foi a inserção da regulamentação, controle e fiscalização dos cigarros, cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto derivado do tabaco entre as atribuições da ANVISA, criada pela Lei Federal nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. A partir dessa iniciativa passou a ser possível regular os produtos de tabaco e alcançar diversos avanços legislativos nessa área:

  • Limites máximos aos teores de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono, que devem ser, respectivamente, 10 mg, 1 mg e 10 mg para cigarros comercializados no Brasil;

  • Proibição do uso de descritores de produtos como

    light,

    ultralight, suave, baixos teores ou outros descritores que transmitam para o consumidor uma falsa idéia de que existem produtos menos nocivos que outros;

  • Obrigatoriedade da inserção, em uma das laterais das embalagens de produtos de tabaco, da seguinte frase: "Este produto contém mais de 4.700 substâncias tóxicas e nicotina que causa dependência física ou psíquica. Não existem níveis seguros para consumo dessas substâncias";

  • As companhias de tabaco são obrigadas a registrar e apresentar relatórios anuais sobre os produtos que comercializam no Brasil, acompanhados de informações sobre vendas e características físico-químicas dos mesmos. Essa Resolução também obriga cada empresa a pagar uma taxa de cadastro à ANVISA, no valor de R$ 100.000,00 por ano, para cada marca comercializada no Brasil. Esse recurso tem como objetivo financiar a criação de um banco de dados para armazenamento das informações que as companhias de tabaco são obrigadas a dar, construir um laboratório que permita as análises necessárias à fiscalização do cumprimento das medidas acima, assim como, financiar pesquisas sobre os efeitos biológicos da dependência de nicotina. No entanto, o recurso está sendo depositado em juízo devido a uma ação da indústria do fumo questionando a legitimidade da cobrança dessa taxa.

Mais recentemente, o Ministério da Saúde, por meio da ANVISA, proibiu a divulgação de número ou nome de cores associadas a nomes de marcas. Essa medida teve como objetivo neutralizar as estratégias de companhias de tabaco, que depois da proibição da utilização dos descritores lights e similares, passaram a utilizar cores ou números associados ao nome de marcas, por exemplo: Blue, One (Figura 6).


Reduzir o acesso de menores de idade aos produtos de tabaco

Outro grande desafio para o programa é a redução do acesso dos jovens aos produtos de tabaco, o que depende de forte e ampla regulação das estratégias de venda, da política de preços dos produtos de tabaco e do controle do mercado ilegal de tabaco.

Hoje, apesar da legislação brasileira ser bastante clara, no que se refere à proibição de venda de produtos de tabaco a menores, tornar essa medida efetiva nem sempre tem sido possível. Muitos adolescentes ainda adquirem facilmente o produto em padarias, em bares, em danceterias e em outros estabelecimentos onde são vendidos. A ampla venda de produtos falsificados ou contrabandeados em camelôs também facilita o acesso dos menores, quer pelos preços ainda mais baixos dos cigarros, quer pela facilidade de aquisição do produto, sem verificação de documento que comprove a idade.

Nesse sentido, além do Estatuto da Criança e do Adolescente, que já prevê esse tipo de proibição, algumas medidas intersetoriais complementares vêm sendo tomadas. Por exemplo, a proibição da mensagem dúbia "Só para adultos" ou "Só para maiores de 18 anos" que a indústria do tabaco "voluntariamente" coloca nos maços de cigarros, o que na verdade representa uma sutil mensagem de "fruto proibido" e um estímulo subliminar ao espírito transgressor dos adolescentes. Por meio da ANVISA, essa mensagem foi substituída por uma mensagem dirigida ao vendedor: "Venda proibida a menores de 18 anos. Lei 8.069/1990 e Lei 10.702/2003".

Outra forma de facilidade de aquisição tem sido a venda por máquinas automáticas, comuns em muitos países como a Suíça, os Estados Unidos, a Finlândia e o Peru, dentre outros. Estudos nos EUA têm demonstrado que essa tem sido uma das formas de aquisição mais freqüentes por menores de idade, mesmo onde existe legislação proibindo a venda a menores (CDC, 1994; FDA 1999). No Brasil, recentemente descobriu-se que havia a intenção de importação desse tipo de máquina. No entanto, a Comissão Nacional para Controle do Tabaco deu início a Projeto de Lei proibindo a venda de derivados de tabaco por máquinas automáticas, assim como a importação das mesmas. Esse projeto encontra-se me tramitação no Congresso Nacional.

No âmbito da política de preços, estudos do Banco Mundial mostram que uma das medidas mais efetivas para reduzir a prevalência e o consumo de produtos de tabaco é o aumento de preço. Esses estudos também mostram que em média, um aumento real de 10% reduziria a demanda por produtos de tabaco em cerca de 4% em países de renda elevada e em cerca de 8% em países de renda média ou baixa. (World Bank, 1999). O cigarro brasileiro é um dos mais baratos do mundo. Atualmente, a marca mais cara custa cerca US$ 1,00 e o preço médio dos cigarros nacionais situa-se em torno de US$ 0,46 (Brasil – Ministério da Saúde, 2003a). Um recente estudo da OMS coloca o Brasil como o sexto cigarro mais barato do mundo (Guidon et al., 2002; Brasil – Ministério da Saúde, 2003a).

Portanto, torna-se fundamental que sejam tomadas medidas de preços no Brasil a fim de tornar os cigarros menos acessíveis, especialmente para os jovens. No entanto, existe o receio de que o aumento de preço dos produtos de tabaco especialmente o de cigarros, o aumente o contrabando, pois o Brasil é um dos países que mais tem sofrido o impacto do mercado ilegal de cigarros. A Secretaria da Receita Federal (SRF) estima que 35% do mercado brasileiro são abastecidos por cigarros ilegais e considera que esse fato resulta da diferença de tributação do cigarro brasileiro em relação aos cigarros de países vizinhos. No Brasil, o maço de cigarros é tributado em cerca de 73,3% do seu valor, enquanto na Argentina e no Uruguai essa tributação é de 67% e no Paraguai, 13% (Brasil – Ministério da Saúde, 2003a).

Dessa forma, no mercado ilegal pode-se encontrar cigarros ainda mais baratos do que no mercado formal. Enquanto no mercado legal o preço médio é de U$ 0,46, no ilegal o preço médio é de U$ 0,30 (Brasil – Ministério da Saúde, 2003a).

Segundo a SRF, as perdas tributárias alcançam U$ 650 milhões ao ano, recursos estes que deixam de ser captados pelo Governo Federal, impedindo que sejam destinados para outros fins, inclusive para financiar o tratamento pelo SUS de doenças tabaco relacionadas. Por outro lado, segundo o Banco Mundial e a OMS, a própria indústria do tabaco se beneficia do contrabando. Estudos sobre o impacto do contrabando demonstram que quando os cigarros contrabandeados compreendem um percentual significativo das vendas totais, o preço médio de todos os cigarros, com impostos ou sem eles, tende a diminuir, o que aumenta a venda de cigarros como um todo (WHO, 1999).

Além disso, nos próprios documentos da indústria do tabaco existem evidências do envolvimento direto de grandes companhias de tabaco na comercialização ilegal de seus produtos no mundo inteiro, inclusive na América Latina e Caribe (PAHO, 2002b; Brasil – Ministério da Saúde, 2003a).

Por meio SRF, o Governo brasileiro tem investido em ações para coibir o contrabando de cigarros no Brasil que, desde 1992, vem aumentando substancialmente. Para combater esta prática ilegal de comércio, em 1998, o Governo, suspeitando de que as companhias de tabaco recorriam à prática de exportações fantasmas, já que os impostos não incidiam sobre os cigarros destinados para exportação, passou a taxar a exportação de cigarros para os países da Américas Central e do Sul, inclusive o Caribe em 150% (Decreto nº 2.876). Como resultado, o volume de exportações de cigarros caiu e aumentou consideravelmente o volume de exportação de folhas de fumo para os países fronteiriços. Paralelamente, houve importante crescimento no número de fábricas de produtos de tabaco. No Paraguai, onde até 1995 existiam somente duas fábricas, este número cresceu para 22, em 2001. Estas empresas passaram a importar a folha de fumo do Brasil para processá-la e transformá-la em cigarros que passaram a entrar ilegalmente no Brasil. Por isso, em 2000, o Governo ampliou a alíquota de 150% do imposto de exportação (Decretos nº 3.646 e nº 3.647) de folhas de fumo, papel para a fabricação de cigarros, cilindros para os filtros, quando estes são destinados aos países das Américas do Sul e Central, com exceção da Argentina, Chile e Equador.

Estas ações geraram uma disputa de controvérsia no âmbito do Mercosul. Em março de 2001, a empresa de tabacos uruguaia Monte Paz S/A fez uma denúncia formal, alegando que o Brasil criou barreiras para que ela obtivesse matéria-prima para produzir cigarros, levando o Governo uruguaio a entrar com uma representação contra o Brasil. O Governo do Uruguai considerou que a taxação das exportações era incompatível com as regras de livre comércio do Mercosul. O Governo do Brasil alegou que esta medida era necessária, pois as matérias-primas exportadas eram utilizadas em fábricas nos países fronteiriços para produzir cigarros destinados ao mercado ilegal.

Portanto, mesmo com os esforços do Governo Federal para coibir e combater o contrabando, esta prática ilegal de comércio está fortemente disseminada pelo país, facilitando o acesso dos jovens e a iniciação no tabagismo.

O controle do mercado ilegal de cigarros é, portanto, uma questão bastante complexa que exige a integração de diferentes setores governamentais, assim como a adoção de medidas conjuntas por países afetados por esse problema, motivo pelo qual a Convenção Quadro, no seu artigo 15, busca estratégias para integrar ações internacionais para conter esse problema.

Proteção da população aos riscos do tabagismo passivo

As pesquisas sobre tabagismo passivo, que se acumularam durante a década de 1980, levaram à publicação, em 1986, de importante relatório de consenso a respeito dos riscos do tabagismo passivo pela US National Academy of Sciences National Research Council e pelo Ministério da Saúde dos Estados Unidos. Este relatório trouxe três grandes conclusões:

  1. O tabagismo passivo é causa de doenças, inclusive câncer de pulmão em não fumantes saudáveis;

  2. Os filhos de pais fumantes, quando comparados com os filhos de não-fumantes, apresentam maior freqüência de infecções respiratórias, mais sinto-mas respiratórios e taxas ligeiramente menores de aumento da função pulmonar na medida em que o pulmão amadurece;

  3. A simples separação de fumantes e não-fumantes, dentro de um mesmo espaço aéreo, pode reduzir, mas não elimina, a exposição de não-fumantes à poluição tabagística ambiental;

Hoje está comprovado que os efeitos imediatos da exposição da poluição tabagística ambiental não se limita apenas aos efeitos de curto prazo, como irritação nasal e ocular, dor de cabeça, irritação na garganta, vertigem, náusea, tosse e problemas respiratórios. Eles também se relacionam ao aumento, entre os não-fumantes, do risco de câncer de pulmão e de várias outras doenças relacionadas ao tabagismo. Estudos de metanálise mostram que, entre não-fumantes expostos de forma crônica à poluição tabagística ambiental, o risco de desenvolver câncer de pulmão é 30% maior do que entre os não-fumantes não expostos (Hackshaw et al., 1997). Já os riscos de doenças cardiovasculares entre não-fumantes expostos à poluição tabagística ambiental são 24% maiores do que entre os não expostos (Law et al., 1997).

Nos EUA, estima-se que a exposição à poluição tabagística ambiental seja responsável por 50.000 mortes anuais de não-fumantes, das quais cerca de 3.000 decorrem de câncer de pulmão (U. S. Environmental Protection Agency, 1993). No Reino Unido, estima-se que morram cerca de 12.000 pessoas por ano devido ao tabagismo passivo (Repace, 2003).

As crianças, por terem a freqüência respiratória mais elevada que o adulto, são mais vulneráveis aos efeitos da poluição tabagística ambiental, principalmente, por terem que conviver com a poluição tabagística desde a vida intra-uterina até a adolescência. A OMS estima que cerca de 700 milhões, ou seja, quase metade das crianças do mundo respira ar contaminado pela fumaça do tabaco, principalmente em casa. Entre os bebês e crianças maiores, a exposição ao tabagismo dos pais aumenta as chances de terem infecções respiratórias, como bronquite e pneumonias e infecções de ouvido, além de exarcebação de sintomas respiratórios crônicos, como asma e redução da taxa de crescimento pulmonar. A exposição de crianças à poluição tabagística ambiental pode contribuir para que venham a desenvolver doenças cardiovasculares na idade adulta e a ter distúrbios do desenvolvimento neurocomportamental (WHO, 2001a).

Os efeitos do tabagismo passivo também decorrem da exposição nos ambientes de trabalho. As maiores vítimas são os trabalhadores não-fumantes que devido às circunstâncias de seu trabalho são obrigados a se exporem à poluição tabagística ambiental durante a jornada de trabalho, como é o caso de comissários de bordo, trabalhadores de restaurantes, bares, boates ou outros locais, onde há um grande afluxo de fumantes e não se respeita a legislação, que proíbe fumar em ambientes públicos fechados. No Reino Unido, estima-se que o número de mortes por tabagismo passivo, entre trabalhadores da indústria, seja três vezes maior do que devido a outras causas ocupacionais (Repace, 2003).

No Brasil, a Lei 9.294/96, que proíbe fumar em ambientes públicos fechados, representa importante avanço para esse aspecto do controle do tabagismo. No entanto, essa lei ainda não é cumprida em diversos locais públicos devido à falta de fiscalização e de maior consciência sobre os reais riscos do tabagismo passivo. Essa dificuldade, também resulta de atividades da pró­pria indústria do tabaco, que tem financiado cientistas para levantar dúvidas e polêmicas sobre resultados de pesquisas, realizadas por renomadas instituições, sobre os riscos do tabagismo passivo, e também tem organizado campanhas apelativas, nas quais usa o discurso de liberdade, de respeito à diferença e da convivência em harmonia (PAHO, 2002b). Além desses tipos de campanhas e da busca de parceria com setores hoteleiros e de estabelecimentos como bares e restaurantes, a indústria do tabaco tem atuado propondo mecanismos ventilatórios pouco eficazes para garantir que as pessoas continuem a fumar em ambientes fechados.

Documentos internos de grandes companhias de tabaco colocam em evidência como isso funciona: "Uma outra questão importante que afeta a aceitação (de fumar) é o tabagismo passivo. Nossa atual iniciativa é desafiar toda a área com o 'baixo risco epidemiológico'. Existem experts externos de reputação que acreditam que essa é uma ciência altamente imprecisa e nós estamos encontrando meios de exprimir essas preocupações" (British American Tobacco, 1986) (Campaign for Tobacco Free Kids & Action on Smoking and Health [Ash] 2001).

"Objetivos da campanha da Philip Morris dirigida a pesquisadores, a mídia e ao governo para se contrapor ao estudo do International Agency on Research on Cancer (IARC) sobre os riscos do tabagismo passivo: Retardar o progresso e/ou a liberação do estudo; Interferir nas suas conclusões e declarações oficiais de seus resultados; neutralizar possíveis resultados negativos do estudo, particularmente o seu uso como um instrumento regulatório; contrapor-se ao potencial impacto do estudo na política governamental, opinião pública e ações por empregados e patrões" (Philip Morris, 1993) (Campaign for Tobacco Free Kids & Action on Smoking and Health [Ash], 2001).

"Muitas pessoas têm sido levadas a crer que a fumaça ambiental do cigarro (FAC) é fator de risco ou causa de doenças em não-fumantes. As pesquisas científicas analisadas, em conjunto, não são suficientes e conclusivas para afirmar que a FAC esteja associada a uma maior incidência de doenças respiratórias e cardíacas ou câncer de pulmão" (http:www.souzacruz.com.br).

Segundo importantes agências internacionais de saúde, as opções defendidas pela indústria do tabaco, tais como separação em um mesmo ambiente de áreas para fumantes e não-fumantes dentro de um mesmo sistema de ventilação ou mesmo o aumento da troca de ar, por meio de um sistema especial de ventilação, não elimina a exposição dos não-fumantes e mesmo níveis baixos de exposição às substâncias carcinogênicas da fumaça resultam em maior risco de câncer. Além do que é questionável, sob o ponto de vista das atuais políticas de preservação de energia vigentes no planeta (IARC, 1986, Repace, 1993).

Por isso um dos grandes desafios do PNCT, nesse campo, é fazer com que a Lei Federal 9.294/96 seja respeitada em todo o país.

Considerações finais

Com muita freqüência pessoas criticam todo esse esforço do Governo e perguntam: Não seria mais lógico proibir a produção e o consumo de tabaco? Alguns até mesmo dizem: Claro que o Governo não faria isso, pois lucra muito com os impostos que arrecada do tabaco. A própria indústria vangloria-se de contribuir para o Governo por meio dos impostos que recolhem aos cofres públicos.

No entanto, essa é uma visão simplista e míope da complexidade da situação.

Existem poucas dúvidas de que, com todo o conhecimento científico acumulado atualmente sobre os danos provocados pelo tabagismo, se sua expansão estivesse começando hoje, sua produção e venda seriam ilegais. Portanto, sua legalidade é produto de um erro histórico, que impõe aos governos, de diferentes países do mundo, um importante dilema: proibir ou não o uso do tabaco. A história tem mostrado que ações voltadas para proibir a oferta e o consumo de substâncias psicoativas com o intuito de reduzir os seus efeitos negativos não têm tido sucesso. Além disso, têm contribuído para alimentar outros graves problemas sociais como o tráfico, o contrabando e o aumento da violência. Um exemplo do insucesso de iniciativas desse tipo é ilustrado pela Lei Seca dos Estados Unidos, que, na primeira metade do século passado, tornou ilegal a produção e o consumo de bebidas alcoólicas. Posteriormente, todo um cenário de tráfico de bebidas alcoólicas e violência que surgiu após a sua adoção fez com que fosse revogada.

Por outro lado, considerando que os produtos de tabaco não trazem nenhum benefício para quem os consome – ao contrário, só causam dependência, doenças graves, incapacitações e mortes – não é justo que as grandes companhias de tabaco lucrem deixando ao Governo e a toda a sociedade os prejuízos sociais da expansão desse mercado. É justo que, por meio de impostos, o Governo cobre desse segmento os custos com que toda a sociedade tem que arcar para o tratamento de doenças causadas pelo tabaco, para o tratamento da própria dependência da nicotina, para as aposentadorias precoces e todos os outros custos tangíveis e intangíveis decorrentes do consumo de tabaco.

Hoje os governos e todas as sociedades são reféns dessa situação. Diante desse dilema, resta aos governos investir em ações de conscientização de toda a população, em ações para prevenir a iniciação, para ajudar os fumantes a deixarem de fumar e para conter as estraté­gias das companhias de tabaco para expandir o consumo de seus produtos. A negociação da Convenção Quadro para Controle do Tabaco foi uma das estratégias para lidar com essa situação de alcance global.

Por isso, no Brasil, o Ministério da Saúde tem investido esforços para articular nacionalmente um Programa de Controle do Tabagismo intersetorial e abrangente. E, apesar de todas as dificuldades que o Brasil enfrenta por ser um país produtor de tabaco, por ser um país em desenvolvimento, por ter que lidar com as constantes e sofisticadas estratégias de grandes transnacionais de tabaco para minar as ações de controle do tabagismo, muitos são os indicadores de que se está avançando.

A queda no consumo anual per capita de cigarros entre 1980 e 2004, os resultados do inquérito nacional que mostram uma significativa redução da prevalência de fumantes no Brasil e a evidência de que o fumante brasileiro é um dos mais motivados do mundo a deixar de fumar (Gigliotti, 2002) e de que há um grau elevado de consciência na população sobre os riscos do tabagismo e do tabagismo passivo (Brasil – Ministério da Saúde/INCA, 2003d) são dados animadores que mostram que a política de controle do tabagismo no Brasil encontra-se no caminho certo.

Diante desse cenário, torna-se cada vez mais evidente que os patamares já alcançados e os desafios ainda a serem enfrentados dependem do envolvimento de todos os setores sociais, governamentais e não-governamentais, pois o tabagismo é uma doença, cujo controle não depende da existência de vacinas, antibióticos, quimioterápicos e sim da vontade de toda a sociedade.

Recebido: 28/10/2003 - Aceito: 31/10/2005

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    Artigo 5.3 Ao estabelecer e implementar suas políticas de saúde pública, relativas ao controle do tabaco, as Partes agirão para proteger essas políticas dos interesses comerciais ou outros interesses garantidos para a indústria do tabaco, em conformidade com a legislação nacional.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2005
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