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“Povos e comunidades tradicionais de matriz africana” no combate ao “racismo religioso”: a presença afro-religiosa na Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial

“Traditional people and communities of African matrix” fighting against “religious racism”: the Afro-religious presence in the Brazilian racial policy

Resumo

Neste artigo, analiso a presença afro-religiosa na Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, entre 2003 e 2018. Busco, assim, pensar sobre como as religiões afro-brasileiras, que surgiram entre os negros e que na atualidade estão abertas a todos, são mobilizadas no discurso de combate ao racismo. Para tanto, baseio-me em documentos produzidos pelo governo federal, na bibliografia a respeito do tema proposto e na minha experiência de campo junto ao movimento afro-religioso. Ao marcarem presença no debate racial, os afro-religiosos criaram a categoria “povos e comunidades tradicionais de matriz africana” e se organizam em uma outra frente para se defenderem dos ataques advindos de grupos evangélicos, classificados, nesse contexto, como “racismo religioso”.

Palavras-chave:
movimento afro-religioso; religiões afro-brasileiras; política racial; racismo religioso

Abstract: In this article, I analyze the presence of the Afro-Brazilian religions in the Brazilian racial policy, between the years of 2003 and 2018. I, thus, intend to reflect upon how the Afro-Brazilian religions, which emerged amongst black people and are open to everyone, are approached in the speech against racism. Therefore, the article is based on documents from the federal government, on the bibliography available on the proposed matter, and on my field experience with the Afro-religious movement. As the Afro-religious people take part in the racial debate, they organize themselves in another front to defend themselves from the increasing attacks coming from evangelical groups. These attacks are considered, in this context, as “religious racism”.

Keywords:
Afro-religious movement; Afro-Brazilian religions; racial policy; religious racism


Introdução

Na virada do século XX para o XXI, organismos que se afirmam guardiões da humanidade ditavam ordens em forma de acordos tentando moldar um ente universal composto pela aclamada diversidade cultural. Naquele momento, o Brasil buscava representar-se como composto de variados grupos étnicos e culturais e, para tanto, ensaiava um combate mais efetivo ao racismo. Com esse intento, foi instituída, em 2003, a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR). Um dos seus objetivos determina o “reconhecimento das religiões de matriz africana como um direito dos afro-brasileiros” (Brasil 2003a). Está implícito, nesse objetivo, o direito constitucional à liberdade de crença, mas resguardando as religiões afro-brasileiras aos afro-brasileiros, quando tais religiões já não se restringiam a um grupo, sendo abertas a todos, ou seja, universais (Prandi 1991PRANDI, Reginaldo. (1991), Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. São Paulo: Hucitec e Edusp.).

Embora abertas a todos e, além disso, detentoras de um capital simbólico que as torna constituintes da chamada cultura nacional, minoria é a condição dos praticantes das religiões afro-brasileiras. Uma condição que se explica por dois motivos. Em primeiro lugar, por se tratar de um grupo numericamente inferior aos cristãos, que formam uma maioria religiosa no Brasil, composta de diferentes vertentes. Católicos e evangélicos somam 86% da população brasileira, enquanto aqueles que praticam as religiões afro-brasileiras não passam de 0,3% da população, conforme o Censo de 2010. Outro motivo a ser destacado é o fato de esse pequeno grupo ocupar uma posição marginal na sociedade brasileira e, por isso, ainda não ter garantidas as mesmas oportunidades do grupo majoritário, sendo alvo constante de perseguições e de ações preconceituosas, muitas vezes investidas de violência, a despeito dos direitos estabelecidos pela Carta Magna de 1988, a dita Constituição cidadãBRASIL. (1988), Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União: Brasília. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm . Acesso em: 15/01/2021.
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, que com seus muitos remendos ainda segue vigente.

Uma situação que impõe, como objetivo primeiro do movimento afro-religioso,1 1 De acordo com as atuais normas ortográficas da língua portuguesa, a palavra “afro-religioso” - e suas flexões de número e gênero - deve ser escrita sem o uso do hífen, adotando-se a grafia “afrorreligioso”. No entanto, opto pela versão hifenizada para salientar o prefixo “afro-” enquanto um qualificativo de “religioso”. a busca pela garantia da prática religiosa de seus representados. De fato, é esse o seu foco desde a sua conformação, no início do século XX. Os praticantes das religiões afro-brasileiras, como sabido, já foram alvo de ativa perseguição da igreja católica e ainda lutam contra a repressão vinda do Estado brasileiro, representado por parte de suas forças policiais. Contudo, se no passado alguns terreiros conseguiam certa proteção oferecendo seus serviços espirituais a políticos, por exemplo, essa troca não mais tem eficácia diante de grupos evangélicos, especialmente neopentecostais, que, desde a década de 1980, protagonizam grande parte dos ataques contra os praticantes das religiões afro-brasileiras (Silva 2007SILVA JR., Hédio. (2007), “Notas sobre sistema jurídico e intolerância religiosa no Brasil”. In: V. G. da Silva, (org.). Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro . São Paulo: Edusp . :29-69.).2 2 Uso neste texto a expressão “grupos evangélicos” de forma mais genérica, não indicando as denominações que são protagonistas dos mencionados ataques. Na verdade, são variadas as denominações, principalmente, vinculadas à vertente neopentecostal, que constitui a fase mais recente do movimento pentecostal, o que não exclui desse processo algumas igrejas mais antigas. Sobre o uso do termo “ataque” para nomear as investidas públicas de grupos evangélicos contra os afro-religiosos, sigo o proposto por Vagner Gonçalves da Silva (2007). Para esses grupos, os afro-religiosos são a encarnação do “mal” ou o cultuam, motivo pelo qual devem ser combatidos (Mariano 2007MARIANO, Ricardo. (2007), “Pentecostais em ação: a demonização dos cultos afro-brasileiros”. In: V. G. da Silva, (org.). Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Edusp. ). Além da violência física contra os praticantes dessas religiões e seus espaços de culto, há grupos evangélicos que investem em ações na arena jurídica e na produção legislativa no intento de coibir as práticas afro-religiosas. Há de se ressaltar que esses grupos contam com o apoio massivo de seu arsenal midiático para difundirem suas ideias.

Diante desses ataques às religiões afro-brasileiras, o movimento afro-religioso se viu impelido a reformular seu modo de ação e também a ampliar sua atuação no espaço público. Especialmente a partir dos anos 2000, atos públicos, como passeatas, começaram a fazer parte do cotidiano dos religiosos envolvidos nesse movimento social, como uma reação aos ataques evangélicos (Silva 2007SILVA JR., Hédio. (2007), “Notas sobre sistema jurídico e intolerância religiosa no Brasil”. In: V. G. da Silva, (org.). Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro . São Paulo: Edusp . :29-69.; Miranda 2010MIRANDA, Ana Paula Mendes de. (2010), “Entre o público e o privado, considerações sobre a (in) criminação da intolerância religiosa no Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico. Brasília, nº 2: 125-152.). A reação dos afro-religiosos também se manifesta pela via judicial (Oro 2007ORO, Ari Pedro. (2007), “Intolerância religiosa iurdiana e reações afro no Rio Grande do Sul”. In: V. G. da Silva, (org.). Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro . São Paulo: Edusp . ; Silva Jr. 2007) e na busca de alianças junto a parlamentares ditos progressistas (Almeida 2019ALMEIDA, Silvio Luiz de. (2019), Racismo estrutural. São Paulo: Pólen.). Uma outra frente foi acionada: a atuação no âmbito governamental, via políticas públicas que requerem a participação popular na sua elaboração e implementação (Gomes 2010GOMES, Edlaine de Campos. (2010), “Dinâmica religiosa e trajetória das políticas de patrimonialização: reflexões sobre as ações e reações das religiões afro-brasileiras”. Interseções, Rio de Janeiro, ano 12, nº 1: 31-158.; Cordovil 2014CORDOVIL, Daniela. (2014), “On the border between culture and religion: Public policies for Afro-Brazilian religions in Brazil”. Vibrant, Brasília, vol. 11, nº 2: 268-293.; Silva 2014SILVA, Vagner Gonçalves da. (2014), “Religion and black cultural identity: Roman Catholics, Afro-Brazilians and Neopentecostalism”. Vibrant , Brasília, vol. 11, nº 2: 210-246.; Morais 2018MORAIS, Mariana Ramos de. (2018), De religião a cultura, de cultura a religião: travessias afro-religiosas no espaço público. Belo Horizonte: Editora PUC Minas.). Nesse contexto, a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR), foco deste artigo, ganhou destaque uma vez que se tornou lócus privilegiado para o movimento afro-religioso apresentar sua agenda e desenvolver novas estratégias para tentar assegurar que seus representados possam continuar praticando suas religiões.

A religião - e não somente as afro-brasileiras - está, assim, presente no espaço público, ao mesmo tempo em que o constitui, diferentemente do que previam os teóricos da religião que pregavam o seu fim como uma das consequências da iminente secularização imposta pela modernidade. Sigo com autores que, ao refletirem sobre o caso brasileiro, afirmam que certas formas de presença da religião no espaço público não foram construídas em oposição à secularização, mas no seu interior (Montero 2006MONTERO, Paula. (2006), “Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, nº 74: 47-65.; Giumbelli 2008GIUMBELLI, Emerson. (2008), “A presença do religioso no espaço público: modalidades no Brasil”. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, vol. 28, nº 2: 80-101.). Com a instituição da República, em 1889, e o estabelecimento da laicidade como um princípio constitucional, observa-se, dessa forma, o favorecimento do pluralismo religioso no Brasil. Lembrando que esse pluralismo religioso foi construído a partir da repressão médico-legal a práticas percebidas à época como mágicas, ameaçadoras da moralidade pública, dentre as quais as afro-religiosas (Montero 2006:9).

Foi a partir desse marco que as práticas religiosas vinculadas aos negros, então classificadas como feitiçaria, magia e curandeirismo, puderam se constituir como religião. A atuação do movimento afro-religioso foi fundamental no processo de legitimação dessas práticas. Um viés adotado nos anos 1930 associava as religiões afro-brasileiras, principalmente o candomblé, a uma dada ideia de cultura (Giumbelli 2008GIUMBELLI, Emerson. (2008), “A presença do religioso no espaço público: modalidades no Brasil”. Religião & Sociedade, Rio de Janeiro, vol. 28, nº 2: 80-101.). Entre o fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, essa associação acabou resvalando para o que sacerdotisas vinculadas a terreiros considerados matriciais do candomblé baiano chamaram de folclorização do candomblé. E, manifestando-se contra essa folclorização, elas afirmaram o candomblé como religião, com cosmologia e liturgia próprias e fundamentada em uma herança africana.

Fato é que, apesar disso, a associação entre religiões afro-brasileiras e cultura continuou sendo acionada pelos afro-religiosos no processo continuado de legitimação de suas práticas, como evidenciado na patrimonialização de elementos constitutivos das religiões afro-brasileiras (Morais 2015MORAIS, Mariana Ramos de. (2015), “Les religions afro-brésiliennes en tant que patrimoine: du conflit à l’institutionnalisation”. In: S. Capone; M. R. de Morais, (org.). Afro-Patrimoines: culture afro-brésilienne et dynamiques patrimoniales. Paris: Lahic; IIAC; EHESS, nº 11 de Les Carnets du Lahic : 98-18. Disponível em: Disponível em: http://www.garae.fr/spip.php?article446 . Acesso em: 07/12/2021.
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, 2018). Nessa busca por legitimação, o termo “cultura” é acompanhado de um adjetivo que lhe confere uma marca racial: “negra”. Quando juntos, “cultura negra”, soma-se uma característica: “tradicional”, remetendo a algo que perdura, que advém de um tempo passado e aporta no presente trazendo consigo o rastro de uma herança ancestral que tem a África como origem. Uma ideia presente nos escritos acadêmicos e também nos discursos de sacerdotes e de sacerdotisas desde o início do século XX e que reverbera na categoria discursiva “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”.

Essa categoria foi construída pelos afro-religiosos no âmbito da PNPIR e passou a ser adotada em seus documentos, a partir de 2013, em substituição a expressões que davam ênfase ao caráter “religioso” das diferentes práticas consideradas por eles tradicionais e cuja origem africana fosse reivindicada. Dentre essas expressões, cito religiões afro-brasileiras, religiões de matriz/matrizes africanas, povos e/ou comunidades de terreiro. Ao marcarem presença no debate racial, os afro-religiosos se organizaram, como dito, em uma outra frente para se defenderem dos ataques advindos de grupos evangélicos, ataques esses classificados, nesse contexto, como “racismo religioso”. Essa forma de classificar tais ataques, antes enquadrados como atos de intolerância religiosa, também foi elaborada por parte dos integrantes do movimento afro-religioso e se fez ecoar na execução da referida política pública.

Neste artigo, apresento, assim, uma análise sobre a presença afro-religiosa na PNPIR, entre 2003 e 2018. Como as religiões afro-brasileiras são mobilizadas no discurso do combate ao racismo? De que forma o movimento afro-religioso apresenta sua agenda nesse contexto? Quais estratégias são elaboradas pelos afro-religiosos no âmbito dessa política pública no intuito de garantirem seus direitos? Essas questões orientam a análise proposta que se baseia em documentos produzidos pelo governo federal, na bibliografia a respeito do tema em tela e na minha experiência de campo junto ao movimento afro-religioso.

O período escolhido para análise, de 2003 a 2018, compreende os dois mandatos presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006, 2007-2010), seguidos de outros dois mandatos presidenciais de Dilma Rousseff (2011-2014, 2015-2016), finalizando com o curto governo de Michel Temer (2016-2018) - que assumiu a presidência da República após o processo de impeachment sofrido pela presidenta Dilma em agosto de 2016. Uma escolha à primeira vista arbitrária ou talvez oportuna por contemplar praticamente quatro mandatos presidenciais do Partido dos Trabalhadores (PT), que se manteve, apesar dos percalços, alinhado a pauta antirracista.3 3 O presidente Lula e a presidenta Dilma foram eleitos enquanto filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT). A presidenta Dilma, em seus dois mandatos, teve como vice-presidente Michel Temer, filiado ao então Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Temer assumiu a presidência em agosto de 2016, após o impeachment sofrido pela presidenta Dilma. No entanto, a escolha desse período justifica-se também devido ao acirramento dos ataques de grupos evangélicos às religiões afro-brasileiras.

Inicio o texto apontando como as religiões afro-brasileiras são mobilizadas no discurso do combate ao racismo no contexto da política pública em questão. Na sequência, destaco a construção da categoria discursiva “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”, contextualizando o momento político em que foi proposta. Finalizo este artigo com uma reflexão sobre a classificação dos ataques de grupos evangélicos contra essas religiões enquanto “racismo religioso”, com base em argumentos construídos por parte dos afro-religiosos no âmbito da PNPIR.

Preconceito transposto

Em 2003, quando iniciava o mandato de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do Brasil, foi criada, em 21 de março, Dia Internacional contra a Discriminação Racial, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) (Brasil 2003bBRASIL. (2003b), Medida provisória nº 111, de 21 de março de 2003. Cria a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, e dá outras providências. Diário Oficial da União : Brasília. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/MPV/Antigas_2003/111.htmimpressao.htm . Acesso em: 15/01/2021.
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).4 4 Em 2010, com a publicação da Lei nº 12.314, a Seppir passa a ser nomeada Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, excluindo a palavra “especial”. Esse era o órgão gestor da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, instituída naquele mesmo ano, em 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra. Até aquele momento, as medidas contra o racismo vinham sendo adotadas aos poucos. A Constituição de 1988, por exemplo, decretou o racismo como crime inafiançável e imprescritível. E, em 1995, durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998, 1999-2002), foi criado o Grupo Interministerial para a Valorização da População Negra - responsável por iniciar o debate acerca das ações afirmativas no governo federal.

Com a Seppir, o movimento negro reclamava pela “promoção da igualdade racial”. Seria uma “virada conceitual”, como afirma um dos fundadores do Movimento Negro Unificado, Amauri Mendes Pereira (2008PEREIRA, Amauri Mendes. (2008), Trajetória e perspectivas do Movimento Negro brasileiro. Belo Horizonte: Nandyala.). Segundo ele, a “promoção da igualdade racial” parte da luta contra o racismo para propor medidas que não apenas combatam o preconceito como também enfrentem a desigualdade racial, buscando beneficiar minorias sociais historicamente discriminadas. Seguindo a proposta de Silvio Almeida (2019ALMEIDA, Silvio Luiz de. (2019), Racismo estrutural. São Paulo: Pólen.), essa seria uma forma para fazer frente ao racismo estrutural, considerado por ele um elemento que integra a organização da sociedade brasileira, fornecendo o sentido, a lógica e a tecnologia para a reprodução de formas de desigualdade e violência. A “promoção da igualdade racial” seria, assim, um modo de ação política do movimento negro ao se estabelecer junto à administração pública federal com a criação da Seppir.

No programa de governo que Lula, então candidato à Presidência da República, apresentou durante a campanha eleitoral em 2002, havia um caderno temático intitulado Brasil sem racismo. No tópico “Resistências históricas”, as religiões afro-brasileiras foram mencionadas como “religiões de matrizes africanas” que “jamais deixaram de constituir importante elemento para garantia da dignidade da população negra” (Brasil sem racismo 2002BRASIL SEM RACISMO (2002), Programa de governo 2002 - coligação Lula presidente. :10). As religiões afro-brasileiras eram apresentadas no mencionado documento como religiões que resistiram ao tempo, estabelecendo-se que a intolerância religiosa deveria ser punida, com base na Constituição Federal que garante, em seu artigo quinto, o “livre exercício dos cultos religiosos” (Brasil 1988).

No intuito de delinear, brevemente, o panorama religioso brasileiro quando da criação da Seppir, recorro aos dados censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dos anos 1970 aos 2000, o Brasil viu crescer o número de pessoas declaradas evangélicas, que passaram de 5,2% dos 70 milhões de brasileiros, em 1970, para 15,6% dos 170 milhões de brasileiros, em 2000, considerando-se os evangélicos de missão e os pentecostais (incluindo aqui os neopentecostais). Enquanto isso, o catolicismo que, em 1970, registrava 91,8% da população, reduzia-se para 73,8% trinta anos mais tarde, no Censo de 2000, quando 7,4% dos brasileiros se declararam sem religião. Os números indicavam certa diversificação da pertença religiosa e da religiosidade no país, que, no entanto, mantinha o seu caráter cristão.

No início dos anos 2000, apenas 0,3% da população brasileira se declarava praticante de alguma religião afro-brasileira, conforme o Censo de 2000. Uma queda no comparativo com o Censo de 1980 quando o registro era de parcos 0,6% da população. As razões para o declínio das religiões afro-brasileiras estão relacionadas às novas condições da expansão das religiões no Brasil, como defende Reginaldo Prandi (2004PRANDI, Reginaldo. (2004), “O Brasil com axé: candomblé e umbanda no mercado religioso”. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 18, nº 52: 223-238.:231). Ele elenca alguns fatores que podem ter contribuído para esse declínio, mencionando os ataques ao candomblé e à umbanda por igrejas neopentecostais, em especial a Igreja Universal do Reino de Deus. A ausência de algum tipo de organização ampla somada ao peso do preconceito racial transferido do negro para a cultura negra seriam, para Prandi, fatores que dificultariam uma reação dos afro-religiosos. Deixo em relevo o entendimento de que o preconceito racial se transfere do negro para a cultura negra. Entendimento esse que é mobilizado também por integrantes do movimento afro-religioso, como exposto na apresentação do livro Candomblé: diálogos fraternos contra a intolerância religiosa, datado de 2003 (Oliveira 2003OLIVEIRA, Rafael Soares de (org). (2003), Candomblé: diálogos fraternos contra a intolerância religiosa. Rio de Janeiro: DP&A.).

Confortavelmente acolhidos no seio daqueles que se consideram dignitários de uma herança africana na diáspora, os terreiros que se comprometeram com as reflexões presentes neste livro também estão plenamente conscientes de que, junto com a cultura de que são participantes, herdaram as piores formas de discriminação e preconceito que, em regra, atingem as pessoas negras que fazem parte da população baiana e brasileira. (Oliveira 2003OLIVEIRA, Rafael Soares de (org). (2003), Candomblé: diálogos fraternos contra a intolerância religiosa. Rio de Janeiro: DP&A.: 11-12)

Naquele momento, já havia uma articulação entre o movimento afro-religioso e o movimento negro. Foi, sobretudo, a partir da década de 1980 que parte dos integrantes do movimento negro se aproximaram dos terreiros. O candomblé foi “passando a ser lido como mais um exemplo da ‘purificação da raiz’ da cultura negra” (Santos 2005SANTOS, Jocélio Teles dos. (2005), O poder da cultura e a cultura no poder: a disputa simbólica da herança cultural negra no Brasil. Salvador: Edufba.:169). Além disso, no discurso adotado por parte do movimento negro, o candomblé “cristalizaria uma auto-estima do negro” (Santos 2005:169). Em alguns casos, os militantes negros se iniciaram no candomblé. Em outros, há uma articulação entre ativistas e religiosos para fins políticos, como foi expresso, por exemplo, no processo de tombamento da Casa Branca, o primeiro terreiro de candomblé a ser considerado patrimônio cultural brasileiro, em 1984 (Velho 2006VELHO, Gilberto. (2006), “Patrimônio, negociação e conflito”. Mana, Rio de Janeiro, vol. 12, nº 1: 237-248.).

Assim, a associação proposta entre racismo e religiões afro-brasileiras poderia advir dessa articulação em que o discurso do movimento negro absorve parte do discurso do movimento afro-religioso e vice-versa. Sendo que, conforme pontua Jocélio Teles dos Santos (2005SANTOS, Jocélio Teles dos. (2005), O poder da cultura e a cultura no poder: a disputa simbólica da herança cultural negra no Brasil. Salvador: Edufba.:169), por parte do movimento afro-religioso essa articulação não implica em uma filiação partidária ou ideológica. Ressalta-se que a análise desse autor se pauta no candomblé baiano, que buscou se legitimar exaltando sua herança africana, por meio de articulações de seus sacerdotes e suas sacerdotisas com intelectuais, políticos e acadêmicos, desde a virada do século XIX para o XX. A umbanda, em sua trajetória pela legitimação social, oscilou entre momentos de recusa à África e de busca pela herança africana.

Essa distinção entre os processos de legitimação das duas religiões afro-brasileiras mais difundidas pelo Brasil é conferida por aqueles que as praticam ou por aqueles as estudam. Para um observador externo, enfatizando aqui os grupos evangélicos que protagonizam os ataques contra essas religiões, essa distinção é anulada, tanto a umbanda quanto o candomblé são consideradas religiões que carregam consigo a herança africana em suas práticas religiosas. Lembrando também que em ambas está presente a figura do Exu, que ganha diferentes facetas, denominações e mesmo significados a depender da modalidade afro-religiosa, mas que, do ponto de vista do fiel evangélico, é ele mesmo a representação do “mal”.

Após ter sido “demonizado” por parte dos evangélicos nas eleições de 1989, 1994 e 1998, Lula teve o apoio da Igreja Universal do Reino de Deus e de outras denominações evangélicas no segundo turno das eleições de 2002, quando foi eleito presidente da República (Trevisan 2013TREVISAN, Janine. (2013), “A frente parlamentar evangélica: força política no estado laico brasileiro”. Numen, Juiz de Fora, vol. 16, nº 1: 29-57.:31-32). Assim, no começo de seu mandato em 2003, Lula havia de honrar o apoio do movimento negro, que reivindicava a efetiva liberdade religiosa aos praticantes das religiões afro-brasileiras, ao mesmo tempo que se comprometera politicamente com os evangélicos, autores dos mencionados ataques àquelas religiões. O movimento negro atuava, nessa ocasião, como um mediador dos afro-religiosos. Ao passo que os evangélicos, que já contavam com uma estrutura partidária, “negociavam” diretamente com o governo ou, no caso das eleições, com quem almejava o cargo de presidente.5 5 Na legislatura 2003-2006, havia 77 parlamentares evangélicos no Congresso Nacional. Esse período corresponde ao primeiro mandato do presidente Lula (Trevisan 2013).

A reivindicação do movimento negro pelo cumprimento do direito à liberdade religiosa e pelo incisivo combate à intolerância religiosa estava vinculada a uma pauta mais ampla: o combate ao racismo. Conforme exposto, o programa de governo Brasil sem racismo enfatizava que a intolerância religiosa devia ser punida, seguindo os preceitos constitucionais. Estava subentendida a ideia de que o peso do preconceito racial se transfere do negro para a cultura negra. Uma ideia sustentada não apenas pelo discurso do movimento afro-religioso e do movimento negro, no Brasil, mas também pelo debate que se fazia a nível global. Na III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata (Conferência de Durban), ocorrida em 2001, na África do Sul, por exemplo, estava inscrito na declaração final assinada pelos Estados participantes, incluindo o Brasil:

Reconhecemos que racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata ocorrem com base na raça, cor, descendência, origem nacional ou étnica e que as vítimas podem sofrer múltiplas ou agravadas formas de discriminação calcadas em outros aspectos correlatos como sexo, língua, religião, opinião política ou de qualquer outro tipo, origem social, propriedade, nascimento e outros. (Conferência... 2001CONFERÊNCIA mundial contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata (declaração e programa de ação). (2001). Disponível em: Disponível em: http://www.unfpa.org.br/Arquivos/declaracao_durban.pdf . Acesso em: 15/01/2021.
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:3)

Dessa forma, estava colocada em um documento oficial a associação defendida pelos movimentos negro e afro-religioso. Essa associação era reforçada em outros pontos da citada declaração, que conferiu destaque aos africanos e a seus descendentes na diáspora. Estavam expressas naquele documento, mencionado no programa de governo de Lula de 2002, muitas das reivindicações do movimento negro no Brasil, demonstrando como a sua agenda se estruturava em diálogo com a de outros movimentos negros na diáspora. Assim, o movimento negro passava a amparar suas reivindicações não apenas em sua trajetória de luta, mas também em um acordo internacional que vinha reforçar ditames constitucionais brasileiros - especificamente a criminalização do racismo e a garantia da liberdade de crença. Ambos, o documento final de Durban e a Constituição de 1988, eram a base legal não apenas para a instituição do novo órgão federal que se voltava para a questão racial, no caso a Seppir, como para a proposição da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

Foi no esteio da implementação dessa política pública que foram se abrindo outros canais de interlocução entre o governo federal e o movimento afro-religioso. Canais que não se limitavam ao órgão gestor da PNPIR, pois, tendo por princípio a transversalidade, essa política pública pressupunha “o combate às desigualdades raciais e a promoção da igualdade racial como premissas e pressupostos a serem considerados no conjunto das políticas de governo” (Brasil 2003aBRASIL. (2003a), Decreto nº 4.886, de 20 de novembro de 2003. Institui a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial - PNPIR e dá outras providências. Diário Oficial da União : Brasília. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/D4886.htm . Acesso em: 15/01/2021.
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). As religiões afro-brasileiras foram figurando como conteúdo e mesmo objeto de políticas públicas de diferentes áreas, como saúde, educação, assistência social, cultura. Ou seja: no caminho deixado pelo movimento negro, a agenda afro-religiosa se apresentava. As religiões afro-brasileiras passaram, assim, a ser incluídas em medidas voltadas para o combate ao racismo e à redução das desigualdades raciais, com base no entendimento de que o preconceito racial era transferido para essas religiões. Era preciso, então, adotar medidas para reconhecer as “religiões de matriz africana como um direito dos afro-brasileiros”, seguindo um dos objetivos da referida política pública (Brasil 2003a).

Afro-religiosos em movimento

Dois anos após ser criada, a Secretaria Especial Políticas de Promoção da Igualdade Racial iniciou a primeira ação voltada diretamente para os praticantes das religiões afro-brasileiras: a distribuição de cestas básicas para os terreiros. Inicialmente, a Seppir recebia os alimentos, enviava para os estados, e, em cada estado, havia um responsável pela distribuição das cestas. Em alguns casos, o responsável era uma prefeitura, em outros uma entidade representativa do movimento afro-religioso. Os alimentos nunca atenderam a totalidade dos terreiros, o que gerou muita reclamação e, ao mesmo tempo, disputa. No entanto, com essa ação, o movimento afro-religioso passou a acionar a política pública de segurança alimentar, sob a gestão do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, que era quem fornecia à Seppir as cestas básicas.

Foi esse ministério, inclusive, que realizou uma pesquisa em quatro capitais brasileiras, Belo Horizonte (MG), Belém (PA), Porto Alegre (RS) e Recife (PE), com o objetivo de mapear os terreiros onde são praticadas as religiões afro-brasileiras. Essa pesquisa foi uma reivindicação dos representantes dos movimentos negro e afro-religioso que atuavam na Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR). Segundo meus interlocutores de pesquisa, era necessário quantificar os terreiros para que pudessem ser desenvolvidas ações - não se restringindo à distribuição de cestas básicas - que, realmente, atendessem as demandas dos praticantes das religiões afro-brasileiras. Financiada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a pesquisa ocorreu em 2010, no último ano do segundo mandato do presidente Lula. Em 2011, já no primeiro ano do mandato da presidenta Dilma, foi publicado como resultado da pesquisa o livro Alimento: direito sagrado - pesquisa socioeconômica e cultural dos povos e comunidades tradicionais de terreiro (Brasil 2011BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (2011), Alimento: direito sagrado - pesquisa socioeconômica e cultural de povos e comunidades tradicionais de terreiros. Brasília: MDS-Sagi.).

No referido livro, os terreiros são entendidos “não apenas como locais de culto religioso, mas também instrumentos de preservação das tradições ancestrais africanas e de luta contra o preconceito e de combate à desigualdade social” (Brasil 2011:15). Essa definição estava alinhada aos preceitos da PNPIR e de uma outra política pública, também vinculada ao Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, juntamente com o Ministério do Meio Ambiente, qual seja, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, instituída pelo Decreto 6.040, em 2007 (Brasil 2007BRASIL. (2007), Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Diário Oficial da União : Brasília. Disponível em: <Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm >. Acesso em: 15 jan. 2021.
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). Essa política pública se baseia em normas de organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Unesco, inscritas no contexto da valorização da diversidade cultural. E foi por meio dela que se cunhou o conceito de “povos e comunidades tradicionais”,6 6 Conforme o Decreto nº 6.040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, “povos e comunidades tradicionais” são: “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Brasil 2007). fundamental para que o movimento afro-religioso criasse, no âmbito da PNPIR, a categoria “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”.

Mais do que oferecer ações concretas voltadas para as religiões afro-brasileiras, a Seppir proporcionou ambientes de encontro de afro-religiosos de todas as regiões do Brasil, especialmente nos dez primeiros anos de vigência da Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Uma vez que essa política pública previa a participação popular em sua execução, era necessário criar esses ambientes que se tornaram uma via importante não apenas para que os afro-religiosos apresentassem sua agenda como também para que se organizassem seguindo os parâmetros estatais, ou seja, se apropriassem das ferramentas, dos conceitos e do modus operandi da gestão pública.

O Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, um órgão colegiado de caráter consultivo da Seppir, era um desses ambientes, por contar em sua estrutura com representantes do movimento afro-religioso. A Seppir organizou também eventos específicos para os afro-religiosos, como o Seminário Territórios das matrizes africanas no Brasil - Povos Tradicionais, em 2011, e a Oficina de Trabalho Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, em 2012. Além disso, durante as Conferências Nacionais de Promoção da Igualdade Racial de 2005, de 2009 e de 2013, houve plenárias voltadas diretamente para esse segmento.

Esses ambientes fomentaram o debate em torno da categoria “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”. A sua elaboração foi influenciada pela discussão que era realizada em outras instâncias de participação popular vinculadas ao governo federal, como a Política Nacional de Cultura e as já citadas Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais e Política Nacional de Segurança Alimentar. Nesse processo, foi também importante a presença de integrantes do movimento afro-religioso em eventos de organismos não governamentais que mobilizavam movimentos sociais de diferentes áreas de atuação, como o Fórum Social Mundial.

Foi nos debates travados em ambientes participativos como os elencados que, gradativamente, a referência às religiões afro-brasileiras na PNPIR foi se esvaindo do caráter “religioso”. E, ao se esvair desse caráter “religioso”, incorporou-se uma concepção que objetivava contemplar de forma mais abrangente o legado dos diferentes povos africanos transladados forçosamente para terras brasileiras. Legado esse que estaria enraizado nos espaços que abrigam os devotos de orixás, voduns e inquices, bem como outras divindades e entidades surgidas da experiência desses povos na diáspora. Essa nova concepção, encarnada na categoria “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”, reforçou a marca racial presente nos grupos que manteriam e reatualizariam a “herança africana” em suas práticas, consideradas parte da “cultura negra”.

Conforme enunciado na introdução deste artigo, um dos objetivos da PNPIR determina o “reconhecimento das religiões de matriz africana como um direito dos afro-brasileiros” (Brasil 2003a). Destaco aqui a expressão que nomeia as religiões afro-brasileiras: “religiões de matriz africana”. No momento em que essa política pública era instituída, registrava-se, assim, o uso de uma expressão que afirma tais práticas como religião, no plural, e que remetem a uma origem africana. À medida em que essa política pública foi sendo implementada, outras expressões foram empregadas para fazer referência às religiões afro-brasileiras, citando: “comunidades de terreiro”, “comunidades tradicionais de terreiro” e “povos e comunidades tradicionais de matriz africana.7 7 Para uma análise detalhada sobre a construção da categoria discursiva “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”, ver Morais (2018). Para a relação dessa categoria com a ideia de diversidade cultural, ver Morais e Jayme (2017).

Essa última expressão foi adotada no Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana (Brasil 2013), lançado em 2013, e é explícita a relação com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, mencionada como um dos marcos legais para a elaboração do referido Plano. Nele, consta a seguinte definição para a expressão “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”:

Grupos que se organizam a partir dos valores civilizatórios e da cosmovisão trazidos para o país por africanos para cá transladados durante o sistema escravista, o que possibilitou um contínuo civilizatório africano no Brasil, constituindo territórios próprios caracterizados pela vivência comunitária, pelo acolhimento e pela prestação de serviços à comunidade. (Brasil 2013:12)

Observo que a palavra “religião” não consta da expressão “povos e comunidades tradicionais de matriz africana” como também de sua definição. Ressalto que não há menção alguma à palavra “religião” em todo o Plano. O cientista social José Pedro da Silva Neto, que atuou como consultor da Seppir de 2015 a 2018, informa:

(...) as comunidades tradicionais de matriz africana no Brasil foram reduzidas apenas a seus aspectos relacionados ao sagrado. A proposta fundamental do I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana (2013-2015) é superar esse reducionismo a que foram relegadas as tradições africanas ao longo da história no Brasil, resumidas à sua religiosidade ou religião. (Silva Neto 2019SILVA NETO, José Pedro da. (2019), “Povos e comunidades tradicionais de matriz africana: visgo para combater o racismo”. Revista Perseu, São Paulo. nº 17: 91-120.:94)

Esses argumentos podem ser sintetizados nos dizeres de Mãe Nalva de Oxum, coordenadora do Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (Fonsanpotma), no Pará: “É por isso que a gente tem que afirmar que não somos religião, somos um povo” (Mãe Nalva de Oxum, citada por Almeida 2018ALMEIDA, Rosiane Rodrigues de. (2018), “‘Não somos religião, somos um povo’: apontamentos sobre as estratégias para garantia de direitos dos terreiros no Brasil”. [SYN]THESIS, Rio de Janeiro, vol. 11, nº 2: 01-12. :4). A frase da mãe de santo foi destacada de um trecho do artigo de Rosiane Rodrigues de Almeida (2018ALMEIDA, Rosiane Rodrigues de. (2019), A luta por um modo de vida: as narrativas e estratégias de enfrentamento ao racismo religioso dos membros do FONSANPOTMA. Niterói: Tese de Doutorado em Antropologia, UFF. ) que aborda as estratégias de mobilização do Fonsanpotma, uma entidade do movimento afro-religioso que surgiu em 2011.

Para além da mudança semântica apresentada por José Pedro da Silva Neto, Mãe Nalva de Oxum explicava que havia uma questão prática na adoção da expressão “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”: “A gente chega numa secretaria de governo, num gabinete de político exigindo os nossos direitos, e recebemos a resposta de que ‘o Estado é laico e não pode investir em programas que beneficiem apenas uma religião’” (Mãe Nalva de Oxum, citada por Almeida 2018ALMEIDA, Rosiane Rodrigues de. (2018), “‘Não somos religião, somos um povo’: apontamentos sobre as estratégias para garantia de direitos dos terreiros no Brasil”. [SYN]THESIS, Rio de Janeiro, vol. 11, nº 2: 01-12. :3-4). Seria por esse motivo que, conforme a mãe de santo, os afro-religiosos deveriam se afirmar como “povo” não como “religião”.

A fala de Mãe Nalva de Oxum condiz com a afirmativa de uma de minhas interlocutoras de pesquisa, representante do movimento afro-religioso, sobre a adoção da expressão “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”: “É por que o Estado é laico.” Uma explicação que ouvi em outras ocasiões quando acompanhava encontros promovidos pelo poder público ou por entidades do movimento afro-religioso. Assim, conforme a justificativa de representantes do movimento afro-religioso, uma vez que se trata de um Estado laico, não se pode ter políticas públicas voltadas para uma denominação religiosa.

A expressão “povos e comunidades tradicionais de matriz africana” foi criada pelos afro-religiosos - não sem disputas e entraves - em um momento em que era crescente a influência evangélica na esfera política, especialmente, no Congresso Nacional, conforme apontam Lilian Sales e Ricardo Mariano (2019SALES, Lilian; MARIANO, Ricardo. (2019), “Ativismo político de grupos religiosos e luta por direitos”. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, vol. 39, nº 2: 1-225.). Segundo os autores, em 2011, o governo Dilma começou a sofrer oposição dos evangélicos que já haviam tentado prejudicar a sua primeira candidatura à presidência da República difundindo acusações, boatos conspiratórios e persecutórios em igrejas e redes sociais religiosas. Em 2013, essa oposição recrudesceu devido a conflitos entre deputados do PT, partido da presidenta, e deputados evangélicos na disputa pelo domínio da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e das políticas dos Direitos Humanos (Sales; Mariano 2019:19).

A pressão dos evangélicos nesse período incidiu, por exemplo, no cancelamento do Plano Nacional de Proteção à Liberdade Religiosa e de Promoção de Políticas Públicas para Comunidades Tradicionais de Terreiro, previsto para ser lançado em 20 de janeiro de 2010, um dia antes do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial 2010SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL. (2010), SEPPIR lança plano nacional de proteção à liberdade religiosa, 8 jan. 2010. Disponível em: Disponível em: https://www.cadaminuto.com.br/noticia/2010/01/11/seppir-lanca-plano-nacional-de-protecao-a-liberdade-religiosa . Acesso em: 15/01/2021.
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). Esse plano previa a regularização fundiária e o tombamento de terreiros. A então ministra-chefe da Casa Civil e pré-candidata à presidência, Dilma Rousseff, teria solicitado o cancelamento do evento para evitar atritos com evangélicos e católicos em um ano eleitoral, conforme foi noticiado pela imprensa (Rosa 2010ROSA, Vera. (2010), “Dilma adia legalização de terreiros de umbanda para evita nova crise”. O Estado de São Paulo, São Paulo, 21/01/2010. Disponível em: Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-adia-legalizacao-de-terreiros-de-umbanda-para-evitar-nova-crise,498975 . Acesso em: 15/01/2021.
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). Não apenas o lançamento do plano, mas o plano em si foi cancelado, uma vez que, após esse episódio, nenhuma notícia a seu respeito foi publicada no site da Seppir.

A despeito disso, a Seppir continuou desenvolvendo ações que envolviam as religiões afro-brasileiras.8 8 Em 2010, por exemplo, a Seppir apoiou a execução de nove marchas pela liberdade religiosa em municípios dos estados da Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e no Distrito Federal. No entanto, modificou a expressão usada para lhes fazer referência. Principalmente a partir de 2012, essas religiões passaram a ser referenciadas como uma das “comunidades tradicionais” presentes no Brasil, tendo até uma área restrita aos assuntos relativos a elas no site da Seppir. Naquele mesmo ano, 2012, foi instituído um grupo de trabalho interministerial com o objetivo de elaborar o I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana.

No texto da portaria que instituiu o grupo de trabalho, a então ministra da Seppir, Luiza Bairros, embasou sua deliberação fazendo referência à Constituição Federal em seus artigos 215 - que garante a todos o pleno exercício dos direitos culturais e a obrigatoriedade de o Estado proteger as manifestações afro-brasileiras - , e 216 - que define os bens materiais e imateriais dos grupos formadores da sociedade brasileira como patrimônio cultural nacional; ao Estatuto da Igualdade Racial (Brasil 2010BRASIL. (2010), Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nºs 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003. Diário Oficial da União : Brasília. Disponível em: Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm . Acesso em: 15/01/2021.
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); e ao Decreto 6.040. A ministra estava, dessa forma, se amparando na legislação brasileira que discorre sobre os direitos culturais e étnicos para garantir a efetivação do I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, após o insucesso do Plano anterior.

A adoção da expressão “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”, imbuída do sentido que lhe foi conferido no âmbito da PNPIR é entendida, assim, como uma forma de o movimento afro-religioso buscar garantir a prática religiosa de seus representados, acionando os direitos culturais e étnicos. Observa-se que não há, nesse caso, o apelo ao direito civil de liberdade de crença, como estava implícito no decreto que instituiu a PNPIR, devido, dentre outros fatores, à ausência do termo “religião”. Os afro-religiosos intentavam, assim, assegurar o acesso a políticas públicas, afirmando o caráter laico do Estado brasileiro. Eles se precaviam, desse modo, dos embates com evangélicos atuantes na esfera política, fossem de oposição ao governo ou mesmo partícipes dele.

Com o I Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, os afro-religiosos estariam ampliando as ações do governo federal voltadas para o segmento. Esse Plano era um instrumento de planejamento, implementação e monitoramento das ações de governo com metas específicas para os denominados “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”. E tinha como “objetivo primordial a salvaguarda da tradição africana preservada no Brasil” (Brasil 2013BRASIL. (2013), Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Plano nacional de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana. Brasília: Seppir. :12). Para tanto, previa iniciativas que abarcavam onze ministérios e órgãos do governo federal, que deveriam cumprir 57 metas entre 2013 e 2015.

O prazo estabelecido para a vigência do Plano corresponde aos dois últimos anos do primeiro mandato da presidenta Dilma e ao primeiro ano do seu segundo mandato. Um período de muitas turbulências e tensões de seu governo, colocado à prova em um ambiente político polarizado entre apoiadores e opositores do Partido dos Trabalhadores, incluindo-se, nesse último caso, parlamentares evangélicos. A oposição evangélica incidiu, como já dito, no campo das políticas sociais, especialmente, no que tange aos direitos das ditas minorias. Não por acaso, na reforma ministerial ocorrida apenas dez meses após a sua reeleição, Dilma extinguiu a Secretaria de Políticas para as Mulheres, a Seppir e a Secretaria de Direitos Humanos, todas com status de ministério, criando uma só pasta: o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Em meio a esse cenário, as metas estabelecidas no Plano não foram alcançadas em sua totalidade. Vinte metas foram executadas plenamente, 12 foram parcialmente executadas e 25 não foram implementadas (Silva Neto 2019SILVA NETO, José Pedro da. (2019), “Povos e comunidades tradicionais de matriz africana: visgo para combater o racismo”. Revista Perseu, São Paulo. nº 17: 91-120.:110).

Em agosto de 2016, a presidenta Dilma foi destituída do cargo. E, ao assumir a Presidência, Michel Temer realizou uma outra reforma ministerial, extinguindo, desta vez, o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Em 2017, ele recriou o Ministério dos Direitos Humanos, que passou a abrigar a Seppir, transformada em apenas um apêndice da pasta. Nessa nova condição, o diálogo com o movimento afro-religioso que fora interrompido, conforme uma de minhas interlocutoras de pesquisa, foi restabelecido, tendo como foco a proposta de elaboração do II Plano de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana. Em maio de 2018, ocorreu um encontro reunindo cerca de 100 afro-religiosos em Brasília para debater o tema, durante a IV Conferência de Promoção da Igualdade Racial. Em outubro de 2018, o texto do II Plano foi posto em consulta pública por sistema on-line (Brasil 2018aBRASIL. Ministério dos Direitos Humanos (2018a), Aberta consulta pública para II Plano Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de terreiros. 25 out. 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2018/outubro/aberta-consulta-publica-para-ii-plano-nacional-para-povos-e-comunidades-tradicionais-de-matriz-africana . Acesso em: 15/01/2021.
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). No entanto, ele não chegou a ser lançado durante o mandato de Temer (2016-2018) nem mesmo pelo seu sucessor, Jair Bolsonaro, nos dois primeiros anos de seu governo (2019-2020).

A atuação no âmbito governamental, via políticas públicas, que no início dos anos 2000 se destacava como um novo caminho para o movimento afro-religioso apresentar sua agenda e criar meios para implementá-la, demonstrou ser frágil diante de mudanças conjunturais recorrentes na política brasileira. No entanto, essa atuação contribuiu para que os afro-religiosos construíssem outra forma para fazer frente aos ataques evangélicos, acionando, desta vez, a arena jurídica. A partir do entendimento das religiões afro-brasileiras enquanto “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”, os afro-religiosos criaram fundamentos para classificar tais ataques como “racismo religioso”.

“Não queremos ser toleradas! Queremos ser respeitadas!”

No ano de 2009, Nilo Nogueira, então Assessor Técnico da Secretaria de Políticas para Comunidades Tradicionais da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, convocara uma reunião com lideranças dos povos de terreiro de vários lugares do Brasil para a discussão daquilo que deveria ter sido o Plano Nacional de Proteção da Liberdade Religiosa. Nilo Nogueira tem um longo histórico de comprometimento com os povos de terreiro e com o enfrentamento ao racismo. Na ocasião, duas das mais destacadas lideranças - Beatriz Moreira Costa, conhecida como Mãe Beata de Yemonjá e Valdina Pinto, conhecida como Makota Valdina - apresentavam uma ideia com a qual elas já estavam trabalhando a algum tempo em seu ativismo. Elas diziam “Não queremos ser toleradas! Queremos ser respeitadas!”. Nesse momento, a ideia de intolerância religiosa e seu enfrentamento pela promoção da tolerância se mostrava insuficiente ou inadequada para a perspectiva advogada por elas. É nesse momento, que a ideia já percebida por muitas pessoas que militavam contra o preconceito que atinge as comunidades de terreiro toma nome: quando elas afirmam que querem ser respeitadas, eu me pergunto o que motivaria tal desrespeito, e foi aí que apareceu a expressão: racismo, racismo religioso. (Flor do Nascimento 2017FLOR DO NASCIMENTO, Wanderson. (2017), “O fenômeno do racismo religioso: desafios para os povos tradicionais de matrizes africanas”. Revista Eixo, Brasília, vol. 6, nº 2 (Especial): 51-56. :55, grifos do autor)

O trecho acima foi extraído do artigo “O fenômeno do racismo religioso: desafios para os povos tradicionais de matrizes africanas”, de autoria de Wanderson Flor do Nascimento (2017). Nesse texto, o autor busca fundamentar o que está chamando de “fenômeno do racismo religioso”, baseando-se na literatura como também na experiência dos afro-religiosos no enfrentamento aos ataques de grupos evangélicos. Destaquei esse trecho, uma nota de rodapé do artigo, pelas referências que faz ao contexto em que a expressão “racismo religioso” teria começado a ser formulada: o Brasil ainda estava sob o governo do presidente Lula, que seguia em seu segundo mandato tentando operacionalizar ações de promoção da igualdade racial, incluindo uma iniciativa pautada na defesa da liberdade religiosa - e acrescento - que buscava contemplar especialmente o segmento afro-religioso.

Ressalto também a menção que Flor do Nascimento faz à presença de Makota Valdina e Mãe Beata de Yemonjá na reunião que havia sido convocada pela Seppir para debater Plano Nacional de Proteção da Liberdade Religiosa e Promoção de Políticas Públicas para as Comunidades Tradicionais de Terreiro que, como já informado, não chegou a ser lançado. Makota Valdina e Mãe Beata de Yemonjá são duas sacerdotisas que, para além da importância religiosa entre os praticantes das religiões afro-brasileiras, sejam vinculadas às suas comunidades religiosas ou não, tiveram uma atuação relevante no movimento afro-religioso, mesmo antes do período analisado neste artigo.9 9 Essas duas sacerdotisas ou, nos termos dos afro-religiosos, “autoridades tradicionais” já se tornaram ancestrais. Makota Valdina faleceu em março de 2019 e, Mãe Beata, em maio de 2017. Naquele momento, 2009, já tinham uma longa caminhada no mundo dos candomblés, fato que lhes conferia distinção entre os devotos dos inquices cultuados no “candomblé angola” de Makota Valdina e/ou dos orixás do “candomblé nagô” de Mãe Beata. O dito por uma das duas era, assim, motivo de reverência, de veneração pelo que se considera sagrado.

Ser tolerado, no sentido de ser suportado ou aturado, não é o bastante para quem quer ser reconhecido ou que lhe façam justiça. Essa é a interpretação que sugiro aqui para as frases creditadas a Makota Valdina e a Mãe Beata - “Não queremos ser toleradas. Queremos ser respeitadas”. Frases que foram e continuam a ser entoadas por outros afro-religiosos e que indica uma insatisfação com a expressão “intolerância religiosa” recorrentemente adotada, no início dos anos 2000, para classificar os ataques contra as religiões afro-brasileiras, protagonizados principalmente por grupos evangélicos (Silva 2007SILVA JR., Hédio. (2007), “Notas sobre sistema jurídico e intolerância religiosa no Brasil”. In: V. G. da Silva, (org.). Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro . São Paulo: Edusp . :29-69.; Miranda 2010MIRANDA, Ana Paula Mendes de. (2010), “Entre o público e o privado, considerações sobre a (in) criminação da intolerância religiosa no Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico. Brasília, nº 2: 125-152.). Foi contra a “intolerância religiosa”, por exemplo, que os afro-religiosos se mobilizaram após a morte de Mãe Gilda, a ialorixá baiana Gildásia dos Santos e Santos, que teve sua imagem exposta sem autorização em uma publicação da Igreja Universal do Reino de Deus que a caluniava e infamava as religiões afro-brasileiras.

Mãe Gilda faleceu em 21 de janeiro de 2000. Naquele mesmo ano, na Bahia, foi organizado o Movimento Contra a Intolerância Religiosa; no Rio de Janeiro, formou-se, em 2001, o Movimento Diálogo Inter-Religioso contra a Intolerância Religiosa e pela Paz, e no, Rio Grande do Sul, em 2002, foi criada a Comissão de Defesa das Religiões Afro-Brasileiras. Mobilizações semelhantes ocorreram em outras cidades a partir do caso de Mãe Gilda, mas não se encerrando nele, uma vez que os ataques oriundos de grupos evangélicos contra as religiões afro-brasileiras se acirraram. Essas mobilizações repercutiram para além dos meios afro-religiosos, levando à instituição, em 2007, do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, justamente na data do falecimento de Mãe Gilda.

Apesar de os afro-religiosos terem conquistado um relativo destaque no espaço público ao articularem sua luta pela garantia do direito de praticarem suas religiões com base na ideia do combate à intolerância religiosa, essa expressão se mostrou insuficiente para, de fato, fazer frente aos ataques de grupos evangélicos. Essa insuficiência tem uma questão prática: a dificuldade de se criminalizar os atos classificados como intolerância religiosa, uma vez que a intolerância religiosa não é tipificada como crime na legislação brasileira (Mariano 2007MARIANO, Ricardo. (2007), “Pentecostais em ação: a demonização dos cultos afro-brasileiros”. In: V. G. da Silva, (org.). Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Edusp. ; Miranda 2010MIRANDA, Ana Paula Mendes de. (2010), “Entre o público e o privado, considerações sobre a (in) criminação da intolerância religiosa no Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico. Brasília, nº 2: 125-152.). Mas a insatisfação com a adoção dessa expressão também tem um cunho semântico, tal como manifestado nas frases “Não queremos ser toleradas. Queremos ser respeitadas”, que guarda ainda um outro sentido para além da interpretação que apontei anteriormente. Makota Valdina e Mãe Beata demandavam por respeito enquanto mulheres negras que, mais do que professar uma fé, evocavam em sua fala, nos seus gestos e atitudes, nos seus costumes, seja dentro ou fora de seus espaços de culto, uma tradição legada por seus antepassados africanos.10 10 Isso era expresso em suas manifestações públicas, como em entrevistas, debates, manifestações e também está posto em suas obras escritas como nos livros Caroço de dendê: a sabedoria dos terreiros, de Mãe Beata, e Meu caminhar, meu viver, de Makota Valdina.

As duas participaram ativamente das articulações dos afro-religiosos na Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PNPIR). Makota Valdina, por exemplo, foi quem transformou em “palavra dita” - que nas religiões afro-brasileiras é imbuída de força, de energia - um entendimento sobre “intolerância religiosa” construído coletivamente por afro-religiosos que se reuniram desde 2011 junto à Seppir com a finalidade de elaborar o I Plano de Desenvolvimento Sustentável para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana. Em julho de 2013, em Brasília, na Plenária Nacional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, uma etapa da III Conferência Nacional de Igualdade Racial, Makota Valdina leu, em público, um longo texto em que constava a seguinte definição para “intolerância religiosa”:

Intolerância Religiosa - expressão que não dá conta do grau de violência que incide sobre os territórios e tradições de matriz africana. Esta violência constitui a face mais perversa do racismo, por ser a negação de qualquer valoração positiva às tradições africanas, daí serem demonizadas e/ou reduzidas em sua dimensão real. Tolerância não é o que queremos, exigimos sim respeito, dignidade e liberdade para SER e EXISTIR. (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial 2013SECRETARIA DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL. (2010), Lideranças de matriz africana divulgam texto orientador em plenária da III Conapir. 10 jul. 2013. Disponível em: Disponível em: https://www.geledes.org.br/liderancas-de-matriz-africana-divulgam-texto-orientador-em-plenaria-da-iii-conapir/ . Acesso em: 15/01/2021.
https://www.geledes.org.br/liderancas-de...
)

Essa definição coloca em relevo a violência perpetrada contra as religiões afro-brasileiras e a vincula ao racismo, sendo “a face mais perversa” dele. Reforça-se, assim, a ideia da transposição do racismo contra a população negra para as religiões afro-brasileiras, tal como foi exposto em diferentes momentos deste artigo. E é essa a justificativa entre os afro-religiosos para acionarem a expressão “racismo religioso” em substituição à “intolerância religiosa” para classificarem os ataques de grupos evangélicos às suas práticas religiosas. Lembrando que, no contexto da PNPIR, tratam-se de “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”, uma categoria que exclui a palavra “religião” de sua definição ou não resume a experiência de tais “povos e comunidades” à experiência religiosa, uma vez que são ressaltados seus “valores civilizatórios” e sua “cosmovisão”. O que está relacionado à forma como Wanderson Flor do Nascimento busca construir seu entendimento sobre o “racismo religioso”: “E um dos primeiros gestos do racismo religioso é reduzir toda a complexidade dos modos de vida africanos que se mantém e se reorganizam nesses povos e comunidades a um caráter religioso, como se apenas fizessem rituais” (Flor do Nascimento 2017:55).

Esse autor não é o único a tentar definir o que seria o “racismo religioso”. Outros autores têm buscado contribuir para esse debate, no campo acadêmico, sendo declaradamente afro-religiosos. Para o babalorixá Sidnei Nogueira, por exemplo,

O racismo religioso condena a origem, a existência, a relação entre uma crença e uma origem preta. O racismo não incide somente sobre pretos e pretas praticantes dessas religiões [nomeadas por ele comunidades tradicionais de terreiro], mas sobre as origens da religião, sobre as práticas, sobre as crenças e sobre os rituais. Trata-se da alteridade condenada à não existência. Uma vez fora dos padrões hegemônicos, um conjunto de práticas culturais, valores civilizatórios e crenças não pode existir, ou pode, desde que a ideia de oposição semântica a uma cultura eleita como padrão, regular e normal seja reiteradamente fortalecida. (Nogueira 2020NOGUEIRA, Sidnei. (2020), Intolerância religiosa. São Paulo: Editora Jandaíra. :89)

Outro entendimento de “racismo religioso” é dado por Lucas Obalera de Deus, também adepto das religiões afro-brasileiras. Para ele, “(...) racismo religioso é uma ferramenta teórico-política com rendimento analítico capaz de ampliar o significado e sentido das múltiplas violências perpetradas contra as comunidades religiosas de matriz africana” (Deus 2019DEUS, Lucas Obalera de. (2019), Por uma perspectiva afrorreligiosa: estratégias de enfretamento ao racismo religioso. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll.:9). Guardadas as diferenças entre as definições aqui mencionadas, observo que nos três casos os autores as construíram com base na interlocução com afro-religiosos. E, além disso, enfatizo outros dois pontos comuns entre elas: apontam que o “racismo religioso” seria algo mais violento do que a “intolerância religiosa” e que se trata de algo direcionado às religiões que carregam heranças africanas. Ao forjarem essa nova categoria, os afro-religiosos acionam um entendimento dado a essas religiões mais afeito à ideia de cultura no seu viés antropológico por meio da categoria “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”, sem abandonar a condição de “religião”, que segue adjetivando “racismo”, como ocorria na expressão “intolerância religiosa”. Ou, como apontam Luiz Rufino e Marina Santos de Miranda (2019RUFINO, Luiz; MIRANDA, Marina Santos de. (2019), “Racismo religioso: política, terrorismo e trauma colonial”. Problemata: R. Intern. Fil. vol. 10. nº 2: 229-242.): “A noção de racismo religioso mesmo cumprindo função tática na luta contra as violências sofridas pelos povos de terreiro emerge também como uma expressão que carrega a ambivalência da experiência e construções coloniais” (Rufino; Miranda 2019:231).

No entanto, para “racismo religioso” há um embasamento legal que sustenta a tipificação enquanto crime dos ataques às religiões afro-brasileiras advindos de grupos evangélicos. Dois documentos legais são importantes nesse contexto: a Lei nº 7.716, de 1989, e o Estatuto da Igualdade Racial, de 2010 (Brasil 2010). O primeiro documento, a Lei nº 7.716, conhecida como Lei Caó, especifica quais são os “crimes resultantes do preconceito de raça ou de cor”, um complemento à criminalização do racismo já prevista na Constituição. Uma alteração nessa lei, datada de 1997, determina que, para além dos “crimes resultantes do preconceito de raça ou de cor”, devem também ser punidos os “crimes resultantes de discriminação ou preconceito” de “etnia, religião ou procedência nacional”.11 11 Vale lembrar que não são apenas os afro-religiosos buscam amparo da legislação sobre o racismo para buscar garantir o seu direito à prática religiosa (Silva Jr. 2007). Destaco a inclusão do termo “religião”, que também consta do Estatuto da Igualdade Racial que, em vez que uma menção genérica ao termo, contempla de forma específica as religiões afro-brasileiras no capítulo “Do direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos”, conforme expresso nos artigos 24, 25 e 26.

Interessante notar que no Estatuto da Igualdade Racial adota-se expressões como “cultos religiosos de matriz africana”, “religiosidade de matriz africana”, “religiões de matriz africana”, ou seja, é explícita a afirmação das religiões afro-brasileiras como “religião”. É sob essa condição que tais religiões têm o amparo legal para se defenderem no campo jurídico contra os ataques de grupos evangélicos. No entanto, ter o amparo legal não é garantia de ganho de causa. Etnografias sobre o enfrentamento dos afro-religiosos a esses ataques no campo jurídico têm demonstrado como é longo e tortuoso o caminho desde o ato de violência contra um praticante de alguma religião afro-brasileira e a sua classificação como crime pelos operadores do direito. Um caminho nem sempre iniciado pelas vítimas, muitas vezes por descrédito no sistema que deveria lhes assegurar liberdade para praticarem sua religião (Miranda 2010MIRANDA, Ana Paula Mendes de. (2010), “Entre o público e o privado, considerações sobre a (in) criminação da intolerância religiosa no Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico. Brasília, nº 2: 125-152.; Almeida 2019ALMEIDA, Silvio Luiz de. (2019), Racismo estrutural. São Paulo: Pólen.).

Nos documentos públicos relativos à Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a expressão “racismo religioso” surge em 2018, na compilação das propostas aprovadas na IV Conferência de Promoção da Igualdade Racial (Brasil 2018bBRASIL. (2018b), IV Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Propostas aprovadas. Brasília.). Muitas delas demandam a criação de estruturas estatais que possam lidar com os casos de “racismo religioso”. E, junto a essa expressão, uma outra é mencionada “genocídio dos povos e comunidades tradicionais”. Essa última expressão deve ter sido adotada já como um reflexo do recrudescimento dos ataques evangélicos às religiões afro-brasileiras. Esses ataques passaram até mesmo a ser considerados “atentados” dada a violência física contra os praticantes dessas religiões, vítimas de assassinatos, e aos seus locais de culto, que chegam a ser destruídos por integrantes de grupos evangélicos associados a facções criminosas (Almeida 2019ALMEIDA, Silvio Luiz de. (2019), Racismo estrutural. São Paulo: Pólen.).

O uso de expressões como “racismo religioso” e “genocídio dos povos e comunidades tradicionais” para classificar os ataques evangélicos aos afro-religiosos, conforme registrado no âmbito da PNPIR, não é unânime. A expressão “intolerância religiosa” continua a ser adotada por parte do movimento afro-religioso. Também não há uma concordância geral no uso da expressão “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”. A quem prefira seguir afirmando suas práticas como “religião”. Visto que são variadas as religiões afro-brasileiras, é plural o movimento social delas emanado, embora uno em seu objetivo primeiro: garantir a prática religiosa de seus representados.

A luta pela garantia da prática das religiões afro-brasileiras é continuada. Nesse empenho, as categorias “raça” e “religião” são acionadas estrategicamente pelos agentes afro-religiosos. Isso fica evidenciado na construção, por parte do movimento afro-religioso, da categoria “povos e comunidades tradicionais de matriz africana” em que há a exclusão o termo “religião”. No entanto, ao se mobilizar contra o “racismo religioso”, esse movimento social tem que afirmar suas práticas enquanto “religião”, ou melhor, “religiões”. Essas religiões carregam uma marca racial, negra, quando já abertas a todos, demonstrando como podem ser controversos e mesmo complexos os enredamentos das categorias “raça” e “religião” quando fenômenos religiosos são observados pelas lentes antropológicas.

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  • 1
    De acordo com as atuais normas ortográficas da língua portuguesa, a palavra “afro-religioso” - e suas flexões de número e gênero - deve ser escrita sem o uso do hífen, adotando-se a grafia “afrorreligioso”. No entanto, opto pela versão hifenizada para salientar o prefixo “afro-” enquanto um qualificativo de “religioso”.
  • 2
    Uso neste texto a expressão “grupos evangélicos” de forma mais genérica, não indicando as denominações que são protagonistas dos mencionados ataques. Na verdade, são variadas as denominações, principalmente, vinculadas à vertente neopentecostal, que constitui a fase mais recente do movimento pentecostal, o que não exclui desse processo algumas igrejas mais antigas. Sobre o uso do termo “ataque” para nomear as investidas públicas de grupos evangélicos contra os afro-religiosos, sigo o proposto por Vagner Gonçalves da Silva (2007SILVA, Vagner Gonçalves da (org.). (2007), Intolerância religiosa. Impactos do neopentecostalismo no campo religioso afro-brasileiro. São Paulo: Edusp.).
  • 3
    O presidente Lula e a presidenta Dilma foram eleitos enquanto filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT). A presidenta Dilma, em seus dois mandatos, teve como vice-presidente Michel Temer, filiado ao então Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Temer assumiu a presidência em agosto de 2016, após o impeachment sofrido pela presidenta Dilma.
  • 4
    Em 2010, com a publicação da Lei nº 12.314, a Seppir passa a ser nomeada Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, excluindo a palavra “especial”.
  • 5
    Na legislatura 2003-2006, havia 77 parlamentares evangélicos no Congresso Nacional. Esse período corresponde ao primeiro mandato do presidente Lula (Trevisan 2013).
  • 6
    Conforme o Decreto nº 6.040/2007 que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, “povos e comunidades tradicionais” são: “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Brasil 2007).
  • 7
    Para uma análise detalhada sobre a construção da categoria discursiva “povos e comunidades tradicionais de matriz africana”, ver Morais (2018). Para a relação dessa categoria com a ideia de diversidade cultural, ver Morais e Jayme (2017MORAIS, Mariana Ramos de; JAYME, Juliana Gonzaga. (2017), “Povos e comunidades tradicionais de matriz africana: uma análise sobre o processo de construção de uma categoria discursiva”. Civitas, Porto Alegre, vol. 17, nº 2: 268-283, mai-ago. ).
  • 8
    Em 2010, por exemplo, a Seppir apoiou a execução de nove marchas pela liberdade religiosa em municípios dos estados da Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e no Distrito Federal.
  • 9
    Essas duas sacerdotisas ou, nos termos dos afro-religiosos, “autoridades tradicionais” já se tornaram ancestrais. Makota Valdina faleceu em março de 2019 e, Mãe Beata, em maio de 2017.
  • 10
    Isso era expresso em suas manifestações públicas, como em entrevistas, debates, manifestações e também está posto em suas obras escritas como nos livros Caroço de dendê: a sabedoria dos terreiros, de Mãe Beata, e Meu caminhar, meu viver, de Makota Valdina.
  • 11
    Vale lembrar que não são apenas os afro-religiosos buscam amparo da legislação sobre o racismo para buscar garantir o seu direito à prática religiosa (Silva Jr. 2007).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2021
  • Aceito
    10 Dez 2021
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