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Capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe: en busca de un nuevo paradigma

RESENHAS

Capital social e redução da pobreza: o ponto de vista da CEPAL

Celene Tonella

ATRIA, Raúl, SILES, Marcelo, ARRIAGADA, Irma, ROBIMSON, Lindon J. & WHITERFORD, Scott. (comps.). 2003. Capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe : en busca de un nuevo paradigma. Santiago do Chile: Comisión Económica para América Latina y el Caribe-University of Michigan Press.

Os textos que compõem a obra Capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe: en busca de un nuevo paradigma1 1 O livro encontra-se disponível na íntegra no sítio da cepal ( http://www.eclac.cl). foram produzidos para atender à iniciativa da CEPAL (Comisión Económica para América Latina y el Caribe), que organizou no ano de 2001 a Conferência "Hacia un nuevo paradigma: capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe". Como não poderia deixar de ser para trabalhos com esse perfil, a heterogeneidade e dispersão fazem-se presentes e os dezenove capítulos bem que poderiam estar subdivididos em ao menos três volumes. O livro compõe-se de seis partes, a saber: "Capital social y desarrollo", "Capital social, pobreza y políticas públicas", "El capital social en la dimensión de género", "El capital social en el mundo rural" e "Reflexiones sobre el capital social". Ao longo de suas seiscentas páginas tem-se estudos teóricos e reflexões sobre casos concretos, não apenas da América Latina e do Caribe como até mesmo sobre o Sri Lanka. Observe-se que não há nenhum autor brasileiro entre aqueles selecionados para compor a obra.

Nos últimos anos, não apenas a CEPAL como outros organismos internacionais têm dado especial atenção às pesquisas referentes ao capital social. No capítulo IX, intitulado "La pobreza em la ciudad: capital social y políticas públicas", Guillermo Sunkel frisa que o conceito de capital social entrou no debate acadêmico promovido pelas agências internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Afirma que o Banco Mundial, ao reconhecer o potencial do capital social, destinou recursos para investigar de que maneira esse componente habilita os setores pobres a participarem e beneficiarem-se do processo de desenvolvimento. Em seu texto introdutório, José Antonio Ocampo enfatiza que "desde la perspectiva de la CEPAL, el capital social se entiende como el conjunto de relaciones sociales basadas en la confianza y los comportamientos de cooperação y reciprocidad" (p. 13) e faz a pergunta norteadora de toda a conferência: qual a contribuição que se pode esperar dos instrumentos de desenvolvimento e mobilização do capital social para sustentar e aplicar políticas sociais efetivas destinadas à redução da pobreza?

Após a leitura da obra, é possível compreender de que maneira as agências internacionais de fomento, particularmente a CEPAL, encaram o que seja capital social e como pode ser instrumentalizado para o combate à pobreza e o fomento ao desenvolvimento. É preciso ressaltar primeiramente que há no livro um imenso esforço dos autores para definir o que seja capital social e a possibilidade de sua quantificação, ou seja, saber quando uma comunidade teria mais ou menos capital social. Diante desse esforço, surge uma infinidade de "tipos" de capital social: para John Durston (capítulo V – "Capital social: parte del problema, parte de la solución") há dois tipos de capital social, o individual e o comunitário (coletivo); já para G. Sunkel (capítulo IX – "La pobreza en la ciudad: capital social y políticas públicas") há o capital social formal e o capital social informal. Raúl Atria (capítulo XIX – "Capital social: concepto, dimensiones y estrategias para su desarrollo") faz uma outra subdivisão, que vai do capital social restrito ao capital social ampliado.

Os autores lançam mão de uma vasta bibliografia e são recorrentes as referências aos teóricos fundadores da discussão como Coleman e, principalmente, Putnam. No entanto, uma outra presença faz-se presente no texto: a de Francis Fukuyama, professor de Economia Política Internacional na Universidade Johns Hopkins.

Esse teórico ficou conhecido entre nós na década de 1990 quando lançara a tese do "fim da história", em virtude do fim da União Soviética e da derrocada dos regimes chamados socialistas.

Consideramos importante atermo-nos um pouco mais ao que fala Fukuyama, já que é uma referência recorrente. Em seu discurso de abertura, incorporado ao livro como o capítulo II ("Capital social y desarrollo: la agenda venidera"), Fukuyama questiona a acusação de que o chamado Consenso de Washington tenha sido um fracasso generalizado e considera que foi exitoso em países como a Estônia, México e Polônia. Argumenta que o projeto foi aplicado de modo incompleto, entre outros motivos porque não levou em conta o capital social. Para que o processo de liberalização fosse efetivo, o autor entende a necessidade de um Estado com raio de ação limitado mas poderoso no que se refere ao cumprimento das leis e competente na formulação de políticas. Por outro lado, seria imprescindível o estímulo à organização dos indivíduos para as instituições fortalecerem-se e a fiscalização ocorrer no sentido de combater as práticas de desvio de recursos públicos e corrupção, por exemplo.

Para além do senhor Fukuyama, a obra reúne estudos de casos bastante interessantes. Dedicarei um pouco mais de atenção à parte que trata de capital social e políticas públicas. Sunkel, no capítulo IX, já citado, propõe-se a vincular a discussão sobre capital social com a de pobreza urbana. Ao fazer um balanço da literatura sobre capital social, elenca temas recorrentes e que se pode considerar como aspectos ou dimensões do capital social: participação em redes, reciprocidade, confiança, normas sociais e propositividade. Entende que o capital social representa uma visão positiva da capacidade das pessoas em superar suas limitações, fruto da pobreza: os pobres têm o potencial para atenuar as desigualdades por meio de iniciativas como a criação de redes e da organização coletiva.

O autor, a partir da realidade chilena, reúne os fatores que geram a exclusão nos complexos urbanos: processo de urbanização da pobreza, isto é, o fenômeno da migração do espaço rural para as periferias dos centros urbanos; a segregação do trabalho (pessoas que estão em idade produtivas mas fora do mercado de trabalho); segmentação no processo educacional (as deficiências expressas no sistema de ensino público) e, finalmente, a segregação sócio-espacial que se manifesta na dualidade centro-periferia. Em seguida, ainda com base em dados referentes ao Chile, afirma que, se em dada comunidade estão presentes atributos como as percepções de segurança e confiança, a participação comunitária e as redes interpessoais, passos importantes foram dados para superar as diferentes formas de exclusão.

Na quarta parte, dedicada à dimensão de gênero, despertam interesse as observações de Sonia Montaño no capítulo XI ("Políticas para el empoderamiento de las mujeres como estratégia de lucha contra la pobreza"). A afirmação de que as mulheres representam a maioria entre os pobres é um dos fundamentos do conceito de feminização da pobreza, mas a autora argumenta que os dados disponíveis em relação à América Latina não são definitivos, pois os indicadores de pobreza não são sensíveis às questões de gênero. Eles seriam desenhados para responder perguntas do ponto de vista das famílias e não contemplariam o ponto de vista de gênero. A autora discorre sobre a presença invisível das mulheres na estruturação da vida cotidiana das famílias pobres e afirma que são recursos gratuitos não-valorizados. Elas são responsáveis pelo desenvolvimento, fortalecimento e recriação de redes sociais. As mulheres substituiriam o mercado na provisão de serviços de cuidado infantil, atenção à terceira idade, saúde comunitária e reformas educativas.

A autora entende que o discurso de feminização da pobreza tem servido para justificar programas focalizados, de caráter assistencial e que não são verdadeiramente emancipatórios. A exclusão social acaba por desabilitar a mulher a participar de decisões políticas, do mercado e também da família. O texto de Montaño é um dos únicos a destacar a dimensão mais diretamente política da participação e da emancipação das mulheres.

Na seção dedicada ao mundo rural, merece destaque o capítulo XIV ("El capital social y las políticas de desarrollo rural. ¿Punto de partida o punto de llegada?"), de Beatriz David e Laura Malavassi. As autoras, ao longo do trabalho, procuram respostas para perguntas como: quais são as características do capital social nas zonas rurais? Como se mobiliza esse capital social? Como se pode aproveitar do capital social para superar a pobreza rural? As respostas são buscadas a partir do balanço da literatura existente em confronto com situações concretas do meio rural latino-americano. As autoras sustentam que nas comunidades rurais existe capital social, que se manifesta de diferentes formas e em distintos níveis. Há uma multiplicidade de atores e detecta-se a presença de redes de intercâmbio tanto em nível horizontal quanto vertical. Trata-se de um dos trabalhos em que a dimensão das escalas aparece problematizada. As autoras insistem que projetos emergenciais e localizados não inócuos se não forem pensados de modo articulado e emancipatório. Afirmam que o êxito dos projetos para superação da pobreza vai além do ato de suprir o grupo com recursos físicos e naturais: o esforço deve ocorrer por meio de um processo de ampla inclusão social, que passa pelo acesso às instâncias de tomada de decisões das comunidades envolvidas. Assim, pregam a necessidade de fomentar o capital social no nível local mas também em outros níveis, já que as comunidades relacionam-se com o Estado e o setor privado.

Ainda sobre o mundo rural, o capítulo XV, intitulado "Capital social e intensificación de lãs estratégias de vida: organizaciones locales e islas de sostenibilidad en los Andes rurales", de autoria de Anthony Bebbington, traz estudos de casos bastante interessantes. O autor descreve situações que envolvem comunidades rurais andinas, basicamente do Equador e da Bolívia e parte da crítica à literatura mais ortodoxa que aponta genericamente a existência de uma crise ambiental nos Andes. Sustenta que existem ilhas de sustentabilidade, ainda que rodeadas de empreendimentos não sustentáveis. Bebbington analisa seis casos divididos em pares: Sablog e Gatezo, no Equador; Potosi e Quiwi-Quiwi na Bolívia e, também, Salinas no Equador e Alto Beni, na Bolívia. A hipótese central do trabalho é que as comunidades em análise obtiveram sustentabilidade graças à capacidade de integração das famílias e do capital social disponível localmente com organizações na dimensão vertical. Foram capazes de negociar com outros atores que regulam o funcionamento de diferentes mercados, a geração de tecnologia, a formação e o conhecimento daqueles que definem o acesso social aos meios de produção. O autor faz a ressalva que tal capacidade de articulação não foi autogerada: dependeu dos apoios técnico, logístico, financeiro e político de diferentes atores como igreja, organizações não governamentais, sindicatos, partidos políticos e outros.

A sexta parte do livro contém um único artigo, sob o título "Capital social: concepto, dimensiones y estretégias para su desarrollo", que pertence a um dos organizadores do material, o pesquisador Raúl Átria. Sua função na obra é de fazer um balanço geral na produção que compõe o livro. Átria reconhece a dificuldade em conceituar a noção de capital social e que o conteúdo apresenta uma ampla gama de definições e aplicabilidades. Delineia, não obstante, dimensões distintas para abordar o conceito. Na primeira, o capital social é entendido como "una capacidad específica de mobilización de determinados recursos por parte de um grupo" (p. 582). A segunda "se remite a la disponibilidad de redes de relaciones sociales" (p. 582). Ressalta que em torno da capacidade de mobilização estão presentes as noções de liderança e de empowerment.

Em continuidade à tentativa de síntese, afirma que o capital social de um determinado grupo poderia ser entendido como a capacidade da mobilização em benefício da coletividade. Os recursos associativos que importam são as relações de confiança, reciprocidade e cooperação.

Entendemos que a maioria dos autores coloca o tema capital social desfocado do campo da política e atribui a ele um significado instrumental e reducionista. É atribuído à sociedade civil o papel de executora de programas sociais, moldadas em diretrizes não-emancipatórias. As comunidades e os movimentos são estimulados a estruturarem-se localmente e de maneira horizontalizada. Em sua obra clássica, Putnam já apresentava essa dimensão de organização como essencial para o trabalho coletivo. Para ele, não ir adiante na proposição de organização plena bloqueia o fortalecimento das instituições políticas, pois o sistema político seria um reflexo das particularidades locais

A obra tem como objetivo a busca de um novo paradigma para a superação da pobreza imediata entre os povos da América Latina e do Caribe; os pilares de sustentação da proposta são: 1) necessidade de crescimento nos marcos do liberalismo econômico para que haja a redução da pobreza e 2) a participação da população pobre e os processos de descentralização permitem uma eficácia maior do modelo ao combater a corrupção, o clientelismo e o mal uso do dinheiro público. A maioria das discussões não inclui propostas de uma verdadeira emancipação social e os limites à participação na definição de um novo sistema político inclusivo parecem bastante curtos. Os textos não trazem um conteúdo que apontem mecanismos econômicos e políticos que superem o desajuste estrutural que perpassa todos os países da América Latina e do Caribe.

Ainda que se trate de uma obra de composição heterogênea, sua leitura justifica-se, primeiramente por permitir o acesso ao discurso da CEPAL sobre a participação comunitária e a organização de comunidades fragilizadas da América Latina, por meio do fortalecimento do capital social existente. Em segundo lugar, permite o acesso a inúmeros estudos de casos que enfocam a diversidade latino-americana, seja no espaço urbano, seja no rural, ou ainda, enfocando discussões específicas, como é o caso do gênero. Finalmente, é a porta de entrada para o contato com uma vasta bibliografia sobre o capital social.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLEMAN, J. S. 1988. Social Capital in the Creation of Human Capital. American Journal of Sociology, Chicago, n. 1, Supplement, p. S95-S120.

PUTNAM, R. D. 2000. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas.

ATRIA, R., SILES, M., ARRIAGADA, I., ROBINSON, L. J. & WHITERFORD, S. (comps.). 2003. Capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe : en busca de un nuevo paradigma. Santiago do Chile: Comisión Económica para América Latina y el Caribe-University of Michigan Press. http://www.eclac.cl. Acesso em : 25.jan.2003.

Recebido em 12 de maio de 2003

Aprovado em 20 de maio de 2003

Celene Tonella (celene@wnet.com.br) é Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Pós-doutora em Políticas Públicas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá (UEM)

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    O livro encontra-se disponível na íntegra no sítio da cepal (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Jan 2004
    • Data do Fascículo
      Nov 2003
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