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Relação entre índice de oxigenação e ventilação com o tempo em ventilação mecânica de pacientes em terapia intensiva pediátrica

Resumos

OBJETIVO: Correlacionar o índice de oxigenação (IO) e o de ventilação (IV) com o tempo de ventilação mecânica invasiva (VMI) em pacientes pediátricos. MÉTODOS: Estudo prospectivo, observacional, com pacientes de 28 dias de vida a 14 anos de idade, internados na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica de um hospital universitário. Correlacionaram-se valores de idade, peso, pH, pressão parcial de oxigênio (PaO2), pressão parcial de gás carbônico (PaCO2), IO e IV, nos primeiros cinco dias em VMI, com o tempo em que o paciente permaneceu em VMI. O tempo total de ventilação mecânica foi dividido em <7 dias e >7 dias. RESULTADOS: Foram estudados 28 pacientes. Houve correlação negativa significante do tempo de VMI com o pH no quarto dia e com a PaO2 no quinto dia. Houve correlação positiva com o IO no terceiro e quarto dias e com o IV no terceiro, quarto e quinto dias. Houve diferença na idade e pH no quarto e quinto dias e IV do segundo ao quinto dias entre o grupo que permaneceu menos de sete dias e o que permaneceu sete dias ou mais em VMI. CONCLUSÕES: IO, IV, pH e PaO2, medidos precocemente, associaram-se com VMI prolongada, refletindo a gravidade do distúrbio ventilatório inicial.

respiração artficial; pediatria; cuidados intensivos


OBJECTIVE: To correlate the oxygenation index (OI) and the ventilation index (VI) with the time of invasive mechanical ventilation (IMV) in pediatric patients. METHODS: This prospective and observational study enrolled patients from 28 days to 14 years of age, admitted in the Pediatric Intensive Care Unit of a university hospital. The values of age, weight, pH, partial pressure of oxygen (PaO2), partial pressure of carbon dioxide (PaCO2), OI and VI were measured from day one to the day five and they were correlated with the time on IMV. The total time on mechanical ventilation was divided into: <7 days and >7 days. RESULTS: 28 patients were studied. The time spent on IMV showed a significant negative correlation with the pH on the fourth day and with the PaO2 on the fifth day. The time on IMV showed a positive correlation with the OI on the third and fourth days and with the VI on the third, fourth and fifth days. There were significant differences in the age and pH on the fourth and fifth days and in the VI from the second to fifth days between the group that remained less than seven days and those that remained seven days or more on IMV. CONCLUSIONS: VI, OI, pH and PaO2 measured during the first five days of IMV were associated with prolonged IMV, reflecting the severity of the initial ventilatory disturb.

respiration, artificial; pediatrics; intensive care


ARTIGO ORIGINAL

Relação entre índice de oxigenação e ventilação com o tempo em ventilação mecânica de pacientes em terapia intensiva pediátrica

Daniela Ruy C. BarrosI; Celize Cruz B. AlmeidaII; Armando Augusto A. JúniorIII; Rosângela Alves GrandeIV; Maria Ângela G. O. RibeiroV; José Dirceu RibeiroVI

Instituição: Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil

IMestranda em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Campinas, SP, Brasil

IIDoutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; Fisioterapeuta do Hospital de Clínicas da Unicamp, Campinas, SP, Brasil

IIIMestre em Pediatria pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; Médico da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital de Clínicas da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Campinas, SP, Brasil

IVMestranda em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; Fisioterapeuta do Hospital de Clínicas da Unicamp, Campinas, SP, Brasil

VDoutora em Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; Coordenadora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Campinas, SP, Brasil

VIDoutor pelo Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp; Professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, Campinas, SP, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Daniela Ruy C. Barros Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, 1.720, bloco 18, apto. 136 CEP 05145-000 - São Paulo/SP E-mail: danib_fisio@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Correlacionar o índice de oxigenação (IO) e o de ventilação (IV) com o tempo de ventilação mecânica invasiva (VMI) em pacientes pediátricos.

MÉTODOS: Estudo prospectivo, observacional, com pacientes de 28 dias de vida a 14 anos de idade, internados na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica de um hospital universitário. Correlacionaram-se valores de idade, peso, pH, pressão parcial de oxigênio (PaO2), pressão parcial de gás carbônico (PaCO2), IO e IV, nos primeiros cinco dias em VMI, com o tempo em que o paciente permaneceu em VMI. O tempo total de ventilação mecânica foi dividido em <7 dias e >7 dias.

RESULTADOS: Foram estudados 28 pacientes. Houve correlação negativa significante do tempo de VMI com o pH no quarto dia e com a PaO2 no quinto dia. Houve correlação positiva com o IO no terceiro e quarto dias e com o IV no terceiro, quarto e quinto dias. Houve diferença na idade e pH no quarto e quinto dias e IV do segundo ao quinto dias entre o grupo que permaneceu menos de sete dias e o que permaneceu sete dias ou mais em VMI.

CONCLUSÕES: IO, IV, pH e PaO2, medidos precocemente, associaram-se com VMI prolongada, refletindo a gravidade do distúrbio ventilatório inicial.

Palavras-chave: respiração artficial; pediatria; cuidados intensivos.

Introdução

A ventilação mecânica invasiva (VMI) em pacientes pediátricos internados em unidades de terapia intensiva é uma intervenção muito utilizada, porém pode acarretar diversas complicações que aumentam a morbimortalidade de um paciente grave(1). Além disso, o tempo prolongado em VMI aumenta a incidência de complicações, como infecção intra-hospitalar, trauma de vias aéreas superiores, estresse ao indivíduo e aumento dos custos(2). Portanto, é importante abreviar o tempo no qual o paciente está sob VMI, restabelecendo a ventilação espontânea o mais breve possível(1).

Avaliar os fatores associados ao tempo de VMI pode fornecer importantes subsídios para a otimização dos cuidados oferecidos a esses pacientes(3). Os índices de oxigenação (IO) e de ventilação (IV) são atualmente utilizados em pacientes pediátricos para avaliar o tempo de VMI e/ou a gravidade do distúrbio ventilatório(3-8), assim como para avaliar uma determinada intervenção terapêutica(9-13).

Nesse contexto, o objetivo do presente estudo foi estudar a correlação entre o IO, IV e outras variáveis ventilatórias e gasométricas com o tempo em VMI de crianças em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP).

Método

Realizou-se um estudo prospectivo, longitudinal, na UTIP do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre 1º de junho e 20 de outubro de 2006. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

Foram incluídos todos os pacientes entre 28 dias de vida e 14 anos de idade, que necessitaram de VMI por, pelo menos, 24 horas. Foram excluídos os pacientes dependentes de VMI prévios ao estudo, os que se tornaram dependentes após a internação e aqueles que foram a óbito durante a coleta de dados.

Os dados gasométricos - pH, pressão parcial de oxigênio (PaO2), pressão parcial de gás carbônico (PaCO2), HCO3, saturação de oxigênio (SatO2) - e os parâmetros de VMI: fração inspirada de O2 (FiO2), pico de pressão inspiratório (PIP), pressão expiratória final positiva (PEEP), frequência respiratória (FR) e tempo inspiratório - foram coletados nos primeiros cinco dias em VMI.

O cálculo do IV foi definido pela pressão parcial de CO2 x pico de pressão inspiratório x frequência respiratória mecânica dividido por mil e o cálculo do IO pela pressão média de vias aéreas x fração inspirada de O2 multiplicado por cem e dividido pela pressão parcial de O2. O IO e o IV foram calculados diariamente nos primeiros cinco dias em VMI, sendo que, quando se coletava mais de uma gasometria no dia, selecionaram-se os valores mais altos da fração inspirada de O2, frequência respiratória mecânica, pressão média de vias aéreas, PaCO2 e o valor mais baixo de PaO2, para o cálculo desses índices.

Correlacionaram-se os valores de idade (anos), pH, PaO2, PaCO2, IO e IV obtidos diariamente nos primeiros cinco dias em VMI com o tempo em que o paciente permaneceu em VMI. Analisou-se também se houve diferenças entre essas variáveis, separando-se os pacientes em dois grupos: permanência por menos de sete dias e sete dias ou mais em VMI. Essa divisão foi estipulada pois considera-se ventilação mecânica prolongada quando a permanência é superior a sete dias em suporte ventilatório(3).

Para elaborar a base de dados e a análise estatística, utilizou-se o programa de computador SPSS para Windows 7.5.1 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). A associação entre duas variáveis contínuas foi analisada com o uso do coeficiente de correlação de Spearman (rs). Para análise das diferenças estatisticamente significantes entre duas categorias de pacientes, menor e maior ou igual a sete dias em VMI, aplicou-se o teste não-paramétrico de Mann-Whitney, sendo significante p<0,05.

Resultados

No período do estudo, 34 pacientes foram internados na UTIP e submetidos à VMI. Destes, seis foram excluídos pelos seguintes fatores: dois permaneceram em VMI por menos de 24 horas; três foram a óbito e um foi transferido de UTIP antes da extubação. Assim, foram incluídos 28 pacientes, sendo 12 (43%) masculinos. A mediana de idade foi de 0,9 anos (0,1 a 11,4 anos) e do tempo em VMI foi de 9,1 dias (2,7 a 58,7 dias).

Os pacientes foram distribuídos de acordo com as indicações de VMI (Tabela 1). A Tabela 2 mostra as variáveis que se correlacionaram com o tempo em VMI e demonstra que o IO apresentou correlação positiva com o tempo em VMI no terceiro e quinto dias e com o IV, no terceiro, quarto e quinto dias em VMI.

Ao classificar os pacientes em dois grupos, menor ou maior/igual a sete dias em VMI, nota-se que sete pacientes (25%) permaneceram em VMI por menos de sete dias e 21 ficaram em VMI por sete dias ou mais. A Tabela 3 mostra as variáveis que apresentaram diferenças estatisticamente significantes entre os dois grupos e demonstra que o IV apresentou valores mais elevados a partir do segundo dia no grupo de pacientes que permaneceu mais de sete dias em VMI, refletindo maior gravidade.

Discussão

No presente estudo, observou-se correlação positiva do IO e IV com o tempo de permanência em VMI a partir do terceiro dia de VMI. Verificou-se que o mesmo ocorreu na maioria dos trabalhos que relacionaram esses índices com o tempo de permanência em VMI e com a gravidade da enfermidade analisada. Peters et al6 não encontraram diferenças significantes quando compararam IO e IV entre sobreviventes e não sobreviventes da falência respiratória aguda hipoxêmica, porém os autores coletaram os dados somente no primeiro e segundo dias de VMI. Por outro lado, Paret et al5, ao estudarem o IV nos primeiros dez dias de VMI em crianças com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA), obtiveram valores significativamente mais elevados para os não sobreviventes no terceiro, quinto, sexto, nono e décimo dias de VMI, quando comparados aos sobreviventes. No estudo realizado por Almeida Junior et al3, as variáveis de pH e IV foram associadas ao tempo de permanência em VMI, demonstrando resultados similares aos encontrados no presente estudo. Porém, esses autores realizaram a pesquisa com lactentes até dois anos com bronquiolite viral aguda, e a associação entre IV e tempo em VMI ocorreu já a partir do segundo dia. Trachsel et al7 analisaram os dados de IO em crianças com falência respiratória aguda hipoxêmica e relataram que esse mesmo índice foi significativamente preditivo de VMI prolongada, quando coletados a partir do segundo dia de VMI.

Sabe-se que, quanto menor a idade, maior a imaturidade pulmonar, com menor número de alvéolos e predominância de fibras musculares do tipo 1, propiciando maior propensão à fadiga e necessidade de mais tempo de recuperação. Isso pode explicar o fato de se encontrar, no presente estudo, mediana de idade menor no grupo que ficou em VMI prolongada, quando se classificaram os pacientes de acordo com a duração da VMI.

Os valores de pH no quarto e quinto dias mostram uma diminuição estatisticamente significante no grupo com tempo de VMI igual ou maior que sete dias. Porém, a mediana do pH desses dias no grupo que necessitou de VMI por menos de sete dias mostra alcalemia, evidenciando um suporte ventilatório excessivo e necessidade de reavaliação dos parâmetros ventilatórios.

O IV apresenta diferença estatisticamente significante entre os dois grupos do segundo ao quinto dia de VMI, mostrando-se um bom marcador de necessidade de VMI por mais de sete dias quando seus valores são elevados. Para avaliar se o IV é um bom preditor de VMI prolongada em crianças, necessita-se de mais estudos controlados.

O IO no terceiro e quinto dias mostrou correlação positiva com o tempo de VMI; já a PaO2 no quinto dia evidenciou correlação negativa com o tempo de VMI. Porém, ao classificar os pacientes nos dois grupos de acordo com a permanência em VMI, não se observaram diferenças significantes dessas medidas. O número reduzido de pacientes incluídos no estudo pode explicar esse fato e ser considerado uma limitação do estudo, pois não permitiu que os pacientes fossem agrupados por faixa etária, o que proporcionaria uma avaliação mais detalhada a respeito de suas condições.

Dessa foma, a análise da idade, pH e IV, sequencialmente coletados, podem sugerir um valor desses marcadores como possíveis preditores para suporte de VMI prolongada. A confirmação da relação desses marcadores com o tempo de suporte ventilatório pode se tornar útil na prática pediátrica diária no que diz respeito à adequação e monitorização da ventilação mecânica nas UTIPs. Pesquisas clínicas com casuística maior poderão esclarecer melhor as diferenças entre pacientes que permanecem em VMI por tempo curto e prolongado.

Conflito de interesse: nada a declarar

Recebido em: 22/6/2010

Aprovado em: 17/12/2010

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  • Endereço para correspondência:
    Daniela Ruy C. Barros
    Avenida Raimundo Pereira de Magalhães, 1.720, bloco 18, apto. 136
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Aceito
      17 Dez 2010
    • Recebido
      22 Jun 2010
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