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Antropologia na missão: relações entre a etnologia confessional de padre Schmidt e a antropologia acadêmica

Anthropology in mission: relations between confessional ethnology of Father Schmidt and academic anthropology

Resumos

Tomando como objeto de análise documentos e/ou textos missionários e observações feitas durante a realização de trabalho de campo, será discutida a noção de religião que perpassa esses escritos, ressaltando-se a influência de concepções veiculadas pelo padre Schmidt, um dos expoentes da Escola Histórica de Viena. Além disso, será feita uma pequena análise sobre as interconexões entre a chamada etnologia confessional do padre Schmidt e a antropologia acadêmica.

etnologia confessional; antropologia; teoria antropológica; missão; indígenas


Considering as the object for the analysis the missionary documents and/or texts and observations made during the field work, the notion of religion that permeates these writings will be discussed, highlighting the influence of conceptions conveyed by Father Schmidt, one of the exponents of Viena's Historical School. Furthermore, a small analysis will be undertaken on the interconections between Father Schmidt's so called confessional etnology and the academic anthropology.

ethnology confessional; anthropology; anthropological theory; mission; indigenous


Antropologia na missão: relações entre a etnologia confessional de padre Schmidt e a antropologia acadêmica

Anthropology in mission: relations between confessional ethnology of Father Schmidt and academic anthropology

Melvina Afra Mendes de Araújo

Docente do departamento de ciências sociais da Universidade Federal de São Paulo e pesquisadora associada do CEBRAP. Coordena o projeto de pesquisa "Alteridade e mediação: processos de construção do outro' em universos católicos e protestantes no Brasil e na África". melvinaafra@yahoo.fr

RESUMO

Tomando como objeto de análise documentos e/ou textos missionários e observações feitas durante a realização de trabalho de campo, será discutida a noção de religião que perpassa esses escritos, ressaltando-se a influência de concepções veiculadas pelo padre Schmidt, um dos expoentes da Escola Histórica de Viena. Além disso, será feita uma pequena análise sobre as interconexões entre a chamada etnologia confessional do padre Schmidt e a antropologia acadêmica.

Palavras-chave: etnologia confessional, antropologia, teoria antropológica, missão, indígenas.

ABSTRACT

Considering as the object for the analysis the missionary documents and/or texts and observations made during the field work, the notion of religion that permeates these writings will be discussed, highlighting the influence of conceptions conveyed by Father Schmidt, one of the exponents of Viena's Historical School. Furthermore, a small analysis will be undertaken on the interconections between Father Schmidt's so called confessional etnology and the academic anthropology.

Keywords: ethnology confessional, anthropology, anthropological theory, mission, indigenous.

Pretendo neste artigo1 1 A realização deste artigo está vinculada ao projeto Alteridade e mediação: concepções sobre o "outro" em universos católicos e protestantes no Brasil e na África, financiado pela Fapesp sob o processo nº 2008/10758-0. tecer uma discussão acerca da noção de religião que inspira a atuação de alguns missionários da Consolata, particularmente aqueles que atuam e/ou atuaram na missão do Catrimani, em Roraima.2 2 O Instituto da Consolata para Missões Estrangeiras foi criado, em 1902, pelo beato José Allamano. Seus membros em Roraima atuam desde 1948, quando assumiram a missão fundada pelos monges beneditinos, junto aos indígenas do leste de Roraima, sobretudo Macuxi e Wapixana. Já a missão entre os Yanomami foi fundada na segunda metade da década de 1960. Serão consideradas fontes documentais coletadas nos arquivos da Consolata em Roma, na missão do Catrimani e nos arquivos da Diocese de Roraima. A análise dessas fontes será também informada pelas observações realizadas no decorrer do trabalho de campo, realizado em várias etapas, entre 1999 e 2012, bem como de conversas com missionários mantidas ao longo dos anos em que tenho trabalhado com o tema das relações entre missionários e indígenas.

Há alguns pressupostos e escolhas relativos à ordenação dos documentos que necessitam ser explicitados, dentre os quais, a apresentação dos dados por ordem cronológica de publicação. Essa escolha está vinculada à tese de que algumas concepções presentes nos documentos analisados estão relacionadas às: discussões teológicas oriundas, sobretudo, dos debates do Concílio Vaticano II, como as teologias da libertação e da inculturação; discussões desenvolvidas entre indigenistas e antropólogos, dentre outras; relações de missionários com agentes advindos de outras áreas de formação e a contextos diversos que extrapolam a missão, que mudam no decorrer do tempo. Assim, para tentar acompanhar melhor essas mudanças, serão priorizados os escritos e/ou entrevistas de um missionário (o padre Giovanni Saffirio) por ele ter sido um dos fundadores da missão do Catrimani, um dos missionários que lá permaneceu por mais tempo e ter-se tornado um antropólogo dedicado ao estudo dos Yanomami. Além disso, serão analisados também documentos redigidos a partir de discussões da equipe missionária da missão Catrimani, cuja autoria não é especificada, e alguns assinados pelo coordenador dessa equipe.3 3 O padre Giovanni Saffirio, não raramente nominado João Saffirio, foi coordenador da equipe missionária da missão Catrimani durante o período de 1985 a 1995. É muito comum, entre os missionários, a tradução do seu nome para o vernáculo utilizado no país de atuação. Isso pode implicar em dificuldades na localização de documentos por eles produzidos quando atuam em missões situadas em países com diferentes idiomas.

Para analisar esses documentos, buscarei subsídios em textos que contêm proposições que parecem ter tido um importante papel na conformação de certas formas de se pensar o fazer missionário, como é o caso dos escritos do padre Wilhelm Schmidt (1868-1954).4 4 Padre Schmidt fazia parte da congregação Sociedade do Verbo Divino (SDV), fundada em 1875, pelo padre Janssen, que tem carisma missionário. Como veremos adiante, ele foi um antropólogo reconhecido dentro e fora dos domínios da Igreja Católica e os pressupostos contidos na antropologia que desenvolveu, mesmo que não tenham sido por ele pensados com esse propósito, acabaram, como afirmam Dietrich (1992), Vandenberghe (2006) e Sánchez Gómez (2007), dando subsídios para a conformação de algumas formas de atuação missionária católica. Façamos, pois, uma breve incursão por sua obra.

Pelos caminhos de uma etnologia confessional

O padre Schmidt foi professor de etnologia e linguística nas universidades de Viena e Friburgo, doutor honoris causa pela Universidade de Viena, presidente honorário da Sociedade de Antropologia de Viena, fundador da revista e do Instituto Anthropos e responsável pelo setor de etnologia da Exposição Missionária Vaticana de 1925. De acordo com Raoul d'Harcourt (1954), Schmidt foi um intelectual bastante respeitado entre antropólogos e linguistas, tendo produzido cerca de seiscentos livros e artigos e descoberto o parentesco entre algumas línguas do sudeste asiático e da Oceania – o que lhe valeu o prêmio Volney, em Paris, em 1906.5 5 Prêmio concedido pelo Institut de France para trabalhos sobre filologia comparada, indicados pela Academia de Inscrições e Belas Letras. Ainda segundo esse autor, um fato que demonstra o importante papel de Schmidt no meio antropológico da época foi sua escolha, pelos membros do Congresso Internacional para a Antropologia e Etnologia, em 1932, para que presidisse as sessões do evento.

O projeto científico-etnológico de Schmidt baseou-se, de acordo com Sánchez Gómez (2007), sobre duas teses, a do monoteísmo primordial e a dos ciclos culturais, segundo a qual, afirma Dietrich (1992), haveria três culturas primárias: uma composta por caçadores totêmicos patriarcais; outra, por agricultores matriarcais; e a terceira, composta por coletores nômades patriarcais. Do entrecruzamento de elementos dessas culturas surgiriam o que Schmidt denominou culturas secundárias. As culturas primárias seriam monoteístas e organizadas a partir da religião, da família nuclear, da monogamia permanente e de um código moral exemplar. Já as culturas secundárias não seriam dotadas de um código moral exemplar, pois Schmidt não partilhava dos princípios evolucionistas da época, mas advogava a tese de que, em decorrência de um processo de degeneração, as culturas teriam deixado de ser monoteístas, monogâmicas etc.

Interessa, para nossa argumentação, expor com mais vagar a teoria do monoteísmo primordial, tese presente em várias das afirmações do padre Giovanni Saffirio enunciadas abaixo. De acordo com essa tese, todos os povos, por mais primitivos que fossem, teriam um substrato religioso monoteísta. Isso teria permitido, afirma Sánchez Gómez (2007), que se pensasse a prática missionária como uma necessidade da Igreja Católica e também dos missionados, posto que esse seria um trabalho de recuperação da religião primordial e sua adequação ao cristianismo, e não um combate a crenças tradicionais. Tal ideia pode ter sido usada como contra-argumento para as críticas relativas à atuação da Igreja Católica nas colônias – ou ex-colônias – europeias num período de intensos movimentos anticoloniais.

Para ancorar sua hipótese da existência de um monoteísmo primordial, o padre Schmidt necessitava de elementos que extrapolassem os limites dos estudos teológicos. O projeto etnológico por ele empreendido, dentro do qual se situam os estudos comparados de religião – afirmam autores como Sánchez Gómez (2007) An Vandenberghe (2006) e Stefan Dietrich (1992) –, não estava relacionado a objetivos como o de instrumentalizar a antropologia para que os missionários pudessem ser mais eficazes, mas, ao contrário, a possibilitar a realização de pesquisas etnológicas a partir dos dados coletados por missionários. Essa preocupação com a realização de estudos científicos sobre a religião tinha como uma de suas motivações o embate existente, a partir de meados do século XIX, entre racionalistas, defensores de uma ciência positiva, e os religiosos, acusados pelos primeiros de obscurantistas.6 6 Lilian Sales (2012) também discute alguns elementos acerca da preocupação de religiosos em responder às críticas formuladas por defensores da ciência positiva. Schmidt queria provar, então, a existência de uma religião primordial entre todos os povos, a partir de pesquisas empiricamente baseadas.

Para alcançar seus objetivos, padre Schmidt fundou a revista Anthropos, organizou cursos de formação em etnologia, durante o verão, em Viena, e enviou colaboradores ao campo para coletar material etnográfico.

Todos os seus empreendimentos visavam demonstrar que mesmo os povos "primitivos" como os Pigmeus, os Bosquímanos, os Aborígenes e os Índios americanos acreditavam incontestavelmente num Ser Superior, que tinham a capacidade mental e intelectual de receber a revelação divina e que poderiam praticar uma moral correspondente (Vandenberghe 2006:19, tradução nossa).

Ele construiu um banco de dados alimentado por informações enviadas por missionários atuantes em diversas partes do mundo, bem como por pesquisadores não vinculados à Igreja católica. Para que pudessem realizar adequadamente a tarefa que lhes era solicitada, padre Schmidt elaborou um roteiro, o Guia para observações etnográficas, no qual elencava o tipo de dados que deveria ser coletado e orientava como fazê-lo. Segundo Piepke (2007:4), o guia "consistia de uma larga lista de questões concretas e práticas relacionadas à geografia e estatística, à antropologia física, às doenças e métodos de cura, à residência e aos móveis, à alimentação, estimulantes, vestuários, adornos e penteados".

De acordo com os autores acima citados, pairava, no decorrer da vida de padre Schmidt, mais particularmente na ocasião da Exposição Missionária do Vaticano (1925-1926), a ideia de que o esforço que ele fizera no sentido de organizar estudos de caráter etnológico tinha como objetivo colocar a antropologia a serviço da missiologia. No entanto, sustentam esses autores, o formato da antropologia do padre Schmidt não se prestava a isso, pois não tinha sido configurada como uma ferramenta útil para potencializar as missões. Ao invés disso, eram as missões que deveriam potencializar essa antropologia enviando dados que pudessem consolidar um corpus de ideias. Nesse sentido, afirma Sánchez Gómez (2006; 2007), o setor de etnologia da Exposição Missionária do Vaticano foi decepcionante para missionários e outros religiosos que buscavam ali ferramentas que pudessem ser utilizadas na missionação, por não terem conseguido entender muita coisa, já que a exposição foi montada visando discutir detalhes etnográficos com um público altamente especializado.

Por outro lado, apesar de não pretender colocar a antropologia a serviço da missão, padre Schmidt a colocava a serviço da fé: tinha como meta comprovar a hipótese da existência de uma religião primordial monoteísta. A etnologia do padre Schmidt, uma etnologia confessional, afirma Dietrich (1992:114), deriva de uma posição teológica que insiste na possibilidade de um conhecimento religioso fundado tanto na razão quanto na revelação e da necessidade de se obter provas racionais dos fundamentos naturais da religião, não havendo contradição entre natureza e revelação, pois seu pressuposto era a ideia da unidade entre o empírico e o revelado.

Além disso, continua Dietrich (1992), a etnologia confessional (ou a antropologia a serviço da fé) acabou influenciando o trabalho missionário por ter, de certa forma, embasado a adoção, pelo Vaticano, de princípios como os de acomodação e adaptação.7 7 O princípio da adaptação propunha que se descobrisse a melhor estratégia de inserção do cristianismo no seio das sociedades nativas. Já o da acomodação supunha que os missionários tentassem se adequar da melhor maneira possível aos costumes nativos, evitando, assim, a possibilidade de um choque cultural e, por consequência, uma rejeição dos nativos em relação aos missionários. Esses princípios, segundo Vandenbergh (2006), foram oficialmente difundidos, respectivamente, pelas encíclicas Illud Maximum (1919) e Rerum Ecclesiae (1926). Essa autora salienta ainda que a adoção desses princípios fora fruto de uma tentativa do papa Pio XI de reconciliar a Igreja e a religião católica com a sociedade moderna e de uma tendência desse papa em considerar que a antropologia poderia contribuir com a empresa missionária, visto que a proposta de adaptação pressupunha o conhecimento das línguas e culturas nativas.

Outro fator que teria contribuído para a adoção dos princípios de acomodação e adaptação, de acordo com Vandenbergh (2006), teria sido a atmosfera de questionamento que atingiu o mundo missionário católico, após a primeira guerra, em virtude desse conflito ter exposto várias fragilidades da prática missionária. Muitos missionários começaram a questionar os métodos missionários adotados até então e a chamar seus pares para repensá-los. Dentre o que deveria ser repensado pode-se ressaltar a relação entre missão e governo colonial, o não respeito pelas culturas não europeias e o reduzido número de padres e bispos indígenas. Esses temas, assim como as proposições contidas nas diretrizes papais foram discutidos em diversos eventos missiológicos e em revistas como o Bulletin des Missions, dos padres beneditinos.8 8 Estes, coincidentemente, foram os fundadores da missão no antigo território do Rio Branco, hoje estado de Roraima, em 1909 e lá ficaram até 1948, quando foram substituídos pelos missionários da Consolata. Como afirmei alhures (Araújo 2006), a atuação dos beneditinos parecia ser orientada para a manutenção de uma maior proximidade com os indígenas, enquanto que a dos consolatinos, no início, era pautada pela integração desses à sociedade nacional. Só agora, depois de treze anos, encontrei uma referência à participação dos beneditinos nos debates sobre a transformação dos objetivos e práticas missionárias vigentes.

Dietrich (1992) afirma que além de ter sido fundamental para a formulação das diretrizes para a prática missionária contidas nas noções de acomodação e adaptação, a etnologia de padre Schmidt também foi importante para a formulação da teologia da inculturação. Alguns dos pressupostos dessa teologia, como o da existência de elementos bons, que precisam e devem ser preservados em todas as culturas, seriam compatíveis com a ideia, defendida por Schmidt, de que seria necessário isolar os bons elementos de uma cultura, posto que seriam traços da revelação primordial.

Após essa breve discussão acerca dos pressupostos da etnologia desenvolvida pelo padre Schmidt e de sua importância na configuração de uma determinada prática missionária, passemos à exposição e análise dos documentos escolhidos para compor o quadro deste artigo.

Os documentos

O padre Saffirio não faz referência, em nenhum dos documentos analisados, a autores que embasam as concepções que tem sobre os indígenas e acerca do que deveria ser uma atuação missionária ideal. No entanto, é possível localizar algumas dessas concepções em discussões de autores que tiverem um importante papel no debate em torno da relação entre antropologia e missiologia, como é o caso do padre Wilhelm Schmidt, cujas suposições, como vimos resumidamente acima, bem como de alguns debates que atravessam as teologias da libertação e da inculturação. O primeiro documento a ser analisado é uma reportagem assinada por Alberto Beuttenmuller, publicada no Jornal do Brasil, na edição dupla de 31 de dezembro de 1972 e 1º de janeiro de 1973 (:18, primeiro caderno), sobre uma exposição, no MASP, de objetos e fotos de povos indígenas amazônicos, cuja parte relativa aos Yanomami, composta por artesanatos e fotos de Cláudia Andujar e George Love, foi organizada pelo padre Giovanni Saffirio. Interessa ressaltar alguns elementos elencados pelo padre sobre os Yanomami na entrevista concedida para a realização da referida reportagem.

O padre inicia a entrevista fazendo uma comparação entre "nós", ocidentais, e os Yanomami, afirmando que "os selvagens somos nós", que "a minissaia é mais imoral que uma índia nua", já que seu uso contém a intenção de mostrar o corpo, e que é preciso "evitar comparações entre nossa civilização e a civilização Yanomami". Nesse trecho, Saffirio parece querer evitar comparações que coloquem os Yanomami numa posição negativa em relação aos ocidentais e, ao mesmo tempo, parece referir-se a uma ideia, presente em Otto (1985), de que um ato apenas pode ser pecaminoso se quem o cometeu tiver consciência disso. Ou seja, não poderia haver imoralidade no fato dos Yanomami não cobrirem seus corpos, pois eles não têm qualquer intenção de se mostrar ou provocar determinadas reações em quem os vê.

Além dessas afirmações, há outra que parece negar a afirmação de que não se deve fazer comparações entre os ocidentais e os Yanomami, a de que eles são os índios mais primitivos da hileia amazônica. Embora o autor não deixe muitas pistas, a afirmação, associada à de que a evangelização não pode ser confundida com catequese9 9 Ou seja, de acordo com a perspectiva adotada pela teologia da inculturação, a evangelização dar-se-ia, sobretudo, pelo exemplo dado pelos missionários de um modo de vida baseado em valores como "solidariedade, caridade e partilha". Assim, práticas pautadas na catequização, em que são ensinados valores, dogmas e doutrinas da Igreja Católica, bem como na administração de sacramentos, deixam de ter o lugar que lhes era atribuído tradicionalmente no trabalho missionário. Nesse sentido, os missionários da Consolata vinculados à teologia de inculturação propuseram aos Macuxi o desenvolvimento de uma prática missionária na qual não haveria mais a administração de sacramentos. Estes, no entanto, se recusaram a abandona-los, visto que já se consideravam católicos e vinham recebendo sacramentos como o batismo, a crisma e o casamento desde os primórdios da missão, em 1909. e que, enquanto missionário, sua preocupação é a fixar o índio na selva e promovê-lo social e humanamente, dando-lhe o que temos de bom e preservando seus valores morais, "superiores aos dos próprios civilizados", lembra-nos, por um lado, a tese do padre Schmidt da existência de culturas primordiais nas quais os valores seriam os mais elevados, posto que não haviam passado pelo processo de degeneração. Por outro lado, a fala do padre Saffirio faz também referência ao carisma e ao lema dos missionários da Consolata, que são, respectivamente, a "missão ad gentes" e a "promoção da pessoa humana".10 10 É interessante observar que o lema dos missionários da Consolata, a "promoção da pessoa humana", parece expressar a ideia, presente nos argumentos do padre Schmidt, de que seria possível regenerar os não cristãos com a inserção da religião católica em sua cultura. Essa ideia teria fundamentado os preceitos da adaptação enquanto prática missionária recomendada pelo papa Pio XI.

O próximo documento, editado em 1973, é intitulado 25 anos – 1948-1973 (Zintu 1973). Trata-se de um caderno no qual os missionários fazem um apanhado do que foi feito por eles, no decorrer dos vinte e cinco anos de permanência no então território de Roraima, antigo território do Rio Branco. Há, em todas as partes, a descrição das populações atendidas por cada missão. No trecho escrito pelo padre Saffirio, há, além da descrição dos índios que habitam na região dos rios Catrimani, Ajarani e Apiaú, uma breve descrição das tentativas de aproximação com os indígenas da região, desde 1954, pelos padres Ricardo Silvestri, Bindo Maldonesi e João Calleri, de suas casas e roças, bem como uma nota afirmando que eles são, em sua maioria, monogâmicos. Feito isso, o padre inicia a parte na qual descreve os objetivos da missão, que seriam:

1. Ajudar o índio no aperfeiçoamento de sua cultura, para que possa viver melhor;

2. Promovê-lo humanamente – que conheça a nossa cultura sem rejeitar e perder os lados positivos da sua cultura;

3. Integrar o índio à comunidade brasileira para que possa ser útil e colaborar no futuro do Brasil.

Depois disso, padre Saffirio fala sobre a organização do trabalho na missão, descrevendo, especificamente, o dispensário médico, as roças e o sistema de trocas com os indígenas adotados pelos missionários e, o que nos interessa particularmente, a realização de pesquisas. Diz ele:

Estamos desenvolvendo os seguintes estudos:

1. GEOGRAFIA: mapas e localização de grupos tribais.

2. DEMOGRAFIA: recenseamento dos indivíduos, Fichário médico.

3. LINGUÍSTICA: Dicionário, Gramática, Sintaxe.

4. ETNOLOGIA: Cultura Material, Lendas indígenas.

Paralelamente à descoberta do patrimônio indígena, procura-se manifestar ao índio nosso interesse pelo que é dele, despertando na sua consciência um sentimento de orgulho que o incentiva a estimar e a conservar seu passado.

Pe. João Batista Saffirio

Responsável da Missão

Nesse documento, assim como no anterior, a influência do padre Schmidt se faz visível na preocupação com o "aperfeiçoamento da cultura indígena", "manutenção de seus valores positivos" e, além disso, pela apresentação dos estudos que vinham sendo realizados. A forma como esses estudos são apresentados lembra as orientações dadas por Schmidt aos missionários para a coleta de dados para a organização da Exposição Missionária do Vaticano.11 11 Aramis Luís Silva (2011) faz uma interessante análise sobre a organização de exposições salesianas, apresentando elementos que vão desde a concepção até o produto final – em alguns casos, museus etnográficos –, passando pelas orientações enviadas aos missionários para a coleta de material para compor essas exposições.

O documento seguinte, publicado em 1985, é o terceiro número dos Cadernos missionários, uma publicação da Inspetoria Salesiana Missionária da Amazônia. Trata-se de um documento relativo ao trabalho missionário católico entre os Yanomami, por missionários da Consolata – missão Catrimani – e por salesianos, no Amazonas e na Venezuela. Faremos referência apenas à parte relativa à missão do Catrimani, assinada pelo padre Guilherme Damioli, então diretor da missão Catrimani. Em seu texto, ele afirma que os missionários participam dos rituais yanomamis e os respeitam, realizam abertamente os rituais cristãos, tentam demonstrar a existência de um ente supremo e tem uma ação pautada na ideia de que a evangelização traga "mudanças de crescimento" sem destruição dos valores sociais e religiosos dos indígenas.

Nesse caso, mais uma vez aparece a influência das ideias de Schmidt, só que com um elemento que não aparecera nos documentos redigidos pelo padre Saffirio: "a demonstração de existência de um ente supremo". O que não fica claro, porém, é se os missionários pretendiam mostrar aos Yanomami que também acreditavam na existência de um ente supremo ou se queriam convencê-los de sua existência. Se seguirmos o argumento schmidtiano, poderíamos dizer que a primeira opção seria a mais apropriada, já que, segundo Schmidt, a crença num ser supremo seria natural a todas as culturas.

Padre Guilherme refere-se também à objeção de certos antropólogos que teriam questionado o "direito" dos missionários de introduzir mudanças entre os indígenas. Nesse sentido, argumenta que eles evitam introduzir elementos culturais "nossos" como se tais ideias fizessem parte da mensagem divina e que a indiferença religiosa do antropólogo seria "grave anti-testemunho", já que os Yanomami são um "povo profundamente religioso" (ISMA 1985:5). Temos, nesse trecho, mais um argumento caro ao padre Schmidt, o da natureza religiosa de todas as culturas ou de todos os homens. Essa posição reforça a interpretação que apresentamos acima, segundo a qual haveria, na execução aberta de rituais católicos, um provável interesse em demonstrar que eles, os missionários, também acreditavam num ser supremo.

Além disso, padre Guilherme afirma que, como forma de combater o infanticídio, os missionários adotam crianças que seriam mortas. Agindo desse modo, eles pretenderiam demonstrar que as crianças adotadas pelos missionários sobrevivem e não atraem mal algum. A afirmação pode ser interpretada a partir da ideia de que deveriam ser inseridos, nas culturas não cristãs, valores caros ao cristianismo, como o da vida como valor fundamental. Nesse sentido, seria interessante falar de algumas crianças Yanomami, que deveriam ter sido mortas logo após o nascimento, mas que foram "resgatadas" e adotadas pelos missionários.

Uma dessas crianças, um menino, chamado Torek, foi "resgatado" por uma missionária, que, segundo ela, cuidou dele por um tempo e, posteriormente, o reintroduziu em sua família. Torek agora é um homem adulto, tem esposa e filhos e atua como agente indígena de saúde.12 12 Conheci Torek no decorrer da pesquisa de campo realizada na missão do Catrimani, em 2010/11. Outra criança "resgatada", uma menina, Yanocarmo,13 13 O padre Saffirio afirma que lhe deu esse nome para deixar registrado o lugar de onde vinha – Yano significa terra – e em homenagem à Nossa Senhora do Carmo, cujo dia coincidia com o data de nascimento da menina (cf. Saffirio 1977). diferentemente do que aconteceu com Torek, foi retirada da área indígena. O caso dessa criança é narrado em um artigo da revista Missões Consolata, em seu número 3, do ano de 1977, intitulado "Yanocarmo. O amor venceu a morte". Nessa publicação, o padre Saffirio relata que Yanocarmo, condenada à morte por ter sido "fruto de uma relação ilícita" (Saffirio 1977:4), foi retirada do local onde nasceu e levada, no mesmo dia, de avião, para Boa Vista. Dois anos depois, ela foi levada para a Itália e adotada pela irmã do missionário.

Segundo o padre, Yanocarmo deveria, depois de completar 21 anos, voltar para sua tribo, pois já teria sido perdoada por seus parentes. Ele projeta, no texto em questão, um futuro no qual Yanocarmo voltará para a aldeia e lá viverá contando aos Yanomami o que viu e aprendeu na Europa e "comunicando-lhes sua riqueza de índia cristã" (Saffirio 1977:6). O tom da sua narrativa é grandiloquente: nela Yanocarmo encarnará o papel da Yanomami cristã.

Outro elemento interessante da narrativa do padre Saffirio é a forma como conclama os "civilizados" a não julgarem os Yanomami. Ele diz: "CIVILIZADOS! Vós culpados pela matança de milhões de inocentes! Quem estiver sem pecado, lance a primeira pedra contra esses silvícolas!" (Saffirio 1977:4). Aqui, assim como no primeiro documento analisado, o padre tenta abrandar os ânimos, afirmando, por um lado, que os Yanomami cometem infanticídio, mas, por outro, que os "civilizados" matam muito mais que eles e, portanto, não podem condená-los.

Essa relutância em aceitar certos costumes indígenas e, ao mesmo tempo, não deixar que os não índios falem mal deles parece marcar a atuação dos missionários da Consolata, em Roraima.14 14 Como uma atitude generalizada poder-se-ia afirmar que isso ocorre desde 1976, quando o bispo dom Aldo Mongiano assinou uma carta pastoral na qual afirmava que a Diocese de Roraima assumia a "opção pela causa indígena". No entanto, no que se refere aos missionários envolvidos com a criação da missão Catrimani, com exceção do padre Bindo Maldolesi, a atitude parece vigorar desde o início da missão, no final dos anos sessenta. A "opção pela causa indígena", assim como o contexto que permitiu sua existência, foi analisada no livro Do corpo à alma (Araújo 2006). Situações nas quais se coloca em questão temas caros às concepções católicas como o infanticídio, o incesto e a poligamia são tratados de forma surpreendente. Em minha primeira viagem de campo, em julho de 1999, estava na missão do Surumu15 15 A missão do Surumu, que não mais existe, atendia indígenas das etnias Macuxi e Wapichana. e uma irmã me perguntou se o casamento entre pai e filha era algo da cultura indígena. Naquele momento, como pensei que ela pudesse estar me testando para verificar se eu era realmente antropóloga,16 16 Havia uma suspeita de que eu fosse agente da polícia ou coisa do gênero me passando por antropóloga. Isso se devia ao fato de que dias antes da minha chegada, missionários e indígenas se depararam com a situação de ter policiais, que se diziam jornalistas, infiltrados numa assembleia indígena que ocorria nas dependências da missão Surumu. fiz uma longa exposição sobre o modelo lévi-straussiano de estrutura elementar do parentesco, enfatizando a obrigatoriedade de exogamia e, por consequência, a proibição do incesto.

Alguns dias depois, chegou à missão, para uma reunião, a primeira mulher e mãe das duas filhas mais velhas de um indígena que trabalhava na missão. Foi então que a situação veio a público: o referido indígena tinha sido flagrado mantendo relações sexuais com uma de suas filhas e foi acusado de fazer o mesmo com a outra filha. Ao saber da história, perguntei a uma das missionárias o que os missionários da Consolata iriam fazer em relação aos envolvidos no caso. Ela me respondeu que as meninas iriam morar com a mãe e que o pai, como tinha assumido o que fez, se dizia arrependido e havia pedido perdão, nada seria feito. Ou seja, ele continuaria a exercer seu trabalho na missão.

Embora os missionários não tivessem denunciado o caso, a mãe das meninas o fez, e este acabou sendo tratado pela Polícia Federal, que prendeu o pai incestuoso. Posteriormente, como, segundo os missionários, a FUNAI não estava se ocupando adequadamente do caso, eles se encarregaram da defesa desse índio, contratando um advogado, que conseguiu, num primeiro momento, fazer com que ele tivesse o tratamento previsto por lei para os indígenas.

No caso acima relatado tratava-se de um indígena cuja etnia mantinha relações com missionários desde a fundação da missão no antigo território do Rio Branco, pelos monges beneditinos, em 1909. Ou seja, trata-se de índios que já foram evangelizados, falam português e conhecem alguns dos princípios morais defendidos pelos missionários. Isso justifica, certamente, a adoção do recurso do arrependimento e do perdão. No entanto, se se tratasse de um Yanomami, que não passou pelo mesmo processo, a saída adotada não seria a mesma. Nesse caso, provavelmente, insistiriam na primeira alternativa aventada, a de que esse tipo de relacionamento deveria fazer parte da cultura desse povo.

Gostaria de chamar a atenção com isso para uma importante passagem no que concerne ao tratamento dado a questões que tocam no âmago de certos princípios morais católicos como os citados acima. Essa passagem está relacionada, como já afirmamos em trabalhos anteriores (Araújo 2006; 2009), à adoção de princípios da Teologia da Inculturação que, grosso modo, propõe que os missionários respeitem a cultura indígena, não intervindo em costumes tradicionais, incentivando sua manutenção e, em casos nos quais parte destes teria sido abandonada, sua recuperação.

O "Documento final do Primeiro encontro latino-americano I.M.C. de pastoral indigenista", ocorrido no período de 23 a 28 de julho de 1990, que será citado literalmente abaixo, ilustra o que acabamos de afirmar.

A opção para os povos indígenas exige de nossa parte:

a) Um número suficiente de missionários e missionárias conveniente mente preparados, capazes de trabalhar em equipe e de responder às exigências deste compromisso missionário específico, com dedicação exclusiva e contínua.

b) Uma nova consciência teológico-pastoral-política que assuma a

causa e o projeto dos povos indígenas como ponto de partida para uma evangelização que leve ao nascimento de igrejas com "o rosto índio".

c) Uma nova espiritualidade que assuma e exprima os valores espirituais dos povos indígenas e saiba animar os missionários a aceitar, com serenidade e coragem, os desafios e os riscos que exige o viver e acompanhar o caminho dos povos indígenas.

d) Uma nova metodologia de trabalho missionário que assuma os critérios da Teologia e da Pastoral da Inculturação e da Libertação. (Instituto Missões Consolata 1990:2, grifo do original).

Por se tratar de um documento da pastoral indigenista, que deveria dar conta da atuação missionária nas várias missões existentes em Roraima, postula, juntamente com alguns princípios da teologia da inculturação, princípios da teologia da libertação, como o que foi expresso nos itens "c" e "d". Entretanto, no último documento a ser analisado, que foi formulado pela equipe da missão Catrimani para a Assembleia Latino-Americana, ocorrida entre os dias 12 e 22 de janeiro de 1992, e que se intitula Tentativa de inculturação da fé entre os índios Yanomami do rio Catrimani, há referência apenas à teologia da inculturação.

Como se pode perceber pelo título, os missionários fazem uma narrativa sobre o modo como tentam aplicar a teologia da inculturação na atuação junto aos Yanomami, partindo do pressuposto de que "o homem é um ser naturalmente religioso" (:15). Para tanto, descrevem os programas de educação e saúde voltados para estes indígenas, nos quais tentam adaptar esses serviços aos modos yanomami de ensino/aprendizado e às suas concepções de doença, corpo e cura. Nesse sentido, afirmam que tentam se sintonizar com a cosmogonia, filosofia e teologia yanomamis numa atitude de escuta.

São expressos nesse documento um dos princípios que, segundo Dietrich (1992), a elaboração da teologia da inculturação deve ao padre Schmidt, a ideia de uma religião natural ou primordial. Nesse sentido, é possível afirmar que, além de ter sido importante para a elaboração de modelos de prática missionária como a adaptação e inculturação, a existência de religião entre todos os humanos também perpassa as proposições da teologia índia.17 17 Tendo como um de seus precursores o padre mexicano, de origem ameríndia, López Hernández, a teologia índia ganha corpo como um desenvolvimento crítico da teologia da inculturação e parte do princípio de que os indígenas já tinham teologias antes da chegada do cristianismo em terras americanas (Araújo 2011). A diferença é que, segundo os teólogos da teologia índia, as religiões indígenas seriam também dotadas de teologias.

Etnologia confessional versus antropologia acadêmica

Ao longo do texto tentamos demonstrar como a concepção de religião defendida por padre Schmidt perpassa as concepções de adeptos da teologia da inculturação, particularmente de missionários da Consolata que atuam e/ou atuavam nas missões de Roraima. No entanto, se, por um lado, a ideia de religião natural ou primordial, que marcava a obra do padre Schmidt, constituiu-se num ponto importante para a elaboração de teologias como as da inculturação e índia, por outro, também algumas de suas proposições não relacionadas à suas convicções religiosas perpassam princípios fundamentais para a elaboração dessas teologias.

Nesse sentido, faz-se necessário ressaltar que embora nunca tenha perdido do horizonte as questões da fé, o padre Schmidt "era um antropólogo e não um teórico das missões", afirma Vandenberghe (2006:31). Tendo por propósito a realização de pesquisas de caráter etnográfico, padre Schmidt se cercou dos cuidados metodológicos utilizados, na época, pelos antropólogos da academia e, para sustentar a afirmação de que o que fazia obedecia às normas acadêmicas laicas, convidou pesquisadores renomados e explicitamente não religiosos para avaliar os trabalhos publicados na revista Anthropos. Esse foi o caso, afirma Piepke (2007), de Van Gennep, que teria afirmado:

Não creio que alguém vá me acusar de estar do lado de congregações religiosas ou de missionários; mas Anthropos é verdadeiramente um enriquecimento. Em todo caso, é certo que os quatro fascículos até agora editados colocam essa revista entre as publicações etnográficas de primeira grandeza (Van Gennep 1907:187 apud Piepke 2007).

Como já foi dito acima, padre Schmidt foi o fundador da revista Anthropos, lançada em 1906. Esta revista, de acordo com Jesus Azcona (1984:137), se constituiu como lugar de expressão das proposições da Escola Histórica de Viena, tornando-se "catalizadora de las investigaciones más amplias, sugerentes y polémicas de la primera mitad del siglo XX". Pautando-se pela perspectiva da chamada Völkerkunde, ciência dos povos, cujo interesse voltava-se à reconstrução do passado das culturas e das interconexões existentes em suas trajetórias, esta escola era marcada por uma perspectiva fundamentalmente diacrônica que pode ser observada nas obras de alguns expoentes do pensamento germânico desde o século XIX, como, por exemplo, Bastian, Ratzel e Schmidt (Goetze 1989).

No que concerne especificamente a Schmidt, pesa sobre ele a acusação de que sua antropologia era fundamentalmente apologética e de que suas críticas aos evolucionistas relacionavam-se unicamente ao rechaço do argumento da origem animista da religião, bem como do conceito de família não fundamentado em prescrições ético-morais. No entanto, afirma Azcona, a recusa do evolucionismo e de seu método comparativo, que marcou os discípulos da Escola Histórica de Viena, baseia-se numa crítica de caráter epistemológico. Nesse sentido, o que esses autores questionam é a "reconstrucción de las culturas a través de la comparación de las semejanzas basadas en el principio de analogía" (1984:139-140).

Apesar de também pretenderem fazer uma reconstrução histórica da cultura, os autores da Escola Histórica de Viena, ao contrário dos evolucionistas, tinham como pressuposto a realização de uma história baseada em eventos reais, o que implicaria numa análise de fontes e de eventos históricos, na análise formal dos elementos culturais que definiriam as particularidades de cada povo e numa análise cronológica para que se pudesse conhecer a origem e desenvolvimento de cada elemento cultural presente numa dada cultura. Essa proposta metodológica repousa sobre três postulados, segundo Azcona (1984): o de que o homem tem uma inventividade limitada; as culturas crescem e se desenvolvem a partir do acúmulo, da mistura e da superposição de elementos culturais; o da continuidade da cultura.

Os postulados acima assinalados aparecem nas orientações metodológicas sugeridas por Franz Boas (2004). Em seu "As limitações do método comparativo em antropologia", o autor tece críticas ao modo como os evolucionistas elaboram o que definem como a história do gênero humano e faz proposições metodológicas semelhantes às feitas por autores da Escola Histórica de Viena. Boas, cuja influência de Bastian em sua formação é bem conhecida, defendia o particularismo histórico no estudo das culturas, mas, apesar disso, de acordo com Stocking (2004), nutria especial interesse pelo modo como os elementos estrangeiros eram adotados por uma cultura.18 18 Ao contrário de Stocking, não vejo contradição no fato de Boas adotar, ao mesmo tempo, uma perspectiva que prima pela realização de estudos históricos particulares e seu interesse pelo modo como elementos estrangeiros são adotados e desenvolvidos no interior de uma dada cultura. Esse interesse pela forma como elementos externos são integrados numa determinada cultura parece bastante condizente com o postulado de que "as culturas crescem e se desenvolvem a partir do acúmulo, da mistura e da superposição de elementos culturais" que orientava as perspectivas metodológicas da Escola Histórica de Viena. Nesse sentido, Boas argumenta que a adoção de elementos externos está sujeita ao que denominou "gênio de um povo". Ou seja, o modo como um determinado elemento é adotado, alterado e desenvolvido no interior de uma cultura estaria condicionado à totalidade espiritual dessa cultura.

A preocupação sobre o modo como se opera a adoção, por uma cultura, de elementos de outra é central nas proposições de Sahlins (1984) acerca do mesmo tema. Esse autor, ao afirmar que cada cultura reelabora o que vem de fora a partir de seus próprios termos, acaba reproduzindo uma concepção boasiana, sem, no entanto, adotar suas proposições metodológicas. A ideia de que cada cultura elabora de uma determinada forma os elementos que lhe são impostos pelo contato com culturas diferentes ganhou bastante terreno no interior da etnologia indígena, particularmente nas décadas de 1980 e 1990, e também dentre missionários atuantes junto a populações indígenas brasileiras. Em ambos os casos estava em questão encontrar argumentos que pudessem rebater a ideia de que as populações autóctones submetidas ao contato com as populações regionais já teriam sido aculturadas e, portanto, deixado de ser indígenas.

Tomando por base o mesmo argumento, missionários, sobretudo os ligados ao Cimi – Conselho Indigenista Missionário – e etnólogos americanistas adotaram caminhos um tanto quanto distintos. Enquanto no primeiro caso, a preocupação voltou-se à reconstrução do passado desses povos para que se pudesse "recuperar" os elementos culturais perdidos no decorrer do tempo, dando a possibilidade de que essas populações retomassem o "espírito" que marcava suas culturas, no segundo caso o interesse se voltou particularmente à reconstrução das cosmologias indígenas e à compreensão do modo como os elementos estrangeiros foram reelaborados e ressignificados por essas cosmologias. Apesar das diferenças, tanto num caso como noutro, permanece a concepção de cultura como "gênio ou espírito de um povo", ou seja, como uma totalidade espiritual que subordina a inclusão de elementos externos a seus princípios.19 19 Ambos, missionários e antropólogos, de maneira geral, se empenharam em movimentos pela demarcação de terras indígenas, entre outros.

Outra concepção que orienta, ao mesmo tempo, o olhar de Schmidt e Boas sobre a origem e desenvolvimento de elementos culturais é a de que o ser humano teria uma "capacidade inventiva" ou "poder de imaginação" limitado. Esta concepção é fundamental, segundo Azcona (1984), para a defesa, por Schmidt, da teoria de uma origem única da humanidade, bem como da ideia da existência de uma cultura originária que teria em si os germes dos desenvolvimentos presentes noutras culturas. Dessa concepção origina-se também a tese do desenvolvimento ou difusão das culturas a partir dos ciclos culturais, sobre os quais já falamos mais acima.

Embora tendo por consequência um desenvolvimento um pouco diferente, a concepção da "inventividade humana relativamente limitada" é importante para a elaboração, por Boas, da tese da existência de áreas culturais20 20 Há, na etnologia americanista, uma divisão de áreas de estudo que separa as populações das terras altas daquelas das terras baixas sul-americanas. Tendo como problema os termos a partir dos quais seria possível fazer comparações, Eduardo Viveiros de Castro (1984/5), na proposta para o II Encontro Tupi, afirma ser necessário abandonar dois tipos de postura bastante comuns no campo de estudos Tupi, quais sejam, o "confinamento monográfico" e "a aceitação superficial de que existe uma cosmologia Tupi', substantiva e idêntica" (:404), e passar a um diálogo no qual sejam analisados comparativamente alguns temas cosmológicos que perpassam os grupos Tupi. Já Joanna Overing (1984) amplia o quadro comparativo para as terras baixas sul-americanas, desde que as pesquisas sejam baseadas num tema e questão comuns passíveis de serem discutidas a partir de material oriundo de vários grupos indígenas da referida área. É preciso assinalar, no entanto, que seria imprudente falar que essa divisão poderia ser um desdobramento da concepção boasiana de áreas culturais sem antes fazer um estudo minucioso sobre o tema, o que, nesse momento, por razões de escassez de tempo, não tenho condições de fazê-lo, mas assim como Boas, Viveiros de Castro e Overing partem de uma mesma preocupação, a de estabelecer parâmetros para a realização de estudos comparativos. em cujo interior poder-se-iam encontrar elementos culturais com origem comum. Para compreender como cada um desses elementos teria crescido e se desenvolvido nas culturas de uma determinada área cultural, seria necessária a realização de um estudo que levasse em conta os vários aspectos que poderiam influenciar em sua origem e difusão, como, por exemplo, os ligados à geografia da área, ao desenvolvimento de técnicas que permitissem sua criação, os aspectos sociais e psicológicos desses povos21 21 Lembremos aqui que a ideia de "psicologia de um povo" a que se refere Boas é de Völkerkunde. etc. Esse estudo deveria atentar para a distribuição, no tempo, do aparecimento desse elemento em cada uma das culturas da referida área. Assim, seria possível determinar com exatidão a origem e desenvolvimento histórico desse elemento. Além disso, essa concepção também ancora a hipótese, já mencionada acima, de que a inclusão de elementos culturais advindos de outras culturas estaria subordinada ao "gênio da cultura". Nesse sentido, Boas argumenta que as pessoas preferem operar com seus estoques de acontecimentos já imaginados a ter que inventar novas formas de conceber e/ou explicar os acontecimentos.

Além da preocupação relativa ao desenvolvimento de estudos diacrônicos, um elemento que marca os postulados da Escola Histórica de Viena concerne à busca de princípios de ordenamento e aparece no trabalho de Bastian, ainda no século XIX, com a noção de Elementargendanken, categorias elementares subjacentes às diferenças culturais. Trata-se aqui de uma noção fundamental para o desenvolvimento das teorias de Durkheim – e da Escola Sociológica Francesa de modo geral –, presente na formulação, por Boas, de acordo com Stocking (2004:22), da ideia de existência de "uma sustentação universal para a linguagem, no sentido de que havia em todos os homens uma tendência para classificar os fenômenos", apesar da preponderância nos estudos desse autor de uma tendência ao particularismo etnográfico.

A tese de existência de categorias elementares ou da universalidade das categorias do entendimento é afirmada por Durkheim, particularmente, em seu livro As formas elementares da vida religiosa (1996) e no artigo em coautoria com Mauss, Algumas formas primitivas de classificação (1988). De acordo com Durkheim, as categorias do entendimento podem ser encontradas nos diferentes sistemas de representação. No entanto, para que se chegar ao conhecimento das causas que levaram a determinados tipos de desenvolvimentos dessas categorias no interior de determinados sistemas de representação seria necessária a realização de um estudo de caráter histórico, já que essas variações, como já aventado pela Völkerpsichologie, dependem de fatores históricos e, por consequência, sociais (1996:XIX).

Ao considerar que as diferenças que revestem as categorias do entendimento no interior de sistemas de representação relacionam-se ao desenvolvimento histórico-social desses sistemas, Durkheim orienta seu esforço para a explicação sobre o modo como esses sistemas teriam sido constituídos. Nesse sentido, o autor advoga a tese de que a consciência coletiva seria a fonte da organização social e, por consequência, das classificações que os homens fazem de si mesmos, das coisas e do mundo como um todo. Ao fazer isso, restava a Durkheim explicar o surgimento da consciência coletiva, o que ele fez desenvolvendo o argumento de que a consciência coletiva teria surgido no decorrer de um ritual coletivo. O ritual, um dos elementos fundamentais para a existência da ideia de religião22 22 Os outros seriam: a ideia de sagrado e profano, categorias a partir das quais são classificadas, pelos homens, as coisas ideias ou reais; e o mito, responsável pela explicação de como as coisas são. , seria responsável pelo fortalecimento dos princípios morais da sociedade, rememorando e reforçando-os. Desse modo, religião e sociedade não poderiam existir uma sem a outra, o que implicaria na asserção de que a sociedade nasce da e na religião.

Se, para Durkheim, a sociedade nasce na e da religião, o que se cultua por ocasião das performances rituais seria a sociedade em si mesma. Assim, para este autor, os totens ou demais divindades cultuadas, bem como sua organização em categorias hierárquicas, representariam as divisões e classificações que ordenam o mundo social. Portanto, prossegue, para que se possa entender a origem da sociedade faz-se necessário buscar os fenômenos elementares dos quais toda religião origina e a forma mais precisa de se fazer isso seria estudar as formas mais elementares da religião, presentes nas sociedades cujos sistemas sociais fossem os menos desenvolvidos, ou seja, os mais primitivos.

Vale notar, nesse sentido, que para Durkheim, assim como para Schmidt, as ideias elementares deveriam ser buscadas em sociedades nas quais o desenvolvimento histórico não tivesse ainda promovido muitas alterações nesse núcleo elementar. Além disso, tanto para um autor quanto para o outro, o fundamento moral da sociedade repousaria na religião. No entanto, enquanto para Durkheim o culto religioso seria um culto à sociedade, para Schmidt os cultos existentes noutras sociedades seriam indícios da existência na crença num Ser Supremo. Em suma, cabe salientar que apesar de ambos os autores defenderem a tese da existência de religião em todas as sociedades, os supostos, assim como as consequências teóricas das proposições de cada um são bastante diferentes. A preocupação de Durkheim relaciona-se, sobretudo, à busca de elementos responsáveis pela criação e manutenção da sociedade – neste caso, o culto aos deuses seria, em última análise, um culto à própria sociedade. Já a proposição de Schmidt acaba desembocando numa busca pelo ser supremo cultuado em cada cultura para, a partir dele, se inserir o cristianismo.

Apesar das diferentes consequências advindas das teorias formuladas pela etnologia confessional de padre Schmidt e aquelas elaboradas por antropólogos não confessionais, cabe ressaltar a importância dos religiosos na configuração da disciplina antropológica. Para além das discussões de cunho teórico-filosófico, a participação desses homens de fé se estende do fornecimento de dados – ou mesmo sua coleta a partir de instruções de antropólogos ou sem elas – até a definição dos temas considerados como prioritários no desenvolvimento da disciplina. No primeiro caso, como afirma Beek (2004), os missionários passaram de informantes a colaboradores assíduos dos etnógrafos a figuras não citadas nos escritos resultantes das pesquisas ou até mesmo evitadas. Este é o caso, conforme o autor, inclusive de Malinowski, que teria aproveitado para a realização de seu trabalho de campo, da existência da missão sem, no entanto, mencionar nem a missão nem os cristãos trobriandeses.

Já no segundo caso, autores como Tambiah (1990), Asad (1993) e Manuela Cantón Delgado (2001) chamam a atenção para a influência do cristianismo na definição dos primeiros temas de interesse dos antropólogos, tais como magia, religião, ciência e organização social ou política para a imposição desses temas e de categorias a eles relacionados a todas as sociedades. Na realidade, sustentam esses autores, os estudiosos acabaram transferindo questões relativas às condições de surgimento da ciência nas sociedades ocidentais e as consequências relativas ao modo científico de conceber o mundo para todas as sociedades. Isso resultou, entre outras coisas, nas clássicas oposições entre ciência e magia – na qual se insere a ideia de magia como protociência –, magia e religião – em que a magia é classificada como uma falsa religião –, ciência e religião e religião e política. Dessas oposições podemos destacar, por exemplo, as duas últimas, que ocupam ainda nos dias de hoje importante lugar nas reflexões sobre o mundo contemporâneo.23 23 Ver sobre esse tema as reflexões tecidas por Montero (2009), Casanova (2007) e Asad (2003), dentre outros. Esses autores, ao tomar como objeto de análise os debates em torno da separação entre política e religião, salientam a importância de se historicizar o surgimento dessas categorias e o modo como elas vieram a se tornar o que são como forma de sair de um debate, por vezes inócuo, acerca das inter-relações entre o que se convencionou chamar de religião e política. Nesse caso, assim como nos casos das noções de magia e ciência, essas categorias foram projetadas para sociedades e contextos diversos daqueles nos quais tiveram origem e, mais que isso, são muitas vezes tomadas como dotadas de uma existência atemporal e a-histórica.

Notas

Recebido em abril de 2012

Aprovado em abril de 2013

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  • 1
    A realização deste artigo está vinculada ao projeto
    Alteridade e mediação: concepções sobre o "outro" em universos católicos e protestantes no Brasil e na África, financiado pela Fapesp sob o processo nº 2008/10758-0.
  • 2
    O Instituto da Consolata para Missões Estrangeiras foi criado, em 1902, pelo beato José Allamano. Seus membros em Roraima atuam desde 1948, quando assumiram a missão fundada pelos monges beneditinos, junto aos indígenas do leste de Roraima, sobretudo Macuxi e Wapixana. Já a missão entre os Yanomami foi fundada na segunda metade da década de 1960.
  • 3
    O padre Giovanni Saffirio, não raramente nominado João Saffirio, foi coordenador da equipe missionária da missão Catrimani durante o período de 1985 a 1995. É muito comum, entre os missionários, a tradução do seu nome para o vernáculo utilizado no país de atuação. Isso pode implicar em dificuldades na localização de documentos por eles produzidos quando atuam em missões situadas em países com diferentes idiomas.
  • 4
    Padre Schmidt fazia parte da congregação Sociedade do Verbo Divino (SDV), fundada em 1875, pelo padre Janssen, que tem carisma missionário.
  • 5
    Prêmio concedido pelo Institut de France para trabalhos sobre filologia comparada, indicados pela Academia de Inscrições e Belas Letras.
  • 6
    Lilian Sales (2012) também discute alguns elementos acerca da preocupação de religiosos em responder às críticas formuladas por defensores da ciência positiva.
  • 7
    O princípio da adaptação propunha que se descobrisse a melhor estratégia de inserção do cristianismo no seio das sociedades nativas. Já o da acomodação supunha que os missionários tentassem se adequar da melhor maneira possível aos costumes nativos, evitando, assim, a possibilidade de um choque cultural e, por consequência, uma rejeição dos nativos em relação aos missionários.
  • 8
    Estes, coincidentemente, foram os fundadores da missão no antigo território do Rio Branco, hoje estado de Roraima, em 1909 e lá ficaram até 1948, quando foram substituídos pelos missionários da Consolata. Como afirmei alhures (Araújo 2006), a atuação dos beneditinos parecia ser orientada para a manutenção de uma maior proximidade com os indígenas, enquanto que a dos consolatinos, no início, era pautada pela integração desses à sociedade nacional. Só agora, depois de treze anos, encontrei uma referência à participação dos beneditinos nos debates sobre a transformação dos objetivos e práticas missionárias vigentes.
  • 9
    Ou seja, de acordo com a perspectiva adotada pela teologia da inculturação, a evangelização dar-se-ia, sobretudo, pelo exemplo dado pelos missionários de um modo de vida baseado em valores como "solidariedade, caridade e partilha". Assim, práticas pautadas na catequização, em que são ensinados valores, dogmas e doutrinas da Igreja Católica, bem como na administração de sacramentos, deixam de ter o lugar que lhes era atribuído tradicionalmente no trabalho missionário. Nesse sentido, os missionários da Consolata vinculados à teologia de inculturação propuseram aos Macuxi o desenvolvimento de uma prática missionária na qual não haveria mais a administração de sacramentos. Estes, no entanto, se recusaram a abandona-los, visto que já se consideravam católicos e vinham recebendo sacramentos como o batismo, a crisma e o casamento desde os primórdios da missão, em 1909.
  • 10
    É interessante observar que o lema dos missionários da Consolata, a "promoção da pessoa humana", parece expressar a ideia, presente nos argumentos do padre Schmidt, de que seria possível regenerar os não cristãos com a inserção da religião católica em sua cultura. Essa ideia teria fundamentado os preceitos da adaptação enquanto prática missionária recomendada pelo papa Pio XI.
  • 11
    Aramis Luís Silva (2011) faz uma interessante análise sobre a organização de exposições salesianas, apresentando elementos que vão desde a concepção até o produto final – em alguns casos, museus etnográficos –, passando pelas orientações enviadas aos missionários para a coleta de material para compor essas exposições.
  • 12
    Conheci Torek no decorrer da pesquisa de campo realizada na missão do Catrimani, em 2010/11.
  • 13
    O padre Saffirio afirma que lhe deu esse nome para deixar registrado o lugar de onde vinha – Yano significa terra – e em homenagem à Nossa Senhora do Carmo, cujo dia coincidia com o data de nascimento da menina (cf. Saffirio 1977).
  • 14
    Como uma atitude generalizada poder-se-ia afirmar que isso ocorre desde 1976, quando o bispo dom Aldo Mongiano assinou uma carta pastoral na qual afirmava que a Diocese de Roraima assumia a "opção pela causa indígena". No entanto, no que se refere aos missionários envolvidos com a criação da missão Catrimani, com exceção do padre Bindo Maldolesi, a atitude parece vigorar desde o início da missão, no final dos anos sessenta. A "opção pela causa indígena", assim como o contexto que permitiu sua existência, foi analisada no livro
    Do corpo à alma (Araújo 2006).
  • 15
    A missão do Surumu, que não mais existe, atendia indígenas das etnias Macuxi e Wapichana.
  • 16
    Havia uma suspeita de que eu fosse agente da polícia ou coisa do gênero me passando por antropóloga. Isso se devia ao fato de que dias antes da minha chegada, missionários e indígenas se depararam com a situação de ter policiais, que se diziam jornalistas, infiltrados numa assembleia indígena que ocorria nas dependências da missão Surumu.
  • 17
    Tendo como um de seus precursores o padre mexicano, de origem ameríndia, López Hernández, a teologia índia ganha corpo como um desenvolvimento crítico da teologia da inculturação e parte do princípio de que os indígenas já tinham teologias antes da chegada do cristianismo em terras americanas (Araújo 2011).
  • 18
    Ao contrário de Stocking, não vejo contradição no fato de Boas adotar, ao mesmo tempo, uma perspectiva que prima pela realização de estudos históricos particulares e seu interesse pelo modo como elementos estrangeiros são adotados e desenvolvidos no interior de uma dada cultura.
  • 19
    Ambos, missionários e antropólogos, de maneira geral, se empenharam em movimentos pela demarcação de terras indígenas, entre outros.
  • 20
    Há, na etnologia americanista, uma divisão de áreas de estudo que separa as populações das terras altas daquelas das terras baixas sul-americanas. Tendo como problema os termos a partir dos quais seria possível fazer comparações, Eduardo Viveiros de Castro (1984/5), na proposta para o II Encontro Tupi, afirma ser necessário abandonar dois tipos de postura bastante comuns no campo de estudos Tupi, quais sejam, o "confinamento monográfico" e "a aceitação superficial de que existe uma cosmologia Tupi', substantiva e idêntica" (:404), e passar a um diálogo no qual sejam analisados comparativamente alguns temas cosmológicos que perpassam os grupos Tupi. Já Joanna Overing (1984) amplia o quadro comparativo para as terras baixas sul-americanas, desde que as pesquisas sejam baseadas num tema e questão comuns passíveis de serem discutidas a partir de material oriundo de vários grupos indígenas da referida área. É preciso assinalar, no entanto, que seria imprudente falar que essa divisão poderia ser um desdobramento da concepção boasiana de áreas culturais sem antes fazer um estudo minucioso sobre o tema, o que, nesse momento, por razões de escassez de tempo, não tenho condições de fazê-lo, mas assim como Boas, Viveiros de Castro e Overing partem de uma mesma preocupação, a de estabelecer parâmetros para a realização de estudos comparativos.
  • 21
    Lembremos aqui que a ideia de "psicologia de um povo" a que se refere Boas é de
    Völkerkunde.
  • 22
    Os outros seriam: a ideia de sagrado e profano, categorias a partir das quais são classificadas, pelos homens, as coisas ideias ou reais; e o mito, responsável pela explicação de como as coisas são.
  • 23
    Ver sobre esse tema as reflexões tecidas por Montero (2009), Casanova (2007) e Asad (2003), dentre outros. Esses autores, ao tomar como objeto de análise os debates em torno da separação entre política e religião, salientam a importância de se historicizar o surgimento dessas categorias e o modo como elas vieram a se tornar o que são como forma de sair de um debate, por vezes inócuo, acerca das inter-relações entre o que se convencionou chamar de religião e política. Nesse caso, assim como nos casos das noções de magia e ciência, essas categorias foram projetadas para sociedades e contextos diversos daqueles nos quais tiveram origem e, mais que isso, são muitas vezes tomadas como dotadas de uma existência atemporal e a-histórica.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      Abr 2012
    • Aceito
      Abr 2013
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