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As moças e os pobres: considerações sobre a comunidade feminina “Toca de Assis

Young women and the poor: considerations about Toca de Assis female community

Resumos

Este artigo analisa as representações de moças da comunidade religiosa Toca de Assis sobre a sociedade contemporânea, bem como os papéis de gênero e as motivações para a adesão religiosa a uma experiência radical de cuidado da população de rua. Os dados empíricos contribuem para discutir a dinâmica não linear do processo de construção da identidade religiosa e das escolhas religiosas juvenis nos tempos atuais. A Toca de Assis apresenta interessantes nuances do que pode ser compreendido como um paradoxo em sua atuação, isto é, a recuperação de valores presentes no franciscanismo do medievo – como o cuidado dos pobres – e a inovação tanto nas relações de gênero quanto nas formas de expansão da mensagem religiosa. Resultado de uma pesquisa mais ampla, este texto está embasado principalmente em entrevistas realizadas com moças integrantes da Toca de Assis entre os anos de 2009 a 2011.

Modernidade; identidade religiosa; Toca de Assis; gênero feminino


This paper analyzes the representations of young women belonging to the religious community, Toca de Assis, on contemporary society, gender roles, and motivations for religious adherence to a radical experience related to the care of the poor. The empirical data contributing to discussion of the nonlinear dynamics of the construction of religious identity and youth religious choices in contemporary modernity. Toca de Assis expresses interesting nuances of what can be understood as a paradox in its performance, i.e. recovering values from medieval Franciscans, the care of the poor for instance, and innovation both in gender relations and the ways to diffuse a religious message. The outcome from a larger study, this paper is mainly grounded on interviews with young women members of Toca de Assis between 2009-2011.

Modernity; religious identity; Toca de Assis; Female gender


Introdução

Sob a perspectiva sócio-histórica analisam-se duas representações a partir de moças do Instituto Religioso das Filhas da Pobreza do Santíssimo Sacramento, conhecido como Toca de Assis1 1 Denominaremos desse modo o grupo analisado, embora a Fraternidade Toca de Assis seja mais ampla do que os Institutos feminino e masculino. . A primeira dessas representações refere-se às cosmovisões das integrantes sobre a sociedade contemporânea e alguns de seus elementos, como por exemplo, a busca continuada pelo conhecimento e informação. A segunda refere-se ao papel da mulher e sua condição de gênero na comunidade religiosa em questão. Nosso esforço está em avaliar aspectos que contribuem no processo de constituição da identidade feminina a partir das motivações dessas mulheres para sua adesão religiosa. A dinâmica de vida na comunidade e as experiências que compartilham cotidianamente também com o gênero masculino são os elementos que nutrem a nossa análise baseada em entrevistas, fontes escritas e visitas ao campo.

Analisamos prioritariamente 13 depoimentos femininos, mas algumas considerações oriundas dessas fontes orais permitem a ampliação do dado por dialogarem com outros documentos2 2 Segundo Lozano (2002), uma das facetas metódicas do manuseio de fontes orais é o estilo analítico complexo que compreende a fonte oral de forma a problematizá-la e complementá-la com outras fontes. da pesquisa, tais como publicações do Franciscanismo clássico e a Revista da Toca de Assis3 3 A Revista da Toca de Assis é uma publicação mensal da Fraternidade Toca de Assis (nome jurídico) que conta com uma tiragem de 10.000 exemplares. A Revista foi interrompida por cerca de dois anos mas foi retomada, e, reformulada e modernizada, permite o acesso através da internet. . A maioria dos depoimentos é de moças da Toca residentes no estado do Rio de Janeiro4 4 No estado do Rio conversamos com moças da Toca em Itaipuaçu, Niterói, Macaé e Rio de Janeiro. Além disso, colhemos depoimento, por skype, de uma integrante residente em Campinas/SP. .

Partimos de questões postas no momento inicial do estudo5 5 O projeto de pesquisa Perspectivas sócio-históricas do Franciscanismo: modernidade e vocação religiosa a partir da Toca de Assis, recebeu o apoio da FAPERJ, por meio do Edital Pesquisa na Área de Humanidades, 2008. a partir do qual este artigo se desdobra. Englobando rapazes e moças dos institutos religiosos da Toca de Assis, o eixo analítico da pesquisa originária pautou-se no que poderia ser compreendido como um paradoxo dessa comunidade em sua relação com o Franciscanismo em seus moldes originais. Estaria o Franciscanismo sendo reativado por jovens contemporâneos? De que modo isso se daria? Alguns desdobramentos dessas questões foram discutidos anteriormente (Fernandes 2011b_____________. (2011b), “Entre tensões e escolhas, um olhar sociológico sobre jovens na vida religiosa”. Revista Sociedade e Estado, nº 3: 663-683.) ao abordarmos as tensões inerentes ao ideário Franciscano e à Toca de Assis. Apresentou-se como um problema de pesquisa relevante – em um contexto de indagações sobre as escolhas juvenis no campo religioso brasileiro – a questão de como esses jovens, que fazem uso de vestes similares às usadas por franciscanos do medievo, poderiam estar atualizando ideários religiosos do movimento inaugurado por Francisco de Assis e que se consolidou como uma ordem religiosa clássica na Igreja católica. Assim, veremos que as representações das moças sobre o Franciscanismo não se apresentaram de forma unívoca no período da pesquisa e atualmente ainda passam por modificações.

Considerando que aproximações semânticas entre a Toca de Assis e o Franciscanismo orientaram a nossa questão motivadora, dialogaremos com historiadores que analisaram o Franciscanismo ou ainda o papel das mulheres na Igreja. Por sua vez, a apreciação sobre as identidades de gênero e religiosa na sociedade contemporânea é iluminada pelo aporte das Ciências Sociais. Nesta última direção, visamos discutir as representações femininas apontadas por Joan Scott (1991SCOTT, Joan. (1991), “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. SOS Corpo. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/generodh/gen_categoria.html – Acesso em: 8 set. 2009.
http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/...
e 1994)_____________. (1994), “Prefácio a Gender and politics of History”. Cadernos Pagu nº 3: 11-27. ao destacar o estado de arte dos estudos de gênero. Estes não deveriam, segundo a autora, ater-se apenas ao domínio público, mas garantir a realização de análises na esfera das representações sociais do feminino.

A interface entre História e Ciências Sociais tem sido problematizada (Pessanha 1996PESSANHA, Elina. (1996), “Fronteiras disciplinares e o uso da história oral: por que, de quem, para quem?”. In: J. C. Meihy (Org.). (Re)introduzindo história oral no Brasil. São Paulo: USP.; Castro e Cunha 2005CASTRO, Celso e CUNHA, Olivia. (2005), “Quando o campo é o arquivo”. Estudos Históricos, nº 36: 3-5.) e são apontados caminhos profícuos para a “ampliação e diversificação das formas como se pode pensar a prática antropológica” (Castro e Cunha 2005CASTRO, Celso e CUNHA, Olivia. (2005), “Quando o campo é o arquivo”. Estudos Históricos, nº 36: 3-5.:4) no sentido de não reduzi-la ao já estabelecido “trabalho de campo”. Tanto o uso de entrevistas quanto o de fontes escritas são caminhos legítimos na veiculação do diálogo entre as disciplinas, como mostra Pessanha (1996)PESSANHA, Elina. (1996), “Fronteiras disciplinares e o uso da história oral: por que, de quem, para quem?”. In: J. C. Meihy (Org.). (Re)introduzindo história oral no Brasil. São Paulo: USP., salientando, entretanto, que a resistência dos campos disciplinares a essas interfaces ainda é presente.

O texto está dividido em três partes, além das considerações finais. Na primeira seção explicitamos o surgimento e as características da Toca de Assis; na segunda trazemos alguns aspectos do debate sobre modernidade contemporânea e a adesão religiosa nesse contexto e ao final nos detemos nos dados referentes à comunidade feminina da Toca de Assis. Analisaremos a constituição da identidade de gênero das moças atualmente, levando em conta parte do debate histórico sobre as mulheres religiosas na Igreja católica.

Adotamos os termos comunidade religiosa e instituto religioso para tratar da Toca de Assis. Tais termos apresentam significados semelhantes – salvo suas especificidades –, devido a sua intrínseca relação com o conceito de comunidade que pode ser utilizado tanto na esfera religiosa quanto secular. Trata-se de um conceito polissêmico que carrega certa complexidade em sua definição, como apresenta Carolina Teles Lemos (2009)LEMOS, Carolina Teles. (2009), “A (re)construção do conceito de comunidade como um desafio à sociologia da religião”. Estudos de Religião, nº 36: 201-216.. Segundo a autora, a expressão “comunidade” engloba diferentes sentidos e conotações emotivas e permanece como um desafio e preocupação constante dos estudiosos.

Em nossa análise, a utilização do termo “comunidade” implica na compreensão de um agrupamento humano dotado de certa unidade mediante o compartir de ideais; uma forma associativa que gera símbolos apropriados de modo coletivo ou individual por seus membros. Comunidade supõe “[...] um espaço de identidade e de partilha de interesses comuns e um espaço de autoaperfeiçoamento” (Lemos 2009LEMOS, Carolina Teles. (2009), “A (re)construção do conceito de comunidade como um desafio à sociologia da religião”. Estudos de Religião, nº 36: 201-216.:205), que não inibe a propensão para as discordâncias e os conflitos dada a restrição da liberdade individual em detrimento de um ideal coletivo. É comum associar a ideia de comunidade a algo que seja integralmente dotado de benefícios. Alguns estudiosos (Machado 2010MACHADO, Carly. (2010), “Novos movimentos religiosos, indivíduo e comunidade: sobre família, mídia e outras mediações”. Religião e Sociedade, nº 2: 145-163.) demonstraram que, para determinados grupos religiosos, o termo pode ser visto como exclusivamente positivo.

A abordagem de Bauman (2003)BAUMAN, Zygmunt. (2003), Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. alarga as fronteiras do termo sugerindo ser esse um espaço detentor da liquidez inerente à modernidade contemporânea. Assim, como uma consequência não intencional, a comunidade se configuraria como uma expressão da busca dos indivíduos por segurança em um mundo por natureza dispersivo e inseguro. Em nossa análise sobre a Toca de Assis feminina dialogamos com o sentido de comunidade proposto por esse autor, como explorado por outros autores (Mariz 2005MARIZ, Cecília. (2005), “Comunidades de vida no Espírito Santo: juventude e religião”. Tempo Social, v. 17, n. 2 : 253-273. ).

1. Apresentando o campo, suas características e estrutura

A Toca de Assis foi fundada em 1994 pelo Padre Roberto Lettieri, um sacerdote da Ordem dos Estigmatinos que, em 2002, abandona seu anterior instituto e intensifica o processo de fundação da nova comunidade fundamentada no carisma de cuidado dos pobres e adoração eucarística (Fernandes 2011b_____________. (2011b), “Entre tensões e escolhas, um olhar sociológico sobre jovens na vida religiosa”. Revista Sociedade e Estado, nº 3: 663-683.). Ao longo do tempo, a chamada Fraternidade Toca de Assis passa a abrigar os Institutos dos Filhos e Filhas da Pobreza do Santíssimo Sacramento. Esta comunidade emerge sob a influência da Renovação Carismática Católica (RCC), não se configurando formalmente, entretanto, como uma vertente interna da RCC sob o ponto de vista de seus membros.

Os integrantes da Toca circulam entre as unidades presentes em território brasileiro, atualmente em 19 casas femininas e 12 masculinas, além da casa administrativa em Campinas – SP6 6 A Toca de Assis está presente em oito estados brasileiros, elencados a seguir com o número de unidades entre parênteses: CE (3); TO (1); GO (1); MG (3); MS (1) RJ (5); SP (14); PR (3). A informação está disponível em: http://tocadeassis.org.br/onde-estamos - Acesso em 4 set. 2014. , o que totaliza 31 unidades da Toca. Submetidos que estão aos seus superiores por meio do voto de obediência, os membros são constantemente transferidos de casa para evitar a consolidação de fortes vínculos na missão religiosa. Com essa estratégia, impede-se a tendência de formação diferenciada por região criando-se uma espécie de normatização homogênea no processo formativo, momento em que compartilham as dores e alegrias da “missão”. A prática das transferências dos membros permite uma maior distribuição do movimento religioso no cenário nacional.

Mariz (2009)_____________. (2009), “Missão religiosa e migração: ‘novas comunidades’ e igrejas pentecostais brasileiras no exterior”. Análise Social, vol. XLIV: 161-187. observou que as comunidades de vida têm implementado suas dinâmicas de evangelização por meio da transnacionalização. Assim, além das casas no Brasil, a Toca de Assis expandiu-se para Portugal e Equador. Cabe destacar que atualmente a unidade da Toca em Portugal foi extinta e há apenas duas unidades em Quito, no Equador.

A Toca de Assis tem motivado vários estudos (Portella 2008PORTELLA, Rodrigo. (2008), “Toca de Assis e juventude: uma surpreendente identidade católica contemporânea”. Caminhos, v. 5, nº 1: 179-199., 2009a_____________. (2009a), Em busca do dossel sagrado: a Toca de Assis e as novas sensibilidades religiosas. Juiz de Fora: Tese de Doutorado em Ciências da Religião, UFJF. Disponível em: http://pct.capes.gov.br/teses/2009/32005016004P1/TES.PDF – Acesso em: 12 ago. 2013.
http://pct.capes.gov.br/teses/2009/32005...
, 2009b_____________. (2009b), “Medievais e pós-modernos: a Toca de Assis e as novas sensibilidades católicas juvenis”. In: M. Mariz; B. Carranza; M. Camurça (Orgs.). Novas Comunidades católicas: em busca do espaço pós-moderno. São Paulo: Letras.; Fernandes e Froehle 2011FERNANDES, Sílvia R. A. e FROEHLE, Bryan. (2011), “Revitalization Movements, Social Change, and Justice: Brazil’s Toca de Assis in Global Perspective”. In: J. S. O’Malley (Org.). Interpretative Trends in Christian Revitalization for the Early Twenty First Century. Lexington: Emeth Press.; Mariz e Medeiros 2013MARIZ, Cecília; MEDEIROS, Katia. (2013), “Toca de Assis em crise: uma análise dos discursos dos que permaneceram na comunidade”. Religião e Sociedade, nº 33: 141-173.; Pinto 2012PINTO, Flávia Slompo. (2012), A loucura da cruz: sobre corpos e palavra na Toca de Assis. Campinas: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Unicamp.; Mariz e Lopes 2009_____________. (2009), “Missão religiosa e migração: ‘novas comunidades’ e igrejas pentecostais brasileiras no exterior”. Análise Social, vol. XLIV: 161-187. ) não apenas por sua novidade, mas em razão de sua capacidade de atração da juventude a um modelo de vida que parece contrapor-se à dinâmica da modernidade contemporânea. Os jovens que desejam consagrar-se escolhem uma vida austera em tempos de consumo exacerbado, fazem votos religiosos de pobreza, castidade e obediência e adotam a caridade e o cuidado de pessoas em situação de pobreza extrema como práticas, em tempos de preservação da individualidade. A principal beneficiária da Toca de Assis é a população de rua nos grandes centros urbanos.

Com motivações de inspiração franciscana, os “toqueiros” e “toqueiras”7 7 Forma de tratamento dos rapazes e moças do instituto. Pinto (2012:25) indica que “‘ser toqueiro’” implica em um tornar-se, uma caminhada de formação que tenta não seguir um padrão, mas sim se atentar para o particularismo de vida de cada um que manifeste sua vontade de entrar para a Toca de Assis”. espelham suas ações nas propostas de São Francisco de Assis8 8 Moreira (2003) acredita que Francisco de Assis adotou novos valores, saindo do sistema que sua época acreditava ser o único. Sendo assim, Francisco de Assis possuía atributos como: ligação com a natureza; uma postura de interdependência, recuperando a sensibilidade e a solidariedade para com o mundo; e o respeito a singularidade. , dedicando-se portanto ao cuidado dos pobres. Os membros são majoritariamente jovens e têm como práticas religiosas principais a adoração contínua ao Santíssimo Sacramento, além da missa diária. Contudo, em razão de seu tempo de fundação há rapazes e moças na faixa de 30 a 40 anos, que ingressaram ainda jovens.

As vestes e estética da Toca já foram comentadas em outros trabalhos (Mariz e Medeiros 2013MARIZ, Cecília; MEDEIROS, Katia. (2013), “Toca de Assis em crise: uma análise dos discursos dos que permaneceram na comunidade”. Religião e Sociedade, nº 33: 141-173.; Fernandes 2011b_____________. (2011b), “Entre tensões e escolhas, um olhar sociológico sobre jovens na vida religiosa”. Revista Sociedade e Estado, nº 3: 663-683.; Pinto 2002PINTO, Flávia Slompo. (2012), A loucura da cruz: sobre corpos e palavra na Toca de Assis. Campinas: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Unicamp.; Portella 2009a_____________. (2009a), Em busca do dossel sagrado: a Toca de Assis e as novas sensibilidades religiosas. Juiz de Fora: Tese de Doutorado em Ciências da Religião, UFJF. Disponível em: http://pct.capes.gov.br/teses/2009/32005016004P1/TES.PDF – Acesso em: 12 ago. 2013.
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; 2009b_____________. (2009b), “Medievais e pós-modernos: a Toca de Assis e as novas sensibilidades católicas juvenis”. In: M. Mariz; B. Carranza; M. Camurça (Orgs.). Novas Comunidades católicas: em busca do espaço pós-moderno. São Paulo: Letras.). Os jovens usam túnicas de cor marrom, em geral com uma corda que circunda a cintura; andam de sandálias ou até mesmo descalços seguindo o estilo franciscano medieval. Os homens já consagrados utilizam o corte de cabelo tipo tonsura e as mulheres usam cabelos bem curtos e longos véus cuja cor obedece à fase de formação9 9 O véu de cor branca é usado por moças no período inicial da formação, e a cor marrom depois de consagradas. .

A vocação é condição necessária para tornar-se membro, bem como contato permanente com a população de rua. Assim, após cinco etapas de formação marcadas por vestimentas e tempos distintos, professa-se os votos religiosos. Atualmente, a sequência das fases segue as diretrizes da vida religiosa tradicional: pastoral vocacional; aspirantado; postulantado de primeiro e segundo ano; noviciado e juniorato10 10 Cada uma dessas etapas tem um tempo variado de duração e nelas são oferecidos diferentes conteúdos formativos. Tanto a pastoral vocacional quanto o aspirantado e postulantado são momentos mais leves da formação em que é priorizado o conhecimento da comunidade. O noviciado costuma durar dois anos e é a fase mais intensa do que eles denominam “discernimento vocacional”. Após o noviciado os jovens rapazes e moças estão aptos a fazer os votos religiosos. O juniorato é a fase posterior aos votos. .

Embora na vida religiosa tradicional o número de mulheres nas etapas de formação seja inferior ao de homens, na Toca de Assis feminina essa tendência se inverte. Nas congregações tradicionais há 3.791 noviças11 11 Moças que passam pelo processo de formação e adaptação dentro dos institutos religiosos na Igreja católica. no país e cerca de 13.000 rapazes (Fernandes 2010_____________. (2010), Jovens religiosos e o catolicismo: escolhas, desafios e subjetividades. Rio de Janeiro: FAPERJ/Quartet.) que buscam a consagração religiosa12 12 No caso dos rapazes podem ser padres ou simplesmente irmãos não ordenados. .

Quanto à Toca, em 2008, havia 1.236 mulheres e 550 homens na fase de ingresso. (Fernandes 2011a_____________. (2011a), “Racionalização religiosa em tempos de pluralismo: o caso da Toca de Assis”. Relatório científico FAPERJ. Mimeo.). Contudo, novos levantamentos de dados apontaram uma redução do número de jovens atraídos por essa proposta. Em 2010, o número inicial de moças apresentou uma queda abrupta totalizando 445 mulheres e 264 homens13 13 Os dados sobre o quantitativo de religiosos e religiosas da Toca nos foram fornecidos pelo escritório central, situado em Campinas, no ano de 2010. . Assim, diferentemente da tendência nacional para a vida religiosa consagrada, a Toca de Assis tem atraído mais mulheres do que homens o que motiva este estudo e representa uma novidade na Igreja católica no tocante às congregações femininas. As jovens que entram na Toca têm abandonado as ofertas da sociedade moderna para aderirem ao modelo de vida religiosa proposto por essa comunidade que se oficializa como Instituto feminino no ano de 1997 e que, curiosamente, expande-se para a vida contemplativa, diferentemente da proposta inicial, restrita à chamada “pastoral de rua”.

Não obstante a diminuição do número de membros da comunidade, favorecida pela nova dinâmica administrativa ocorrida após o afastamento do padre fundador Roberto Lettieri, o número de moças é relevante por expressar o que pode ser compreendido como a contramão dos interesses do gênero feminino na contemporaneidade. O afastamento do padre fundador, em razão de uma série de denúncias (Mariz; Medeiros 2013MARIZ, Cecília; MEDEIROS, Katia. (2013), “Toca de Assis em crise: uma análise dos discursos dos que permaneceram na comunidade”. Religião e Sociedade, nº 33: 141-173.; Portella 2009b_____________. (2009b), “Medievais e pós-modernos: a Toca de Assis e as novas sensibilidades católicas juvenis”. In: M. Mariz; B. Carranza; M. Camurça (Orgs.). Novas Comunidades católicas: em busca do espaço pós-moderno. São Paulo: Letras.), alterou a espontaneidade da comunidade religiosa. Houve muitas desistências e supervisão por parte da alta hierarquia da Igreja, que designa um bispo para acompanhar o processo de crise. Ao ser questionada sobre os diferentes boatos divulgados em relação à saída do padre Lettieri, uma jovem declara:

É claro que as tensões foram muitas porque só quem passou a situação na pele é que sabe o quanto foi difícil. As principais tensões foram de fato os boatos e os falatórios do povo, porque ninguém sabia de nada e cada um queria saber mais que o outro. Mas em relação à igreja não sofremos tensão nenhuma, pelo contrário, recebemos muito apoio, cuidado e carinho. D. Bruno14 14 Trata-se de D. Bruno Gamberini, arcebispo de Campinas, falecido em 2011. de fato foi e tem sido um verdadeiro pastor (Priscila, 39 anos, Entrevista concedida15 15 Daqui em diante utilizarei a abreviação “Ec” para cada referência a entrevista concedida. . 2010).

A Toca de Assis passou então por vários remodelamentos (Mariz e Medeiros 2013MARIZ, Cecília; MEDEIROS, Katia. (2013), “Toca de Assis em crise: uma análise dos discursos dos que permaneceram na comunidade”. Religião e Sociedade, nº 33: 141-173.). Essas mudanças resultaram na diminuição do número de casas no país; redução de membros; ajustes no exercício da prática pastoral e maior acompanhamento de membros da hierarquia. Conforme nossa informante, que ocupava um cargo na hierarquia da Toca, as mudanças ocorreram por exigências da Igreja. Em geral, evitam considerar a reestruturação em razão de uma crise, mas tendem a compreendê-la como um processo necessário.

[...] O momento em que vivemos hoje, é um momento onde já conseguimos ter muita consciência das coisas. O tempo foi nos ensinando e nos amadurecendo. Hoje estamos passando por um processo de reestruturação muito importante, pois existem situações que a Igreja nos exige e nós estamos nos adaptando (Priscila, 39 anos, Ec., 2010).

1.1 Estrutura organizacional

A estrutura da Toca, desde o seu alto nível até a administração das casas é formada por cargos com atribuições específicas. A ministra geral representa a alta hierarquia administrativa da comunidade feminina que tem sob tutela um conselho geral composto por cinco irmãs. Esse conselho é responsável por efetuar uma interação com as ministras regionais que, por sua vez, comunicam-se com as guardiãs de cada casa feminina. As guardiãs devem responder aos estímulos das religiosas e decisões da casa. Quando a resolução excede o seu espaço de jurisdição, elas deverão remeter os assuntos à esfera superior até que se obtenha resposta da demanda. É atribuição da guardiã de uma casa assegurar a missão da mesma responsabilizando-se pelo bom andamento das atividades e por criar condições para que o carisma seja apreendido por todos os integrantes da casa em referência. Em caso de ausência da guardiã, a irmã que assume o cargo de “custódia” responderá às demandas existentes (Fernandes 2011a_____________. (2011a), “Racionalização religiosa em tempos de pluralismo: o caso da Toca de Assis”. Relatório científico FAPERJ. Mimeo.). Note-se que essa estrutura segue o modelo masculino de organização da Vida Religiosa e apresenta forte traço hierárquico e patriarcal. Também no instituto masculino da Toca tem-se a mesma hierarquia.

Essa estrutura se apresenta como um dos paradoxos da Toca na medida em que, se por um lado os membros reproduzem aspectos tradicionais da Vida Religiosa por outro são hábeis no uso e apreensão das novas tecnologias de informação e comunicação. Os jovens integrantes manejam bem os aparatos modernos como youtube, websites e skype, e não se eximem da exposição midiática por meio das redes sociais, visando divulgar suas ações evangelizadoras.

Segundo Rodrigo Portella (2009b)_____________. (2009b), “Medievais e pós-modernos: a Toca de Assis e as novas sensibilidades católicas juvenis”. In: M. Mariz; B. Carranza; M. Camurça (Orgs.). Novas Comunidades católicas: em busca do espaço pós-moderno. São Paulo: Letras., a Toca apresenta-se como contracultural, privilegiando posturas antigas e criticando o modelo atual da Igreja e sociedade a fim de atingir uma restituição. Para o autor, a Toca de Assis adotaria a renúncia como um atributo de vida romântica idealista, em que tudo provém de Deus – crença na “Providência Divina” demonstrando, de certo modo, a falência do mundo desencantado.

2. Esfera religiosa, Toca de Assis e modernidade contemporânea

A Toca de Assis é um caso relevante para a análise das nuances e aproximações entre religião e modernidade. Constata-se que na medida em que tal aproximação se efetiva, ambas – religião e modernidade – experimentam o próprio remodelamento e reconfiguração e são transformadas pelas idiossincrasias das crenças, adesões e desvinculações religiosas. A modernidade nos desafia a pensar as remodelações do religioso em suas formas e conteúdos e, exatamente por isso, a Toca de Assis é um caso que ilustra não apenas as nuances, mas as ambiguidades desse movimento.

Em muitos casos, ainda que se escolha esse modelo de vida, a opção não ocorre sem crises, sem que as estabilidades da vida moderna produzam efeitos reflexivos, desistências e reconfigurações das identidades tendo em vista as instabilidades que as práticas pastorais da Toca, por exemplo, provocam nas jovens que a elas aderem. Dificuldades e impactos iniciais no contato com a realidade da Toca são relatados:

Não sabia o que fazer. Era triste. E a casa estava numa correria que é normal, era casa de acolhimento e tinham muitos, muitos irmãos feridos, um sem perna... Aí eu comecei a conversar com os senhores que moravam lá, que eram acolhidos, né? Que antes eram pessoas de rua, mas no caso tinham sido acolhidos na Toca. Eu comecei a conversar, mas também não saía disso: “Tudo bem com o senhor?” [...] Eu disse: “Ai meu Deus, eu nunca vou voltar aqui!”. Eu fiquei muito assustada (Rosa, 20 anos, Ec., 2011).

Em um contexto moderno, os dilemas enfrentados no seio da sociedade re-fletem-se no cenário religioso (Giumbelli 2002GIUMBELLI, Emerson. (2002), O fim da religião: dilemas da liberdade religiosa no Brasil e na França. São Paulo: Attar. ). A religião serve para revelar certos funcionamentos da sociedade, demonstrando que o binômio religião e modernidade cultiva um relacionamento positivo entre si. Com a globalização, a religião assume também uma função de ação política e identidade comunal.

A liberdade religiosa dos indivíduos modernos opera em consonância com a sustentação da religião, seja em diferentes modalidades na esfera pública, na esfera individual ou no espaço privado das consciências, como salientou Berger (1985)BERGER, Peter. (1985), O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas.. A esfera religiosa mostra-se mais multifacetada e, por vezes, mais provocativa aos analistas, na medida em que irrompe na contemporaneidade produzindo novos sentidos em vários âmbitos, inclusive na esfera de gênero, um dos focos de nossa análise.

Essa capacidade de recomposição da esfera religiosa consolida-se em razão das debilidades internas da modernidade inapta na solução de problemas do indivíduo e de certo modo geradora de seus conflitos. Mas qual seria a natureza das transformações no campo religioso que tem possibilitado o espraiamento de formas e conteúdos religiosos na contemporaneidade?

Uma mudança notada por Antônio Flávio Pierucci (2004)PIERUCCI, Antônio Flávio. (2004), “Bye, Brasil: o declínio das religiões tradicionais no Censo de 2000”. Estudos Avançados, nº 18: 17-28. é o movimento crescente de destradicionalização cultural. Para esse autor, as sociedades pós-modernas inauguram um novo status na relação dos indivíduos com as religiões tradicionais, sendo tais relações marcadas pela baixa consistência dos laços sociais.

Essas transformações ocorrem no Brasil e são notadas pela constante circulação das pessoas entre diversas ofertas e denominações religiosas. A mobilidade religiosa no país apresenta um caráter fluido e permite relativizar a noção de conversão como uma opção definitiva nos tempos atuais. Claramente, os movimentos das pessoas nesse campo são ambivalentes e seguem lógicas orientadas por suas subjetividades mais do que pelas prescrições doutrinárias das instituições religiosas, além de situações materiais cotidianas, como os processos de mobilidade urbana, migração e outros (Fernandes 2013_____________. (2013), “Os números de católicos no Brasil: mobilidades, experimentação e propostas não redutivistas na análise do Censo”. In: F. Teixeira; R. Menezes (Orgs.). Religiões em movimento: o Censo de 2010. Petrópolis: Vozes.). Embora esse dado não seja novo no país, uma vez que

o catolicismo constitui-se como uma religião sincrética e que, do ponto de vista da prática dos fiéis, pode incorporar um conjunto de símbolos de outras formas religiosas16 16 Pensamos especificamente nesse caso em católicos que creem em elementos do sistema de crenças espírita; cultivam práticas oriundas do New Age, simpatizam e eventualmente frequentam outras denominações. , a intensidade da mudança e os arranjos inusitados de dupla, tripla ou múltiplas pertenças realizados pelos fiéis são os elementos que mais têm chamado a atenção dos estudiosos (Fernandes 2006_____________. (Org.). (2006), Mudança de religião no Brasil: desvendando sentidos e motivações. São Paulo: Palavra e Prece.).

No tocante à Igreja católica, Carranza e Mariz (2009)CARRANZA, Brenda; MARIZ, Cecília. (2009), “Novas comunidades católicas: por que crescem?”. In: C. Mariz; B. Carranza; M. Camurça. Novas comunidades católicas: em busca do espaço pós-moderno. São Paulo: Companhia das Letras. observam uma ascendente descatolicização da sociedade no sentido da emergência das associações laicas e de novos movimentos eclesiais no século passado capitaneadas por um catolicismo de base social. Descatolicização, portanto, é uma categoria cujo uso merece cautela. Na última década do século XX novas comunidades religiosas têm crescido17 17 Não há registro quantitativo que compare, em termos de séries históricas, o crescimento dessas comunidades. Mas os estudos de Oliveira (2003) apontam o dinamismo dessa nova manifestação religiosa e sua capacidade de expansão. Em relação à Toca de Assis, também Mariz e Lopes (2009), assinalaram a dificuldade de obtenção do número exato de membros. . Para as autoras, a crise da sociedade moderna produziria um favorecimento do papel das novas comunidades no sentido de reconstrução da identidade pessoal, atendendo aos interessados pela missão e permitindo a sensação de um retorno à estabilidade – como é o caso da Toca de Assis.

Na era da “modernidade tardia” (Giddens 1991GIDDENS, Anthony. (1991), As consequências da modernidade. São Paulo: UNESP.), da racionalidade, da individualidade e da competitividade, o elemento religioso emerge evidenciando tensões e conflitos dos diferentes campos. Uma das alternativas utilizadas pela esfera religiosa é a adaptação ao novo modelo vigente na sociedade moderna. Essa adaptação demanda alteração nos conceitos religiosos e visões de mundo. Quando esses não são suficientemente modificados podem conflitar com os interesses da sociedade contemporânea, recebendo críticas da mesma (Borges 2008BORGES, Ana Paula Carraro. (2008), Do santo ao homem: Francisco de Assis sob o olhar de Saramago. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa, USP.). Algumas jovens nos relataram sobre o estranhamento de familiares e amigos diante da opção religiosa que fizeram o que demonstra o aspecto intrigante da Toca com seus ideais de não apenas cuidarem dos pobres, mas viverem em situação de pobreza por escolha.

Ao traçar os desafios de Francisco de Assis na peça de José Saramago18 18 A peça A segunda vinda de Francisco de Assis, de José Saramago, caminha para a construção de uma nova imagem de Francisco de Assis. Dessa vez, Francisco seria humanizado, respondendo de forma indefesa às tentações e aflições terrenas. , Ana Paula Borges examina as adaptações que a religião enquanto esfera social atravessou para estar em constante diálogo com a modernidade, sendo hábil em responder interrogativas e estabelecer críticas. Todavia, a religião não somente se adapta como impõe diferentes modelos de conduta aos indivíduos em sua relação com as instituições, com as pessoas e, em algumas de suas formas, com o meio ambiente.

Certamente, a relação entre modernidade e religião passa a ser mais simbiótica do que díspar, o que significa dizer que o campo religioso altera algumas dinâmicas do novo contexto histórico tanto quanto dele recebe influências, reconfigurando os processos de mudança social (Fernandes e Froehle 2011FERNANDES, Sílvia R. A. e FROEHLE, Bryan. (2011), “Revitalization Movements, Social Change, and Justice: Brazil’s Toca de Assis in Global Perspective”. In: J. S. O’Malley (Org.). Interpretative Trends in Christian Revitalization for the Early Twenty First Century. Lexington: Emeth Press.). As demandas modernas antes defendidas (liberdade, autonomia, livre escolha) – hoje também causadoras de conflitos – podem ser vistas como chaves que tanto podem abrir horizontes do universo religioso quanto rechaçá-lo como fator agregador de sentido na sociedade contemporânea. E é sobretudo no segmento juvenil que essas tendências se expressam densamente provocando adesões, ressemantizações e/ou rupturas religiosas.

No tocante à modernidade, esse grupo de mulheres apresenta uma unanimidade ao enfatizar os aspectos negativos da sociedade. A modernidade representa a falta de sentido para a vida, a ausência de Deus, a violência e a impessoalidade.

Então, a minha opinião pessoal [sic] é que realmente estamos em uma sociedade consumista, egocêntrica e longe de Deus, não generalizando, mas infelizmente há uma grande maioria que se perdeu e inverteu os valores (Isabel, 21 anos, Ec. 2010).

O exagero na sociedade moderna pode tornar o indivíduo escravo de um consumo desenfreado causando danos à sua vida pessoal. Ser escravo da moda e equipamentos modernos deixa o ser humano sem liberdade (Cleide, 41 anos, Ec. 2009).

Mediante os destroços da época moderna e a falta de sentido que caracteriza identidades juvenis em nossos tempos, a Toca de Assis apresenta-se na contramão da sociedade ao enfatizar um sentido para existência através da espiritualidade dos carismas do Instituto. Destaque-se que, os elementos culturais oriundos da modernidade inserem-se na comunidade, mas os significados que lhes são atribuídos denotam importantes diferenciações. A questão do “consumismo” na modernidade contemporânea é altamente criticada pelas jovens e é explícito também quando se analisa os textos escritos e publicados no website da Toca de Assis, além da Revista institucional.

Conforme sinalizamos ao apontar um de seus paradoxos, a Toca de Assis mantém elementos tradicionais e até mesmo patriarcais da estrutura da Vida Religiosa na Igreja católica, mas inova no uso dos meios de comunicação em suas múltiplas possibilidades e o faz numa perspectiva de interação entre os gêneros, com inexistente hierarquização dessas relações quando o assunto é a ação no mundo. É fácil perceber, por exemplo, que ambos os gêneros estão nas ruas; ambos produzem reflexões e artigos na Revista da Toca e ambos compartilham tarefas litúrgicas.

Originalmente havia uma recusa da maioria dos toqueiros e toqueiras quanto à busca de conhecimento por meio de estudos formais (Mariz 2009_____________. (2009), “Missão religiosa e migração: ‘novas comunidades’ e igrejas pentecostais brasileiras no exterior”. Análise Social, vol. XLIV: 161-187. ; Mariz e Lopes 2009_____________ e LOPES, Paulo V. (2009), “O reavivamento católico no Brasil e o caso da Toca de Assis”. In: F. Teixeira & R. Menezes. Catolicismo plural: dinâmicas contemporâneas. Petrópolis: Vozes. ). Com o passar do tempo e com a crise que se instaura na comunidade a partir do afastamento do fundador, a questão da recusa aos estudos e do acesso ao conhecimento passa a ser relativizada pelos membros. Certamente, o afastamento do padre Lettieri influencia essa nova mudança, pois em seus discursos fundacionais era recorrente a exigência de que não se criasse uma religião academicista ou excessivamente racional, mas uma religião que tocasse o coração das pessoas.

A título de ilustração sobre como o afastamento dos estudos era comum no período fundacional da Toca. Vale mencionar que nosso interesse por esse grupo surge ao recebermos um email de um médico que se mostrava aflito porque sua irmã havia abandonado a faculdade de enfermagem para ingressar na Toca de Assis. O médico considerava esse grupo como mais uma dessas “experiências fundamentalistas que surgem no Brasil” e pedia nossa orientação ou opinião a respeito do tema, considerando que já havíamos realizados estudos sobre a Vida Religiosa (Fernandes 2010_____________. (2010), Jovens religiosos e o catolicismo: escolhas, desafios e subjetividades. Rio de Janeiro: FAPERJ/Quartet.).

Uma irmã realiza uma comparação entre o “antes”, que demarcaria o período fundacional da comunidade, e o “agora” em relação às representações sobre o conhecimento adquirido por meio de estudos formais. A atitude de rejeição ao conhecimento que inicialmente era adotada pelos jovens da Toca passa por um processo de questionamento em que pesem as concordâncias e discordâncias das integrantes sobre a relevância dos estudos para uma religiosa. Alguns depoimentos expressam a inexistência de consenso entre as integrantes em relação à relevância ou não do aces-so ao conhecimento por meio de estudos. Destaque-se que a linguagem usada pela primeira jovem a aproxima de outros jovens de sua geração, ao usar frequentemente a expressão “tipo assim” denotando ainda baixo nível de padronização comportamental junto às moças que estavam em processo de formação:

Mas tipo assim, eu pelo menos ... eu não estou de acordo com todos os membros da casa estudarem, ir [sic] para a escola estudar porque a gente vai perder a essência, entendeu? [...] tipo assim... mas sou de acordo com aqueles que entraram muito jovens, que pararam de estudar voltarem a estudar, eu não acho errado voltarem a estudar, terminar [sic] seus estudos, né? (...). Mas, tipo assim, de a gente começar a estudar, a abrir pra todo muito, tipo assim, não (Miriam, 22 anos, Ec., 2010).

Hoje eu não tenho vontade de terminar a universidade [...] É... claro, tem coisas que eu vejo “nossa, se eu tivesse um curso de enfermagem eu ia ajudar melhor os pobres, né? (...). E hoje também no nosso instituto não é permitido ainda, está se vendo ainda. Se for [permitido] um dia eu posso, se o instituto quiser (Isabela, 23 anos, Ec., 2010).

Vimos que no tratamento de enfermidades dos “irmãos de rua”, a maioria das jovens não apresentava formação específica para tais atividades e atribuíam o seu conhecimento à prática do dia a dia e à “sabedoria divina”. Mas, como mencionado, essa atitude – que envolve o debate sobre formação – vem sendo repensada por instâncias mais altas do Instituto religioso, fato que sugere a ocorrência de um processo de racionalização do carisma em termos weberianos (Fernandes 2011b_____________. (2011b), “Entre tensões e escolhas, um olhar sociológico sobre jovens na vida religiosa”. Revista Sociedade e Estado, nº 3: 663-683.). Quando perguntada sobre a forma como os membros da Toca cuidavam da população de rua, sem precauções no que se refere ao uso de luvas e equipamentos necessários para o cuidado com pessoas doentes, a responsável por uma das casas afirma:

[...] como já disse somos um Instituto muito novo e estamos aprendendo. O que passou, passou. O que importa é que estamos procurando adequar as nossas casas – num processo que não é tão rápido assim – de acordo com a vigilância Sanitária – e cremos que isso vai ser muito bom tanto para nós como para os pobres que atendemos (Priscila, 39 anos, Ec., 2010).

Não há linearidade no processo de adaptação do religioso, que pode irromper com uma perspectiva mais idealista de mudança e transformação do mundo numa ascese radical e, a partir do processo de racionalização, o domínio carismático se ver subsumido pelo domínio burocrático (Weber 1982WEBER, Max. (1982), “A sociologia da autoridade carismática”. In: Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.). Seria esse o caso da Toca de Assis? Acreditamos que não ocorra um abandono radical do carisma, mas na medida em que ela se institucionaliza, perde o que se apresentou como um carisma do tipo “puro” (Weber 1982:286) nas origens da comunidade.

3. Gênero feminino e contextualização histórica

Historicamente, as mulheres estiveram sujeitas às instituições religiosas, sobretudo, graças às imposições familiares e culturais. Georges Duby (2001)DUBY, Georges. (2001), Eva e os padres: damas do século XII. São Paulo: Companhia das Letras., dentre outros historiadores, expressa como o universo religioso da época moderna inculcava ao gênero feminino a propensão ao mal. Assim, só a graça de Deus poderia torná-lo virtuoso, devendo masculinizar-se de modo a vencer as tentações demoníacas. Tal representação expressa pelos padres da Igreja demonstra como historicamente o poder masculino buscou construir a identidade feminina sob a ótica da fragilidade.

Carla Casagrande (1993)CASAGRANDE, Carla. (1993), “A mulher sob custódia”. In: G. Duby; M. Perrot (Orgs.). História das mulheres no Ocidente. v. 2. Porto: Afrontamento. , ao estudar o gênero feminino na Idade Média Ocidental, atesta que o comportamento submisso era uma realidade de época, devido à ideologia e à organização social vigentes. Contudo, a autora argumenta que entre o final do século XII até o século XV, há um aumento na produção de textos que falam às mulheres, formando uma nova pedagogia para instruí-las no papel de esposa, mãe e filha. Esse discurso, proposta principalmente pelos frades mendicantes, visava responder às necessidades religiosas e ideológicas da nova realidade social, pois as mulheres eram vistas como sustentáculos da política pastoral, posicionamento que alterou a vivência do gênero feminino. As contribuições teóricas do século XII ao XIV procuram construir um modelo ético feminino adaptado à nova sociedade, assinalando um caminho de virtude e salvação, inspirando-se em textos sagrados e filosóficos.

Casagrande (1993)CASAGRANDE, Carla. (1993), “A mulher sob custódia”. In: G. Duby; M. Perrot (Orgs.). História das mulheres no Ocidente. v. 2. Porto: Afrontamento. demonstra como os discursos eclesiásticos propõem-se a modelar os comportamentos e extinguir os vícios femininos. As mulheres eram aconselhadas a não saírem pelas ruas, pois poderiam provocar paixões e tragédias, o incremento de uma vida social poria em risco a sua castidade, explicitando a visão de que o espaço público não se destina às mulheres.

A referência à fragilidade, irracionalidade, instabilidade e outros atributos que depreciariam o gênero feminino estão presentes nos textos filosóficos. Além disso, a concepção de vulnerabilidade aos desejos assegurava a ideia de custódia; o feminino deveria ser tutelado ao longo da vida.

Na narrativa cristã, a submissão da mulher ao homem é fundamentada no discurso de que desde a origem ela foi constituída por Deus como uma dádiva ao homem. As controvérsias sobre esse texto resultaram em dois posicionamentos: o primeiro é constituído pela tradição agostiniana, na qual seria possível uma igualdade entre os gêneros no tocante à alma; e o segundo, de tradição de Tomás de Aquino, que defendia uma igualdade parcial, válida apenas na essência. Nessa direção, mesmo com as argumentações que buscavam uma tênue equidade entre os sexos, o discurso predominante atribuía total autoridade aos homens sobre as mulheres que, por sua vez, deveriam fornecer sua custódia com todas as virtudes. A custódia permitiria que o feminino se fechasse para a comunidade e se abrisse para o interior, para a alma, negando o mundo e os valores carnais.

Sob a perspectiva das reflexões científicas, Claude Thomasset (1993)THOMASSET, Claude. (1993), “Da natureza feminina”. In: G. Duby e M. Perrot (Orgs.). História das mulheres no Ocidente. v. 2. Porto: Afrontamento. discute como essas abordagens entreveem o tratamento da natureza feminina no medievo, o que ocasiona o desprezo pelo tema. A partir do século XIII, com o desenvolvimento do estudo do corpo em diálogo com as questões fisiológicas, as mulheres são representadas como produtos secundários.

Quanto à presença da mulher na vida religiosa da Igreja católica, Delir Brunelli (2003)BRUNELLI, Delir. (2003), “Clara de Assis e o movimento religioso feminino nos séculos XI – XIII”. In: S. Costa; A. C. F. Silva e L. R. Silva ( Orgs.). Ciclo: a tradição monástica e o Franciscanismo. Rio de Janeiro: UFRJ. analisa a similitude entre a biografia de Clara de Assis19 19 Clara de Assis nasceu ao fim do século XII e foi canonizada no ano de 1255. Foi seguidora de Francisco de Assis e com ele fundou, em 1212, a chamada “Ordem das Irmãs Pobres”. Após a sua morte, em 1263, a ordem recebe o nome de Ordem de Santa Clara ou Pobres Clarissas. Cf. http://www.irmasclarissas.org.br/santa_clara.htm – Acesso em: 15 ago. 2014. e o movimento religioso nos séculos XII e XIII, destacando as dificuldades e os dilemas presentes desde o final do século XI para que o gênero feminino tivesse maior participação na vida religiosa e se inserisse em movimento de adoração a Cristo e ajuda aos pobres. A participação das mulheres no movimento religioso causou uma resposta negativa por parte da Igreja, que não almejava esse tipo de inserção feminina devido à mentalidade da época.

No final do século XII, surge o movimento das Beguinas20 20 As Beguinas eram moças que não desejavam entrar em mosteiros, mas servir a Deus e viver uma vida austera. Ver: Comblin (1998). um projeto de vida que propunha a contínua adoração ao Santíssimo Sacramento; o desenvolvimento de atividades manuais e a assistência aos pobres. No entanto, esse movimento religioso sofreu restrições e desconfianças, uma vez que era liderado por mulheres detentoras de um estilo de vida particular e modo próprio de devoção. Para aceitar as Beguinas, a Igreja medieval elaborou uma série de considerações que minaram a singularidade e a força do grupo religioso, fato que relembra a ação institucional com a Toca de Assis em razão do afastamento do líder padre Roberto Lettieri. Mas no caso da Toca as reformulações solicitadas pela Igreja abrangem ambos os grupos: masculino e feminino.

A inserção do movimento das Beguinas à Ordem da Igreja durou um século. Apesar das primeiras dificuldades, a espiritualidade feminina permeou outros caminhos para a sua consolidação, fugindo do controle da Igreja e apresentando-se como autoridade dada pelo espírito santo, conforme a crença das religiosas (Brunelli 2003BRUNELLI, Delir. (2003), “Clara de Assis e o movimento religioso feminino nos séculos XI – XIII”. In: S. Costa; A. C. F. Silva e L. R. Silva ( Orgs.). Ciclo: a tradição monástica e o Franciscanismo. Rio de Janeiro: UFRJ. ).

A trajetória de Clara de Assis evidencia o desenvolvimento da religiosidade feminina no período em questão. Instigada pelas atitudes de Francisco de Assis, Clara enfrentou as mesmas dificuldades por almejar viver a radicalidade da pobreza e o evangelho. A atitude religiosa de Clara de Assis ganha importância quando ela funda uma comunidade junto à Igreja de São Damião. Esta comunidade guarda semelhanças com o movimento das Beguinas, mas insere-se no movimento franciscano. Como forma de vida, não obstante as imposições eclesiásticas, Clara defendeu à risca a pobreza, resistindo à posse de bens e, por fim, conquistando o “privilégio de pobreza” cedido pelo papa. Com efeito, apesar de ser julgada como frágil, a vivência religiosa dessa nova comunidade mostrava a Francisco de Assis e outros a capacidade feminina de viver a pobreza radical.

Desse modo, o movimento franciscano masculino exerceu influência sobre o movimento feminino religioso e culminou na participação de homens e mulheres, ainda que se admita o relacionamento conflitivo devido ao contexto desfavorável para uma relação igualitária entre os gêneros. É curioso notar que, embora as jovens da Toca de Assis admirem a história de Santa Clara, a orientação oficial em termos de carisma reforça os ideais de São Francisco que ambos os institutos têm como patrono.

Assumindo o distanciamento temporal entre medievo e modernidade, sublinhamos que o estatuto das mulheres dentro do catolicismo ainda é passível de discussão. Diante dos ganhos propiciados pela sociedade contemporânea, em que as relações de gênero estão em pauta a declaração do papa João Paulo II (1994)JOÃO PAULO II. (1994), “Ordinatio Sacerdotalis”. Carta pastoral. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/apost_letters/1994/documents/hf_jp-ii_apl_19940522_ordinatio-sacerdotalis_po.html – Acesso em: 20 dez. 2013.
http://www.vatican.va/holy_father/john_p...
através da carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis21 21 Essa “Carta Apostólica”, publicada em 1994, encerra as discussões sobre a ordenação feminina, considerando inviável tal procedimento devido aos arcabouços teológicos. Contudo, com o pontificado do papa Francisco, há um clima de otimismo de alguns setores da Igreja em relação a possíveis avanços em temas controversos, como a ordenação de mulheres e o celibato. , recebe apoio de um grupo em prol da manutenção da tradição. Parte das entrevistadas de um estudo (Fernandes 2005FERNANDES, Sílvia R. A. (2005), “A não ordenação feminina: delimitando as assimetrias de gênero na igreja católica a partir de rapazes e moças vocacionados/as”. Estudos Feministas, nº 13, v. 2: 256.) atesta seguir os princípios deixados por Jesus Cristo, isto é, explicita-se uma visão de que a subordinação da mulher nas funções eclesiais não expressaria a discriminação de gênero, mas antes significaria um sinal da permanência da tradição.

Apesar das restrições hierárquicas, a Igreja católica tem lidado com outras possibilidades de inserção e expressão de espiritualidade das mulheres. Nota-se que novas modalidades de vida religiosa emergem muitas vezes na contramão da orientação oficial.

3.1 Moças na Toca de Assis: posições, trajetórias e identidade religiosa

A condição geracional da juventude reflete a busca por uma autonomia em face de situações impostas como regras e modelos para a vida em sociedade. O estranhamento dos jovens em relação às estruturas e a insegurança frente ao futuro os levam a assumir comportamentos que rechaçam modelos e regras dominantes, buscando inserir-se em outras instituições com diferentes padrões socializadores (Sposito 1993SPOSITO, Marilia P. (1993), “A sociabilidade juvenil e a rua: novos conflitos e ação coletiva na cidade”. Tempo Social, nº 5: 161-178. ). Desse modo, no momento de questionamento e crise da vida em sociedade, a juventude busca a integração em outras comunidades com novas formas de sociabilidade. Consideramos ser esta uma hipótese bastante plausível tendo em conta as moças na Toca de Assis.

A maioria das moças entrevistadas está na faixa etária dos 20 aos 25 anos. Em sua origem, a Toca de Assis recrutava jovens ainda na adolescência (16 a 18 anos) demonstrando a eficácia de sua oferta religiosa a esse segmento. Elas assumem a Toca de Assis como um novo grupo social hábil em acolhê-las, permitindo-lhes a experimentação de outro tipo de vivência familiar e comunitária. O modelo de sociabilidade oferecido pela Toca soa atraente enquanto ideário de serviço aos pobres e o cuidado da casa onde residem coletivamente. Várias moças sentiram-se atraídas não só pela amizade encontrada na comunidade, mas pela possibilidade de viver uma “vida fraterna”. A fraternidade e a amizade são aspectos que demarcam uma espécie de modelo alternativo de comunidade, almejado e cultivado por seus membros.

Eu me sinto totalmente em casa, como uma família mesmo [...] não falando só de carismas, mas a preocupação de um para com o outro, o amor, o carinho, o cuidado, o zelo, os conselhos e até as brincadeiras (risos). Tudo! Tudo é uma verdadeira família para mim (Jovem de 22 anos entrevistada pela Revista da Toca, julho de 2014). 22 22 O depoimento pode ser encontrado na Revista da Toca de Assis. Disponível em: http://tocadeassis.org.br/revista/10/revista-toca-de-assis-julho-de-2014 – página 13 - edição de julho de 2014. Acesso em 10 set. 2014.

Observamos que a faixa etária e a posição da mulher na Toca de Assis terá explícita relação com as experiências e opiniões sobre a sociedade, relatadas pelas entrevistadas. Mais da metade das jovens em nosso estudo já havia feito os votos (pobreza, castidade e obediência), divergindo apenas no tempo de consagração. Dentre as consagradas, metade notificou assumir ou ter assumido cargos institucionais, tais como: ministra geral; ministra regional ou guardiã. Esse dado revela que há uma circulação das religiosas pelos cargos que demandam uso de autoridade e deliberações, tornando rarefeita a concentração de poder durante longo tempo.

No grupo em análise, a trajetória religiosa apresenta similaridades, pois 11 das entrevistadas eram católicas praticantes antes de ingressarem na Toca de Assis, e apenas duas eram católicas não praticantes. Assim, a Toca atraiu moças católicas que eventualmente buscavam novos modos de significação da vida; novas propostas de desenvolvimento religioso; fora dos padrões institucionais relacionados apenas a vida pastoral em paróquias. Por outro lado, é fato que o primeiro vínculo com o catolicismo facilitou a abertura de outras portas de entrada para essas jovens em sua religião de origem. A espiritualidade da Renovação Carismática era experimentada por grande parte das simpatizantes e por seus atuais membros23 23 A edição da Revista da Toca referente ao mês de setembro de 2014 noticia que 22 irmãs fizeram os votos perpétuos em maio de 2014. .

Proveniente, em sua maioria, de estados24 24 São eles: BA, CE, MG, PB, SP. RN. e cidades de grande porte, trata-se também de um público com formação mediana. Oito delas concluíram o ensino médio; duas possuem o ensino médio incompleto, mas em curso; uma possui o nível superior completo e uma moça não concluiu o nível superior. Outra religiosa afirmou possuir o ensino fundamental completo. É comum que ao ingressar no Instituto as jovens tranquem ou abandonem suas matrículas na faculdade. Alguns relatos sugerem a priorização da missão religiosa em detrimento do conhecimento formal. Por outro lado, há uma certa ressignificação dos estudos nos Institutos, seja masculino ou feminino; tendência que, com vimos, se instala a partir da crise institucional.

Segundo Cecília Mariz (2005MARIZ, Cecília. (2005), “Comunidades de vida no Espírito Santo: juventude e religião”. Tempo Social, v. 17, n. 2 : 253-273. , 2009)_____________. (2009), “Missão religiosa e migração: ‘novas comunidades’ e igrejas pentecostais brasileiras no exterior”. Análise Social, vol. XLIV: 161-187. , as características da sociedade global contemporânea, tais como a tecnologia e o capitalismo permitem entender o sucesso desse movimento religioso, pois o cenário constituído possibilita que os/as jovens que a ele aderem desenvolvam o discurso da esfera religiosa como redentora. A adesão feminina à Toca de Assis está intimamente ligada à cosmovisão das moças sobe o mundo. Elas o veem como um caminho de incertezas, com falta de sentido e segurança. Segundo as toqueiras, a sociedade perdeu o sentido e a direção da vida religiosa, fato que as coloca em situação de desenraizamento com padrões anteriores e adoção de um novo estilo de vida aparentemente mais plausível. Nesse sentido, a missão atribuída a cada integrante é considerada o ponto primordial para sua “sujeição” que tem como objetivo o aproximar-se de Deus. Tal aproximação implica quase sempre em afastamento territorial e, desse modo, o desenraizamento assume um duplo sentido: espiritual e territorial.

A vocação, a “missão dada por Deus”, impulsionou seus deslocamentos marcados por “deixar para trás” a vida anteriormente vivida. Esse tipo de desenraizamento por escolha religiosa diferencia-se de outros experimentados por jovens de regiões menos desenvolvidas nos quais prevalecem interesses econômicos e que, na maioria dos casos, estão relacionados a oportunidades de trabalho e estudo.

Entre as toqueiras, o desenraizamento é legitimado pelos votos religiosos, pela disponibilidade em viver uma vida austera e dedicada aos pobres. Sobressai nesse aspecto o voto de obediência, considerado pelas moças como o ponto nodal que permite a contínua circulação de religiosas entre as casas da Toca. Esse voto é citado pelas irmãs como o que mais lhes custa na comunidade religiosa.

[...] as dificuldades acontecem para qualquer um [...] Outro exemplo, sou enviada para uma determinada missão que não é tão fácil para mim, mas vou ao menos tentar viver nesse novo lugar porque fiz votos de obediência e acredito na graça de Deus (Cleide, 41 anos, Ec., 2009).

Eu digo que o mais desafiador é o voto da obediência, porque você dispõe da sua vontade, do seu querer para obedecer, pra fazer a vontade de Deus. E muitas vezes, a vontade de Deus se manifesta através da boca do seu superior. Realmente é muito desafiante, pois tem que despojar daquilo que você pensa e do que você acha (Hermínia, 23 anos, Ec., 2011).

Entre as 13 entrevistadas, duas não opinaram, 8 citaram diretamente o voto de obediência como o obstáculo mais difícil a ser superado na vida religiosa; duas moças mencionaram o voto indiretamente ao afirmar que toda renúncia impõe uma dificuldade, e uma toqueira – apesar de exprimir a opinião de que todo algo “novo” exige uma renúncia dada como difícil pelo ser humano – cita a obediência como peça fundamental para a vida religiosa. A divergente percepção sobre o voto de obediência só é possível devido ao vínculo institucional dessa religiosa, que ocupa a função de guardiã em uma das casas.

A Toca tem uma estrutura hierárquica sim, porque para se ter harmonia acho que em qualquer lugar tem de ter autoridade e aqueles que obedecem. […] E a obediência é a questão da autoridade que nós temos, da hierarquia que nos leva à harmonia na convivência [...] nos faz crescer como pessoa, crescer como comunidade respeitando a autoridade, e a gente leva muita fé nessa obediência mesmo (Joana, 28 anos, Ec., 2010) [grifo nosso].

Há “dilemas intragênero”, conforme observado por Fernandes (2010)_____________. (2010), Jovens religiosos e o catolicismo: escolhas, desafios e subjetividades. Rio de Janeiro: FAPERJ/Quartet. em seu estudo sobre os/as jovens vocacionados/as e ocorrem particularmente em relação ao voto de obediência. As mulheres em exercício de poder muitas vezes reproduzem o modelo masculino de mando sem contestação, o que dificulta o exercício do voto de obediência como prática de liberdade interior e desapego. A decisão pelo ingresso na vida religiosa requer o enfrentamento de tensões para além do nível familiar, pois se o romper da projeção dos pais para a vida profissional ou pessoal dos filhos pode gerar conflitos, o mesmo ocorre na vida em comunidade, que pode se apresentar como um campo de batalhas cotidianas. As moças encontram na busca de santificação a motivação para enfrentá-las e superar as diferenças.

Os momentos cotidianos que expressam essas disputas intragêneros são marcados pelas funções domésticas exercidas. Assim, mesmo as que não sabem cozinhar precisam fazê-lo, assim como quem não tem apreço em lavar louça terá o seu dia dedicado a essa tarefa. Essas adaptações são interpretadas pelas religiosas como algo inerente à vida comunitária que sempre se apresenta, por conter uma dosagem de sacrifício, como o veículo que favorece o “caminho de santificação”.

Hoje em dia não, mas assim, antes eu detestava cozinha. A primeira vez que eu fiquei na cozinha eu chorei meia hora antes de começar a fazer o almoço, mas hoje eu levo na boa, normal. [...] Mesmo sem saber cozinhar eu tive que aprender a cozinhar; eu tive que pensar assim: eu não estou cozinhando pra mim. Estou cozinhando pros outros (...) tenho que me esforçar pra cozinhar bem (Isabela, 23 anos, Ec., 2010).

Com efeito, ser consagrada para essas mulheres faz parte da realização de um desejo pessoal que fora testado em especificidades condizentes com a história individual. Embora algumas religiosas tenham esperado durante anos para o início de sua trajetória no Instituto, os desejos permaneceram ativos e foram posteriormente realizados. Sem autorização da mãe Francisca (20 anos), esperou cerca de dois anos para ingressar no Instituto que se apresentou como uma oferta plausível para a integração e desenvolvimento religioso da jovem.

Em muitos casos analisados, esses anseios foram gerados a partir de um contato com informações ou atividades da Toca. Não obstante, as moças demonstraram objetivos e motivações particulares para o ingresso. A atração pela Toca fora motivada principalmente pelo carisma de radicalização da pobreza, incluindo a dedicação e cuidado dos necessitados; as práticas de oração que incluem adoração eucarística; e a alegria que eles percebem entre os jovens que buscam conhecer a Toca e os próprios toqueiros e toqueiras. O número abaixo da Revista da Toca ilustra o perfil jovem da Instituição e o valor por ela atribuído à “alegria”, fato que foi observado também por Mariz (2009)_____________. (2009), “Missão religiosa e migração: ‘novas comunidades’ e igrejas pentecostais brasileiras no exterior”. Análise Social, vol. XLIV: 161-187. .

Figura 1
Fonte: Site da Toca de Assis. Disponível em: http://tocadeassis.org.br/revista/10/revista-toca-de-assis-julho-de-2014 – Acesso em 10 set. 2014.

As moças destacaram práticas e estilo religioso da Toca que foram elementos motivadores para sua escolha: o cuidado com os “sofredores de rua”; a adoração eucarística; a alegria franciscana; a vida fraterna e a forma de entrega a Deus, que seria propiciada pelo carisma da Toca de Assis. Note-se que a ênfase na dimensão espiritual é fortemente presente bem como na dimensão social; esta voltada para o cuidado dos pobres. Um dos slogans da Toca expressa bem a articulação que seus membros desenvolvem entre essas dimensões: “Do altar para a rua”. Assim, o Instituto favorece um tipo de cuidado e assistência aos mais pobres no cenário urbano que altera a situação da população de rua e pode estimular a emancipação dos pobres, bem como o retorno desses aos seus familiares.

Por outro lado, emerge uma interessante motivação relacionada à alegria e convivência expressa nas categorias: “alegria franciscana” e “vida fraterna”. A Toca de Assis pode se apresentar como um Instituto religioso onde as relações de gênero se apresentariam menos assimétricas? Diferentemente de Institutos tradicionais, na Toca, rapazes e moças atuam conjuntamente no trabalho pastoral A observação de toqueiros e toqueiras nas ruas ilustra bem essa situação de aproximação dos gêneros e da alegria dos jovens. Também é possível vê-los atuando juntos em representações teatrais e em parcerias musicais. A presença das moças em todas as atividades da Toca de Assis nos parece um relevante sintoma sobre o que poderia ser considerado como ensaios de simetria entre os gêneros na adesão religiosa contemporânea.

Alguns estudos sobre a vida religiosa feminina com ênfase na psicologia (Giordani 1995GIORDANI, Bruno. (1995), A mulher na vida religiosa: aspectos psicológicos. São Paulo: Loyola.) sugerem que as mulheres em geral possuem com frequência a necessidade de aprovação e estima do gênero masculino e de um “tu” com o qual possam compartilhar amizade e afeto. Nesse sentido, o estilo de vida dos toqueiros e toqueiras pode contribuir – diferentemente de ordens religiosas tradicionais – para a permanência das mulheres nessa comunidade religiosa, uma vez que rapazes e moças desenvolvem amizade e compartilham o mesmo sentido atribuído à vida.

Rapazes e moças reforçam seus laços de amizade na Toca e exatamente a amizade configura-se como um aspecto mantenedor e fortalecedor de sua opção religiosa. A pastoral de rua aproxima os gêneros na medida em que não há tarefas distintas de acordo com funções ou cargos. Além disso, como os rapazes não são ordenados, as relações tendem a ser menos assimétricas entre os gêneros25 25 À época da pesquisa havia poucos padres na Toca de Assis e esses não estavam sediados no Rio de Janeiro, mas em Campinas, SP. . A observação no campo, assim como a análise dos vídeos disponíveis no youtube, mostra a interação entre o feminino e o masculino no contato dos jovens com a população de rua26 26 Confira: http://www.youtube.com/watch?v=CunmZjcEs5Y – Acesso em 10 set. 2014. .

Foto 2
Toca de Assis – Pastoral de Rua Fonte: Arquivo do Instituto. Pastoral de Rua. Cedida em 2010.

O Instituto das Filhas da Pobreza aparece com uma identidade bem delimitada em relação às outras ordens de inspiração franciscana, embora parte das entrevistadas opte por não assinalar elementos distintivos entre a Toca de Assis e outras ordens cujo carisma é pautado em Francisco de Assis. Assim, apesar de o Instituto utilizar a base do franciscanismo como elemento inspirador, nove participantes preferem reforçar o argumento de que se distanciam da ordem franciscana original. Se por um lado, há a evidência da figura de S. Francisco de Assis, perceptível no carisma e nos trajes, outros santos patronos ou inspiradores são considerados na constituição do carisma do Instituto. Os depoimentos revelam ainda desconhecimento dos discursos fundacionais do padre Lettieri que enfatizava a inspiração franciscana explicando a origem do nome: Toca de Assis. Em entrevista o padre Lettieri explica:

Toca é o nome derivado das pequenas tocas que Francisco de Assis encontrou em Rivo Torto, bem perto de Assis. Fugindo de seu pai, encontrou em Rivo Torto umas cabanas abandonadas, onde hoje se levanta uma igreja. Ali havia umas tocas pequenas e Francisco transformou-as em local onde guardava os leprosos e os mendigos (entrevista concedida ao site “Amai-vos” (Disponível em: http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=5445&cod_canal=41 – Acesso em 16 out. 2013).

[...] a única semelhança mesmo é a figura de Francisco, né, porque a gente não tem uma espiritualidade franciscana. Nós somos inspirados na vida de muitos santos, que são São Francisco, Santa Catarina de Sena, que não tem nada a ver porque ela é dominicana, São Pio que era franciscano capuchinho, mas de uma época muito diferente e Beata Alexandrina [...] até as congregações franciscanas cada uma pegou uma face de Francisco. [...] Nós não, nós nascemos independentes... só mesmo com a figura de Francisco (Regina, 25 anos, Ec. 2011) [grifo nosso].

Não obstante, algumas jovens não apontam fronteiras entre a Toca e as outras ordens de inspiração franciscana. Esse posicionamento ocorreu, em geral, por parte das moças que assumiram ou assumem funções institucionais como: ministra geral; ministra regional; mestre de noviciado ou guardiã da casa, ou seja, funções consideradas hierarquicamente superiores às demais de uma casa religiosa. O dado sugere haver uma linha imaginária que interliga os discursos institucionais, bem como sua funcionalidade. Mediante os processos de reconhecimento da Toca de Assis perante a Igreja, acredita-se que esse discurso fora utilizado como respaldo para uma determinada legitimidade, isto é, a produção de estratégias (ainda que não intencionais) de aceitação.

Além do mais, as irmãs que demarcam esse discurso são mais maduras, estando na faixa dos 39 a 45 anos. Essas apresentam um pensamento divergente quando comparadas às mais jovens no Instituto no que tange às aproximações com o carisma franciscano. São duas gerações distintas caracterizadas pelas diferentes realidades históricas do desenvolvimento do Instituto.

A única diferença, que eu vejo, é que o Instituto é novo, ele não possui uma estrutura como as Congregações mais antigas, mas a forma de viver e de amar a Deus acaba sendo praticamente a mesma (Priscila, 39 anos, Ec., 2009) [grifo nosso].

Em outra retórica, há novas evidências de demarcação de diferenças:

Cada carisma forma como que um mosaico. No caso do franciscanismo, nascemos do exemplo de S. Francisco, o que difere a vivência do carisma franciscano são as maneiras de servir a igreja. Não digo diferenças, mas temos uma identidade própria como também outros ramos franciscanos têm [...] (Cleide, 41 anos, Ec., 2010) [grifo nosso].

Apesar do crescente apontamento de elementos do franciscanismo primitivo, como a radicalidade da pobreza, não cabe considerar a Toca de Assis, ao menos no que tange ao universo feminino como um grupo religioso que visa recuperar a vivência primitiva do franciscanismo. A nosso ver, o que ocorre é o desenvolvimento de uma inspiração naquele carisma, que passa a ser remodelado segundo a demanda dessa comunidade atuante no cenário contemporâneo. As adaptações estão presentes no carisma e na prática religiosa da Toca e objetivam atender às demandas de pessoas que estão à margem da sociedade oferecendo-lhes um senso de integração e dignidade. Eventualmente, esse tipo de ação social não possui intencionalmente um caráter revolucionário, como expresso na peça que mencionamos (Borges 2008BORGES, Ana Paula Carraro. (2008), Do santo ao homem: Francisco de Assis sob o olhar de Saramago. São Paulo: Dissertação de Mestrado em Literatura Portuguesa, USP.), em que São Francisco é visto como um exemplo de alguém que busca a solução e liberdade para um contexto de ameaça da singularidade e identidade.

Vimos ainda que, considerando o Franciscanismo originário, a figura de Santa Clara poderia ter um peso na configuração da identidade feminina das toqueiras, entretanto, a chamada patrona Santa Catarina de Sena é mais enaltecida.

As mulheres da Toca exercem atividades domésticas tanto quanto os rapazes em suas casas e realizam atividades semelhantes no cuidado dos pobres. Elas acompanham enfermos aos hospitais e atuam em eventuais atividades que os toqueiros as solicitem. Essas requisições podem ocorrer com alguma frequência também por parte das toqueiras aos toqueiros. Em geral, as mulheres pedem ajuda em atividades que demandam esforço físico ou efetivação de pequenos consertos nas casas. Cabe informar que, no cuidado da população de rua que chega às casas de acolhida, as toqueiras cuidam do banho das mulheres e os toqueiros, dos homens. O cuidado do corpo obedece, portanto, a uma divisão tradicional dos gêneros.

Considerações finais

Neste texto discutimos como a Toca de Assis, enquanto uma comunidade religiosa que integra homens e mulheres, aparece como potencial instituição para promover a ampliação do debate sobre as relações de gênero na sociedade atual e na Igreja católica. Em que pesem as escolhas das moças, profundamente cativadas pelo cuidado dos pobres representados pela população de rua, essa comunidade religiosa apresenta alguns paradoxos inerentes à modernidade contemporânea em sua relação com o religioso. Assim, a Toca emerge em um contexto carismático católico das novas comunidades e passa por um conjunto de transformações capitaneadas pelo afastamento de seu líder fundador. No processo, alguns paradoxos são notáveis: 1) rigidez hierárquica e simultânea incursão midiática; 2) ações pastorais que integram ambos os gêneros e formação de institutos que se separam segundo o gênero; 3) ênfase na espiritualidade franciscana e busca de diferenciação. Mas ainda que se institucionalize rapidamente, a experiência de trabalho pastoral e o cultivo de valores como amizade e alegria atribuem à Toca de Assis o sentido de comunidade como espaço de sociabilidade e integração, além de configurá-la como um lócus que se contrapõe ao forte acento no indivíduo que emerge com a modernidade.

Destaque-se ainda que entre as moças, estudo e formação são colocados em xeque como aspectos que tensionam o carisma originário. Na busca por adaptação, a temática é marcada pelo dissenso e exibe outra faceta do diálogo entre as propostas que visam fortalecer a identidade religiosa e os apelos de uma sociedade que enaltece os estudos como um dos principais veículos para a ascensão social e econômica.

Apesar de algumas divergências no que tange à diferenciação da Toca para com as Ordens franciscanas, há um sentimento de identidade no grupo demarcado pela referência: o carisma institucional. Desse modo, a identidade grupal é assegurada por meio do envolvimento de ambos os gêneros em atividades da comunidade. O carisma da pobreza permite recuperar práticas sociais conjuntas entre homens e mulheres, fortalecendo uma dimensão de complementaridade de gênero numa sociedade em que a competitividade e a diferenciação podem ser sublinhadas como elementos determinantes. As moças são enfáticas em sublinhar que, em termos de tarefas e cargos, entre rapazes e moças “é tudo igual”.

Apesar de a vertente feminina da Toca possuir forte inserção nas atividades que demandam tratamento da população de rua e abrigados, não existe, a nosso ver, uma busca explícita do Instituto para a solução dos problemas estruturais da sociedade. Contudo, pode haver um efeito não intencional de arrefecimento quantitativo dos moradores de rua na medida em que se empenham na localização dos familiares desses moradores. É evidente que essa ajuda aparece, no âmbito da Toca, como uma crítica à modernidade e como uma mudança de paradigma no que se refere aos rumos da sociedade atual. Ademais, o cuidado com a população de rua pode ser identificado como uma resposta mais imediata à desigualdade, na tentativa de aliviar parcialmente as amputações socioeconômicas experimentadas por esse grupo de pessoas. Contudo, não há uma dedicação no que tange a mudança no ordenamento da sociedade e uma mudança que atinja amplamente os setores políticos, sociais, culturais e econômicos. Recentemente os jovens toqueiros e toqueiras têm desenvolvido trabalho juntamente a pessoas dependentes de crack nas ruas em São Paulo, numa ação conjunta com outros grupos religiosos e com apoio do arcebispo Odilo Scherer. Desse modo, a atuação social das toqueiras difere de outras de orientação franciscana clássica27 27 Estudamos nesse mesmo projeto as fontes escritas provenientes das Clarissas que vivem no Mosteiro da Gávea, no Rio de Janeiro. As Clarissas constituem o principal grupo feminino religioso relacionado aos primórdios do Franciscanismo. , que afirmam haver uma “sede espiritual” na sociedade contemporânea e apresentam-se como as “pontas dos diamantes” da geração, capazes de intervir espiritualmente para o retorno da ordem e unidade social (Béni 2002:59BÉNI, Frei Giácomo. (2002), Clara de Assis: um hino de louvor. Roma: OFM.).

A Toca de Assis permite pensar sobre os remodelamentos da religião na modernidade a partir do cristianismo católico. A constante necessidade de preservação do carisma e a busca de fontes inspiradoras oriundas de outro contexto histórico convivem com a atitude de reinvenção e reconstrução das identidades religiosas. No universo feminino, as tensões e conflitos no cotidiano das casas demonstram a não linearidade do processo que envolve reafirmação de valores religiosos que se contrapõem aos que são enunciados pela sociedade contemporânea. O processo de assimilação e adaptação por parte das moças é carregado de ressignificações da identidade anterior, que incluem críticas aos aspectos da vida moderna como, por exemplo, o consumo e os estudos.

Se a religião pode ser pensada em tempos de globalização com uma função de ação política e identidade comunal, como afirmou Giumbelli (2002)GIUMBELLI, Emerson. (2002), O fim da religião: dilemas da liberdade religiosa no Brasil e na França. São Paulo: Attar. , a Toca inscreve-se nessa perspectiva, pois é capaz de reproduzir e contestar estruturas vigentes na vida religiosa da Igreja católica, além de questionar a inação do estado como provedor de bem estar a toda a população.

Por fim, a comunidade Toca de Assis é um exemplo nítido das novas comunidades religiosas, oriundas de um tipo de catolicismo ativo. Esse tipo ganha importância no cenário religioso, a partir do enfraquecimento da consistência dos laços entre os indivíduos e as religiões tradicionais. No processo de reestruturação que atravessa, a Toca de Assis questiona e simultaneamente busca adaptar-se ao tradicionalismo religioso à medida que vem adotando regras claras de Instituto religioso em termos canônicos.

Especificamente a comunidade feminina apresenta-se como espaço de redução das assimetrias de gênero no que se refere às Ordens religiosas. A comunidade feminina da Toca de Assis é formada por um mosaico do pensamento religioso que engloba o medievo e o moderno, mas essas representações são acionadas em determinados momentos. Sendo assim, esse estudo de caso permite atestar a presença proeminente da esfera religiosa na contemporaneidade, bem como a sua remodelagem ao longo do tempo. Além disso, contribui para contemporizar as abordagens que enfatizam as assimetrias de gênero na vida religiosa. O estudo sugere que rapazes e moças da Toca podem refazer as relações institucionais de gênero no que tange ao campo religioso católico, uma vez que inovam no desenvolvimento pastoral e não parece haver alta demanda pela clericalização da comunidade. Temos aqui um campo aberto a investigações posteriores.

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Notas

  • 1
    Denominaremos desse modo o grupo analisado, embora a Fraternidade Toca de Assis seja mais ampla do que os Institutos feminino e masculino.
  • 2
    Segundo Lozano (2002)LOZANO, Jorge Eduardo Aceves. (2002), “Prática e estilo de pesquisa na história oral contemporânea”. In: M. Ferreira; J. Amado. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV., uma das facetas metódicas do manuseio de fontes orais é o estilo analítico complexo que compreende a fonte oral de forma a problematizá-la e complementá-la com outras fontes.
  • 3
    A Revista da Toca de Assis é uma publicação mensal da Fraternidade Toca de Assis (nome jurídico) que conta com uma tiragem de 10.000 exemplares. A Revista foi interrompida por cerca de dois anos mas foi retomada, e, reformulada e modernizada, permite o acesso através da internet.
  • 4
    No estado do Rio conversamos com moças da Toca em Itaipuaçu, Niterói, Macaé e Rio de Janeiro. Além disso, colhemos depoimento, por skype, de uma integrante residente em Campinas/SP.
  • 5
    O projeto de pesquisa Perspectivas sócio-históricas do Franciscanismo: modernidade e vocação religiosa a partir da Toca de Assis, recebeu o apoio da FAPERJ, por meio do Edital Pesquisa na Área de Humanidades, 2008.
  • 6
    A Toca de Assis está presente em oito estados brasileiros, elencados a seguir com o número de unidades entre parênteses: CE (3); TO (1); GO (1); MG (3); MS (1) RJ (5); SP (14); PR (3). A informação está disponível em: http://tocadeassis.org.br/onde-estamos - Acesso em 4 set. 2014.
  • 7
    Forma de tratamento dos rapazes e moças do instituto. Pinto (2012:25)PINTO, Flávia Slompo. (2012), A loucura da cruz: sobre corpos e palavra na Toca de Assis. Campinas: Dissertação de Mestrado em Antropologia Social, Unicamp. indica que “‘ser toqueiro’” implica em um tornar-se, uma caminhada de formação que tenta não seguir um padrão, mas sim se atentar para o particularismo de vida de cada um que manifeste sua vontade de entrar para a Toca de Assis”.
  • 8
    Moreira (2003)MOREIRA, Alberto da Silva. (2003), “São Francisco e os pós-modernos”. In: S. Costa; A. C. F. Silva; L.R. Silva (Org.). Atas do Ciclo: a tradição monástica e o Franciscanismo. Rio de Janeiro: UFRJ. acredita que Francisco de Assis adotou novos valores, saindo do sistema que sua época acreditava ser o único. Sendo assim, Francisco de Assis possuía atributos como: ligação com a natureza; uma postura de interdependência, recuperando a sensibilidade e a solidariedade para com o mundo; e o respeito a singularidade.
  • 9
    O véu de cor branca é usado por moças no período inicial da formação, e a cor marrom depois de consagradas.
  • 10
    Cada uma dessas etapas tem um tempo variado de duração e nelas são oferecidos diferentes conteúdos formativos. Tanto a pastoral vocacional quanto o aspirantado e postulantado são momentos mais leves da formação em que é priorizado o conhecimento da comunidade. O noviciado costuma durar dois anos e é a fase mais intensa do que eles denominam “discernimento vocacional”. Após o noviciado os jovens rapazes e moças estão aptos a fazer os votos religiosos. O juniorato é a fase posterior aos votos.
  • 11
    Moças que passam pelo processo de formação e adaptação dentro dos institutos religiosos na Igreja católica.
  • 12
    No caso dos rapazes podem ser padres ou simplesmente irmãos não ordenados.
  • 13
    Os dados sobre o quantitativo de religiosos e religiosas da Toca nos foram fornecidos pelo escritório central, situado em Campinas, no ano de 2010.
  • 14
    Trata-se de D. Bruno Gamberini, arcebispo de Campinas, falecido em 2011.
  • 15
    Daqui em diante utilizarei a abreviação “Ec” para cada referência a entrevista concedida.
  • 16
    Pensamos especificamente nesse caso em católicos que creem em elementos do sistema de crenças espírita; cultivam práticas oriundas do New Age, simpatizam e eventualmente frequentam outras denominações.
  • 17
    Não há registro quantitativo que compare, em termos de séries históricas, o crescimento dessas comunidades. Mas os estudos de Oliveira (2003)OLIVEIRA, Eliane M. (2003), O mergulho no ‘Espírito de Deus’: diálogos (im)possíveis entre a Renovação Carismática Católica (RCC) e a Nova Era na Comunidade de Vida no Espírito Canção Nova. Rio de Janeiro: Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, PPCIS/UERJ. apontam o dinamismo dessa nova manifestação religiosa e sua capacidade de expansão. Em relação à Toca de Assis, também Mariz e Lopes (2009)_____________ e LOPES, Paulo V. (2009), “O reavivamento católico no Brasil e o caso da Toca de Assis”. In: F. Teixeira & R. Menezes. Catolicismo plural: dinâmicas contemporâneas. Petrópolis: Vozes. , assinalaram a dificuldade de obtenção do número exato de membros.
  • 18
    A peça A segunda vinda de Francisco de Assis, de José Saramago, caminha para a construção de uma nova imagem de Francisco de Assis. Dessa vez, Francisco seria humanizado, respondendo de forma indefesa às tentações e aflições terrenas.
  • 19
    Clara de Assis nasceu ao fim do século XII e foi canonizada no ano de 1255. Foi seguidora de Francisco de Assis e com ele fundou, em 1212, a chamada “Ordem das Irmãs Pobres”. Após a sua morte, em 1263, a ordem recebe o nome de Ordem de Santa Clara ou Pobres Clarissas. Cf. http://www.irmasclarissas.org.br/santa_clara.htm – Acesso em: 15 ago. 2014.
  • 20
    As Beguinas eram moças que não desejavam entrar em mosteiros, mas servir a Deus e viver uma vida austera. Ver: Comblin (1998)COMBLIN, José. (1998), Vocação para a liberdade. São Paulo: Paulus..
  • 21
    Essa “Carta Apostólica”, publicada em 1994, encerra as discussões sobre a ordenação feminina, considerando inviável tal procedimento devido aos arcabouços teológicos. Contudo, com o pontificado do papa Francisco, há um clima de otimismo de alguns setores da Igreja em relação a possíveis avanços em temas controversos, como a ordenação de mulheres e o celibato.
  • 22
    O depoimento pode ser encontrado na Revista da Toca de Assis. Disponível em: http://tocadeassis.org.br/revista/10/revista-toca-de-assis-julho-de-2014 – página 13 - edição de julho de 2014. Acesso em 10 set. 2014.
  • 23
    A edição da Revista da Toca referente ao mês de setembro de 2014 noticia que 22 irmãs fizeram os votos perpétuos em maio de 2014.
  • 24
    São eles: BA, CE, MG, PB, SP. RN.
  • 25
    À época da pesquisa havia poucos padres na Toca de Assis e esses não estavam sediados no Rio de Janeiro, mas em Campinas, SP.
  • 26
    Confira: http://www.youtube.com/watch?v=CunmZjcEs5Y – Acesso em 10 set. 2014.
  • 27
    Estudamos nesse mesmo projeto as fontes escritas provenientes das Clarissas que vivem no Mosteiro da Gávea, no Rio de Janeiro. As Clarissas constituem o principal grupo feminino religioso relacionado aos primórdios do Franciscanismo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    Set 2013
  • Aceito
    Jun 2014
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