Open-access Onde está o religioso? Mística e espiritualidade no político, no público e no secular 1

Where is the religious? Mystique and spirituality on politics, publics, and secular

Resumos

Resumo: Acompanhando o cotidiano de trabalho de agentes da Comissão Pastoral da Terra na Amazônia oriental, procuro descrever suas definições e experiências de mística e espiritualidade. Esses atores inscrevem singularidades importantes no conjunto dos cristianismos, pela forma como o religioso opera nesse mundo. Assim, a mística vivida pelos agentes de pastoral embaralha as fronteiras entre espírito e matéria. Ela está imbricada nas atividades correntes do mundo material, de serviço ao outro, na constituição de públicos e problemas públicos como reforma agrária e violência no campo, o que os leva a participar constantemente da produção do secular.

Palavras-chave: mística; espiritualidade; pastoral da terra; público; secular


Abstract: Following pastoral agents in Eastern Amazonia in their daily work, I aim to describe their definitions and experiences about mystique and spirituality. These actors insert important singularities in the set of Christian practices, specially by the way the religious operates in their world. Thus, the mystique lived by the pastoral agents blurs the boundaries between spirit and matter. It is intertwined in the flows of material world, and it participates in publicizing processes such as those about land reform and violence in countryside so that pastoral agents are constantly engaged in the production of the secular.

Keywords: mystique; spirituality; land pastoral; publics; secular


Introdução

No barracão da ocupação, os bancos, com tábuas de madeira fina apoiados em pedaços de troncos maciços, dispostos em fileira, separados por um corredor, com os homens sentados à direita e as mulheres à esquerda, acomodam mais ou menos as 80 pessoas que vieram para reunião, marcada semanas antes pelo presidente do sindicato de trabalhadores e trabalhadoras rurais de Campos do Norte2. Fomos buscá-lo com a caminhonete da CPT no dia anterior […]. “Bom dia, companheiros! [bem alto] […] O sonho de ter uma terra produtiva, o sonho de ter sua criação, o sonho da terra prometida é um sonho bonito. Aqui tem estradas deterioradas, difíceis de circular, tem muitas dificuldades, mas com um sonho desses, a gente dorme bem e parece que não tem mais dificuldades, não é? Eu pergunto aos companheiros que estão sofrendo nessas condições desde o início da ocupação, que trabalham no seu lote de terra todos os dias: é justo perder a terra por causa dos que abandonam? [Muitas pessoas respondem: Não!]. Então, a luta do sindicato e da pastoral só faz sentido com vocês. […] Não é justo abandonar a terra. […] Eu gostaria que vocês falassem com seu vizinho que não aparece mais há muito tempo no seu lote, e que dissessem a ele para trabalhar, porque senão o sindicato vai indicar uma outra pessoa para ocupá-lo. [Um homem pergunta: mas qual é o projeto da pastoral para a ocupação “Deus é o Senhor”?] Deixe eu te dizer o que é a pastoral. Nós somos uma comissão da igreja católica que não segue o que a maioria dos padres e bispos desejam. A pastoral é autônoma em relação à igreja brasileira, porque ela não utiliza seu dinheiro. Meu salário por exemplo vem de uma organização católica alemã que arrecada fundos com os fiéis de lá. […] Nós na pastoral, não propomos projetos. Temos na equipe dois advogados, um técnico agrícola, dois sociólogos, e o pessoal do escritório. Nós não temos muito conhecimento para vir aqui e dizer a vocês o que tem de fazer, apresentar um projeto, coisa do tipo. É verdade que defendemos a agro-ecologia, mas a gente não vem aqui com um projeto formatado. A gente não traz projeto, a gente traz formação. A pastoral não faz nada se vocês não estiverem organizados. […] [Um senhor na assembléia: o apoio da pastoral é jurídico, então?] É jurídico, mas é ajudar a constituir uma associação, ou então ajudar fulano a plantar melhor uma coisa, e nós fazemos também formações”. (trechos editados do caderno de campo, 14/04/2014).

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A fala que acaba de ser transcrita vem de Zé Luiz, quando eu, na minha primeira temporada de trabalho de campo, o acompanhava em sua primeira visita3 como presidente de um sindicato de trabalhadores rurais a uma ocupação de terra. Naquele momento, Zé Luiz precisava apresentar a si próprio e o trabalho realizado pela pastoral da qual faz parte. O quadro situacional é relevante para uma análise etnográfica. Zé Luiz necessita explicitar em público o que, em outras situações do trabalho que ele realiza, permanece implícito.

Uma linha atravessa sua fala separando condutas valorizadas - organização dos trabalhadores, trabalho contínuo na terra, agroecologia - em contraposição às proscritas: lógica assistencialista de projeto, abandono da terra. Aí se encontra sobretudo a repetição em se definir trabalho de base como atividade essencialmente pedagógica que visa reforçar o processo de mobilização social. É o trabalho de formação que aparece em destaque, com seus correlatos, a organização local, e o protagonismo dos trabalhadores, tal como encontramos amplamente definidos nos documentos oficiais produzidos pela pastoral - cartilhas, notas públicas, relatórios de conflitos agrários - e nas entrevistas formais com os agentes4, momento em que eles dedicam mais tempo a refletir sobre os valores que orientam suas ações, que aparecem então de forma mais cristalizada, ou exemplar (Robbins 2015).

O trabalho pedagógico realizado por agentes de pastoral em ocupações e acampamentos objetiva, por um lado, preparar seus membros para participação nas discussões públicas em torno de políticas de acesso e repartição de terras. Por outro, como se trata de casos conflituosos, visa estimular a capacidade de denúncia de eventos que se enquadrem como ameaças, agressões e assassinatos. Ao se voltar diretamente às pessoas e sua capacidade de agir, esse trabalho atua na produção de subjetividades democráticas (Dullo 2013). Dessa forma, mais do que operarem numa abstrata esfera pública, os agentes de pastoral são fundamentais na constituição de um público (Montero 2016): tanto do público que formula e descreve um problema - reforma agrária, violência no campo, entre outros - quanto do público de quem se espera respostas para o tratamento do problema - agências estatais, paraestatais, não governamentais, etc.

Neste trabalho, compartilho descrições que rendem uma discussão em torno do lugar ocupado pelo religioso - enquanto linguagem (Keane 1997), modo de enunciação (Latour 2004) e regime de ação - nos contextos de experiência e ação dos agentes, membros de uma organização confessional cristã e ecumênica, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), no seu trabalho de assessoria junto a comunidades rurais, em áreas de disputa pela posse da terra na Amazônia oriental. Busco restituir como alguns interlocutores agem e descrevem suas ações no mundo dos conflitos, acompanhando-os no movimento de definir o religioso: ou seja, os elementos que eles colocam em relação e abrigam sob essa categoria. Para eles, isso significa passar pelas definições acerca de mística e espiritualidade 5.

Esse esforço descritivo visa chamar a atenção para uma forma de cristianismo vivida por meus interlocutores que inscreve diferenças e singularidades importantes em meio ao conjunto de conceitos e práticas dessa religião global. Se, mais recentemente, temos acompanhado o desenvolvimento do campo da antropologia do cristianismo (Robbins 2003; Cannell 2005, 2006; Bialecki, Haynes & Robbins 2008), a constatação é de que ainda é necessário multiplicar as pesquisas de campo para descrever mais finamente a heterogeneidade aí presente, já que a maior parte dos estudos, até o momento, está concentrada em torno dos evangélicos pentecostais e neopentecostais, e dos católicos carismáticos (Hann 2007), apesar de esforços recentes para reinvestir o exame do pluralismo católico contra uma certa ‘invisibilidade analítica’ como afirmam Norget, Napolitano e Mayblin (2017), em recente coletânea. Isso provoca um viés nos estudos sobre articulação entre cristianismo, público e política. Tende a considerar, por exemplo, os cristãos da libertação como atores de um passado superado, e ignora como eles, apesar do caráter minoritário, participam ainda fortemente da fabricação do político - no sentido oposto ao de governo, de ações que tornam manifestos sujeitos e questões até então não percebidos (Rancière 2000) - em assuntos literalmente sensíveis - pela forma como co-movem diferentes atores implicados na questão -, a exemplo do acesso e da repartição de terras no Brasil. Atentar para as definições e experiências de mística e espiritualidade entre os agentes de pastoral permite reconsiderar o modo pelo qual alguns antropólogos têm privilegiado o estudo de religiões públicas no Brasil (Montero 2016; Montero, Silva e Sales 2018), como destacarei na conclusão.

Começo compartilhando os estranhamentos na primeira temporada de campo (março a julho de 2014) e o aprendizado que obtive acerca da mística do serviço ou do trabalho de base, nos períodos posteriores (novembro de 2014 a dezembro de 2015; junho de 2016 a setembro de 2016; março de 2017 a junho de 2017; março de 2018 a junho de 2018). Faço uma breve apresentação da organização e sua história, e combino minhas observações de campo com reflexões mais cristalizadas sobre mística e espiritualidade que encontrei na pesquisa junto aos arquivos e entrevistas. Espero, assim, destacar os elementos postos em prática pelos atores que redefinem o religioso e seu lugar, e as singularidades dessa forma de cristianismo da libertação, que demandam ainda hoje atenção etnográfica.

Primeira temporada, primeiros estranhamentos

No Brasil, não há uma fonte oficial para o levantamento estatístico de conflitos agrários. O registro mais exaustivo disponível sobre situações de violência (agressões, despejos, ameaças) na área rural é feito ainda por uma organização vinculada à Igreja Católica, a CPT, apesar de sua constituição ecumênica. Por si só, esse já é um indicador que aponta para a importância dessa instituição confessional dentro da rede de atores públicos e privados que se configura em torno das políticas de acesso, regularização, redistribuição e assentamento de terras no país. Mas os agentes da CPT, por meio daquilo que definem como assessoria e trabalho de base, prolongam também a cadeia de mediações que dá visibilidade a denúncias e reivindicações de coletivos e movimentos sociais, estando eles próprios engajados em fomentar o surgimento de novas organizações de representação das comunidades, nas diferentes regiões em que atuam.

Em minha primeira temporada em campo, eu já dispunha de algumas dessas informações, sobretudo mediante a leitura dos relatórios e dos cadernos “Conflitos no Campo”6. Estava interessado em estudar a experiência de lideranças em áreas de ocupação ou acampamento que vivem sob ameaças - de despejo, de agressão, e/ou de morte - e listava os atores envolvidos em torno da elaboração do problema público (Cefaï 1996, 2017). Os agentes da CPT apareciam com frequência, por exemplo, na elaboração de notas públicas, e na participação de reuniões do programa federal de proteção a defensores de direitos humanos. Além disso, eu percebia que entre os ameaçados havia também os religiosos (no sentido de membros do clero regular) e leigos que trabalhavam na organização, mantendo a continuidade do engajamento.

Vieram os primeiros estranhamentos: (i) apesar de ser uma organização confessional, o vocabulário de motivos empregado (Wright Mills 2017 [1940]) em boa parte dos documentos era sobretudo de ordem jurídica e mobilizava instrumentos das ciências sociais (marxismo e antropologia cultural, principalmente) para descrever a realidade denunciada; (ii) as razões teológicas ou eram implícitas, ou secundárias quando explicitadas7; (iii) as exigências coincidiam com aquelas feitas por atores coletivos não confessionais que se autodeclaravam como à esquerda no espectro político, o que descentrava o senso comum que agrupa os católicos como conservadores.

Percebia que estava diante não apenas de católicos militantes, mas de militantes católicos. Para entender melhor a história desse grupo, e se, aliás, um grupo como tal existia e podia ser assim nomeado, encontrei uma ampla bibliografia nos anos 1970 e 80, que tratava sobre católicos radicais (Kadt 2007 [1970]), Igreja e questão agrária (Paiva 1985; Martins 1989; Almeida 1993), Igreja e processos políticos de transformação social (Della Cava 1975; Krischke & Mainwaring 1986; Mainwaring 1989), Comunidades Eclesiais de Base e Movimentos Populares (Macedo 1986; Lebauspin 1987). Balanços bibliográficos (Steil e Herrera 2010; Dullo 2013) apontam as décadas referidas não só como o momento em que as ciências sociais estiveram mais interessadas por esses grupos, como o período de maior produção intelectual nativa da teologia da libertação, a que se filiariam esses militantes católicos. Note-se que, para o período, à exceção de Macedo (1986), os estudos etnográficos já eram raros8, se comparados aos de história social, ciência política e sociologia. Mas por que uma rarefação dos estudos hoje sobre esses grupos? No caso da CPT, um outro estranhamento: os trabalhos sobre a organização são em geral de história social e geografia agrária, mas nenhuma etnografia.

Nas minhas anotações de campo, após quatro meses, e várias dessas visitas, registrei que as ações me pareciam bastante ‘seculares’, e a isso voltarei. Todo o serviço, por assessoria pedagógica, jurídica e assistência técnica agrícola, apelava, eu repito, para um vocabulário de motivos que, exteriorizado, explícito e compartilhado, não trazia razões teológicas ou religiosas. Hoje tenho clareza que o problema - para mim, não para eles - era que o religioso, tal como entendia, não estava onde eu esperava. O convívio com os agentes que se autodeclaram católicos9 me fez aprender que eles traçavam outras fronteiras, embaralhando as minhas. Isso tinha a ver como mística e espiritualidade são operadores conceituais nesse mundo, e é preciso, para alguém que chega, como eu, ir atrás deles, fazê-los emergir nas interações conversacionais, alterando às vezes o quadro da situação para conversas mais formais/entrevistas, porque meus interlocutores raramente comentam sobre eles.

“É inserção, dentro, e pelo testemunho”: emergência da CPT

Eu acho que muito dessa metodologia mística da CPT tem a ver com o Cláudio [Perani]. Você já conversou com Canuto? Canuto é um dos fundadores, estava nesse encontro. O outro é o Ranulfo Peloso, que também estava. O Claudio me contou a história como foi. […] A CPT nasceu de uma iniciativa oficial. O Dom Moacir Grecchi era bispo da linha 6, [assim] chamada, [que] era linha missionária. O encontro era pra discutir pastoral na Amazônia, diante dos conflitos de terra, da situação de muita violência contra os camponeses, e tal. O CIMI já tinha sido criado, e não se sabia bem o que ia sair dali. Um dos assessores do encontro era, por um lado, o CEAS, que foi convidado a fazer esse trabalho, eles fizeram um levantamento, viajaram, o Ivo Poletto ajudou também aqui pelo lado do Goiás. Visitaram pessoas, agentes de pastoral, religiosos, religiosas, bispos, que tinham trabalho com a questão da terra, estavam envolvidos com a luta pela terra, defesa de posseiros, e coisas do tipo, pra ver como tavam fazendo. Isso foi base pro encontro de Goiânia. Se não houvesse isso, sei lá o que ia sair desse encontro, né. E claro tinha Tomás [Balduíno], Pedro [Casaldáliga], outras figuras, [inaudível] do Rio Grande do Sul, quem mais?, é… [esforço pra lembrar]… Canuto, que nessa época era padre em São Félix. […] Mas nem Helder [Câmara], nem a turma do chamado Nordeste ali. É… […] decidiu-se que seria uma pastoral popular, pra favorecer o entendimento, o envolvimento e a organização e o protagonismo dos camponeses. O modo do CIMI influenciou muito, segundo o Cláudio. O CIMI é uma ruptura com a pastoral indígena, né, com as missões de evangelizar os índios, e sufocar a cultura deles, e tal. Não. É inserção, dentro, e pelo testemunho vamos ajudar que eles próprios façam sua luta, né. E isso influenciou. […] A CPT nasceu desse jeito, nasceu assim. E se consolidou dessa forma. E você tinha a ACR, ação católica rural, ACO, as JECs, JIC, JOC da vida toda, saiu dali e tiveram papel importante. Que era gente ligada à Igreja, até com mandato, né… Ação Católica, originalmente, o padre Cardin lá, o belga, né, era… era isso… quer dizer a Igreja, os leigos que atuavam no meio do mundo, mundo fora da Igreja, mas ligados, dependentes, sob autoridade dos bispos, né. A CPT rompe com isso. Ela tem uma autonomia, que é determinada pelo destinatário da missão, que é o camponês seja ele qual for: católico, crente, do candomblé, seja ele qual for. É a situação por ele vivida que clama [ênfase] e exige um apoio, uma resposta de igreja, comunidade cristã. É… O Cláudio, eu tive, nós tivemos na Bahia a sorte de tê-lo muito tempo conosco ainda. Ele assessorou ainda muitos encontros da CPT, sempre tava presente, e ele dizia: “uma coisa é a pastoral da terra que toda igreja tem que fazer; e outra coisa é a comissão pastoral da terra, a serviço da pastoral da terra”. Quer dizer, a contribuição da pastoral da terra pra Igreja é única. Que é exatamente na fronteira. Essa expressão ele falava muito. É uma pastoral de fronteira. É uma pastoral de conflito. E a Igreja não gosta nem de fronteira, nem do conflito. A Igreja não tem fronteira. Fronteira significa aceitar um outro que não sou eu, né? (entrevista com Rubens Siqueira, 29/04/2018).

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Sobre a história da criação da Comissão Pastoral da Terra, já tinha obtido algumas informações por meio de publicações produzidas pela CPT em comemoração dos seus aniversários de 10, 20, 25 e 40 anos. Em um dos períodos em campo (março a junho de 2018), pude consultar os arquivos do Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno sediado na Secretaria Nacional da CPT, em Goiânia (GO). Uma parte das caixas que guardam documentos institucionais foi digitalizada e está acessível por um banco de dados on-line10. Privilegiei a consulta nas outras caixas que continham comunicações, correspondências, notas, relatórios e publicações oficiais sobre a instituição no período que vai de 1975 a 1997. Após isso, retornei à Amazônia oriental, para acompanhar o trabalho das equipes de agentes locais por lá. No final de abril, pude assistir à assembleia trianual de todas as equipes da CPT da região. Para essa reunião, veio Rubens11, agente de pastoral na Bahia e membro da coordenação nacional. O trecho acima destacado foi retirado de uma entrevista que fiz com ele, ao final da assembleia.

Encontrei nesse relato elementos coincidentes com os que estão em outros textos que narram a história de sua criação, e que eu mesmo ouvi me contarem em conversas informais à época em que trabalhei como agente numa equipe local, em 2015, mesmo ano em que se deu o Congresso Nacional da CPT12 em Porto Velho (RO), momento em que foi destacado que o congresso acontecia pela primeira vez na Amazônia, a região onde, e em função da qual, a CPT foi criada. Os elementos coincidentes são: (i) a CPT nasce de uma iniciativa oficial, porque foi criada durante um encontro de bispos; (ii) os bispos que participaram do encontro eram sobretudo da Amazônia e do Centro-Oeste; (iii) apesar de ser fruto de uma iniciativa oficial de bispos católicos, desde sua fundação tem caráter ecumênico, trabalhando com membros das igrejas metodista e luterana, e autônomo, porque suas decisões não estão submetidas às deliberações/autorizações da CNBB, mas de suas assembleias periódicas, que reúnem agentes e integrantes das comunidades acompanhadas pela CPT; (iv) o trabalho que a CPT viria a realizar já era na verdade realizado, criando-se uma comissão mais para articular experiências em andamento.

Rubens destaca que a história dos militantes católicos no Nordeste e sua ação no meio rural não é aproximável do que aconteceu para Amazônia e Centro-Oeste, e isso gera diferenças profundas na “metodologia”, como dizem os agentes. Enquanto a “metodologia mística” de que fala Rubens é declinada em termos como serviço, apoio, ajuda, presença, assessoria, de fomentar o protagonismo dos “camponeses”, de modo que eles criem o seu movimento, no Nordeste, como ouvi diversas vezes de meus interlocutores, a CPT assume ela própria contornos de movimento. E entre meus interlocutores e amigos que estão na Amazônia isso é objeto de constante reflexão.

Nas publicações oficiais, as narrativas de criação traçam uma linha genealógica que coloca como antecedente do “encontro de Goiânia”, ocorrido entre 18 e 22 de junho de 1975, a publicação de três documentos, todos de 1973, nos quais bispos elaboraram cartas pastorais descrevendo o aumento do número de disputas sobre terras nas suas diferentes regiões e a necessidade de a Igreja dar uma resposta: “Ouvi os Clamores do meu Povo” (bispos do Nordeste); “Marginalização de um Povo - Grito das Igrejas” (bispos do Centro-Oeste); e “Y-Juca-Pirama - o Índio, aquele que deve morrer” (bispos da Amazônia Legal). Na consulta às pastas, encontrei boletins que repercutiram o encontro em Goiânia, informando para agentes de outras regiões os encaminhamentos tirados na reunião e a possibilidade de se constituírem equipes locais em torno da recém-criada Comissão Pastoral da Terra. Há uma reverberação entre alguns pontos da narração presentes nesses documentos, no relato de Rubens e em textos analíticos produzidos por assessores da CPT.

O primeiro deles é a ideia de resposta, que meus interlocutores, sobretudo os que se autodeclaram católicos, associam aos termos de provocação, clamor ou grito da situação de conflitos. Assim, no conjunto de relatos, a pastoral nasce de uma situação emergencial, de crise, que demandava uma ação. Na Amazônia, área de frente de expansão, a situação é descrita como pior do que no Nordeste, pela falta de atores, como os sindicatos, para realizar a “mediação” com as agências de Estado e controlar os casos de violência - “é uma pastoral de fronteira; é uma pastoral de conflito”. O que eu aprendi com o relato de Rubens foi a existência desse levantamento feito pelo religioso jesuíta Claudio Perani, junto a sua equipe do Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), que municiou os debates do encontro. Uma pesquisa empírica configurando-se como ato preparatório da reunião oferece muita matéria para reflexão: um dispositivo sociotécnico - pelo agregado de instrumentos e atores que a compõem - que permitiu ao mesmo tempo a representação e a expressão tangível das situações e do clamor.

É importante atentar onde os agentes de pastoral põem ênfase nos seus relatos. Eles insistem na inovação e ruptura criadas pela CPT - na mesma orientação do CIMI, Conselho Indigenista Missionário, criado antes - no modo de se conceituar e realizar missão e evangelização, que não passa mais pela palavra, mas pelo testemunho, serviço, ajuda, apoio, presença: “é inserção, dentro, e pelo testemunho vamos ajudar que eles próprios façam sua luta”. A metodologia da inserção, que contribui para mundanização do catolicismo (Dullo 2013), é fundamental para o florescimento de uma nova forma de pensar e viver a espiritualidade. Ela já vinha sendo trabalhada por militantes católicos no Brasil e fora dele, especialmente na França, onde, desde o movimento dos padres operários, se desenvolveu uma reflexão específica em torno tanto do établissement religioso como do laico13. A CPT emerge, portanto, num contexto em que já existe uma circulação transatlântica de ideias, práticas e valores (Löwy & Garcia-Ruiz 1997), transportadas por documentos e por atores que transitam em diferentes espaços. Na Amazônia oriental, por exemplo, houve, e há até hoje, religiosos franceses com experiências de inserção no país de origem14.

O relato de Rubens repercute, especialmente no que concerne aos sentidos de “fronteira” e “evangelização”, o que encontrei no texto preparatório da assembleia nacional da CPT em 1995, vinte anos após a sua criação, feito por um de seus assessores teológicos à época:

Todavia se faz necessário precisar a dimensão pastoral e eclesial da CPT. A CPT se entendeu desde o começo, como uma pastoral de fronteira. Ao definirmos como “pastoral de fronteira” ou “na” fronteira, estamos mudando completamente os parâmetros da “missão”: como viver o envio (missão) não mais como uma expansão das fronteiras eclesiais, mas como experiência do Deus vivo, inclusive ecumênica, pluri-cultural e inter-religiosa, nas fronteiras do outro? […]. Assim torna-se sinal profético para as próprias igrejas, ao interpelá-las constantemente a viver esta dimensão de testemunho solidário e gratuito no seu ministério e comprometer-se com os empobrecidos do campo. (Piccoli 1995:8, grifo nosso).

Esse tipo de evangelização remete ao ‘testemunho pelo exemplo’ (Bonfim 2016), em contraposição não apenas ao convencionado proselitismo, mas ao ‘testemunho pela parresia’ (Bonfim 2016) dos carismáticos católicos. Neste último, o modo de enunciação do religioso, uma comunicação que visa transformar o destinatário da mensagem (Latour 2004), se aplica perfeitamente, mas não no primeiro, referente a uma evangelização em silêncio (Rufino 2002). E, no entanto, a ação dos agentes de pastoral não é por eles definida como menos religiosa.

De fato, no conjunto das situações ordinárias de trabalho de base de que participei nas ocupações e acampamentos com os agentes, mesmo com os religiosos do clero, nunca observei “anúncio explícito da Palavra”, que era reservado para os momentos extraordinários da vida social, dentro de alguns rituais inscritos no calendário de mobilizações da região, como as romarias e os atos-memória, e ainda assim, nesses casos, a palavra é expressa ecumenicamente, destina-se para os que já compartilham da mística e espiritualidade militantes, e não para trazer membros de outras religiões à confissão católica.

O surgimento de pastorais como CIMI e CPT é, dessa forma, um acontecimento crítico no catolicismo brasileiro, na medida em que redefine um conjunto de conceitos e práticas como o de pastoral - pastoral da terra não é pastoral rural, por exemplo -, evangelização, missão, testemunho, e também o de profecia, porque esta última não se volta apenas para o mundo, mas para a própria instituição eclesial. Ou seja, se a ação dessas pastorais é cada vez mais no mundo, ela espera com seu testemunho “interpelar” antes as próprias igrejas do que o “outro”.

“As questões e os problemas da vida”

Mochilas nas costas e chinelas nos pés, os agentes de pastoral vão visitar todos novos colonos da Transamazônica. Em todas as localidades são montadas Comunidades Eclesiais de Base (CEB) e isso principalmente na área rural. Se as primeiras demandas dos agricultores estão mais do tipo sacramental (batismo, casamento) rapidamente as questões e os problemas de vida apareceram. Os agentes pastorais leigos vão se empenhar em resolver essa situação onde tudo fica para ser feito: instalar os povoados, abrir as estradas, construir as escolas; diante da ausência total do Estado, é só a solidariedade que resolve; então as comunidades se estruturam ao redor das ações de solidariedade (caso de doença, mutirão, ajuda mútua), dos momentos de encontros (culto semanal onde se reza mas também onde se discute os problema para ser resolvidos). Geralmente todas essas atividades são coordenadas pelos animadores de comunidade; esses são 2 ou 3 pessoas, homens ou mulheres, jovens ou idosos escolhidos democraticamente por cada comunidade para coordenar todas as atividades. (Wambergue 2018)15.

Emmanuel Wambergue, o Manu, filho, neto e bisneto de agricultores, nascido na França, formado em técnicas de conserto de máquinas agrícolas, bacharel em filosofia pela Université Catholique de Paris, participou de movimentos da juventude católica rural e depois entrou como irmão leigo na Congregação dos Oblatos de Maria Imaculada. Por intermédio de dois padres da Congregação, recebeu o convite para “trabalhar numa pastoral, na região do Araguaia, no início da abertura da Transamazônica, […] para acompanhar os colonos recém-chegados” (entrevista com Emmanuel Wambergue, 08/05/2018, grifo nosso). Manu chegou à região em que pesquiso no exato momento em que a CPT estava sendo criada. Foi escolhido para ser o primeiro coordenador da equipe, que contava, entre seus membros, com Dorothy Stang16.

Para a entrevista, Manu me trouxe alguns de seus manuscritos, que, pelo que me disse, vão compor sua autobiografia. Manu, assim que chega, assiste ao aumento no número de mortes e ameaças por disputas de terra entre colonos, posseiros e fazendeiros, tanto na região da Transamazônica recém-inaugurada quanto nas áreas dos castanhais. Presencia uma situação de crise/emergência que, como em outros lugares, provocou o surgimento da CPT como resposta. E define, numa passagem do manuscrito, a mística vivida nesse tempo como de persecução e de resistência, próxima em sua caracterização, aliás, à mística das primeiras comunidades cristãs perseguidas sob o império romano, de onde a teologia da libertação tira parte de sua inspiração para elaboração conceitual.

Gostaria de apreender esse material com base nas anotações etnográficas. Assim, consigo perceber como mística e espiritualidade operam como conceitos no mundo da pastoral. Primeiramente, elas estão na resposta cristã, diante de situações de emergência, de conflito. Não se encerram nos sacramentos, ou “desobrigas” e catequização da pastoral rural, mas passa pelo engajamento com “as questões e os problemas da vida”, como vi em Zé Luiz e outros agentes que acompanhei em campo, implicados em organizar as questões que constituem a experiência dos acampamentos e ocupações, que se transformam em causas e entram na conformação de problemas públicos - reforma agrária, violência no campo. As equipes locais da CPT que acompanhei destinam sua ação pastoral ainda prioritariamente para as situações de emergência - ela permanece uma pastoral de conflito -, isso porque a maior parte das áreas acompanhadas não são de assentamentos consolidados, mas de ocupações e acampamentos, cujo ciclo de vida tem se estendido por anos, sujeitos à emergência de situações como despejos violentos, ameaças de morte, incêndios de barracos, ações de pistoleiros, entre outros.

A mística, desse modo, é tanto descrita como motivação para o engajamento quanto como produto dele, numa circularidade que é bem consciente na reflexão dos agentes. Vive-se a mística nas “questões da vida”, nas discussões sobre abertura ou melhoramento da estrada, a construção da escola, e, percebo agora, quando Zé Luiz leva mudas para apoiar a produção agroecológica, promove reunião no barracão para resolver problemas da associação e reforçar a organização interna, nas manifestações, entre outras. Para os agentes de pastoral que se autodeclaram católicos, a mística está impregnada nas atividades cotidianas de serviço. Isso implica que a espiritualidade se vive nas atividades correntes do mundo material, e do secular, poderíamos dizer. Mas não em toda e qualquer situação ordinária, cotidiana, deste mundo, e sim, insisto, naquelas de serviço, o que implica o outro e a presença junto a ele.

Em resumo: a chave para compreensão da mística como operador conceitual nesse mundo está na maneira como ela define a relação com o outro (otherness) e embaralha a distinção espírito/matéria. Ela é pensada e vivida em ações concretas de serviço e se dá na fronteira do outro, que não deve ser apagada durante o curso da ação. Trata-se de um ‘outro’ que, por um lado, é específico - aquele que vive uma situação de emergência (aqui, mais propriamente, a das disputas assimétricas e violentas pela posse da terra) e provoca a necessidade de uma resposta - e, por outro, é indiscriminado quanto à sua adesão confessional: o destinatário da ação é o camponês “seja ele qual for: católico, crente, do candomblé, seja ele qual for” (entrevista com Rubens Siqueira, 29/04/2018). A presença, apoiando, já é eficaz para cumprir o testemunho, o que amplia o sentido de gratuidade que os agentes associam a serviço.

A amplitude das ações de serviço e a constituição de um público: mística e profecia

Em uma das reuniões mensais da equipe local, em maio de 2018, com sete agentes presentes na sala, onde ficam os materiais de eventos:

Começam a discussão de pauta sobre como anda a preparação da infraestrutura da romaria, em memória a duas lideranças da região assassinadas em 2011, que será realizada no final do mês. Os agentes terão que se dividir. Para a mesma data tem um encontro com o MAM [Movimento pela Soberania Popular na Mineração]. Um dos agentes sugere que “deveria sair uma moção de repúdio, um produto mais concreto da romaria, porque depois a gente fica disperso”. Sugere então que o pessoal do jurídico faça uma nota, um documento, com abaixo-assinado, que seria lido à noite durante a romaria. “É preciso ver não só quem vai ser romeiro, mas também quem vai ajudar na romaria”, diz Elizângela. Zé Luiz fica encarregado de passar no sindicato para fazer os convites e transportar os trabalhadores de um acampamento próximo que irão ajudar no mutirão para construir a cozinha dos romeiros. Entre o “pessoal do jurídico”, ficou decidido que também na nota pública sobre a romaria, relembrando a história do casal assassinado, tem que se falar da conjuntura mais recente: a da prisão de uma liderança mês passado, e do massacre de trabalhadores rurais ocorrido ano passado, na região vizinha. Este ano haverá também um ato em memória à passagem de um ano do massacre. […]. Seguindo na pauta, discute-se como a equipe pode ajudar um militante ameaçado que saiu da sua região, se a partir de “fundos emergenciais” de algum dos projetos, pode-se ajudá-lo a reforçar a segurança em sua casa. Passa-se a discutir o caso de despejo violento contra um acampamento num município vizinho. As famílias participavam de um movimento cuja existência o conjunto dos agentes ignorava. Alguns representantes deles vieram até o escritório há 3 dias, para relatar a ação de pistoleiros. Consigo registrar algumas falas: - “Levamos o pessoal para DECA (Delegacia de Conflitos Agrários), que mandou todo mundo para fazer corpo de delito, encaminhou a mulher grávida pra fazer exame, e foi no outro dia até a área para fazer a apuração. O pessoal dormiu no alojamento do sindicato. Hoje as famílias estão num acampamento do outro lado do rio Araguaia, no Tocantins”. - “O caso teve uma repercussão muito grande, né. Saiu no Bom-dia-Brasil. O sindicato rural fez até uma nota elogiando o juiz da vara agrária”. - “No dia não foi feito um registro fotográfico, umas fotos do pessoal. É claro que a gente estava chocado com a situação, e a forma como eles chegaram até aqui”. - “O que fazer além do imediato?” Uma agente relata que conversou muito com Aparecida, a mulher grávida, que seu bebê está com muita febre, e que o outro, um pouco maior, não conseguia dormir direito, com medo de tiros. Uma outra mulher grávida parece que ficou calada o tempo todo. “11 crianças ao todo, envolvidas na questão. Houve muitos traumas”. A voz embarga. - “Vou ver se tem recurso no projeto pra essa emergência” - “Vamos começar uma campanha de arrecadação entre nós e depois expandir. Vejamos os itens que precisa: fralda, cesta básica” - “Vamos tirar uma equipe pra ir lá no acampamento onde eles estão agora” […] Discussão sobre a visita de auditores dos dois grandes projetos em execução no momento. […] Informes finais. Uma lista de datas é repassada com os compromissos: encontro do MAM; romaria; reunião da Fetagri com presidente nacional do INCRA e Ouvidoria Agrária; reunião com Ministério Público estadual sobre casos de conflito; reunião com autarquia estadual de regularização fundiária na capital; reunião com desembargadora na capital sobre o caso da prisão de um agente da CPT em outro município; reunião com a pró-reitoria de extensão sobre a feira dos povos do campo. (trechos editados do caderno de campo, 10/05/2018).

***

Conviver com os agentes durante seus trabalhos me levou a participar de (i) reuniões de equipe, como uma dessas transcrita acima; (ii) atendimentos a trabalhadores no escritório; (iii) visitas a ocupações de terra; (iv) audiências públicas; (v) audiências administrativas e judiciais; (vi) encontros; (vii) atos-memória a lideranças, mártires e figuras exemplares; e mesmo de (viii) funerais, fora os inúmeros deslocamentos em viagens na caminhonete da CPT ou de van, entre outros. A lista de atividades feita nos informes finais acima oferece uma ideia da coleção de tipos de situações de que pude participar.

Há, portanto, uma diversidade nas formas de manifestação do serviço, e seu ritmo é oscilante. Há épocas em que a frequência de visitas, principal instrumento para o trabalho de base, aumenta, e em outras diminui. Algumas modalidades de ações coletivas, como os atos-memória e a romaria, estão estabelecidos em datas fixas no calendário anual; outras, como as manifestações, são mais conjunturais. Varia também a cada semestre a realização de encontros, oficinas, intercâmbios, segundo a agenda dos movimentos sociais, ainda que alguns deles estejam previstos como obrigatórios nos projetos de financiamento, mas sem data.

Não são poucas as situações que incitam a realização do serviço, com urgência, interpondo-se a outras atividades previstas na agenda da organização. Por exemplo, quando um grupo despejado vai até o escritório pedir apoio, ou quando chega a notícia que, a 400 km dali, aconteceu um massacre contra sem-terra 17. Assim, Zé Luiz, que estava encarregado para o apoio à romaria, e Elizângela, para o encontro da mineração, tiveram que incluir o atendimento no escritório e na delegacia às famílias despejadas por pistoleiros no município vizinho, além da ajuda a um militante ameaçado que passaria por ali nos próximos dias. As ações de serviço obedecem mais a uma lógica imanente, no contato com a situação, de necessidade de agir, do que à avaliação da sua pertinência segundo as linhas dos projetos financiadores18. Isso não deixa de provocar, aliás, dificuldades, depois, para justificar gastos realizados nessas atividades.

A descrição da reunião nos permite acessar ainda o número variado de atores, em diferentes escalas de atuação, com que interagem os agentes da CPT na realização de seu trabalho. A lista de informes finais, mais uma vez, é significativa. Na interação com os sindicatos e movimentos sociais, destacam-se as reuniões e os encontros. São espaços de formação, mas também de articulação, que, localmente, significa tanto o reforço das solidariedades entre os participantes do processo de mobilização social quanto a organização da pauta reivindicatória e da retórica de argumentos e justificações sobre a qual ela se apoia, e a preparação de ações coletivas como atos-memória, romaria, feiras agroecológicas, entre outras. Já a interação com atores estatais, de atuação regional ou nacional, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Ouvidoria do INCRA, Ministério Público estadual e federal, autarquia estadual de regularização fundiária, se dá por meio de reuniões e de vários tipos de audiências (públicas, administrativas e judiciais), com a participação ou não de sindicatos e movimentos.

Dessa forma, enquanto o trabalho de base se desenvolve numa escala local do mundo das ocupações e acampamentos, o trabalho de apoio/assessoria produz e veicula informações das ocupações para atores estatais, paraestatais, ONGs, sindicatos e movimentos, inscritos em diferentes escalas. Isso pressupõe, para além da participação em reuniões e audiências, acionar alguns dispositivos, como a produção de documentos. Destacam-se as notas públicas e relatórios. Na situação descrita vemos a sugestão de se lançar (i) uma nota sobre a romaria, (ii) de se fazer um registro na DECA após o atendimento ao grupo de famílias não acompanhadas que haviam sido recentemente despejadas, e (iii) um relatório, com registro fotográfico, após a visita.

Essa breve descrição de uma pauta de trabalho indica, por um lado, a diversidade e a amplitude das ações de serviço desempenhadas pelos agentes e, por outro, o intricado processo de formação de públicos em torno de problemas como reforma agrária e violência no campo. A lógica de agir imbricada no serviço pressupõe dos agentes uma constante disponibilidade, em tempo e energia, para executar o conjunto amplo dessas ações, muitas vezes de forma imediata, segundo o grau de urgência, o que significa, em alguns casos, realizar prestações sem a espera da reciprocidade.

Estamos diante de situações de gratuidade do dom. Na vinheta acima, elas aparecem no atendimento a vítimas de massacres ou de despejos violentos, mesmo em áreas não acompanhadas, que buscam o apoio da CPT. Se o dom gratuito tem a dimensão de um sacrifício e doação-de-si (Benthall 2017), essa disponibilidade inscreve-se no regime de ação do amor como ágape (Boltanski 1990), de uma doação “no silêncio das equivalências”, vivida não como obrigação, mas como uma necessidade imanente no contato com o outro. O serviço na pastoral da terra é uma das atualizações da tradição da doutrina cristã da diakonia, como descrita no evangelho de São Mateus, segundo a qual todo ato a serviço dos pobres é um ato de serviço a Deus, passagem de grande importância para a elaboração conceitual da ‘opção preferencial pelos pobres’ da teologia da libertação, matriz de pensamento em que os agentes se socializaram. Assim, podemos entender como eles, na realização do trabalho de base e apoio, podem experimentar a mística, o amor evangélico, e ainda fazer associações entre evangelização e testemunho.

Se nas ações de serviço se experimenta a mística, os processos de constituição de públicos e problemas públicos em que se engajam os agentes são meios de vocalização da dimensão profética da denúncia, na acepção local. Um problema se publiciza na medida em que interpela o Estado e montagens institucionais, tornando-se sensível (visível e audível), ao se inscrever num espaço argumentativo gerador de relatos e ações (Cefaï 2013). Os agentes, assim, produzem o, e participam do, público no sentido de Dewey (2001), que não é apenas um destinatário da mensagem, mas um coletivo que se forma mediante os processos de comunicação e associação, que emergem em torno de um problema. São esses mecanismos que dão forma ao clamor, que definem o problema e permitem fazer circular a crítica às suas causas, com atribuição de responsabilidades, como na tradição do profetismo de missão (Weber 2010; Karsenti 2013).

Onde está o religioso?

Os agentes católicos da pastoral da terra inovam em relação às categorias de pensamento e prática do cristianismo e da antropologia. No que diz respeito ao cristianismo católico, ao inscrever suas singularidades, como vimos, não privilegia o anúncio explícito da palavra, mas a prática de um testemunho solidário, pelo exemplo, por meio da ação neste mundo e por uma experiência do divino menos sacramental, que se realiza mais no meio humano, com o outro, a seu serviço. Assim, para meus interlocutores cristãos a centralidade da experiência religiosa não está numa relação solitária, íntima e contratual de crença em uma entidade transcendental, nem, aliás, nas celebrações litúrgicas convencionais, embora delas participem; mas nessa mística e espiritualidade, por um engajamento nas “questões da vida”19.

Eles inovam em relação às definições da antropologia, porque o religioso tal como definem não coincide com as descrições, por exemplo, de Latour (2004) e Keane (1997, 2008). O religioso aqui, por não conceder um lugar privilegiado à palavra, não opera como modo de enunciação caracterizado pela prédica que transforma o destinatário da mensagem e sua adesão confessional (Latour 2004) - a pastoral da terra não mede sua eficácia pela quantidade de outros que ela transforma, trazendo-os para o catolicismo. Ele também não se manifesta necessariamente por meio de uma linguagem desenvolvida em contextos interacionais com marcadores espaciais, temporais e textuais diferentes do cotidiano (Keane 1997, 2008). Ao contrário: o religioso é definido num contexto de experiência e ação que envolve situações cotidianas de serviço (trabalho de base; apoio/assessoria). E ele pode ser descrito pelo antropólogo como um agregado conceitual, na medida em que os agentes de pastoral colocam ao abrigo dessa categoria os termos mística e espiritualidade, de uso mais corrente e, enfatizo, presente nas ações cotidianas de trabalho, apesar de, em situações extraordinárias, como nos rituais das romarias e atos em memória das lideranças que tombaram na luta pela terra, os elementos que compõem a mística aparecerem de forma mais condensada (Peirano 2016), saliente, ou exemplar (Robbins 2015).

O religioso está, portanto, nas ‘práticas’, já que é experimentado na resposta dada a situações de emergência vivida pelo outro. É na ação que se faz a religião20. E ação no sentido aristotélico do termo já destacado por Lambek (2000): ou seja, não se trata apenas de praxis, mas de poiesis, porque estamos diante de atores que, estando a serviço do outro que sofre, experimentam o sagrado combinando engajamento sensível - pela diversidade de estados por que passam, da indignação ao amor como ágape, por exemplo - com reflexão, pois se pautam em julgamentos morais que lhes permitem (i) investigar, identificar e atacar a causa do sofrimento do outro e (ii) procurar os meios de realização da vida boa. Nesse duplo movimento, imbricam o ideal/imaginado - o exemplo no Evangelho - com as ações cotidianas de apoio.

Isso me permite descrever uma dimensão da mística pouco detalhada por etnógrafos até aqui. Se muitos deles (Bleil 2012; Chaves 2000; Flynn 2013) concentraram mais o estudo sobre a mística entre os integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) do que na CPT, eles trabalharam com o sentido mais restrito do termo mística como performance teatral, celebração ritual, e emoções produzidas nesses contextos que contribuiriam para reforçar solidariedades e forjar identidades militantes. Chaves (2000) aproxima mística de mana no sentido maussiano, e aqui sigo essa pista, mas, acompanhando os atores, observo que ela opera para além do ritual. Ela funciona como uma espiritualidade que explica o engajamento - ao mesmo tempo que é produto dele -, apesar do contexto de conflitos e ameaças em que se desenvolve o serviço/trabalho de base. Além disso, ela está emaranhada às ações como registro dos conflitos e produção de denúncias em notas e relatórios, organizações de audiências judiciais e administrativas com as agências de Estado, organizações de reuniões, visitas, formações, dentro do trabalho de animação dos grupos acompanhados. Trata-se de uma ética que faz do engajamento uma necessidade da prática religiosa (Berlivet & Sawicki 1994). Ou seja, ela está presente na cadeia de ações que produzem o público e problemas públicos, que envolvem e demandam ser tratados por atores não confessionais/não religiosos, como empresas e instituições estatais. Em outros termos ainda: o religioso (mística e espiritualidade), no contexto de experiência e ação dos agentes católicos da CPT, participa do, e produz o, secular21.

Considerações finais

A criação de uma pastoral popular como a CPT e o modo como seus agentes católicos pensam e agem nela, ao longo dos últimos anos, fazem emergir um contexto de experiência singular, do cristianismo da libertação, que merece uma descrição etnográfica atenta. Entre outras razões, pela redefinição do religioso que implica. A sócio-história de suas categorias de pensamento e prática acrescenta mais evidências à célebre crítica de Asad (2010) sobre a impossibilidade de se trabalhar com uma definição universal de ‘religião’. Mais ainda: as controvérsias se estendem no interior do cristianismo, e no conjunto do catolicismo, com seus diferentes movimentos e grupos cujo núcleo teológico se opõe ao central e ao de outros agrupamentos (Sofiati e Moreira 2018).

Na discussão sobre as religiões públicas (Casanova 2009), a experiência dos agentes da CPT também é boa para pensar. De uma parte, oferece evidência para a tese de Casanova (1994) sobre a força mobilizadora dos católicos na sociedade civil após a romanização/perda do estatuto de religião oficial. De outra, permite reorganizar os termos do debate nos estudos de religião pública, concentrados nos pentecostais. Assim, alguns antropólogos, como Montero (2016) e Montero, Silva e Sales (2018), preocupados com os regimes de publicidade atuais da religião, fora dos templos e dos cultos, analisam “o que os atores fazem em cena/público em nome da religião” (Montero, Silva e Sales 2018:157). Isso acaba por enfatizar como a própria religião se publiciza, por meio da participação de atores confessionais em diferentes arenas/cenas/situações interacionais. O que dizem e fazem os agentes da CPT me permite sublinhar o processo inverso: não tanto como a religião se constitui em público, mas como um público se constitui com base na religião.

‘Público’ aqui não se confunde com o domínio do Estado, nem designa um tipo de espaço já pronto ou configurado, em que atores vêm agir. Agentes da CPT participam da produção de público, no sentido de compor coletivos de atores, confessionais ou não, que, implicados em situações de disputa violenta pela posse da terra, procedem a uma investigação de suas causas, imputam responsabilidades, estabelecem alianças e oposições, vocalizam reivindicações e as materializam em documentos, valendo-se de instrumentos de quantificação, descrição, qualificação - jurídica, política e moral, sobretudo - e mediatização, pelos diversos canais utilizados para fazer circular essa mensagem. Assim, o trabalho dos agentes visa à produção tanto do público que formula um problema por diferentes meios de publicização quanto do público a que ele se destina (agências estatais, paraestatais, não governamentais, empresas) para encontrar soluções.

Muito embora Montero (2016) esteja a par desses processos, ela acaba por enfatizar encenações religiosas em público e para um público, numa dimensão adverbial da ação: como atores confessionais publicizam uma comunicação ‘propriamente religiosa’ combinando-a com outras linguagens/códigos seculares. Já aqui incluo também a dimensão do público enquanto substantivo (composição de coletivos, com contornos nem sempre apreensíveis, que formulam problemas públicos, tais como reforma agrária e violência no campo) no quadro de uma política contestatória com atores não confessionais em diferentes arenas e audiências. Não se trata de secularismo estratégico, de como atores confessionais combinam uma ‘comunicação religiosa’ numa linguagem secular para atender uma demanda do seu campo. Mas como uma espiritualidade, vivida em silêncio por meio da ação, produz linguagens seculares pela formulação de problemas públicos atrelados mais à demanda do ‘outro’ - e dos coletivos que se criam durante o processo - do que a interesses de seu campo religioso.

Por fim, as particularidades da mística entre os agentes de pastoral ressaltam mais uma vez a importância de se privilegiar o estudo das espiritualidades baseado em categorias êmicas (Toniol 2017). Pela descrição aqui apresentada, a mística na CPT aproxima-se de alguns sentidos muito difundidos da categoria ‘espiritualidade’ na modernidade22, como experiência do sagrado mais livre da autoridade religiosa institucional, com atenuação da oposição espírito/matéria, e associação ao secular (Huss 2014; Veer 2009). Por estar imbricada em diferentes ações, como destaquei acima, pude seguir a sugestão que faz Toniol (2017) acerca de “o que faz a espiritualidade”, e perceber algumas singularidades, especialmente quando comparada a ‘espiritualidades nova era’: a mística não produz pacificação, mas revolta; o sagrado/divino não se experimenta por uma busca dentro de si, mas na fronteira com o outro, pela presença junto a ele, a seu serviço. Temos, portanto, um caso oportuno para pensar espiritualidade no engajamento político, a influência dos cristianismos em nosso processo de secularização (Lebner 2018) e outras retóricas públicas cristãs, que não necessariamente passam pela colonização da política pelo religioso-institucional.

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  • Entrevista com Emmanuel Wambergue, 8 de maio de 2018.
  • Entrevista com Rubens Siqueira, 29 de abril de 2018.
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    Aos agentes da pastoral da terra, agradeço a acolhida e interlocução ao longo dos últimos anos. À Renata Menezes, a leitura e os comentários a uma primeira versão deste artigo, assim como às/aos pareceristas anônimas/os as sugestões que obtive após a submissão. Os problemas que persistirem são de minha inteira responsabilidade.
  • 2
    Nome fictício do município. Neste texto, a anonimização abrange pessoas e lugares. Menciono a região de pesquisa como Amazônia oriental, sem especificar os estados da federação aí concernidos, por onde transitei. Todos os agentes de pastoral de equipes locais receberam pseudônimos. Emmanuel Wambergue e Rubens Siqueira, apresentados mais à frente, conservam nomes reais. O primeiro, por ser ex-agente, e Rubens, por não pertencer ao universo local dos meus principais interlocutores. Os personagens citados por Rubens também conservam nomes reais.
  • 3
    Utilizo itálico para conceitos nativos, palavras estrangeiras e ênfase; aspas simples (‘x’) para conceitos analíticos, aspas duplas (“x”) para citar relatos curtos de meus interlocutores.
  • 4
    Sempre que o termo “agente” aparece no texto ele está indicando “agente de pastoral”. Nunca “agente” no sentido sociológico do termo. Quando eu emprego um conceito analítico para me referir às pessoas participando das situações analisadas etnograficamente, falo, então, de “atores”.
  • 5
    As duas categorias aparecerão ao longo de todo o texto com a marcação em itálico, porque me interesso prioritariamente por suas definições êmicas.
  • 6
    Relatório anual que quantifica ocorrências como “conflitos por terra”, “conflitos pela água”, “trabalho escravo” e “violência contra a pessoa”, que compreende “assassinatos”, “tentativas de assassinato”, “ameaças”, “torturas”, “agressões”, “prisões”, além de “violências contra a ocupação e a posse”.
  • 7
    Autores da teologia da libertação privilegiam a compreensão da situação humana e o compromisso. A elaboração das razões teológicas vem num segundo momento. São “secundárias”, portanto, na sucessão do tempo, e não em ordem de importância. Para uma análise, ver McGeoch (2018).
  • 8
    Com relação a etnografias de pastorais sociais, podemos citar, para a década de 1990 o trabalho de Novaes (1997), embora o cotidiano da CPT não seja o centro de análise, e, para os anos 2000, a tese de Rufino (2002) sobre o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a de Sofiati (2012) sobre a pastoral da juventude, e a de Esteves (2019) sobre a pastoral da criança.
  • 9
    A CPT tem nas suas equipes agentes voluntários ou assalariados, religiosos, membros do clero, ou leigos, que podem ser católicos, filiados a outra religião ou a nenhuma.
  • 10
    É possível acessar o acervo por meio do site: http://goo.gl/TJ10G.
  • 11
    Rubens Siqueira foi seminarista redentorista no Instituto de Teologia de São Paulo (ITESP), teve uma formação com muitos professores ligados à teologia da libertação, mas não seguiu na vida religiosa. Participou de projetos de alfabetização e educação popular na diocese de Juazeiro do Norte e, desde a década de 1980, trabalha no regional Bahia da CPT. Na entrevista, ele dá elementos de sua trajetória.
  • 12
    Os Congressos da CPT acontecem geralmente a cada quatro anos. O intervalo de tempo entre o III e o IV foi de cinco anos, para fazê-lo coincidir com o ano (2015) em que a CPT completava 40 anos.
  • 13
    Um dos livros mais famosos sobre a experiência de inserção em meio operário é o de Robert Linhart (1978). Para um relato de inserção do ponto de vista de um religioso, tem-se o de Raguenès (2008) e Glory (2015), que foram agentes da CPT, inclusive. No caso francês, ver Neveu (2008) e Pagis e Yon (2019) para um balanço bibliográfico sobre militantes “inseridos”, religiosos ou não.
  • 14
    Penso sobretudo nos casos dos dominicanos Jean Raguenès e Henri des Roziers, além de Aristides Camio, François Gouriou e François Glory da MEP (Missions Étrangères de Paris). Os quatro primeiros atuaram no sul do Pará, e este último na Transamazônica.
  • 15
    Manuscrito em elaboração, compartilhado em 9 de maio de 2018.
  • 16
    Religiosa norte-americana da congregação Irmãs de Notre-Dame de Namour, foi agente da CPT, tendo realizado trabalho de assessoria em diversas comunidades da Transamazônica. Foi assassinada em 2005, em Anapu (PA), após ter recebido diversas ameaças de morte. Seu caso tornou-se internacionalmente conhecido.
  • 17
    Em toda região em que pesquiso, sem-terra é quem participa de uma ocupação, independentemente de pertencer ao MST.
  • 18
    A cada semestre, a equipe elabora relatórios narrativos para o financiador. É comum a menção de que apenas metade das ações previstas no projeto foram cumpridas, porque a maior parte do que foi realizado não se enquadra nas rubricas do “marco lógico”.
  • 19
    Pedro Casaldáliga e José Maria Vigil (1996:22) elaboram essa reflexão da seguinte maneira: “Neste contexto semântico, espírito significa vida, construção, força, ação, liberdade. O espírito não é algo que está fora da matéria, fora do corpo ou fora da realidade real, mas algo que está dentro, que habita a matéria, o corpo, a realidade, e lhes dá vida, os faz ser o que são; enche-os de força, move-os, os impele; lança-os ao crescimento e à criatividade num ímpeto de liberdade”.
  • 20
    Agradeço à/ao parecerista anônima/o por me fazer destacar este ponto.
  • 21
    Compartilho da preocupação de Lebner (2018) de provincializar o Estado nas análises antropológicas e estudar processos de secularização fora do secularismo. As dinâmicas de secularização podem ser mais bem observadas por meio dos públicos que ela cria e das lutas que se desenvolvem dentro deles. Esses públicos podem, ou não, incluir o Estado.
  • 22
    Além disso, reconheço ser possível constatar afinidades eletivas entre a espiritualidade da libertação e a espiritualidade nova era, como já demonstrou Camurça (2000).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2019
  • Aceito
    14 Set 2020
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