Acessibilidade / Reportar erro

DOR PRECORDIAL, LEUCOCITOSE E BICITOPENIA EM ADOLESCENTE COM ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL SISTÊMICA EM TERAPIA IMUNOSSUPRESSORA

RESUMO

Objetivo:

Destacar a importância do conhecimento sobre os novos critérios de classificação para síndrome de ativação macrofágica (SAM) na artrite idiopática juvenil sistêmica para reduzir a morbidade e mortalidade desse desfecho.

Descrição do caso:

Adolescente do sexo feminino de 12 anos de idade, em terapia imunossupressora por diagnóstico de artrite idiopática juvenil sistêmica há 2 anos, com quadro de tosse, dor precordial aguda, taquipneia, taquicardia e hipoxemia há 2 dias. A tomografia de tórax evidenciou efusão pleural laminar bilateral com consolidação bibasal. O eletrocardiograma foi compatível com pericardite aguda, e o ecocardiograma foi normal. Os exames laboratoriais revelaram anemia, leucocitose e aumento da velocidade de hemossedimentação, proteína C-reativa e marcadores séricos de lesão miocárdica. Infecção sistêmica e/ou doença sistêmica em atividade foram consideradas. A paciente foi tratada com antibióticos e glicocorticoide. Entretanto, dez dias depois, evoluiu com doença sistêmica em atividade (febre, exantema e miopericardite com insuficiência cardíaca) associada à SAM, de acordo com o 2016 Classification Criteria for Macrophage Activation Syndrome in Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis, e necessitou de cinco dias de pulsoterapia com glicocorticoide, imunoglobulina e ciclosporina A, com melhora de todos os parâmetros clínicos e laboratoriais.

Comentários:

A miopericardite com sinais de insuficiência cardíaca associada à SAM é uma apresentação clínica rara da artrite idiopática juvenil sistêmica, que ocorre principalmente em períodos de atividade sistêmica da doença e pode ser deflagrada por infecções. O conhecimento sobre essa síndrome é fundamental para reduzir morbidade e mortalidade desse grave desfecho.

Palavras-chave:
Artrite juvenil idiopática; Pericardite; Miocardite; Síndrome de ativação macrofágica; Imunossupressão

ABSTRACT

Objective:

To highlight the importance of the new classification criteria for the macrophage activation syndrome (MAS) in systemic juvenile idiopathic arthritis in order to reduce morbidity and mortality outcome related to this disease.

Case description:

A 12-year-old female patient with diagnosis of systemic juvenile idiopathic arthritis under immunosuppression therapy for two years developed cough, acute precordial chest pain, tachypnea, tachycardia and hypoxemia for two days. Chest tomography showed bilateral laminar pleural effusion with bibasilar consolidation. The electrocardiogram was consistent with acute pericarditis and the echocardiogram showed no abnormalities. Laboratory exams revealed anemia, leukocytosis and increased erythrocyte sedimentation rate, as well as C-reactive protein rate and serum biomarkers indicative of myocardial injury. Systemic infection and/or active systemic juvenile idiopathic arthritis were considered. She was treated with antibiotics and glucocorticoids. However, 10 days later she developed active systemic disease (fever, evanescent rash and myopericarditis with signs of heart failure) associated with macrophage activation syndrome, according to the 2016 Classification Criteria for Macrophage Activation Syndrome in Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis. She was treated for five days with pulse therapy, using glucocorticoids, immunoglobulin and cyclosporine A, with improvement of all clinical signs and laboratory tests.

Comments:

Myopericarditis with signs of heart failure associated with MAS is a rare clinical presentation of systemic juvenile idiopathic arthritis. Macrophage activation syndrome occurs mainly during periods of active systemic juvenile idiopathic arthritis and may be triggered by infection. Knowledge about this syndrome is crucial to reduce morbidity and mortality.

Keywords:
Juvenile idiopathic arthritis; Pericarditis; Myocarditis; Macrophage activation syndrome; Immunosuppression

INTRODUÇÃO

A artrite idiopática juvenil (AIJ) em sua forma sistêmica é responsável por apenas 10 a 20% de todos os casos de artrite crônica infantil. Em seu início, os casos podem ser similar a uma infecção, malignidade, doença inflamatória intestinal, vasculite, doenças inflamatórias e outras doenças autoimunes.11. Ravelli A, Minoia F, Davi S, Horne A, Bovis F, Pistorio A, et al. 2016 Classification Criteria for Macrophage Activation Syndrome Complicating Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis: A European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative. Ann Rheum Dis. 2016;75:481-9.,22. Schneider R, Laxer RM. Systemic onset juvenile rheumatoid arthritis. Baillieres Clin Rheumatol. 1998;12:245-71.,33. De Benedetti F, Schneider R. Systemic juvenile idiopathic arthritis. In: Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB, Wedderbun L, editors. Textbook of Pediatric Rheumatology. 7th ed. Philadelphia (EUA): Elsevier; 2016. p. 205-216. De acordo com os critérios de classificação da artrite idiopática juvenil pela Liga Internacional de Associações para Reumatologia (ILAR),44. Petty RE, Southwood TR, Manners P, Baum J, Glass DN, Goldenberg J, et al. International League of Associations for Rheumatology classification of juvenile idiopathic arthritis: second revision, Edmonton, 2001. J Rheumatol. 2004;31:390-2. a AIJ sistêmica, em jovens com menos de 16 anos e com artrite, se apresenta com pelo menos duas semanas de febre associada a uma ou mais das quatro condições a seguir: erupção cutânea evanescente, linfadenopatia generalizada, fígado ou baço aumentados e serosite. Infecções, amiloidose, atividade cardíaca ou pulmonar e síndrome de ativação macrofágica (SAM) são potenciais causadoras de complicações fatais.33. De Benedetti F, Schneider R. Systemic juvenile idiopathic arthritis. In: Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB, Wedderbun L, editors. Textbook of Pediatric Rheumatology. 7th ed. Philadelphia (EUA): Elsevier; 2016. p. 205-216. A SAM é uma condição inflamatória sistêmica intensa mediada pela ativação contínua e expansão da contagem de linfócitos T e macrófagos, resultando em hipersecreção de citocinas pró-inflamatórias. Ocorre em aproximadamente 10% dos pacientes com AIJ sistêmica ativa e pode ser desencadeada por uma infecção. A taxa de mortalidade reportada é de 8%.11. Ravelli A, Minoia F, Davi S, Horne A, Bovis F, Pistorio A, et al. 2016 Classification Criteria for Macrophage Activation Syndrome Complicating Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis: A European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative. Ann Rheum Dis. 2016;75:481-9.

Entre abril de 2014 e junho de 2017, foram acompanhados 270 pacientes pediátricos na Unidade de Reumatologia Pediátrica da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Dentre eles, 48 foram diagnosticados com artrite idiopática juvenil (AIJ). Três deles apresentavam o subtipo sistêmico (6,3%), dentre os quais um tinha miopericardite com sinais de insuficiência cardíaca associada à SAM. Tal caso será descrito a seguir. Este relato de caso foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário.

DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 12 anos, admitida no Hospital da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo, com histórico de 2 dias de tosse e dor torácica precordial aguda, sem febre ou outros sintomas sistêmicos. Sua história médica pregressa revelou AIJ sistêmica (febre diária, erupção cutânea macular e poliartrite) diagnosticada dois anos antes, tendo sido monitorada na Unidade de Reumatologia Pediátrica do Hospital Universitário nos últimos 16 meses, sem manifestações sistêmicas desde o primeiro mês de diagnóstico. Não tinham sido detectados artrite ativa e biomarcadores inflamatórios séricos nos últimos cinco meses de acompanhamento. A paciente estava sob terapia imunossupressora com prednisona (24 meses), leflunomida (16 meses) e etanercepte (cinco meses).

No momento da internação, a paciente apresentava estado normal de consciência, taquipneia (30 ciclos/minuto), taquicardia (141 batimentos/minuto), 88% de saturação periférica de oxigênio em ar ambiente, pressão arterial de 120/60 mmHg e ausculta pulmonar. Não havia atividade articular. Uma radiografia de tórax mostrou pequena consolidação pulmonar bibasilar. Tomografia de tórax revelou derrame pleural laminar bilateral com consolidação bibasilar e atelectasia. Pesquisa de infecção por tuberculose ativa e latente foi negativa. A vacinação estava atualizada, de acordo com a idade da paciente, incluindo a recente imunização contra influenza.

Exames laboratoriais mostraram hemoglobina 10,5g/dL, hematócritos 34,2%, volume corpuscular médio de eritrócitos (VCM) a 77, contagem de leucócitos a 23.290/mm3 (24% de neutrófilos, 50% de neutrófilos, 23% de linfócitos, 0% de eosinófilos e 3% de monócitos), plaquetas a 307.000/mm3, velocidade de hemossedimentação (VHS) de 99 mm/1ª hora (normal <11), proteína C-reativa (PCR) em 48 mg/L (normal <0.5), urinálise normal, ureia a 21 mg/dL (normal 16,6-48,5), creatinina a 0,28 mg/dL (normal 0,53-0,79), aspartato aminotransferase (AST) a 54 UI/L (normal 0-32), alanina aminotransferase (ALT) a 19 UI/L (normal 0-33), creatina quinase (CK) a 110 U/L (normal <170), creatina fosfoquinase MB (CK-MB) a 36 U/L (normal 7-25) e troponina a 0,447 ng/mL (normal <0,013). Cultura bacteriana foi negativa. O eletrocardiograma foi compatível com pericardite aguda (elevação generalizada do segmento ST). Ao ecocardiograma, função ventricular normal, sem derrame pericárdico. Infecção sistêmica e/ou AIJ ativa foram consideradas. A paciente foi tratada com antibióticos (piperacilina/tazobactam e teicoplanina) e glicocorticoides (2 mg/kg/dia). A imunossupressão foi descontinuada. Não foram realizados testes sorológicos para miocardite viral.

Os sinais vitais permaneceram estáveis e dentro dos limites normais 72 horas após o suporte. No entanto, dez dias mais tarde, a paciente apresentou febre (38,6 a 38,8ºC), erupção cutânea evanescente e taquicardia, mantendo-se ativa, sem outras anormalidades ao exame físico. Ressonância magnética cardiovascular mostrou sinais de miopericardite aguda (ausência de edema miocárdico, presença de fibrose miocárdica na parede ­ínfero-lateral basal com padrão subepicárdico e no pericárdio próximo à parede ventricular direita). Radiografia de tórax estava normal. Exames revelaram hemoglobina 10 g/dL, leucocitose (29.330/mm3 leucócitos), queda na contagem de plaquetas (111.000/mm3) e aumento da VHS para 66 mm/1ª hora, PCR 24 mg/dL, AST 231 UI/L, triglicérides 190 mg/dL (normal <90), ferritina> 2.000 ng/mL (normal 13-150) e INR 2,75 (normal <1,25). Foi, então, estabelecido o diagnóstico de AIJ sistêmica ativa. Suspeitava-se de SAM. O principal diagnóstico diferencial considerado foi sepse. A paciente recebeu pulsoterapia com cefepime e metilprednisolona (30 mg/kg/dia). Após a segunda infusão de glicocorticoides, ela voltou a referir dor precordial e apresentou hipotensão, bradicardia e dispneia. Nesse momento, o ecocardiograma demonstrou redução da função de ejeção do ventrículo esquerdo (<45%), insuficiência mitral leve, insuficiência tricúspide moderada e derrame pericárdico discreto.

Os exames mostraram queda abrupta da hemoglobina a 6,5 g/dL, plaquetas 14.000/mm3, VHS 7 mm/1ª hora, PCR 1.98 mg/L e fibrinogênio 61 mg/dL (normal 200-400), nível elevado de AST (126 IU/L), triglicerídeos 314 mg/dL, ferritina >2.000 ng/mL e INR 1,36. Os marcadores séricos de lesão miocárdica foram positivos (CK-MB 121 U/L e troponina 0,139 ng/mL). Aspirado da medula óssea revelou hemofagocitose leve (Figura 1). O diagnóstico de SAM foi estabelecido de acordo com os novos critérios para a SAM em pacientes com AIJ sistêmica.11. Ravelli A, Minoia F, Davi S, Horne A, Bovis F, Pistorio A, et al. 2016 Classification Criteria for Macrophage Activation Syndrome Complicating Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis: A European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative. Ann Rheum Dis. 2016;75:481-9. A paciente foi tratada mais uma vez com metilprednisolona intravenosa (30 mg/kg/dia) por cinco dias, ciclosporina A oral (5 mg/kg/dia) e imunoglobulina intravenosa (2 g/kg), com melhora em todos os padrões clínicos e laboratoriais. Vinte e sete dias após a internação, a paciente recebeu a primeira dose de tocilizumabe associada à prednisona e à ciclosporina A, o que causou uma rápida diminuição na atividade da doença (Tabela 1).

Figura 1
Atividade hemofagocítica no aspirado de medula óssea.

Tabela 1
Aspectos clínicos, exames laboratoriais e acompanhamento terapêutico de pacientes com artrite idiopática juvenil sistêmica e síndrome de ativação macrofágica.

DISCUSSÃO

O tratamento aplicado a pacientes reumáticos juvenis pode induzir imunossupressão com consequente aumento da suscetibilidade à infecções, principalmente devido ao uso de esteroides ou antagonistas do fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa).55. Guissa VR, Pereira RM, Sallum A, Aikawa N, Campos L, Silva CA, et al. Influenza AH1N1/2009 vaccine in juvenile dermatomyositis: reduced immunogenicity in patients under immunosuppressive therapy. Clin Exp Rheumatol. 2012;30:583-8.,66. Fica A. Infections in patients affected by rheumatologic diseases associated to glucocorticoid use or tumor necrosis factor-alpha inhibitors. Rev Chilena Infectol. 2014;31:181-95. Pneumonia deve ser levada em consideração nos primeiros sinais de insuficiência respiratória aguda, como foi observado na paciente descrita. Na AIJ sistêmica, é observada dor torácica pleurítica com derrame grave e dispneia progressiva. O derrame pleural é a manifestação respiratória assintomática mais comum, geralmente detectada apenas como achado incidental em radiografias de tórax, sendo que pode ocorrer em associação a pericardite. Doenças pulmonares parenquimatosas, como fibrose pulmonar, proteinose alveolar ou pneumonia lipoide, são raras e em geral não respondem a diversas medicações.33. De Benedetti F, Schneider R. Systemic juvenile idiopathic arthritis. In: Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB, Wedderbun L, editors. Textbook of Pediatric Rheumatology. 7th ed. Philadelphia (EUA): Elsevier; 2016. p. 205-216.,77. Yilmaz D, Akcan M, Terlemez S, Sonmez F, Akcan AB. A systemic-onset juvenile idiopathic arthritis patient with reduced anakinra treatment admitted with an attack. Eurasian J Med. 2017;49:69-71.

O diagnóstico de miopericardite se baseia em dor torácica precordial. Marcadores positivos de lesão miocárdica, eletrocardiograma, ecocardiograma e ressonância magnética foram os primeiros indicadores da atividade sistêmica na paciente. Dor torácica, com ou sem dispneia, é um sintoma comum de pericardite aguda na AIJ sistêmica, e relatos indicam que 81% das crianças apresentam anormalidades no ecocardiograma em períodos de atividade sistêmica; no entanto, a ausência de derrame pericárdico não exclui a pericardite. Dor torácica típica associada à elevação generalizada do segmento ST no eletrocardiograma confirma o diagnóstico de síndrome pericárdica inflamatória, de acordo com as diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia de 2015 sobre doenças pericárdicas.33. De Benedetti F, Schneider R. Systemic juvenile idiopathic arthritis. In: Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB, Wedderbun L, editors. Textbook of Pediatric Rheumatology. 7th ed. Philadelphia (EUA): Elsevier; 2016. p. 205-216.,88. Goldenberg J, Ferraz MB, Pessoa AP, Fonseca AS, Carvalho AC, Hilario MOJ, et al. Symptomatic cardiac involvement in juvenile rheumatoid arthritis. Int J Cardiol. 1992;34:57-62.,99. Zeft AS, Menon SC, Miller D. Fatal myocarditis in a child with systemic onset juvenile idiopathic arthritis during treatment with an inter leukin 1 receptor antagonist. Pediatr Rheumatol Online J. 2012;10:8.,1010. Adler Y, Charron P, Imazio M, Badano L, Barón-Esquivias G, Bogaert J, et al. 2015 ESC Guidelines for the diagnosis and management of pericardial diseases: The Task Force for the Diagnosis and Management of Pericardial Diseases of the European Society of Cardiology (ESC) Endorsed by: The European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS). Eur Heart J. 2015;36:2921-64. A miocardite é uma apresentação clínica rara da AIJ sistêmica e pode culminar em insuficiência cardíaca.33. De Benedetti F, Schneider R. Systemic juvenile idiopathic arthritis. In: Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB, Wedderbun L, editors. Textbook of Pediatric Rheumatology. 7th ed. Philadelphia (EUA): Elsevier; 2016. p. 205-216.,99. Zeft AS, Menon SC, Miller D. Fatal myocarditis in a child with systemic onset juvenile idiopathic arthritis during treatment with an inter leukin 1 receptor antagonist. Pediatr Rheumatol Online J. 2012;10:8.

Exames laboratoriais na AIJ sistêmica indicam uma doença altamente inflamatória, com leucocitose (geralmente leucócitos acima de 30.0000 células/mm3) e trombocitose. Anemia é comum, com hemoglobina na faixa de 7 a 10 g/dL (hipocrômica); no entanto, a anemia também pode ser normocítica ou microcítica. Os níveis de VHS, PCR, ferritina, fibrinogênio e dímero-d encontram-se geralmente elevados. Em contraste, pacientes com doença sistêmica ativa que apresentaram queda abrupta de leucócitos, contagem de plaquetas, VHS e fibrinogênio associados a elevação de enzimas hepáticas, desidrogenase láctica (DHL) e triglicerídeos, como neste caso, devem ser prontamente identificados e submetidos a investigação de SAM.33. De Benedetti F, Schneider R. Systemic juvenile idiopathic arthritis. In: Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB, Wedderbun L, editors. Textbook of Pediatric Rheumatology. 7th ed. Philadelphia (EUA): Elsevier; 2016. p. 205-216.,1111. Behrens EM, Beukelman T, Gallo L, Spangler J, Rosenkranz M, Arkachaisri T, et al. Evaluation of the presentation of systemic onset juvenile rheumatoid arthritis: data from the Pennsylvania Systemic Onset Juvenile Arthritis Registry (PASOJAR). J Rheumatol. 2008;35:343-8.,1313. Bloom BJ, Tucker LB, Miller LC, Schaller JG. Fibrin D-dimer as a marker of disease activity in systemic onset juvenile rheumatoid arthritis. J Rheumatol. 1998;25:1620-5.

Há relatos de que a SAM subclínica pode ocorrer em até 40% dos pacientes com AIJ sistêmica.11. Ravelli A, Minoia F, Davi S, Horne A, Bovis F, Pistorio A, et al. 2016 Classification Criteria for Macrophage Activation Syndrome Complicating Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis: A European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative. Ann Rheum Dis. 2016;75:481-9.,33. De Benedetti F, Schneider R. Systemic juvenile idiopathic arthritis. In: Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB, Wedderbun L, editors. Textbook of Pediatric Rheumatology. 7th ed. Philadelphia (EUA): Elsevier; 2016. p. 205-216.,1414. Grom AA, Mellins ED. Macrophage activation syndrome: advances towards understanding pathogenesis. Curr Opin Rheumatol. 2010;22:561-6. A heterogeneidade clínica da SAM pode mimetizar AIJ sistêmica ou exacerbação de infecções sistêmicas.11. Ravelli A, Minoia F, Davi S, Horne A, Bovis F, Pistorio A, et al. 2016 Classification Criteria for Macrophage Activation Syndrome Complicating Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis: A European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative. Ann Rheum Dis. 2016;75:481-9. Embora a SAM e a linfo-histiocitose hemofagocítica (LHH) sejam fisiopatológica e clinicamente semelhantes, diagnóstico de SAM com base em diretrizes diagnósticas para LHH1515. Henter JI, Horne A, Aricó M, Egeler RM, Filipovich AH, Imashuku S, et al. HLH-2004: diagnostic and therapeutic guidelines for hemophagocytic lymphohistiocytosis. Pediatr Blood Cancer. 2007;48:124-31. apresenta várias limitações em pacientes com AIJ sistêmica. Devido ao estado inflamatório desta doença reumática, pode não ocorrer leucopenia e os sintomas clínicos típicos (com exceção da febre) observados na LHH geralmente são tardios e/ou podem mimetizar outras inflamações ou infecções sistêmicas.11. Ravelli A, Minoia F, Davi S, Horne A, Bovis F, Pistorio A, et al. 2016 Classification Criteria for Macrophage Activation Syndrome Complicating Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis: A European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative. Ann Rheum Dis. 2016;75:481-9. A característica histopatológica típica da SAM (atividade hemofagocítica em amostras de biópsia ou aspirado de medula óssea) pode não estar presente nos estágios iniciais e não tem especificidade para LHH.11. Ravelli A, Minoia F, Davi S, Horne A, Bovis F, Pistorio A, et al. 2016 Classification Criteria for Macrophage Activation Syndrome Complicating Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis: A European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative. Ann Rheum Dis. 2016;75:481-9.,1515. Henter JI, Horne A, Aricó M, Egeler RM, Filipovich AH, Imashuku S, et al. HLH-2004: diagnostic and therapeutic guidelines for hemophagocytic lymphohistiocytosis. Pediatr Blood Cancer. 2007;48:124-31. De acordo com critérios validados recentemente pela Liga Europeia contra o Reumatismo e pela American College of Rheumatology,11. Ravelli A, Minoia F, Davi S, Horne A, Bovis F, Pistorio A, et al. 2016 Classification Criteria for Macrophage Activation Syndrome Complicating Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis: A European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative. Ann Rheum Dis. 2016;75:481-9. é estabelecido diagnóstico de SAM se um paciente com AIJ sistêmica ou em suspeita da doença apresentar febre associada a ferritina> 684 ng/mL e qualquer dois dos quatro critérios a seguir: contagem plaquetária ≤181.000/mm3, AST> 48 UI/L, triglicerídeos> 156 mg/dL, fibrinogênio ≤ 360 mg/dL.

Esses novos critérios dão 0,73 de sensibilidade e 0,99 de especificidade para a classificação de SAM em pacientes com AIJ sistêmica. Considerando a evolução clínica do caso descrito, a paciente atendia aos novos critérios para SAM associada à AIJ sistêmica desde o início do período de febre, incluindo a queda na contagem de plaquetas associada a altos níveis de AST, triglicérides e ferritina. A leve atividade macrofágica em aspirado de medula óssea pode ser explicada pelo fato de ter sido realizado após dois ciclos de pulsoterapia com esteroides, que diminuem a atividade macrofágica, ou devido às altas doses de glicocorticoides administradas quando da suspeita e identificação dos primeiros sinais de SAM incipiente.

Em conclusão, a SAM ocorre principalmente nos períodos de AIJ sistêmica ativa e pode ser desencadeada por infecções, como no caso aqui relatado. O conhecimento sobre os critérios de classificação da SAM 2016 em relação à AIJ sistêmica é crucial para diminuir a ocorrência desse desfecho de morbimortalidade, pois os achados clínicos, laboratoriais e histopatológicos podem não ser específicos de LHH. Miopericardite com sinais de insuficiência cardíaca associada à SAM é quadro raro e justificou cinco dias de pulsoterapia com glicocorticoides, imunoglobulina e ciclosporina A.

REFERENCES

  • 1
    Ravelli A, Minoia F, Davi S, Horne A, Bovis F, Pistorio A, et al. 2016 Classification Criteria for Macrophage Activation Syndrome Complicating Systemic Juvenile Idiopathic Arthritis: A European League Against Rheumatism/American College of Rheumatology/Paediatric Rheumatology International Trials Organisation Collaborative Initiative. Ann Rheum Dis. 2016;75:481-9.
  • 2
    Schneider R, Laxer RM. Systemic onset juvenile rheumatoid arthritis. Baillieres Clin Rheumatol. 1998;12:245-71.
  • 3
    De Benedetti F, Schneider R. Systemic juvenile idiopathic arthritis. In: Petty RE, Laxer RM, Lindsley CB, Wedderbun L, editors. Textbook of Pediatric Rheumatology. 7th ed. Philadelphia (EUA): Elsevier; 2016. p. 205-216.
  • 4
    Petty RE, Southwood TR, Manners P, Baum J, Glass DN, Goldenberg J, et al. International League of Associations for Rheumatology classification of juvenile idiopathic arthritis: second revision, Edmonton, 2001. J Rheumatol. 2004;31:390-2.
  • 5
    Guissa VR, Pereira RM, Sallum A, Aikawa N, Campos L, Silva CA, et al. Influenza AH1N1/2009 vaccine in juvenile dermatomyositis: reduced immunogenicity in patients under immunosuppressive therapy. Clin Exp Rheumatol. 2012;30:583-8.
  • 6
    Fica A. Infections in patients affected by rheumatologic diseases associated to glucocorticoid use or tumor necrosis factor-alpha inhibitors. Rev Chilena Infectol. 2014;31:181-95.
  • 7
    Yilmaz D, Akcan M, Terlemez S, Sonmez F, Akcan AB. A systemic-onset juvenile idiopathic arthritis patient with reduced anakinra treatment admitted with an attack. Eurasian J Med. 2017;49:69-71.
  • 8
    Goldenberg J, Ferraz MB, Pessoa AP, Fonseca AS, Carvalho AC, Hilario MOJ, et al. Symptomatic cardiac involvement in juvenile rheumatoid arthritis. Int J Cardiol. 1992;34:57-62.
  • 9
    Zeft AS, Menon SC, Miller D. Fatal myocarditis in a child with systemic onset juvenile idiopathic arthritis during treatment with an inter leukin 1 receptor antagonist. Pediatr Rheumatol Online J. 2012;10:8.
  • 10
    Adler Y, Charron P, Imazio M, Badano L, Barón-Esquivias G, Bogaert J, et al. 2015 ESC Guidelines for the diagnosis and management of pericardial diseases: The Task Force for the Diagnosis and Management of Pericardial Diseases of the European Society of Cardiology (ESC) Endorsed by: The European Association for Cardio-Thoracic Surgery (EACTS). Eur Heart J. 2015;36:2921-64.
  • 11
    Behrens EM, Beukelman T, Gallo L, Spangler J, Rosenkranz M, Arkachaisri T, et al. Evaluation of the presentation of systemic onset juvenile rheumatoid arthritis: data from the Pennsylvania Systemic Onset Juvenile Arthritis Registry (PASOJAR). J Rheumatol. 2008;35:343-8.
  • 12
    Modesto C, Woo P, García-Consuegra J, Merino R, García-Granero M, Arnal C, et al. Systemic onset juvenile chronic arthritis, polyarticular pattern and hip involvement as markers for a bad prognosis. Clin Exp Rheumatol. 2001;19:211-7.
  • 13
    Bloom BJ, Tucker LB, Miller LC, Schaller JG. Fibrin D-dimer as a marker of disease activity in systemic onset juvenile rheumatoid arthritis. J Rheumatol. 1998;25:1620-5.
  • 14
    Grom AA, Mellins ED. Macrophage activation syndrome: advances towards understanding pathogenesis. Curr Opin Rheumatol. 2010;22:561-6.
  • 15
    Henter JI, Horne A, Aricó M, Egeler RM, Filipovich AH, Imashuku S, et al. HLH-2004: diagnostic and therapeutic guidelines for hemophagocytic lymphohistiocytosis. Pediatr Blood Cancer. 2007;48:124-31.
  • Financiamento

    Esse estudo não recebeu financiamento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Fev 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2017
  • Aceito
    11 Jan 2018
  • Publicado
    19 Fev 2019
Sociedade de Pediatria de São Paulo R. Maria Figueiredo, 595 - 10o andar, 04002-003 São Paulo - SP - Brasil, Tel./Fax: (11 55) 3284-0308; 3289-9809; 3284-0051 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rpp@spsp.org.br